RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO JUDICIÁRIO
Sumário

Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. artigo 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

1 – O fundamento do recurso extraordinário de revisão previsto na alínea c) do artigo 696º do Código de Processo Civil pressupõe a falta de conhecimento do documento ou impossibilidade da sua apresentação no âmbito do processo em que foi proferida a decisão revidenda e a sua suficiência exclusiva para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente.
2 – A relevância do documento apenas tem lugar quando não tenha sido objectiva e subjectivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na acção onde foi proferida a decisão revidenda.
3 - Para o preenchimento do fundamento de revisão previsto na alínea h) do artigo 696º do Código de Processo Civil é necessário, atentas as exigências da responsabilidade civil por erro judiciário, alegar a manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade ou a sua injustificação por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto, não bastando, para o efeito, a mera afirmação de que a decisão é inconstitucional ou que a interpretação normativa viola princípios constitucionais.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO
A …[1] deduziu, em 18 de Julho de 2024, recurso extraordinário de revisão, com base no disposto no art.º 696º, alíneas c) e h) do Código de Processo Civil[2], por apenso ao processo n.º 10900/21.9T8LSB contra B …[3] e ESTADO PORTUGUÊS, visando obter a revogação da sentença proferida nestes autos, em 28 de Maio de 2024, que julgou a acção improcedente e absolveu o réu B… do pedido de condenação no pagamento da quantia de 3 000,00 €, acrescida de juros, calculados desde a data da citação.
Alegou, para tanto, muito em síntese, o seguinte[4]:
- Na acção, onde pretendia exercer o direito de regresso contra o réu, por ter pagado a quantia em que ambos foram solidariamente condenados a pagar a C …, que intentou execução para cobrança da respectiva quantia, foi notificado para informar se houve pagamentos à exequente, o estado do processo e se foi feito algum pagamento directamente pelo agente de execução, para o que requereu essa informação ao juiz competente;
- Não obstante ter disso informado o tribunal, foi proferida sentença de improcedência do pedido, sendo que havia requerido certidão electrónica, que por erro do Tribunal/plataforma informática, antes não fora emitida, vindo a ser emitida certidão manual, que junta;
- Trata-se de documento superveniente que altera a decisão proferida;
- Existiu um anormal funcionamento da administração judiciária, que não forneceu a informação/certidão solicitada, no prazo legal, quer por culpa dos serviços quer da plataforma electrónica, que lhe causou óbvios prejuízos, como a improcedência da acção, pelo que há responsabilidade do Estado Português, a calcular posteriormente (artº. 701º nº 1 al. e) do CPC), mas que não deverá ser inferior a 5.000,00 € (cinco mil euros), por se verificarem todos os pressupostos do art.º 483º do Código Civil.
Em 23 de Outubro de 2024 foi proferida decisão que indeferiu liminarmente o recurso de revisão, por absoluta falta de fundamento legal[5].
Inconformado com esta decisão, o recorrente veio interpor o presente recurso de apelação, cuja motivação concluiu do seguinte modo[6]:
1ª O pagamento foi alegado na p. i., duplamente.
2ª A informação certificada exigida pelo tribunal foi logo requerida a quem podia dá-la (outro tribunal).
3ª E tal informação provaria logo, como provou, não só o pagamento, mas tudo o demais a ele inerente, sendo alegação e prova face ao artº 364º do CC.
4ª Não tendo sido fornecida pelo tribunal via eletrónica, acabou por sê-lo via manual.
5ª De tal facto não teve o A./recorrente qualquer culpa.
6ª Tal documento serve para recurso de revisão.
7ª E sendo que a responsabilidade daí decorrente é (também) do tribunal “ad quem”.
Termina pedindo a procedência do recurso.
Contra-alegou o Ministério Público pugnando pela manutenção da decisão recorrida[7].
Citado o requerido tanto para os termos do recurso como para os da causa, este apresentou contra-alegações sustentando a correcção da decisão recorrida[8].
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
De notar, contudo, que a restrição do objecto do recurso pode ser tácita quando se verifique a falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, apesar da amplitude decorrente da motivação do recurso, o recorrente acaba por restringir o seu objecto através das questões identificadas nas respectivas conclusões. De igual modo, em sentido inverso, devem também ser desatendidas as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, ou seja, a pronúncia do tribunal ad quem apenas poderá incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo ser confrontado com questões novas - cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 139.
Não obstante o recorrente tenha suscitado a nulidade da decisão por violação do disposto no art.º 615º, n.º 1, b), c) e d) do CPC (ainda que com total ausência de densificação ou concretização em que se traduziria a apontada nulidade) e, bem assim, tenha mencionado na motivação que existiu erradamente absolvição do pedido ao invés de absolvição da instância, certo é que, por um lado, nas conclusões do recurso nenhuma alusão efectuou a essa matéria, restringindo, desse modo, o respectivo objecto em função das questões que ali identificou e, por outro, a segunda questão não foi suscitada perante a 1ª instância, que sobre ela não se pronunciou.
Assim, perante as conclusões das alegações do apelante a questão que se impõe apreciar é se o estado dos autos permitia concluir liminarmente pela falta de fundamento para a revisão.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e ainda os seguintes factos que foram enunciados na decisão recorrida e que se extraem da tramitação da acção principal e, bem assim, os que resultam dos documentos juntos com o requerimento de recurso extraordinário de revisão:
1. O autor propôs uma acção pretendendo exercer o direito de regresso contra um co-devedor solidário, em virtude de, num processo executivo em que os mesmos constavam como executados, «a pensão do autor [ter sido] penhorada».
2. Em 22-01-2024, foi proferido despacho com o seguinte teor: «I. Do aperfeiçoamento do articulado inicial: Considerando que a penhora não se confunde com o pagamento, ao abrigo do art.º 590.º, n.º 2, al. b) do CPC, convida-se o autor a, no prazo de 10 dias, informar se houve lugar ao pagamento de algum montante à exequente e, em caso afirmativo, qual. Deverá, ademais, juntar aos autos (i) informação certificada sobre o estado do processo (ii) informação sobre se foi feito algum pagamento, directamente pelo A.E. e/ou nos termos do art.º 779.º, n.º 4, al. b) do CPC».
3. Nessa sequência, o autor, não correspondendo ao convite ao aperfeiçoamento formulado (designadamente quanto à alegação da existência de pagamento e, em caso afirmativo, qual), limitou-se a informar que «requereu a informação certificada ao tribunal de execução (doc.1), aguardando o seu fornecimento».
4. Após audição das partes sobre tal matéria foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, em que se plasmou «DO CONHECIMENTO DO MÉRITO DA ACÇÃO: Atendendo à conduta processual do autor que, convidado a aperfeiçoar a petição inicial («Considerando que a penhora não se confunde com o pagamento, ao abrigo do art.º 590.º, n.º 2, al. b) do CPC, convida-se o autor a, no prazo de 10 dias, informar se houve lugar ao pagamento de algum montante à exequente e, em caso afirmativo, qual», cf. despacho de 22-01-2024), nada disse, ao abrigo do disposto nos arts. 7.º, n.ºs 2 («o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes (…) convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes (…)») e 3 («as pessoas referidas no número anterior são obrigadas a (…) prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º»), 8.º (dever de boa-fé processual) e 417.º, n.º 1 (dever de cooperação), todos do CPC, conjugados com o regime do ónus de alegação previsto no art.º 5.º, n.º 1 do mesmo diploma, devendo o objecto processual ser definido na fase dos articulados, 552.º, n.º 1, al. d) do CPC, considera-se precludida a possibilidade de o fazer em momento ulterior.
Assim, a questão sub judice é essencialmente jurídica, reunindo os autos todos os elementos necessários à prolação de uma decisão de mérito; passando, assim, a proferir-se, nos termos do art.º 595.º, n.º 1 do CPC, sentença».
5. Na sentença, proferida em 28-05-2024, deu-se como assente o facto «1. Por sentença proferida em 16-06-2003, no âmbito do proc. n.º …/…, que correu termos no ….º Juízo Criminal de Lisboa, foi decidido «julg[ar] procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante (…) contra os demandados A … e B … e, em consequência, conden[ar] estes solidariamente a pagar àquela a título de danos não patrimoniais a quantia de 3.990,38 euros».
6. Plasmando-se, ademais, que «Todos os demais factos, ainda que não controvertidos, que não se encontram vertidos na factualidade assente não foram considerados para a boa decisão da presente causa, porquanto constituem factos conclusivos, repetitivos, irrelevantes (v.g. os que respeitam à penhora, que não se confunde com o pagamento) ou de Direito».
7. E, na motivação de direito: «Da sentença cujo teor foi plasmado na factualidade assente decorre a condenação dos réus no pagamento de um valor, em regime de solidariedade, aplicando-se à referida obrigação as regras plasmadas nos arts. 512.º e seguintes do Código Civil.
Decorre do art.º 524.º do mesmo diploma que «o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete».
A satisfação do crédito dá-se pelas formas previstas no Código Civil, designadamente o pagamento. A penhora constitui um acto jurídico através do qual é limitada a faculdade de dispor livremente de um bem ou direito de que se é titular, cumprindo uma função de conservação do património a executar e de garantia do pagamento, tendo por fundamento o art.º 817.º do CC, não se confundindo com aquele.
Uma vez que o autor se limita a invocar a penhora dos seus rendimentos, não estando alegada a satisfação do direito do credor além da parte que lhe compete (cf. artr. 524.º do CC), não se mostra preenchida a previsão normativa que estatui o efeito jurídico pretendido».
8. Concluindo-se pela absolvição do réu do pedido.
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9. Com o seu requerimento de recurso extraordinário de revisão, o requerente juntou os seguintes documentos:
. Comprovativo de entrega de peça processual, com data de entrega de 26 de Junho de 2024, dirigido ao processo n.º …/…, Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz …, com comprovativo do pagamento através Multibanco do valor de 10,20 Euros, efectuado em 19 de Junho de 2024, e comprovativo de requerimento de emissão de certidão electrónica, indicando como elementos processuais a certificar “comprovativos das entregas à exequente dos valores penhorados ao executado” e como justificação do interesse/necessidade da certidão: “Em sede de acção declarativa ao requerente foi, por despacho judicial, ordenada a junção de informação certificada sobre os pagamentos feitos à executada com valores penhorados ao executado” (documento n.º 1);
. Notificação dirigida ao requerente, emitida no processo n.º …/…, com data de 25 de Junho de 2024, com o seguinte teor: “Fica V. Exª notificado, relativamente ao pedido de certidão efectuado, para indicar qual o sujeito processual a que a mesma se refere, sendo que o pedido deverá ser feito novamente para a competente execução, uma vez que existem várias.” (documento n.º 2);
. Requerimento dirigido ao processo n.º …/…, Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz …, em que o requerente solicita ao senhor Juiz que responda ao seu requerimento, que anexa (idêntico ao documento n.º 1), “já que, em sede de pedido de certidão não se consegue tal informação”, juntando cópia de requerimento dirigido ao processo n.º …/… solicitando informação certificada a que se alude no despacho de 22 de Janeiro de 2024 proferido no processo n.º 10900/21.9T8LSB, com cópia do despacho transcrito no ponto 2. e da notificação que constitui o documento n.º 2 (documento n.º 3);
. Cópia impressa de informação constante de página “certidão judicial electrónica”, com data de 15 de Julho de 2024, constando a seguinte informação: data do pedido: 12 de Junho de 2024, 1º Juízo Criminal de Lisboa (Extinto), processo …/…, com indicação do estado: “certidão em fase de emissão” e prazo de pagamento: 22 de Junho de 2024 (documento n.º 4);
. Certidão extraída do processo de execução n.º …/…, com data de 16 de Julho de 2024, contendo o despacho proferido em 22 de Março de 2023, que determina a cessação dos descontos na pensão do executado, tendo já sido efectuados descontos no montante total de 6 660,40 € e ordena a liquidação dos autos, com liquidação e baixa dos autos a 8 de Maio de 2023 e declaração de extinção de 14 de Setembro de 2023 (documento n.º 5).
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A decisão recorrida indeferiu liminarmente o requerimento de interposição de recurso extraordinário de revisão consignando o seguinte:
“Conforme decorre da matéria de facto supra exposta, o motivo da improcedência da acção principal prendeu-se, única e exclusivamente, com o incumprimento do ónus de alegação (cf. art.º 5.º, n.º 1 do CPC), mesmo após convite para o efeito; sendo certo que, por se tratar de executado na acção respectiva (tendo acesso a esses autos), mesmo não dispondo da certidão solicitada, o autor não estava impedido de o cumprir (nem alegou qualquer facto a esse respeito, v.g. solicitando uma prorrogação de prazo).
O ónus de alegação não se confunde com o ónus da prova, sendo a primeira questão prévia à segunda: um facto não alegado não pode, logicamente, ser objecto de prova.
Ora, em momento algum o autor alegou que foi realizado um pagamento e, em caso afirmativo qual, mesmo após convite para o efeito.
Neste contexto, é manifesto que não se verifica o pressuposto normativo do art.º 696.º, al. c) do CPC em particular na parte em que estabelece que o «documento seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida».
Muito menos está preenchida a previsão do art.º 696.º, al. h) do CPC; não só por não estar alegada qualquer responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, ou o esgotamento dos meios de impugnação da decisão quanto à matéria susceptível de originar a responsabilidade civil do Estado, como porque o recorrente contribuiu por omissão (de aperfeiçoamento da petição inicial) e de forma manifesta para o vício que imputa à decisão (cf. art.º 696.º-A do mesmo diploma).
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Face ao exposto, por absoluta falta de fundamento legal, indefere-se liminarmente o recurso de revisão.
Custas pelo recorrente (cf. art.º 527.º, n.º 1 do CPC), sem prejuízo da isenção decorrente do apoio judiciário.”
O recorrente insurge-se contra o assim decidido pela seguinte ordem de razões:
» O pagamento da quantia foi alegado no artigo 6º da petição inicial, sendo que a penhora realizada visa o pagamento;
» O despacho de convite ao aperfeiçoamento exigia a prestação de informação certificada sobre o pagamento, informação que logo requereu e que não foi fornecida por erro electrónico do tribunal, pelo que o documento que apresentou serve para modificar a decisão.
Por sua vez, o Ministério Público e o réu/recorrido sustentam que o recorrente não alegou o pagamento, apesar de ter sido expressamente convidado a aperfeiçoar a sua petição inicial, pelo que a necessidade de junção da certidão apenas se colocava se o facto tivesse sido alegado.
O art.º 696º do CPC enuncia de modo taxativo as diversas situações que determinam que uma decisão transitada em julgado possa ser objecto de revisão figurando, nas suas alíneas c) e h) as circunstâncias decorrentes de duas situações distintas: a apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida e ser a decisão susceptível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no art.º 696º-A, ou seja, não ter o recorrente contribuído, por acção ou omissão, para o vício que imputa à decisão e estarem esgotados todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria susceptível de originar a responsabilidade civil do Estado.
O art.º 699º, n.º 1 do CPC permite o indeferimento do recurso de revisão quando não tenha sido instruído de acordo com o disposto no art.º 698º do mesmo diploma legal ou quando se reconheça de imediato que não há motivo para revisão.
O recurso extraordinário de revisão é um meio processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de alguma das causas enunciadas nas alíneas do art.º 696º do CPC.
Enquanto com a interposição de qualquer recurso ordinário se pretende evitar o trânsito em julgado duma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão de uma sentença transitada em julgado.
O recurso de revisão constitui o último remédio contra os eventuais erros que afectem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação pela via dos recursos ordinários.
Ao lançar-se mão deste meio processual pretende-se a substituição da decisão revidenda por outra sem a anomalia que justificou a impugnação.
Nestes casos ocorre um conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.
“Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora. Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio” – cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, Coimbra, 1985, pág. 336.
O recurso extraordinário de revisão está estruturado em duas fases:
1) A fase rescindente, destinada a afastar ou “rescindir” a decisão transitada em julgado;
2) A fase rescisória, que se segue à anulação ou rescisão da decisão transitada e visa retomar o processo e aí obter uma decisão que substitua a rescindida ou anulada.
Como é sabido, a natureza jurídica da revisão tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e na jurisprudência, sendo qualificada como uma verdadeira acção, como autêntico recurso ou como misto de recurso e de acção, sendo que a solução encontrada assume relevo, desde logo, para determinação da lei aplicável.
Disso dava já conta o Prof. Alberto dos Reis, in op. cit., pp. 373-377 referindo:
“Os recursos extraordinários abrem um processo novo; têm a natureza de acções autónomas. Como, porém, o seu objecto é constituído por um processo e uma decisão anterior (ou só por esta), a lei assimila-os, sob vários pontos de vista, aos recursos ordinários. […]
[…] A revisão tem carácter híbrido, é um misto de recurso e de acção. Com efeito, nas duas primeiras fases (fase liminar e fase rescindente) a revisão apresenta a feição de recurso; na terceira fase (fase rescisória) a revisão assume a natureza de acção pròpriamente dita. […]
É fora de dúvida que com o trânsito em julgado da sentença a instância iniciada pela propositura da acção respectiva (art.º 267º) extinguiu-se (art.º 292º). A parte vencida interpõe o recurso de revisão. O que sucede?
Sucede que se abre uma instância, a qual morre ao nascer, se o requerimento é indeferido, ou prossegue, se o juiz lavra despacho de admissão. […]
Parece-nos claro que esta instância aberta pelo recurso de revisão é a própria instância que o caso julgado extinguira. […]
Com o recurso de revisão pretende-se um novo exame da mesma causa. Se o recurso obtém provimento ou está em condições de seguir, o processo anterior retoma o seu vigor […] é por isso que a instância tem de manter-se a mesma quanto às pessoas, quanto ao pedido e à causa de pedir (art.º 268º). […]
Portanto a revisão caracteriza-se desta maneira: é um recurso que se destina a fazer ressurgir uma acção finda e que vai reabrir uma instância anterior.”
Perfilha esta doutrina, na esteira também de Amâncio Ferreira, Francisco Ferreira de Almeida, considerando a revisão como uma figura processual híbrida: um misto de acção e de recurso – cf. Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pág. 567.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2014, 5078-H/1993.L2.S2[9] dá-se conta, precisamente da diversidade de posições, aí se concluindo, ao que se depreende, pela consideração da revisão como acção autónoma:
“É certo que tem uma componente mista (peculiar, sobretudo, se a acção passar a fase rescidente), com uma tramitação própria, mas essa singular tramitação não o descaracteriza como acção autónoma. Com ele inicia-se um processo novo cujo fim último é destruir o caso julgado formado em acção anterior.
Não sendo, sequer enxertado na acção anterior, mas implicando uma petição inicial onde devem ser expostos os fundamentos da revisão, prevendo indeferimento liminar e, só passado esse crivo, uma fase de instrução e decisão; estes elementos, a nosso ver, caracterizam-na como acção autónoma o que não é invalidado pelo facto do objectivo que visa se relacionar com uma decisão judicial anterior.”
Referindo que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem-se pronunciando no sentido de atribuir ao recurso de revisão a natureza de acção autónoma, apesar de intimamente ligada a um processo anterior transitado em julgado, cf. acórdão desse Tribunal de 9-01-2024, 2398/06.8TBPDL-A.S1.
Seja a revisão encarada como acção autónoma, seja-o como recurso em sentido próprio, não há dúvidas que as normas que se lhe aplicam tornam-na num processo de natureza híbrida.
António Abrantes Geraldes, in op. cit., pp. 576-577 realça precisamente esta situação do seguinte modo:
“Conquanto o recurso de revisão se insira no capítulo dos “Recursos”, obedece a pressupostos e regras substancialmente diversas das que regem os recursos ordinários.
De entre as disposições gerais relativas aos recursos importa especialmente o art.º 628º (que define o trânsito em julgado) e o art.º 631º (que regula o pressuposto da legitimidade) […] Importa ainda ter em atenção o disposto no art.º 641º para o qual remete o art.º 699º.
Quanto aos demais preceitos, naturalmente que a revisão não depende nem do valor do processo, nem da sucumbência. Também não é aplicável o art.º 632.º que prevê a renúncia antecipada ao recurso, já que colide com os interesses de ordem pública subjacentes ao recurso de revisão.”
José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3ª Edição. pp. 502-503 referem que “O regime geral dos recursos ordinários não é, em regra, aplicável aos recursos extraordinários, atendendo à radical diferença entre ambas as figuras. […] afirma-se correntemente que os recursos ordinários são uma mera continuação ou prorrogação da instância, ao passo que os extraordinários constituem uma nova instância, cuja finalidade seria o aniquilamento do caso julgado […] ou, pelo menos, a renovação da instância extinta […] Por isso, se se descontar a ideia de que a parte pode livremente desistir do recurso ordinário, tal como do extraordinário, já interposto, grande parte das regras gerais dos recursos ordinários são inaplicáveis aos recursos extraordinários.”
Ademais, o recurso de revisão delimita-se pelos seus fundamentos, que se encontram enunciados no mencionado art.º 696º do CPC e que podem respeitar ao tribunal, às partes, ao objecto e à prova.
O apelante convocou, em primeiro lugar, a aplicabilidade do estatuído na alínea c) do art.º 696º do CPC, considerando que os documentos que ora juntou, designadamente a certidão extraída do processo de execução n.º …/…, com data de 16 de Julho de 2024, contendo o despacho ali proferido em 22 de Março de 2023, que determinou a cessação dos descontos na pensão do executado, tendo já sido efectuados descontos no montante total de 6 660,40 € e ordenou a liquidação dos autos, com liquidação e baixa a 8 de Maio de 2023 e declaração de extinção de 14 de Setembro de 2023, conduzem, por si só, à modificação do decidido, justificando a impossibilidade de junção anterior por responsabilidade atribuível ao Tribunal ou ao sistema informático.
Como decorre do atrás expendido, a revisão de uma decisão transitada em julgado deve ser algo excepcional, pois a regra é que o caso julgado, a bem da segurança jurídica, torne a decisão indiscutível. Estando-se perante um recurso que é extraordinário e que existe precisamente para que o caso julgado possa ser ultrapassado, as exigências para a sua admissão têm de ser particularmente cuidadas, para que não se faça da excepção a regra – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de 8-06.2021, 15/10.0TTPRT-B.P1-B.S1 e de 10-10-2022, 6940/19.6T8PRT-A.P1.S1.
No caso da alínea c) do art.º 696º do CPC exige-se:
a) falta de conhecimento do documento ou impossibilidade da sua apresentação no âmbito do processo em que foi proferida a decisão revidenda;
b) suficiência exclusiva do documento, para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-11-2012, 220344/10.0YIPRT-A.P1.
António Abrantes Geraldes refere, a este propósito, que está em causa a relevância de documento que a parte desconhecia ou de que não pôde fazer uso e que seja crucial para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente, mas apenas quando não tenha sido objectiva e subjectivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na acção onde foi proferida a decisão revidenda – cf. op. cit., pág. 580.
Será superveniente tanto o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão revidenda, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo.
Terá de tratar-se de um documento decisivo, em que a decisão revidenda teria sido diferente se esse documento tivesse sido levado em consideração pelo julgador.
Além disso, não releva o documento que apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir em juízo, poderia modificar a decisão transitada em julgado e que, além disso, poderia ter sido obtido na pendência da acção.
Assim, o condicionalismo processual associado ao documento passível de autorizar a interposição do recurso extraordinário de revisão implica novidade – o documento não foi apresentado no processo porque não existia ou, existindo o recorrente dele não pôde fazer uso - e pré-alegação - a factualidade em que se baseia a revisão tem que ser suporte ou fundamento da acção ou da defesa. Por sua vez, o condicionalismo substancial exige que o documento seja suficiente para se alcançar decisão diferente e que satisfaça a pretensão do recorrente – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2014, 2139/06.0TBBRG-G.G1.S1 e de 11-09-2007, 07A1332.
Ora, o documento pertinente junto com o requerimento de interposição do recurso de revisão consiste na certidão acima referida, que dá conta do valor dos descontos efectuados na pensão do apelante/executado e da liquidação da execução, que apurou nada mais ser devido à exequente. Ocorre, porém, tal como resulta da factualidade atrás descrita – e ao contrário do sustentado pelo recorrente –, que o facto concreto subjacente à necessidade de junção de tal documento não foi concretamente alegado na petição inicial.
Com efeito, note-se que no artigo 6º da petição inicial da acção principal o recorrente limitou-se a consignar o seguinte: “Assim, nos termos dos art.ºs 512º, 516º, 519º e 524º do CC, assiste-lhe ao ora A. o direito de regresso, pela metade da quantia paga, atenta a presunção de solidariedade”. Mas, como se deu nota na decisão recorrida, a alegação anteriormente efectuada (nos artigos 2º e 3º), foi apenas a de que foi penhorado um valor global de 6 000,00 €, através de descontos da sua pensão de reforma, sem que tenha sido feita alusão à efectiva entrega desse valor, ou de outro, à exequente, não obstante tenha sido concedida ao autor a oportunidade para esclarecer e afirmar o específico facto do qual dependia a procedência do direito de regresso que pretendia fazer valer, ou seja, a satisfação, por si, do direito do credor além da parte que lhe competia – cf. art.º 524º do Código Civil.
Como tal, o fundamento da revisão – o pagamento da quantia devida à exequente inteiramente suportado pelo autor – não foi expressamente invocado na acção.
No entanto, ainda que se admitisse, como pretende o apelante, que essa alegação está implícita na alegação da penhora sobre a sua pensão de reforma num valor de 6.000,00 €, sempre se teria de considerar que o documento que o recorrente apresenta para alcançar a modificação da decisão transitada em julgado poderia ter sido obtido na pendência da acção, independentemente das dificuldades que agora vem alegar terem existido na sua obtenção.
Na verdade, ainda que, efectivamente, tenha existido alguma demora na emissão da certidão ou algum problema informático, certo é que, de acordo com o documento junto com o recurso de revisão, o pedido de emissão de certidão electrónica terá sido formulado em Junho de 2024, ou seja, já depois da prolação da sentença.
Além disso, no seu requerimento de 24 de Janeiro de 2024, subsequente ao despacho proferido em 22 de Janeiro de 2024 referido no ponto 2., o requerente apenas deu conhecimento de que teria requerido a informação certificada ao tribunal da execução sobre o estado do processo e se foi feito algum pagamento à exequente, não tendo solicitado prazo para proceder à sua junção e, quando notificado do despacho de 2 de Março de 2024, para se pronunciar sobre a possibilidade de dispensa de audiência prévia, com a indicação de que o Tribunal considerava dispor de todos os elementos para decidir, o autor nada disse, seja para se opor à dispensa da audiência prévia, seja para informar que ainda aguardava a emissão da certidão, seja para requerer uma prorrogação de prazo para a sua junção.
Significa isto que apenas pela inércia do recorrente não lhe foi possível proceder à junção do documento que ora veio apresentar, sendo que lhe era objectivamente possível apresentá-lo a tempo de ser atendido na apreciação da causa, tivesse ele actuado diligentemente, seja junto dos autos de execução para obter de modo célere a certidão (tal como logrou fazer agora para apresentação no recurso de revisão), seja junto dos autos da acção declarativa, para obter a concessão de prazo para o efeito.
Assim, sempre estaria afastado o pressuposto da novidade do documento para ter a virtualidade de sustentar o pedido de revisão da decisão transitada em julgado – cf. no sentido de que não é atendível como fundamento do recurso de revisão uma certidão obtida depois do trânsito em julgado da decisão revidenda, mas que o recorrente, conhecedor do facto certificado, podia ter, mediante consulta oportuna, obtido antes dele, ou seja, exigindo que o pretendente à revisão tenha desenvolvido todas as diligências que estavam ao seu alcance para utilizar o documento de que tinha conhecimento e, não obstante, o não tenha conseguido, por motivo que não lhe seja imputável, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2010, 480/03.2TBVLC-E.P1.S1 e de 11-09-2007, 07A1332; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 306.
No que ao fundamento previsto na alínea h) do art.º 696º do CPC diz respeito, em rigor, o apelante deixou-o «cair» nas conclusões do seu recurso, pois que se absteve de abordar essa questão, tendo apenas referido, na conclusão 7ª, que a responsabilidade pela falta de junção do documento é também do tribunal “ad quem”, sem que se perceba se se está a reportar ao tribunal da acção, onde também foi apresentado o recurso de revisão ou ao tribunal da execução.
De todo o modo, seja como for, é claro que a previsão da alínea h) do normativo em referência não tem aqui aplicação ou, pelo menos, a sua aplicabilidade não foi factualmente convocada pelo recorrente.
A Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro introduziu no art.º 696 do CPC esta nova alínea com a seguinte redacção: “Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte”, aditando ainda o art.º 696º-A, que faz depender a admissibilidade da revisão da decisão transitada em julgado nesses casos de o recorrente não ter contribuído, por acção ou omissão, para o vício que imputa à decisão e de estarem esgotados todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria susceptível de originar a responsabilidade civil do Estado.
Estatui o art.º 13º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro sobre a “Responsabilidade por erro judiciário” nos seguintes termos:
“1- Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”
No regime da responsabilidade pelos danos causados pela administração da justiça integram-se todo o tipo de actos processuais do juiz de que resulte o arrastamento no tempo de um processo sem decisão, seja por acção, seja por omissão, ou o desrespeito da disciplina dos processos urgentes e ainda todo o tipo de actos processuais do juiz de que resulte a violação do princípio do contraditório ou do princípio da igualdade – cf. Guilherme da Fonseca e Miguel Bettencourt da Câmara, A Responsabilidade Civil por Danos Decorrentes do Exercício da Função Jurisdicional (em especial, o erro judiciário), Revista Julgar, n.º 11, pág. 17.
Em função do disposto no referido art.º 13º, o facto ilícito emergirá de uma decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal ou decisão manifestamente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
O erro judiciário pode ser um erro de direito ou um erro de facto.
Quanto ao erro de direito, a lei exige que as decisões sejam “manifestamente inconstitucionais ou ilegais”, o que pressupõe uma conexão entre a decisão e a Constituição, e, portanto, um juízo de inconstitucionalidade, isto é, o direito aplicado na decisão deve afrontar ostensivamente os princípios e a normas constitucionais, de tal forma que se possa afirmar que a decisão é, na sua ratio decidendi, contrária à Constituição.
O erro de direito deve ser qualificado, grosseiro, ostensivo, implicando uma decisão proferida contra lei expressa, contrária à Constituição ou à lei e, por isso, desconforme ao direito, evidenciando uma actividade dolosa ou gravemente negligente.
Ao erro grosseiro surge associada, assim, a noção de culpa grave a aferir em função de uma decisão jurisdicional que reflecte uma diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que estão obrigados os juízes em razão do cargo que exercem - cf. art.ºs 12º e 8º, n.º 1 da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
Contudo, ainda que limitada a tais situações de gravidade assinalável, a responsabilidade por erro judiciário reveste agora um carácter geral, pois que pode ter lugar no âmbito de qualquer domínio jurídico ou jurisdicional e por força de qualquer decisão jurisdicional e desde que produza um qualquer dano ao interessado (sem que se exija um dano anormal ou de especial gravidade).
No requerimento de interposição do recurso de revisão - peça processual em que devem ser alegados os factos constitutivos do fundamento do recurso (cf. art.º 698º, n.º 1 do CPC) - o recorrente limitou-se a aduzir que existiu “um anormal funcionamento da administração judiciária”, com “o não fornecimento da informação/certidão solicitada, no prazo legal”, “por culpa dos serviços quer da plataforma electrónica”, o que lhe causou prejuízos, estando verificados todos os pressupostos do art.º 483º do Código Civil.
Verifica-se que o recorrente mais não faz do que invocar um mau funcionamento da administração judiciária sem imputar qualquer ilegalidade à decisão revidenda assente num qualquer erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto, tendo-se abstido de concretizar, seja de que modo for, um eventual erro que lhe impute.
Para o preenchimento da causa da alínea h) do art.º 696º do CPC e atentas as exigências da responsabilidade de erro judiciário, não basta alegar que a decisão é inconstitucional ou que a interpretação normativa viola o art.º 20º da Constituição da República Portuguesa ou ainda que viola o Estado de Direito, o princípio da confiança, sendo necessário alegar e demonstrar a “manifesta inconstitucionalidade”, enquanto pressuposto da acção de responsabilidade civil.
Em consonância, será ainda menos plausível enquanto fundamento da revisão a singela arguição de um «mau funcionamento» da administração judiciária ou a falta de observância de um prazo legal, que nem sequer é identificado, limitando-se o recorrente à afirmação de um juízo conclusivo de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, sem qualquer densificação factual.
Assim, não é suficiente aludir genericamente à previsão da alínea h) do art.º 696º do CPC, com alusão a um genérico mau funcionamento dos serviços, para que haja lugar ao prosseguimento dos autos e à admissão do recurso de revisão, sendo que foi apenas isso que, objectivamente, neste caso, o recorrente alegou, pelo que falha, desde logo, o primeiro pressuposto da responsabilidade civil, prevista no art.º 13 da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, o que impunha o indeferimento do recurso extraordinário de revisão, como sucedeu – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2023, 25639/18.4T8LSB.L2.S1-A.
Não se descortinam, assim, fundamentos para divergir da decisão de indeferimento liminar proferida pela 1ª instância, por não haver motivo para revisão, nos termos do art.º 699º, n.º 1, in fine do CPC, que, como tal, se deve manter inalterada.
Improcede a apelação.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais[10], considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que o apelante decai na pretensão recursória estaria, em princípio, obrigado ao pagamento das custas devidas.
No entanto, o apelante litiga com benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo[11].
Nestas circunstâncias, não há sequer lugar a elaboração de conta de custas, nos termos do art.º 29º, n.º 1, a) do RCP, o que sucede pelo facto de a parte vencida beneficiária do apoio judiciário na mencionada modalidade não poder ser condenada no pagamento de custas (taxa de justiça, encargos e custas de parte).
Como tal, não há lugar ao pagamento de custas seja pelo recorrente, seja pelos recorridos.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Sem custas.
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Lisboa, 25 de Março de 2025[12]
Micaela Sousa
Ana Mónica Mendonça Pavão
Luís Lameiras
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[1] NIF ….
[2] Adiante designado pela sigla CPC.
[3] NIF …9.
[4] Ref. Elect. 39994351.
[5] Ref. Elect. 439183898.
[6] Ref. Elect. 41030230.
[7] Ref. Elect. 41367440.
[8] Ref. Elect. 42147516 dos autos principais.
[9] Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[10] Adiante designado pela sigla RCP.
[11] Cf. Documento junto com a petição inicial, Ref. Elect. 29108937 dos autos principais.
[12] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.