I - Não está prevista nos números 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11.01, a existência de “dois pressupostos cumulativos” para a dedução da liquidação do património incongruente, traduzidos (i) na impossibilidade de a liquidação ter sido feita na acusação e (ii) o requerimento dar entrada nos autos até ao 30.º dia anterior à data designada para o início da audiência de julgamento.
II – O que decorre do texto da lei é que a liquidação do património incongruente se faz, por via de regra, na acusação, mas, quando tal não é possível, ainda a mesma pode ser realizada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento.
III - Não há, assim, dois pressupostos temporais, mas apenas um momento habitual para a sua dedução e um limite temporal até quando tal dedução ainda é possível, caso aquela dedução habitual não se revele possível no momento da acusação.
IV - Se a lei tivesse querido eleger dois momentos temporais para aquela dedução, um normal e um anormal / excecional, tê-lo-ia dito inequivocamente e aí, sim, teria inequivocamente estabelecido um ónus de alegação e prova da impossibilidade de apresentação no momento normal, ficando dependente a respetiva admissibilidade da alegação / verificação / prova de tal apresentação.
V - Tal como está desenhado o figurino legal, a dedução de tal liquidação está dependente de um critério de oportunidade / estratégia investigatória no âmbito estrito das competências legais atinentes deferidas ao MP e pode ocorrer num determinado período.
VI - A intervenção do juiz está reduzida, neste particular e neste contexto temporal, ao controle do prazo final até quando o respetivo pedido pode ser deduzido, ou seja, até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, daqui decorrendo que inexiste qualquer existe ónus de alegação de quaisquer pressupostos temporais de admissibilidade, ou seja, não existe ónus por parte do Ministério Público de, quando deduz acusação, alegar quaisquer motivos pelos quais apenas procederá à liquidação mais tarde ou, por outro lado, deduzindo a aludida liquidação mais tarde, alegar (e provar) porque não o fez na acusação.
VII - No confisco do património incongruente, estamos perante uma realidade processual outra que não tem uma (e, consequentemente, não existe a necessidade de a demonstrar) ligação estrutural com a realidade (pelo menos a sua integralidade) económica diretamente geradora pelos proventos do crime (ou crimes) do catálogo: transcende-a e abrange a integralidade da situação económica do agente.
VIII - Daí que uma perspetiva que a ligue apenas àquele crime possa ser (e normalmente será) redutora: é demandada uma análise de todos os proventos do agente e das suas receitas.
IX - Assim, justifica-se legalmente que tal atividade esteja integralmente na esfera da matricial autoridade investigatória, apenas se impondo a sua compatibilidade processual com as garantias de defesa do arguido, ou seja, que a este lhe seja dada oportunidade de se defender de forma informada e adequada da imputação que lhe é feita, o que se obtém (neste preciso momento processual) com o controle do termo legal final previsto na lei, ou seja, que o pedido respetivo seja deduzido até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento.
X - Pretender confundir os efeitos pessoais (ficcionando dois pressupostos temporais de admissibilidade daquele pedido e impondo ónus processuais à respetiva dedução) traduz, salvo o devido respeito, uma confusão entre efeitos pessoais e atrimoniais do procedimento.
I-A. No Juízo Central Cível e Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo comum coletivo n.º 679/22.2T9MMN, no qual foi proferida acusação nos seguintes termos:
“O Ministério Público deduziu acusação pública e requereu o julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo de:
AA, filho de EE e de FF, natural de …, onde nasceu em … 1988, titular do número de identificação civil …, residente na Rua …, n.º …, …, actualmente em prisão preventiva;
BB, filho de GG e de HH, natural de …, onde nasceu em …1994, titular do número de identificação civil …, residente na Rua …, …M actualmente em prisão preventiva;
CC, filho de GG e de HH, natural de …, onde nasceu em …, titular do número de identificação civil …, residente na Rua …, n.º …, …, em prisão preventiva;
DD, filha de II e de JJ, natural de …, onde nasceu em …1994, titular do número de identificação civil …, residente na Rua … n.º …, …,
A quem imputou a prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, com referência à Tabela I–B, I-C, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sua actual redacção, e do artigo 30.º do Código Penal.
O Ministério Público promoveu a oportuna declaração de perda a favor do Estado e condenação dos arguidos no pagamento dos seguintes valores a título de perda de vantagem:
• AA: € 46.460,00;
• BB: € 24.242,00.
Mais promoveu a declaração de perda a favor do Estado dos aparelhos e veículos utilizados pelos arguidos e que se encontram apreendidos à ordem dos presentes autos, por configurarem instrumentos da prática do crime ora em causa.”
I-b. Antes de ser proferida a acusação acima mencionada, o MP fez constar dos autos o seguinte (referência Citius …):
“I. Da Intervenção do GRA – gabinete de Recuperação de Ativos
Investiga-se nos presentes autos a prática pelos Arguidos AA, BB, CC E DD de Um crime de tráfico de estupefacientes, previsto nos artigos 14.º, n.º 1, e 26.º, ambos do Código Penal, e artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referências às tabelas I-B e I-C, anexa ao referido diploma legal, e punível com pena de prisão de 04 (quatro) a 12 (doze) anos.
Assim, atento o disposto nos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 7.º, n.ºs 1 e 2, ambos da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, na redacção conferida pela Lei n.º 13/2022, de 01 de Agosto, são aplicáveis nos autos as disposições contidas em tal diploma legal.
Deste modo, tem lugar a perda ampliada de bens, para cujo efeito será necessário proceder à liquidação patrimonial do património incongruente dos arguidos, tudo nos termos dos artigos 7.º e 8º da mencionada Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
Para tal efeito, remeta ao GRA – Gabinete de Recuperação de Activos cópias dos seguintes documentos:
Importa, pois, proceder a investigação patrimonial e financeira dos Arguidos de modo a identificar e localizar bens ou produtos relacionados com a prática do crime em investigação e, posteriormente, accionar o referido instituto da perda ampliada de bens.
Por outro lado, atento à prova já colhida nos autos, designadamente o registo de voz e imagem, que permitiu tomar conhecimento das rotinas dos Arguidos, e a quantidade de produto estupefaciente e demais objectos apreendidos, importa apurar se os valores depositados nas contas bancárias do Arguido e demais bens de que é proprietário se afiguram congruentes em face do seu rendimento lícito.
Em face do exposto, determino que o GRA – Gabinete de Recuperação de Activos proceda à referida investigação patrimonial e financeira, nos termos do disposto no artigo 4.º, da Lei n.º 45/2011, de 24 de junho.
A análise deverá dirigir-se ao património dos Arguidos AA, BB, CC E DD, e deverá reportar-se ao período compreendido entre 30.10.2023 – data da constituição como arguidos - e os cinco anos anteriores.
Para tal efeito, remeta ao GRA – Gabinete de Recuperação de Activos cópias dos seguintes documentos:
a) Do presente despacho, incluindo a acusação deduzida;
b) Dos termos de constituição de arguido de AA, BB, CC E DD;
c) Do auto de interrogatório judicial de arguidos detidos;
d) do apenso I (contas bancárias).
(…).”
I-c. Em despacho proferido em 05.09.2024, foram designadas as seguintes datas para a realização de audiência de discussão e julgamento: (i) 17.10.2024, (ii) 22.10.2024; (iii) 31.10.2024.
I-d. No dia 16.09.2024, o Relatório Patrimonial e Financeiro do Gabinete de Recuperação de Ativos (GRA) ficou concluído.
Em requerimento datado de 17.09.2024 (referência Citius …), o Ministério Público requereu, invocando o art.º 8.º da Lei n.º 5/2002, de 11.01, a perda ampliada de bens a favor do Estado, contra os arguidos AA, CC e DD, apresentando, atento o disposto no art.º 7.º do mesmo diploma, a liquidação do respetivo valor do património incongruente.
I-f. A arguida DD, notificada da promoção do Ministério Público referida supra, veio invocar e requerer o seguinte (transcrição):
“DD, arguida nos autos à margem identificados, tendo sido notificada do requerimento apresentado pela Exma. Senhora Procuradora da República sob a ref.ª … de 17/09/2024, vem, muito respeitosamente, dizer e requerer nos seguintes moldes:
1.
Alcançamos da invocada disposição legal a que o douto despacho de 19/09/2024 alude, o seguinte:
Artigo 8.º Promoção da perda de bens 1 - O Ministério Público liquida, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado. 2 - Se não for possível a liquidação no momento da acusação, ela pode ainda ser efetuada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos. 3 - Efetuada a liquidação, pode esta ser alterada dentro do prazo previsto no número anterior se houver conhecimento superveniente da inexatidão do valor antes determinado. 4 - Recebida a liquidação, ou a respetiva alteração, no tribunal, é imediatamente notificada ao arguido e ao seu defensor.
Ora,
2.
Na douta Acusação Pública, o Ministério Público não invoca poder ainda ter de carrear para os autos informação atinente a qualquer dos arguidos com vista à promoção de perda de bens a favor do Estado.
3.
Ao presente, com este requerimento, o Ministério Público tão-pouco alude a que tais elementos não se achavam na sua disponibilidade ao tempo da Acusação ter sido deduzida e notificada aos arguidos.
4.
Ou seja, não resulta, em nenhum momento, deste requerimento, a que se responde, que o Ministério Público não poderia proceder à “liquidação no momento da acusação”, por não ter consigo elementos suficientes.
5.
Pelo que, a ser assim, não pode ser deferida a sua junção, por impertinente, senão extemporânea, porque, como se refere, não se acha fundamentada ou justificada a apresentação tardia, ainda que no prazo a que alude o nº. 2, daquele artigo.
6.
Nem se diga que a liquidação foi alterada, porque no que se refere à arguida, a mesma aparece unicamente neste requerimento e não na Acusação que foi deduzida.
Nestes termos, não deverá ser declarada a perda a favor do Estado do valor liquidado no montante de € 12 752,79 atenta as razões invocadas, e, consequentemente, não ser a arguida condenada a pagar ao Estado esse mesmo montante.
Sem prejuízo,
7.
Cumpre dizer que o co-arguido BB procedia à entrega em numerário à aqui arguida de valores para esta depositar na conta da … terminada em … e resultante do complemento em numerário do seu vencimento (parte recebe em transferência e outra parte em numerário), sendo que os valores depositados que se acham espelhados no quadro demonstrativo da atividade da conta da arguida têm essa proveniência;
8.
Acresce dizer que a vida financeira/patrimonial da arguida não é (ou era) folgada porquanto (como se alcança) a mesma teve necessidade de contrair um empréstimo (no ano de 2021), para fazer face a despesas domesticas e do seu agregado familiar, no montante de € 3.024,38 (três mil e vinte e quatro euros e trinta e oito cêntimos) que afetou ao pagamento dessas despesas.
Testemunhas (a notificar pelo Tribunal a fim de comparecerem em Audiência de discussão e Julgamento para deporem sobre os factos a que aqui se alude):
a.)
– KK, sócio e gerente da empresa …., com sede social…
b.)
– LL, sócia e gerente do …., com sede social em Rua …
I-g. Em resposta, o Ministério Público defendeu, então, a tempestividade do requerimento para a perda alargada, alegando, em síntese, o seguinte:
“(…)
O artigo 8.º da Lei 5/2002 de 11 de janeiro estabelece os momentos processuais, em que o Ministério Público pode liquidar o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado.
Assim, e nos termos do n.º 1 do referido artigo 8.º, “[o] Ministério Público liquida na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado.” – constituindo este o momento regra.
Porém, a lei permite que o possa ser em momento posterior, fixando o prazo até ao 30º dia anterior à data designada para a realização da audiência, ao dispor, no n.º 2, que “[s]e não for possível a liquidação no momento da acusação, ela pode ainda ser efetuada até ao 30º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos”.
Por fim, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, permite-se a alteração da liquidação efetuada, nos seguintes termos: “[e]fectuada a liquidação, pode esta ser alterada dentro do prazo previsto no número anterior se houver conhecimento superveniente da exatidão do valor antes determinado”.
Faz-se notar que a lei, em momento algum, impõe ao Ministério Público o dever de alegar a impossibilidade de, ao tempo da acusação, fazer o requerimento chamado de perda ampliada e, logo daqui, se vê a falta de razão da arguida.
4.2. Sendo este o regime jurídico da promoção da perda de bens pelo Ministério Público, desde logo há que excluir a aplicação do n.º 3 da norma legal supra referida, pois a possibilidade de alteração prevista no n.º 3 não tem aplicação à situação dos autos, já que a mesma pressupõe a existência de uma anterior liquidação inexata, e de um conhecimento superveniente dessa inexatidão, pressupostos esses que não se verificam no caso dos autos.
4.3. Ora, decorre desde logo do despacho final proferido pelo Ministério Público e identificado no nosso ponto 3., al. a), do qual a arguida foi notificada, que o Ministério Público não tinha qualquer possibilidade de realizar o requerimento de perda no momento da acusação, uma vez que a intervenção do Gabinete de Recuperação de Ativos é determinada no mesmíssimo despacho final.
Atenta a aludida impossibilidade, notória e decorrente do despacho de que a arguida foi notificada e por isso, dela conhecida, o Ministério Público procedeu à liquidação até ao 30.º dia anterior à data designada para a primeira audiência de discussão e julgamento, bem dentro do prazo.
Por fim, como se assinalou, não impõe a lei ao Ministério Público qualquer dever de “justificação” para a não liquidação da perda ampliada aquando da dedução da acusação. Antes estatui um limite — “até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento” (artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro) — para aquela liquidação.
Prazo que, o que nem sequer a arguida discute, foi respeitado.
5. Pelo exposto, o Ministério Público promove que a invocada “exceção” seja julgada improcedente.”
I-h. Por despacho judicial (de 14.10.2024, referência …) foi indeferida a pretensão do Ministério Público, com o teor que, em síntese, se expõe´(transcrição):
“(…)
Apreciando:
Determina o art. 8.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro que:
«1 - O Ministério Público liquida, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado.
2 - Se não for possível a liquidação no momento da acusação, ela pode ainda ser efectuada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos.
3 - Efectuada a liquidação, pode esta ser alterada dentro do prazo previsto no número anterior se houver conhecimento superveniente da inexactidão do valor antes determinado.
4 - Recebida a liquidação, ou a respectiva alteração, no tribunal, é imediatamente notificada ao arguido e ao seu defensor.»
Do regime exposto acima retira-se que o momento legalmente previsto para a liquidação do montante a declarar perdido a favor do Estado é o da Acusação e que, apenas na impossibilidade de o fazer nesse momento, é ainda possível que tal liquidação ocorra até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de julgamento. Ou seja, tais momentos não são alternativos, mas antes o segundo só pode ser utilizado na impossibilidade de liquidação no primeiro.
Assim, para que o requerimento seja admissível nos termos do disposto no art. 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, o mesmo tem de respeitar dois pressupostos cumulativos: i) a impossibilidade de a liquidação ter sido feita na acusação e ii) o requerimento dar entrada nos autos até ao 30.º dia anterior à data designada para o início da audiência de julgamento.
Ora, tratando-se de pressupostos de admissibilidade, existe ónus da sua alegação e demonstração por parte do Ministério Público no requerimento em que procede à liquidação.
Já o art. 8.º, n.º 3 prevê que, quando tenha sido feita no momento da acusação, pode a liquidação ser alterada no prazo previsto no n.º 2 do mesmo artigo caso a inexactidão do valor seja supervenientemente conhecida. O que, se fosse o caso dos autos – que não é – implicaria também o ónus de alegação e demonstração da superveniência.
Vertendo ao caso em apreço, é certo que foi determinada pelo Ministério Público a intervenção do GRA – gabinete de Recuperação de Activos. Porém, tal determinação ocorreu em momento anterior ao encerramento do inquérito e à prolação do Despacho de Acusação. Acontece apenas que o despacho em que essa intervenção foi determinada surge formalmente no mesmo documento em que foi proferida a Acusação. Porém não a integra.
Além disso, mesmo que fosse parte integrante da Acusação, sempre seria, por si só, irrelevante para a apreciação do cumprimento do ónus de alegação para efeitos do disposto no art. 8.º, n.º 2, já que este ónus surge apenas nesse momento. Ou seja, é no próprio requerimento de liquidação posterior à Acusação que tem de ser alegada e demonstrada a impossibilidade de cumprimento daquele primeiro prazo. E isto porque é nesse momento processual que o julgador deve aferir da sua admissibilidade (em termos formais).
Para que tal ónus se considere cumprido não basta que conste dos autos na fase de inquérito o despacho que determina a intervenção do GRA, desde logo porque não compete ao julgador, de forma autónoma, ir verificar se o mesmo foi proferido, e em que momento, tal como não lhe compete verificar em que data o relatório foi junto aos autos para, por fim, daí extrair (ou não) a conclusão da impossibilidade de liquidação no momento da acusação. Pelo contrário, tais elementos têm de ser alegados no requerimento em que a mesma é efectuada para que se possa fazer uso do prazo previsto no art. 8.º, n.º 2 do já mencionado diploma legal. O que, neste caso, não ocorreu.
Nestes termos, apesar de o requerimento de liquidação dos valores a declarar perdidos a favor do Estado ter dado entrada dentro do prazo previsto no art. 8.º, n.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, face à falta de invocação (e consequente demonstração) da impossibilidade de a mesma ter sido efectuada na Acusação, conforme previsto no art. 8.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, entende-se que o mesmo é intempestivo e, por isso, legalmente inadmissível.
Motivos pelos quais não se admite o requerimento de liquidação do montante a ser declarado perdido a favor do Estado, por intempestivo, cfr. artigos 8.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
*
Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento do demais requerido pela arguida, a título subsidiário – como a junção de prova testemunhal referente à perda alargada de vantagem.
(…)”
I-i. Inconformado, o MP interpôs recurso de tal despacho, apresentando as seguintes conclusões:
“1.º Quando o Ministério Público procede à liquidação do património incongruente após a acusação, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, a lei não lhe impõe, nem expressa nem implicitamente, o ónus de alegar e demonstrar a razão de o não ter feito aquando da acusação;
2.º A imposição ao Ministério Público do ónus de alegar e demonstrar a impossibilidade de proceder à liquidação do valor do património incongruente na acusação quando o faz em momento processual distinto, não atende à conformação legal do instituto da perda alargada, na sua relação com a necessidade de uma investigação tendente a apurar o valor do património incongruente (presumidamente) proveniente da atividade criminosa;
3.º A desconformidade da imposição de tal ónus ao Ministério Público com o instituto da perda alargada é ainda mais patente nas situações em que, como é o caso, há arguidos sujeitos a medidas de coação privativas da liberdade e se torna necessário conferir maior celeridade ao processo penal, designadamente para, por força da dedução da acusação, sejam os prazos daquelas medidas alargados (cf. os artigos 215.º, n.os 1, 2 e 3 e 218.º, n.os 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal) e acautelados perigos que justificam a sua manutenção;
4.º A decisão judicial que, sem qualquer fonte legal a estabelecê-la, impõe ao Ministério Público que procede à liquidação do valor do património incongruente do arguido o ónus de alegar e demonstrar que não o pôde fazer no momento em que deduziu a acusação viola o princípio da separação de poderes estabelecido nos artigos 2.º, 110.º, 111.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 2, 198.º, n.º 1, al. b) e 202.º, todos da Constituição da República Portuguesa;
Sem prescindir,
5.º Concluída a investigação patrimonial e financeira aos arguidos AA, CC e DD, dentro do prazo permitido por lei, o Ministério Público promoveu a perda do valor do seu(deles)património incongruente, sem que tivesse alegado o que quer que fosse quanto à impossibilidade de o não fazer ao tempo da acusação, desde logo porque a lei não exige tal ónus e também, porque tal impossibilidade se encontrava demonstrada no próprio processo e era de todos conhecida, já que só foi determinada a investigação patrimonial e financeira dos arguidos no momento em que foi deduzida a acusação — o que foi dado conhecimento aos arguidos.
Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:
“Concedendo V. Exas. provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar que seja substituída por outra que que admita o requerimento de liquidação do valor do património incongruente dos arguidos AA, CC e DD promovido pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro.”
Em resposta ao recurso do MP, CC, expôs o seguinte (transcrição):
“1
O Ministério Público no requerimento supra indicado, optou pelo previsto na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
2
Tal opção, não se mostra indispensável nos presentes autos, estamos em crer que o previsto no Código Penal permite sancionar alguma vantagem patrimonial decorrente de crime.
3
Estamos em crer que o Tribunal Ad Quem, pode concluir pela excepcionalidade do recurso à aplicação dos mecanismos previstos na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, sem que nestes autos, o recurso a tal mecanismo legal prejudique a decisão a proferir.
4
A aplicação de tal legislação, está gisada para processos de elevada complexidade, em função mormente de interesses patrimoniais.
Acreditamos que o legislador, ao estabelecer um limite temporal para a sua apresentação, pretendeu realçar essa excepcionalidade.
6
Atento ao previsto no Artigo 109º e seguintes do Código Penal, mostra-se suficiente para que haja decisão sobre tal matéria, nestes autos crime.
7
O que aliás, a douta decisão do Tribunal a quo, datada em 15 de Novembro de 2024, assim decide.”
Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:
“Face ao supra exposto (…) requer que se mantenha a decisão recorrida.”
Também a arguida DD respondeu ao referido recurso apresentado pelo Ministério Público, concluindo que (transcrição):
“1.ª ) – Cabe ao Ministério Público, na Acusação, liquidar o montante que reclama perdido a favor do Estado, com os elementos que reúna;
2.ª) – Assegurando a Lei que o possa fazer em momento ulterior (até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de julgamento), se não for possível a liquidação naquele primeiro momento;
3.ª) – Para a admissibilidade do requerimento do Ministério Público, em 17/09/2024, seria necessário, que nele estivessem reunidos os dois pressupostos de admissibilidade: um, primeiro, que era a demonstração/alegação fundamentada da superveniência de que a liquidação não foi possível em sede do despacho de acusação e, um segundo pressuposto, observância do prazo para essa posterior apresentação;
4.ª) – Sucede que o requerimento de 17/09/2024 ainda que obedecendo ao segundo desses requisitos, não assegurou o preenchimento daquele primeiro;
5.ª) – O Ministério Público ao não observar esse pressuposto de admissibilidade não pode pretender que outra seja a decisão e diferente daquela já proferida pelo Tribuna a quo, por clara violação
6.ª) – No disposto pelo artigo 8.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.”
Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:
“Razão pela qual, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se a decisão já proferida.”
*
*
Após realização do julgamento, o tribunal a quo proferiu acórdão com o seguinte dispositivo (excerto):
Em face do exposto, julga-se a acusação pública totalmente procedente por provada e, em consequência decide-se:
A) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e.p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-B e I-C, anexa àquele diploma legal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
B) Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e.p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-B e I-C, anexa àquele diploma legal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
C) Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e.p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-B e I-C, anexa àquele diploma legal, na pena de 4 anos de prisão;
D) Determinar a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 4 anos, cfr. resulta do disposto nos artigos 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1 e 2 do Código Penal:
i) acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social a delinear pela DGRSP, orientado para a sensibilização para a perigosidade do consumo e venda de estupefacientes;
ii) bem como subordinada à sujeição do arguido a tratamento à dependência de produtos estupefacientes.
E) Condenar a arguida DD pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e.p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-B e I-C, anexa àquele diploma legal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
F) Determinar a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 4 anos e 6 meses, acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social a delinear pela DGRSP, orientado para a sensibilização para a perigosidade do consumo e venda de estupefacientes, cfr. resulta do disposto nos artigos 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1 e 2 do Código Penal,
G) Manter o arguido AA sujeito ao Termo de Identidade e Residência já prestado, e às obrigações dele decorrentes, cfr. art. 214.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal;
H) Manter o arguido AA sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, cfr. artigos 202.º, n.º 1, al. a), 204.º, n.º 1, al. c) e 215.º, n.º 1, al. d) e n.º 2 do Código de Processo Penal;
I) Manter o arguido BB sujeito ao Termo de Identidade e Residência já prestado, e às obrigações dele decorrentes, cfr. art. 214.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal;
J) Manter o arguido BB sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, cfr. artigos 202.º, n.º 1, al. a), 204.º, n.º 1, al. c) e 215.º, n.º 1, al. d) e n.º 2 do Código de Processo Penal;
K) Manter o arguido CC sujeito ao Termo de Identidade e Residência já prestado, e às obrigações dele decorrentes, cfr. 214.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal;
L) Declarar a extinção da medida de coacção de prisão preventiva quanto ao arguido CC, determinando a sua restituição à liberdade, cfr. art. 214.º, n.º 2 do Código de Processo Penal,
M) Manter a arguida DD sujeita ao Termo de Identidade e Residência já prestado, e às obrigações dele decorrentes, cfr. 214.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal;
N) Declarar perdidas a favor do Estado as seguintes quantias e condenar os arguidos no seu pagamento:
i) € 46.460,00, a pagar por parte do arguido AA;
ii) € 24.242,00, a pagar por parte do arguido BB.
O) Declarar perdido a favor do Estado e ordenar a destruição do produto estupefaciente apreendido nos presentes autos, bem como dos demais artigos que podem ser utilizados no seu consumo, corte, armazenamento, acondicionamento e venda, cfr. art. 109.º, n.º 1 do Código Penal e art. 35.º, n.º 2 e 62.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01;
P) Declarar perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido à ordem dos presentes autos, cfr. art. 110.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e 186.º, n.º 2 do Código de Processo Penal;
Q) Determinar a restituição aos arguidos do caderno, dos computadores, telemóveis e pen drives que se mostram apreendidos.
(…)
Inconformados, o MP e os seguintes arguidos interpuseram recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
I – MP.
“1.ª O Ministério Público manifesta o interesse na subida do recurso interlocutório apresentado a 4.11.2024 [ref. …], já admitido, mas que, de acordo com a decisão da Senhora Juiz — confirmada por despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora — é de subir, apenas a final, por despacho de 5.11.2024 [ref. 34612667];
2.ª A pena tem, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, como finalidade primordial a proteção de bens jurídicos, bem como as expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada e no restabelecimento da paz jurídica, devendo fixar-se de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal;
3.ª Sopesando a respetiva moldura penal, as elevadas exigências de prevenção geral sentidas no tráfico de estupefacientes tipificado no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, a culpa elevada, o grau de ilicitude médio — onde avulta, em todo o caso, o desenvolvimento de uma atividade de tráfico com alguma organização e tendo a participação de várias pessoas, numa área geográfica alargada e o tráfico de vários tipos de droga — as exigências de ressocialização que no caso se fazem sentir, entende-se como adequada, necessária e proporcional a aplicação de uma pena de 6 anos de prisão para cada um dos arguidos AA e BB;
4.ª O Tribunal Coletivo ao condenar estes arguidos na pena de 5 anos e 6 meses de prisão violou os critérios de determinação da pena que resultam dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, em conjugação com o artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro;
5.ª Sopesando a respetiva moldura penal, as elevadas exigências de prevenção geral sentidas no tráfico de estupefacientes tipificado no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, a culpa elevada, o grau de ilicitude médio — onde avulta, em todo o caso, o desenvolvimento de uma atividade de tráfico tendo a participação de várias pessoas, a área geográfica da atividade e o tráfico de vários tipos de droga — as exigências de ressocialização que no caso se fazem sentir, entende-se como adequada, necessária e proporcional a aplicação ao arguido CC da pena de 4 anos e 9 meses de prisão cuja execução se suspende por igual período, nos termos dos artigos 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, fazendo-a acompanhar de regime de prova, com a obrigação de respeitar o plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo-se, desde já, os seguintes deveres:
– manter-se afastado de locais e pessoas associadas ao consumo e tráfico de estupefacientes;
– realizar tratamento à dependência de produtos estupefacientes, uma vez que foi por este consentido,
– de resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;
– de recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
– de informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso; e
– de obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro.
6.ª O Tribunal Coletivo ao condenar o arguido CC na pena de 4 anos de prisão, suspensão na sua pelo período de 4 anos, como resulta do disposto nos artigos 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, mas
i) acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social a delinear pela DGRSP, orientado para a sensibilização para a perigosidade do consumo e venda de estupefacientes;
ii) bem como subordinada à sujeição do arguido a tratamento à dependência de produtos estupefacientes;
violou os critérios de determinação da pena que resultam dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, em conjugação com o artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, assim como o disposto nos artigos 50.º a 54.º do Código Penal;
7.ª Sopesando a respetiva moldura penal, as elevadas exigências de prevenção geral sentidas no tráfico de estupefacientes tipificado no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, a culpa elevada, o grau de ilicitude médio — onde avulta, em todo o caso, o desenvolvimento de uma atividade de tráfico tendo a participação de várias pessoas, a área geográfica da atividade e o tráfico de vários tipos de droga — as exigências de ressocialização que no caso se fazem sentir, entende-se como adequada, necessária e proporcional a aplicação à arguida DD da pena de 5 anos de prisão cuja execução se suspende por igual período, nos termos dos artigos 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, fazendo-a acompanhar de regime de prova, com a obrigação de respeitar o plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo-se, desde já, os seguintes deveres:
– de resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;
– de recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
– de informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso; e
– de obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro;
8.ª O Tribunal Coletivo ao condenar a arguida DD na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social a delinear pela DGRSP, orientado para a sensibilização para a perigosidade do consumo e venda de estupefacientes, cfr. resulta do disposto nos artigos 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, violou os critérios de determinação da pena que resultam dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, em conjugação com o artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, assim como o disposto nos artigos 50.º a 54.º do Código Penal;”
Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:
“Nestes termos,
Concedendo V. Exas. provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida e, em consequência, condenando os arguidos AA, BB, CC e DD nas penas que supra se deixou expresso.”
II - Arguido AA.
“1. O Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo previsto no artigo 31.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, porque na decisão dos factos incertos a dúvida não foi em favor do arguido, como demonstrado;
2. O Tribunal a quo violou o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, porque decidiu em parte com base em factos insuficientemente ou inexistentemente motivados e que aqui se impugnaram, como demonstrado;
3. O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71.º, n.º 1, n.º 2, alínea b), e n.º 3, do Código Penal, como demonstrado.
4. Termos em que a pena aplicada de 5 anos e 6 meses de prisão deverá ser reduzida e substituída por este Tribunal ad quem por outra mais mais próxima do mínimo de 4 anos, com referência ao tipo legal de crime de tráfico e outras atividades ilícitas, p.e.p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-B e I-C, anexa àquele diploma legal, atendendo, por todos, à violação dos artigos 71.º do Código Penal e ao artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa.
Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:
“Nestes termos (…), deverá a douta decisão ser revogada e substituída por outra correspondente com a pretensão exposta, fazendo-se assim a mais costumada Justiça.”
III – Arguido BB.
“1.ª) – O Tribunal a quo não efetuou uma exaustiva apreciação na escolha e na determinação da medida da pena, tendo desconsiderado o disposto pelo artigo 71.º, 2 do Código Penal, ao aplicar a pena de prisão efetiva de 5 anos e 6 meses.
2.ª) – Também não foi observado o disposto pelo artigo 40.º, 1 e 2 do Código Penal, no sentido de que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa e ainda que haveria de conjugar as exigências de prevenção geral com a necessidade de ressocialização do agente – prevenção especial positiva ou de integração – e de advertência pessoalizada ao mesmo agente – prevenção especial negativa – dentro dos limites da sua culpa.
3.ª) – A pena de prisão aplicada ao recorrente de 5 anos e 6 meses deverá ser reduzida para 4 anos, sem que isso agreda o sentimento geral do objetivo das penas e deste tipo de crimes, uma vez que as penas de prisão suspensas na sua execução, aplicadas aos co-arguidos, permite perfeitamente transmitir, que da prova e dos factos provados, são diferentes os graus da culpa ente umas e outra, coisa a que o recorrente não é indiferente,
4.ª) – O licito modo de vida do recorrente ao tempo dos factos (trabalhador empenhado e dedicado, cumprindo rotinas laborais), permite formular a previsão de que a redução da pena em muito contribuirá para o regresso mais cedo à sociedade, sendo o tempo de reclusão o suficiente para a consciencialização dos efeitos nefastos deste processo.”
Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:
“Nestes termos, requer que seja dado provimento ao presente recurso e em consequência revogada a decisão condenatória proferida no Tribunal a quo dessa cidade e Comarca, substituindo-se por uma outra que leve em conta o explanado, reduzindo-se para 4 anos a pena de prisão aplicada ao recorrente BB.”
IV – Arguido CC:
“1
O arguido e ora recorrente, nunca aceitou a venda de produto estupefaciente, mas, em diversas ocasiões, apenas o seu consumo.
2
A prova resultante das testemunhas que prestaram o seu depoimento nas sessões de julgamento realizadas no Tribunal recorrido, é vasta, de forma a permitir concluir, nomeadamente que o ora recorrente não vendeu qualquer produto estupefaciente.
3
Sendo certo que o ora recorrente, pela via do consumo próprio, contactou em algumas ocasiões, com algum produto estupefaciente.
4
No entanto a prova existente nos autos, em especial a resultante dos testemunhos prestados nas sessões de julgamento, não permite concluir que o ora recorrente, em face do inserido na acusação, praticou em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, com referência à Tabela I–B, I-C, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sua actual redacção, e do artigo 30.º do Código Penal.
5
Bem como, que a prova não sustenta que CC, pelo menos desde meados de Abril de 2021 e até 30 de Outubro de 2023, se dedicou com os restantes arguidos, ora actuando de comum acordo e em comunhão de esforços, intentos e proveitos, ora agindo de forma autónoma, à compra, detenção, venda, distribuição e cedência de cocaína e haxixe, produto que previamente obtiveram em grandes quantidades e em circunstâncias a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar e por quantias também não concretamente determinadas.
6
Não sendo igualmente possível a conclusão de que o ora recorrente, usava nas comunicações com os restantes arguidos, e nas comunicações com os consumidores, não apenas SMS e chamadas, mas também a aplicação WhatsApp, utilizando linguagem codificada para, respectivamente, acertar hora e local de entrega do produto estupefaciente, efectuar as suas encomendas e ajustar o preço.
7
Igualmente, mormente a prova, especialmente a testemunhal, não sustenta a conclusão plasmada na douta decisão recorrida, segundo a qual, o ora recorrente, com os restantes arguidos, procedeu à divisão e corte do produto estupefaciente, canábis e cocaína, posto o que, realizou com os restantes, a sua venda a terceiros por quantias superiores àquelas por que foram adquiridas, assim efectuando mais-valias.
8
A prova produzida nas sessões de julgamento, bem como a resultante das vigilâncias, não permite concluir que em data não concretamente apurada mas antes de 22.08.2023 BB através de MM, de alcunha “…” e utilizador do número …, adquiriu a indivíduo não identificado quantidade não concretamente apurada de cocaína, pelo preço não inferior a €800,00, e solicitou a CC que se deslocasse a …, na companhia de MM, para a transportar para ….
9
Mormente a inexistência de apreensão de qualquer produto estupefaciente, não permite que o Tribunal recorrido possa concluir que o ora recorrente transportou algum produto estupefaciente para …, em conjunto com MM.
10
O Tribunal recorrido não pondera que o referido MM não foi sequer a julgamento, pelo que certamente não foi interveniente no transporte de qualquer produto estupefaciente com o ora recorrente.
11
A apreensão efectuada na data de 30.10.2023, pelas 20h55, na Rua …, em …, ao arguidos BB e CC, quando seguiam no interior do veículo automóvel da marca …, modelo … de matrícula …, transportando consigo os seguintes produtos:
- na coluna central junto ao travão de mão:
a) - um saco transparente, contendo no seu interior cocaína, com o peso total de 20,43 g, com o grau de pureza de 68,2% que permitia preparar 67 doses diárias;
b) 1 (uma) nota com valor facial de € 20,00 do BCE;
- na coluna central no interior do apoio de braço – uma placa de canábis, com o peso total de 94,69g, com o grau de pureza de 25,1 %, que permitia preparar 459 doses diárias.
12
O que a apreensão não permite concluir é pela responsabilidade criminal do ora recorrente no transporte dos produtos estupefacientes apreendidos.
13
Não é lícito ao Tribunal a quo responsabilizar o ora recorrente por tal transporte, dado que não resulta provado que em tal circunstancialismo de tempo e lugar, CC sabia da existência de qualquer produto estupefaciente no interior da viatura conduzida pelo seu irmão.
14
No dia 30.10.2023, pelas 23h00 o arguido CC tinha na sua posse, no interior da sua residência, sita na Rua …, em … os seguintes bens, produtos e valores:
I. Na cozinha:
a) 1 (um) telemóvel da marca …, modelo …, com o número … e IMEI …, número de série …;
b) 1 (um) computador portátil de marca … de cor cinzenta, número de série …;
II. No quarto:
a) 1 (um) computador portátil de marca …, de cor preta, número de série …;
b) diversos invólucros de plástico usados para acondicionar estupefaciente;
III. No anexo à zona habitacional:
a) 1 (uma) balança digital de cor cinzenta;
b) 1 (uma) navalha com cabo vermelho e com vestígios na lâmina de canábis; c) 1 (um) saco de plástico e 3 (três) pedaços de plástico, compatível com invólucros utilizados no acondicionamento de estupefacientes;
15
Porém tais apreensões não se mostram determinantes para se conseguir concluir que CC vendeu produto estupefaciente.
16
Atente-se ao determinado pelo Tribunal recorrido na douta decisão, onde se ordena a restituição aos arguidos do caderno, dos computadores, telemóveis e pen-drives que se mostram apreendidos.
17
Resulta nestes autos crime que a CC já havia, antes da realização da audiência de julgamento, sido devolvido um dos computadores apreendidos em 30 de Outubro de 2023, no decurso do Inquérito crime.
18
Porque o seu conteúdo, não se mostrou com interesse para a descoberta da verdade material nestes autos crime.
19
Não é possível concluir, como o faz o Tribunal recorrido na douta decisão, no que tange ao arguido CC, que os objectos e valores monetários acima identificados que os arguidos tinham na sua posse em 30.10.2023 provinham justamente de anteriores vendas que os mesmos, nas indicadas condições, haviam efectuado, nas semanas antecedentes ou como produto dessas transacções.
20
Não é possível concluir que o arguido CC, actuou, com os restantes arguidos, nos termos acima referidos conhecedores da natureza e características dos produtos que detinham, cediam e transaccionavam, bem sabendo ser proibida a sua detenção fora de autorização legal, e, não obstante, quiseram deter, transportar e fazer transitar tais substâncias com a finalidade de as ceder, vender e proporcionar a terceiros, bem sabendo que não estavam legalmente autorizados a fazê-lo.
21
A prova não sustenta a conclusão que CC, com os restantes arguidos, actuou, ainda, sabendo que a quantidade de droga detida nas circunstâncias acima descritas se destinava a ser difundida por um número significativo de pessoas e, apesar disso, mantiveram-se insensíveis aos danos que originavam na saúde de múltiplos consumidores finais, apesar de estarem cientes que com isso prejudicavam de forma precoce e irreversível a saúde física e psicológica de tais consumidores, o que representaram e concretizaram.
22
E, também, a prova não sustenta que o arguido CC, com a sua actuação em conjunto com os restantes arguidos, visou angariar dinheiro e, assim, dispor de capital próprio, não obstante exercer actividade profissional lícita, assegurando os seus gastos diários com os proveitos decorrentes da referida actividade.
23
A prova não sustenta a conclusão vertida no douto acórdão recorrido, segundo a qual, CC, em conjunto com os outros arguidos, actuou, em todos os momentos, de modo livre, voluntário e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas e punidas por lei penal.
24
O Tribunal recorrido para assim concluir, haveria que julgar provado que o arguido CC, vendeu algum produto estupefaciente a alguém, o que a prova, em especial a testemunhal, produzida de forma ampla, não permite estribar.
25
O arguido é pessoa que vive de trabalhos ocasionais, sobretudo na área das pinturas em construção civil, tem dois filhos menores e vive em união de facto com a mãe dos filhos de ambos.
26
Os autos crime já permitem formar mormente a convicção segundo a qual, o arguido não tem nenhum antecedente criminal, é de modesta condição económica e viveu uma adolescência conturbada e com ausência de estabilidade familiar.
27
Sucede ainda que o legislador, através da Lei n.º 55/2023, de 08 de Setembro, em vigor desde 01 de Outubro de 2023, veio alterar a punição na parte que tange ao consumo próprio de produto estupefaciente.
28
Mormente o Artigo 3º da citada Lei, através do qual é alterado o o Artigo 2º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, estabelece a presunção de que, se se for encontrado na posse de produto estupefaciente que exceda o necessário para o seu consumo, atentas as circunstâncias, pode indiciar que, face a tal realidade, tal produto se destina apenas ao consumo próprio.
29
Nestes autos crime, nenhum elemento permite formar a convicção de que o arguido e ora recorrente, em qualquer ocasião, vendeu qualquer produto estupefaciente.
30
Pelo que, a ser entendido que o arguido pode ser responsabilizado pela posse, que reafirma, desconhecia a existência de qualquer produto estupefaciente, face ao que decorre da apreensão na data inserida no libelo acusatório e na douta decisão recorrida, com tal presunção legal, a Lei coloca solução legal, face ao previsto nomeadamente no Artigo 3º da Lei n.º 55/2023, de 08 de Setembro.
Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:
“Em face do supra alegado (…) o arguido recorrente requer a substituição da douta decisão recorrida, por outra que, ponderada toda a prova existente e produzida nestes autos, se decida pela absolvição do ora recorrente, pela prática em co-autoria do crime pelo qual o Tribunal recorrido o condenou (…).”
Em resposta aos recursos dos arguidos, o MP concluiu que:
“1.ª Deve ser rejeitado, ao abrigo do artigo 420.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, por falta de conclusões, o recurso em que o recorrente, apesar de titular uma parte da sua peça recursiva denominando-a “Conclusões”, se limita a reproduzir, na íntegra, o teor da sua (ademais confusa) motivação, razão pela qua deve ser rejeitado o recurso do arguido CC
Sem prescindir e no caso de o Tribunal não rejeitar o recurso,
2.ª Há o incumprimento da imposição legal de o recorrente terminar o recurso formulando conclusões, prevista no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, naquelas situações em são apresentadas conclusões confusas e ininteligíveis e que mais não são do que o repisar — e até reproduzir — do teor da motivação, pelo que, em tal situação, não sendo liminarmente rejeitado o recurso, deve o Recorrente ser convidado a aperfeiçoá-lo, nomeadamente formulando verdadeiras “conclusões” onde resuma as razões do pedido, sob pena de ver o respetivo recursos rejeitado;
Ademais,
3.ª A decisão recorrida mostra-se alicerçada no exame crítico da prova produzida, pelo que, foi devidamente cumprido o dever de fundamentação imposto pelo artigo 374.º nº 2, do Código Processo Penal;
4.ª Os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 devem resultar da análise do próprio texto da decisão recorrida;
5.ª O Acórdão proferido não enferma do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, porquanto dele constam os factos necessários e suficientes — logo, os factos provados não são insuficientes — para fundamentar/justificar a solução jurídica ou decisão assumida pelo Tribunal;
6.ª Não se evidencia do texto do Acórdão recorrido que a prova produzida tenha sido valorada contra as regras da experiência ou contra critérios fixados na lei, designadamente ao considerar como provados os factos que lá se encontram elencados e, consequentemente, não enferma aquela decisão do vício do erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal;
Quanto à impugnação da matéria de facto
7.ª Impugnando a decisão do Tribunal quanto à matéria de facto, os Recorrentes devem cumprir do ónus que lhe é imposto pelo artigo 412.º, n.º 3 e n.º 4 do Código de Processo Penal, devendo assim, além do mais, concretizar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, estas últimas por referência suportes técnicos quando a prova tenha sido gravada e ao do que resulta consignado em ata, nos termos do artigo 364.º, n.º 3, devendo ainda indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação aos suportes técnicos quando a prova tenha sido gravada;
8.ª A reapreciação da prova pelo tribunal de recurso, quando dela possa conhecer, limita-se ao controlo do processo da convicção decisória e do princípio da livre apreciação da prova, não constituindo um novo julgamento em que o Tribunal ad quem se lança na busca de uma nova convicção;
9.ª Por isso, a reapreciação da prova só poderá determinar a alteração do julgamento sobre a matéria de facto naquelas situações em que as concretas provas indicadas pelo recorrente efetivamente imponham uma decisão diferente (e não apenas sugiram ou permitam outra decisão) relativamente aos concretos pontos de facto que indique como incorretamente julgados;
10.ª O arguido AA,
i. na impugnação da matéria de facto, não cumpriu, tal como se lhe impunha o artigo 412.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Penal, o ónus de concretizar os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados e impugnação especificada das concretas provas que impõem ao tribunal uma decisão diversa relativamente à matéria de facto, pelo que deve, nesta parte, o respetivo recursos ser rejeitado;
ii. In casu, o conteúdo dos elementos probatórios referidos pelo Recorrente não permitem sequer — e menos ainda impõem — uma decisão diferente quanto à matéria de facto dada como provada e como não provada, tendo o Tribunal respeitado as regras relativas ao direito probatório na formação e formulação da sua convicção decisória, tendo o julgador atribuído credibilidade a meios de prova que foram produzidas em audiência com respeito pelo princípio da imediação e da oralidade, sendo que tal opção é totalmente admissível e pautada pelo bom senso e pela experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação;
iii. Sabendo-se que a violação do princípio in dubio pro reo tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida e, no caso sub iudice, não resulta ou decorre da decisão recorrida que o Tribunal a quo tivesse qualquer dúvida quanto ao modo como os arguidos, e especialmente o arguido AA atuou, não havendo, por isso, qualquer violação do aludido princípio;
11.ª O arguido CC,
i. na impugnação da matéria de facto, não cumpriu, tal como se lhe impunha o artigo 412.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Penal, o ónus de concretizar os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados e impugnação especificada das concretas provas que impõem ao tribunal uma decisão diversa relativamente à matéria de facto, pelo que deve, nesta parte, o respetivo recursos ser rejeitado;
ii. In casu, o conteúdo dos elementos probatórios referidos pelo Recorrente não permitem sequer — e menos ainda impõem — uma decisão diferente quanto à matéria de facto dada como provada e como não provada, tendo o Tribunal respeitado as regras relativas ao direito probatório na formação e formulação da sua convicção decisória, tendo o julgador atribuído credibilidade a meios de prova que foram produzidas em audiência com respeito pelo princípio da imediação e da oralidade, sendo que tal opção é totalmente admissível e pautada pelo bom senso e pela experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação;
12.ª O Tribunal realizou o exame crítico de toda a prova produzida em audiência, explicando os motivos pelos quais valorou as declarações dos arguidos, os depoimentos das testemunhas inquiridas, bem como toda a demais prova, pericial e documental, em ordem a sedimentar, de modo seguro, a sua convicção quanto à verificação e ocorrência dos factos que considerou como provados e quanto à não verificação dos que considerou como não provados, razão pela qual, não padece o acórdão recorrido de erro de julgamento, tendo a decisão proferida sido alicerçada na análise critica e conjugada de toda a prova produzida, pelo que não foi violado o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código Processo Penal;
Quanto à qualificação jurídica da factualidade provada
13.ª A factualidade provada, afastando a possibilidade de o arguido CC poder ser considerado um mero consumidor nos termos definidos pelo artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro configura a prática, por aquele arguido, de um crime de tráfico tipificado no artigo 21.º, n.º 1, do aludido diploma legal;
14.ª Na redação atual do artigo 40.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, introduzida pela Lei 55/2023, de 8 de Setembro, a aquisição ou detenção de uma quantidade de droga superior ao consumo médio individual por mais de dez dias só não é criminalmente relevante se ficar efetivamente demonstrado que a mesma se destina exclusivamente ao autoconsumo, finalidade que não se presume e deve ser objeto de prova pelo arguido, o que não sucedeu nos caso dos autos.
Quanto às penas
15.ª A pena tem como finalidade primordial a proteção de bens jurídicos — a reafirmação das expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada e no restabelecimento da paz jurídica — associadas à ressocialização do agente e tendo como limite inultrapassável a culpa;
16.ª Sopesando a respetiva moldura penal, as elevadas exigências de prevenção geral sentidas no tráfico de estupefacientes tipificado no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, a culpa elevada, o grau de ilicitude médio — onde avulta, em todo o caso, o desenvolvimento de uma atividade de tráfico com alguma organização e tendo a participação de várias pessoas, numa área geográfica alargada e o tráfico de vários tipos de droga — as exigências de ressocialização que no caso se fazem sentir, entende-se como adequada, necessária e proporcional a aplicação de uma pena de 6 anos de prisão para cada um dos arguidos AA e BB, pelo que também nesta parte devem os recursos improceder;”
Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:
“Termos em que,
Negando provimento aos recursos, mantendo in totum a decisão condenatória recorrida, farão V. Exas. a esperada JUSTIÇA.”
O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer, pronunciando-se no seguinte essencial sentido:
“Sufragamos a argumentação/posição do Ministério Público junto da 1ª instância nas suas peças recursivas das decisões interlocutória e final (Acórdão) e na resposta aos demais recursos interpostos por arguidos, cujo teor aqui no essencial damos por reproduzido, com os aditamentos que seguem.
1- Quanto ao recurso intercalar.
Como bem frisa o Ministério no recurso interposto, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, quando o Ministério Público procede à liquidação do património incongruente após a acusação, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, a lei não lhe impõe o ónus de alegar e demonstrar a razão de o não ter feito aquando da acusação.
Prosseguindo, a imposição ao Ministério Público do ónus de alegar e demonstrar a impossibilidade de proceder à liquidação do valor do património incongruente na acusação quando o faz em momento processual distinto, não atende à conformação legal do instituto da perda alargada, na sua relação com a necessidade de uma investigação tendente a apurar o valor do património incongruente (presumidamente) proveniente da atividade criminosa.
A desconformidade da imposição de tal ónus ao Ministério Público com o instituto da perda alargada é ainda mais patente nas situações em que, como é o caso, há arguidos sujeitos a medidas de coação privativas da liberdade e se torna necessário conferir maior celeridade ao processo penal, designadamente para, por força da dedução da acusação, sejam os prazos daquelas medidas alargados (cf. os artigos 215.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 218.º, n.ºs 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal) e acautelados perigos que justificam a sua manutenção.
A decisão judicial que, sem qualquer fonte legal a estabelecê-la, impõe ao Ministério Público que procede à liquidação do valor do património incongruente do arguido o ónus de alegar e demonstrar que não o pôde fazer no momento em que deduziu a acusação viola o princípio da separação de poderes estabelecido nos artigos 2.º, 110.º, 111.º, n.º 1, 165.º, n.ºs. 1, als. a) e b), e 2, 198.º, n.º 1, al. b), e 202.º, todos da Constituição da República Portuguesa.
Concluída a investigação patrimonial e financeira aos arguidos AA, CC e DD, dentro do prazo permitido por lei, o Ministério Público promoveu a perda do valor do seu (deles) património incongruente, sem que tivesse alegado o que quer que fosse quanto à impossibilidade de o não fazer ao tempo da acusação, desde logo porque a lei não exige tal ónus e também, porque tal impossibilidade se encontrava demonstrada no próprio processo e era de todos conhecida, já que só foi determinada a investigação patrimonial e financeira dos arguidos no momento em que foi deduzida a acusação - o que foi dado conhecimento aos arguidos.
Pelo que deve ser revogada a decisão recorrida e determinado que seja substituída por outra que que admita o requerimento de liquidação do valor do património incongruente dos arguidos AA, CC e DD promovido pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro.
2- Quanto aos recursos interpostos do Acórdão.
Ao fixar a matéria de facto nos exatos termos em que o fez, o tribunal a quo valorou correta e criteriosamente, sem dúvidas, a prova produzida à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, sem violação, por conseguinte, dos princípios in dubio pro reo e da livre apreciação da prova ofensiva de qualquer preceito constitucional, sem violação das garantias de defesa do arguido.
O tribunal valorou a prova em sentido diferente do entendimento nesta parte recorrente, é certo.
Porém, não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de primeira instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes seria necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica por violação de regras de experiência comum, o que, manifestamente, neste segmento não se logrou fazer em sede recursiva.
Uma mera discordância subjetiva quanto a factualidade dada como provada, com base numa análise e valoração da prova diferente da efetuada pelo tribunal a quo e, daí partindo, chegar-se inexoravelmente a uma conclusão diferente, não basta para colocar em crise o fundadamente decidido como nesta parte no caso.
Não basta que se diga que determinado facto está mal julgado, sendo necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
A impugnação da matéria de facto não consiste na repetição do julgamento efetuado na 1ª Instância, mas na reapreciação da prova por erro de julgamento, não se destinando ao confronto da mesma com vista à descredibilização da convicção formada pelo Tribunal.
Atente-se que o artº412, nº3, al. b), do C.P.P. fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
A prova produzida em audiência é livremente valorável pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereça.
“(…) a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou
porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão” – cfr. Acórdão do T.C. nº198/2004, de 24/03/04, DR II Série, de 2/06/2004.
E a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza prática, empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 615.
Toda a decisão judicial constitui, precisamente, a superação não só da dúvida metódica, como da “dúvida razoável” sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do acusado. Daí a submissão a um rígido controlo formal e material do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.
(…)
In casu o tribunal recorrido valorou de forma exaustiva, minuciosa e conjugada os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos, sendo que, pela conferência do texto da decisão recorrida, não se vislumbra que o julgador tenha tido dúvidas sobre a verificação dos factos que considerou assentes.
Ao invés, a motivação da decisão de facto é bem esclarecedora quer quanto aos meios de prova que sustentaram a convicção formada, quer quanto ao percurso lógico seguido na sua formação, nenhuma falha ou incorreção se detetando no exame crítico da prova.
De facto, aí vêm explicados, de forma inteiramente congruente e plausível, os meios de prova a que conferiu credibilidade e as razões por que a conferiu, não se extraindo minimamente da fundamentação da decisão recorrida que o julgador tenha tido dúvidas sérias e razoáveis sobre a prova de qualquer dos factos que considerou assentes, os quais se encontram sem margem para dúvidas corretamente subsumidos no tipo legal de crime.
No caso inexiste qualquer desconformidade insanável entre a prova produzida em julgamento, na qual o tribunal recorrido fundamentou a sua convicção e os factos que, com base em tal prova, veio a considerar provados, sendo certo que no juízo alcançado pelo tribunal não se vislumbra qualquer atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a fundamentação do Acórdão tem suporte na regra estabelecida no art.127º do C.P.P., de acordo com a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio in dubio pro reo.
Conclui-se, pois, que o tribunal a quo apreciou a prova de modo racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo ao tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal formulada em sede recursiva sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.127º do C.P.P..
b) Quanto à medida concreta das penas aplicadas, tem vindo a entender a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acs. STJ de 14/02/2007, relator Santos Cabral; de 11/10/2007, relator Carmona da Mota; e de 16/06/2010, relator, Raúl Borges, in www.dgsi.pt), que a sindicabilidade da medida concreta da pena, em sede de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores da medida da pena, mas não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Neste sentido, cfr. ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2009, relator Raul Borges, acessível in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484 “… A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
O que os arguidos recorrentes não lograram demonstrar verificar-se no caso sub judice, importando ter presente que as penas têm de ser como tal sentidas, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento das mesmas, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça, adequação e proporcionalidade.
E que os custos que daí poderão advir para os arguidos são próprios das penas, que só o são se representarem para os condenados um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo a proporcionalidade aferida face aos perigos que a aplicação da pena pretende prevenir.”
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal1 e, em resposta a tal parecer, os arguidos apresentaram os seguintes argumentos:
A – Arguidos BB e DD:
“I - QUANTO AO RECURSO INTERCALAR
Mantêm a arguida/recorrente o que já pugnou em sede de resposta ao mesmo, mormente para as conclusões que elenca.
Salvo melhor entendimento, e respeito pela posição inversa, não estão abaladas aquelas conclusões, mesmo depois do PARECER do Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, a decisão ali defendida, a merecer acolhimento desse Tribunal Superior, violaria o disposto pelo artigo 8.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.
II – QUANTO À MEDIDA CONCRETA DAS PENAS APLICADAS
Mantêm os arguidos/recorrentes o que por eles foi defendido em sede de recurso interposto do douto Acórdão, proferido pelo Tribunal a quo, e na resposta oferecida ao recurso interposto pela Exma. Senhora Procuradora da República.”
B – Arguido CC:
“A matéria de facto e o direito aplicado, conforme plasmado na douta decisão recorrida pelo Tribunal a quo, demonstra a apreciação imprecisa dos factos e a deficiente aplicação do direito.
Não se vislumbra que as Doutas Decisões recorridas, face ao que alega o Ministério Público nos seus recursos, necessitem de qualquer correcção.
Embora, face ao que o recorrente verte nas suas alegações, a douta decisão recorrida de condenação do arguido CC, porque não existem factos provados que sustentem a sua condenação, aplica o direito em violação pela prova produzida, assim a sua condenação não é sustentada por qualquer elemento probatório evidente.
A Douta Sentença recorrida ao condenar o arguido recorrente, não concretiza a costumada Justiça, pelo que existe a necessidade de neste Tribunal ser decidida a sua reforma, conforme o requerido pelo arguido.”
CONCLUSÕES
1
A matéria de facto plasmada na Douta Decisão recorrida não permite sustentar a condenação do arguido pelo crime de que foi acusado.
2
É de ser decidido neste Venerando Tribunal que, nenhum dos recursos requeridos pelo Ministério Público não merecem provimento, quer a vertente penal, quer no que tange à existência de rendimentos incongruentes pelo arguido.
3
Aliás, no que respeita a rendimentos incongruentes do arguido CC, estes inexistem, o que o Tribunal recorrido resolve de forma clara na douta decisão proferida.
4
No que tange à prática de factos criminalmente relevantes pelo arguido, a avaliação da prova plasmada na douta decisão pelo Tribunal recorrido, extravasa mormente as regras da experiência comum, sendo insustentável a condenação do arguido CC.
5
A Douta Decisão recorrida deve ser modificada no sentido de merecerem acolhimento as alegações requeridas pelo arguido recorrente.
6
É feita Justiça se o arguido recorrente e recorrido for absolvido.
Tudo ponderado, nos legais termos de direito, com o Douto suprimento de VV. EXAS., respeitosamente o arguido recorrido requer que sejam julgados improcedentes os recursos requeridos pelo Ministério Público, sendo de julgar procedente o requerido pelo recorrente CC, tudo nos legais termos e efeitos, realizando VV. EXAS. a costumada Justiça.”
C – Arguido AA
“1. Quanto ao recurso intercalar
Adere à posição defendida pelos demais recorrentes, por conseguinte não podendo aquele recurso merecer provimento, sob pena de violação da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, artigo 8.º;
2. Quanto à medida concreta da pena aplicada
Em tudo, reitera o por si motivado e inerentemente concluído sob referências Citius … e … no recurso interposto do Acórdão final.”
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:
“III. Fundamentação de Facto:
Factos Provados:
Com relevância para a decisão a proferir, foram dados como assentes os seguintes factos:
Factos Provados:
Com relevância para a decisão a proferir, foram dados como assentes os seguintes factos:
1. Os arguidos AA, desde pelo menos de meados de 2019, e BB, DD E CC, pelo menos desde meados de Abril de 2021 e até 30 de Outubro de 2023, dedicaram-se, ora actuando de comum acordo e em comunhão de esforços, intentos e proveitos, ora agindo de forma autónoma, à compra, detenção, venda, distribuição e cedência de cocaína e haxixe, produto que previamente obtiveram em grandes quantidades e em circunstâncias e a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar e por quantias também não concretamente determinadas;
2. AA era utilizador do telemóvel com o n.º …;
3. BB era utilizador do telemóvel com o n.º …;
4. DD era utilizadora do telemóvel com o n.º …;
5. CC era utilizador do telemóvel com o n.º …;
6. Os arguidos AA, BB, CC e DD usavam nas comunicações entre si, e nas comunicações com os consumidores, não apenas SMS e chamadas, mas também a aplicação WhatsApp, utilizando linguagem codificada para, respectivamente, acertar hora e local de entrega do produto estupefaciente, efectuar as suas encomendas e ajustar o preço;
7. BB fazia-se transportar no veículo automóvel de matrícula …;
8. Para o efeito durante o período referido em 1. antecedente, pelo menos quinzenalmente, o arguido BB deslocava-se a …, por vezes acompanhado do arguido CC e sendo as deslocações do conhecimento da arguida DD, para em conjunto adquirir quantidade de estupefaciente não determinada;
9. Posteriormente, AA adquiria, para revenda e consumo próprio, parte do estupefaciente junto do arguido BB desde, pelo menos, meados de 2021;
10. AA fazia-se transportar no veículo automóvel de matrícula … e o arguido CC no veículo de matrícula ….
11. AA realizava as vendas de cocaína aos consumidores, sendo 1g de cocaína pelo preço não inferior a € 80,00 e 0,5g de cocaína pelo preço não inferior € 40,00 e 1g de canábis pelo preço não inferior a € 10,00.
12. AA realizava as mencionadas vendas a, pelo menos, 6 clientes habituais, de 2 em 2 dias.
13. BB e DD realizavam as vendas de cocaína aos consumidores, sendo 1g de cocaína pelo preço não inferior a € 60,00 e 0,5g de cocaína pelo preço não inferior € 30,00 e 1g de canábis pelo preço não inferior a € 10,00;
14. BB também vendeu cocaína a consumidores que lhe entregavam dinheiro para que o mesmo procedesse à compra junto de outro fornecedor;
15. Os arguidos procederam à divisão e corte do produto estupefaciente (canábis e cocaína) obtido, posto o que, realizaram a sua venda a terceiros por quantias superiores àquelas por que foram adquiridas, assim efectuando mais-valias;
16. Os arguidos AA e BB recebiam os pagamentos dos consumidores quer em dinheiro, quer através da aplicação MbWay;
17. Antes de proceder às deslocações a … para compra de produto estupefaciente, BB combinava encontros, através dos meios mencionados, com o arguido AA recolhendo dinheiro para pagar ao fornecedor de produto estupefaciente;
18. Durante o referido período temporal, os arguidos AA e BB depositaram e transportaram o referido produto estupefaciente nas respectivas habitações e veículos, guardando, ainda, nesses locais as quantias em dinheiro e outros objectos utilizados e provenientes da respectiva venda.
19. Em 08.04.2023 AA entregou a NN, utilizador do n.º …, mediante contacto telefónico prévio para o contacto telefónico já assinalado, quantidade não apurada de cocaína por preço não apurado, combinando o arguido ir entregar o produto estupefaciente ao …, sito em … e onde o seu interlocutor se encontrava;
20. AA entregou em 11.04.2023 ao utilizador, não identificado, do n.º …, mediante prévio contacto por mensagem escrita, um grama de cocaína, pelo preço de € 80,00;
21. AA vendeu cocaína a OO, pelo menos 1 vez por mês, durante 1 ano, entre 2022 e 2023;
22. MM comprou cocaína aos arguidos AA e BB. Ao arguido AA fê-lo durante, pelo menos, 6 meses e ao arguido BB durante, pelo menos, 2 meses, pagando entre € 40,00 e € 30,00 por 0,5g de produto, em todos os casos no ano de 2023;
23. MM adquiriu haxixe, também a ambos os arguidos e nos mencionados períodos de tempo, pagando entre €5,00 e €10,00 de cada vez, também no ano de 2023;
24. PP comprou haxixe aos arguidos BB e AA, tendo-o feito, pelo menos, 3 vezes, em datas não concretamente apuradas, mas entre 2019 e 2023;
25. Igualmente, comprou cocaína a ambos os arguidos, mais do que uma vez a cada um deles, pagando cerca de €80,00 por 1g de produto, no mesmo lapso temporal;
26. QQ comprou cocaína ao arguido AA entre os anos de 2019 a 2023, adquirindo entre 0,5g e 1g de produto de 15 em 15 dias, pagando cerca de €40,00 ou €50,00 de cada vez;
27. Entre os anos de 2019 e 2023, RR comprou cocaína ao arguido AA, pelo menos duas vezes, pagando €50,00 de cada vez;
28. No mesmo período de tempo, RR comprou haxixe ao arguido BB, pelo menos duas vezes.
29. Entre os anos de 2019 a 2023, SS comprou cocaína ao arguido AA, pelo menos 3 vezes;
30. Entre os anos de 2021 a 2023, TT comprou haxixe ao arguido BB, pelo menos uma vez por mês, pagando entre € 10,00 a €15,00 de cada vez;
31. No mesmo lapso temporal, UU comprou cocaína aos arguidos BB e AA. Ao arguido BB fê-lo por duas vezes, e ao arguido AA quatro vezes, pagando € 40,00 por 0,5g de produto, de cada uma das vezes e a ambos os arguidos;
32. VV adquiriu haxixe aos arguidos AA e BB ao longo do período de 3 meses, em momento não concretamente apurado entre os anos de 2019 e 2023, pagando entre € 10,00 e € 40,00 de cada vez;
33. Entre Janeiro e Agosto de 2023, XX comprou cocaína ao arguido AA, uma vez de 15 em 15 dias;
34. YY adquiriu cocaína ao arguido AA durante cerca de um ou dois anos, entre os anos de 2019 e 2023, fazendo-o, pelo menos, uma vez por mês;
35. ZZ adquiriu cocaína ao arguido BB entre os meses de Janeiro e Outubro de 2023, comprando 0,5g de produto uma vez por mês;
36. AAA comprou quantidade não concretamente apurada de haxixe ao arguido BB, mensalmente durante o ano de 2023, pagando €90,00 de cada vez;
37. BBB adquiriu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido AA duas ou três vezes por semana entre os anos de 2019 e 2023;
38. CCC comprou cocaína ao arguido AA, pelo menos uma vez por mês, entre os anos de 2019 e 2023, comprando entre 0,5g e 1g de cada vez, pagando pelo menos €40,00.
39. No dia 15.04.2023, AA efectuou contacto por mensagem escrita, através do seu número já identificado nos autos, para o arguido BB, utilizador do número …, para tratar de assuntos relacionados com a aquisição de produto estupefaciente, por parte de AA para revenda, e consumo próprio deste último, aos consumidores que o contactassem;
40. Ainda no dia 15.04.2023, o AA efectuou contacto telefónico, através do seu número já identificado nos autos, para o arguido BB, utilizador do número …, para tratar de assuntos relacionados com a aquisição de produto estupefaciente, por parte de AA tendo BB informado que já não dispunha de estupefaciente porque tinha vendido tudo;
41. Nos dias 17.04.2023, 19.04.2023, 20.04.2023, 22.04.2023, 03.05.2023, 08.05.2023, 12.05.2023, AA efectuou contacto por mensagem escrita e igualmente contacto telefónico, através do seu número já identificado nos autos, para o arguido BB, utilizador do número …, para tratar de assuntos relacionados com a aquisição de produto estupefaciente, por parte de AA para revenda deste último aos consumidores que o contactassem;
42. Em data não concretamente apurada mas antes de 22.08.2023 BB através de MM, de alcunha “…” e utilizador do número …, adquiriu a indivíduo não identificado quantidade não concretamente apurada de cocaína, pelo preço não inferior a € 800,00, e solicitou a CC que se deslocasse a …, na companhia de MM, para a transportar para …;
43. A arguida DD tinha conhecimento e auxiliava BB na actividade de venda de haxixe e cocaína que este desenvolvia, porquanto contactava com os consumidores que procuravam aquele através das redes sociais Instagram, Facebook, WhatsApp, recebia na sua conta bancária o produto das vendas de cocaína e haxixe que BB e a própria realizavam;
44. No dia 30.10.2023, pelas 20h55, na Rua …, em …, os arguidos BB E CC seguiam no interior do veículo automóvel da marca …, modelo … de matrícula …, transportando consigo os seguintes produtos:
- na coluna central junto ao travão de mão:
a) um saco transparente, contendo no seu interior cocaína, com o peso total de 20,43 g, com o grau de pureza de 68,2% que permitia preparar 67 doses diárias;
b) 1 (uma) nota com valor facial de € 20,00 do BCE;
- na coluna central no interior do apoio de braço – uma placa de canábis, com o peso total de 94,69g, com o grau de pureza de 25,1 %, que permitia preparar 459 doses diárias;
45. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido BB transportava consigo, no bolso das calças que trajava, 1 (um) telemóvel da marca …, de cor azul, com o cartão ….
46. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido CC transportava consigo uma nota do BCE com o valor facial de €5,00 e 2 (dois) isqueiros.
47. Ainda no dia 30.10.2023, pelas 23h20, o arguido BB tinha na sua posse, no interior da sua residência, sita na Rua …, n.º …, em …, … os seguintes bens, produtos e valores:
I. na sala:
a) na gaveta central de um armário – 1 (um) computador da marca …;
b) na gaveta do lado direito do armário:
i. 2 (duas) facas com vestígios na lâmina de canábis;
ii. 13 (treze) documentos manuscritos contendo números e nomes de pessoas conotadas como consumidores;
iii. € 17,70 (dezassete euros e setenta cêntimos) em moedas e notas do BCE;
iv. 1 (um) moinho de pequenas dimensões com vestígios de canábis;
II. Na bancada da cozinha:
a) 1 (um) caderno contendo apontamentos com números de identificação bancária (NIB);
III. No quarto:
na gaveta da cómoda:
a) 5 (cinco) pen drive;
b) 2 (dois) moinhos de pequenas dimensões com vestígios de canábis;
c) € 40,00 (quarenta euros) em notas do BCE;
d)1 (uma) faca de trabalho;
IV. na mesa de cabeceira:
a) 1 (um) telemóvel da marca …, de cor preta (avariado);
48. No dia 30.10.2023, pelas 23h00 o arguido CC tinha na sua posse, no interior da sua residência, sita na Rua …, …, em … os seguintes bens, produtos e valores:
I. Na cozinha:
a) 1 (um) telemóvel da marca …, modelo …, com o número … e IMEI …, número de série …;
b) 1 (um) computador portátil de marca … de cor cinzenta, número de série …;
II. No quarto:
a) 1 (um) computador portátil de marca …, de cor preta, número de série …;
b) diversos invólucros de plástico usados para acondicionar estupefaciente;
III. No anexo à zona habitacional:
a) 1 (uma) balança digital de cor cinzenta;
b) 1 (uma) navalha com cabo vermelho e com vestígios na lâmina de canábis;
c) 1 (um) saco de plástico e 3 (três) pedaços de plástico, compatível com invólucros utilizados no acondicionamento de estupefacientes;
49. O arguido AA no dia 30.10.2023, pelas 22h10, na Rua …, em …, transportava consigo os seguintes produtos e bens:
a) no bolso esquerdo das calças que trajava, 1 (um) telemóvel da marca …, modelo …;
b) no bolso direito das calças que trajava:
- 04 (quatro) pacotes de lidocaína, produto de corte, com o peso total de 2,2 g;
- € 96,01 (noventa e seis euros e um cêntimo) em moedas e notas do BCE;
50. No dia 30.10.2023, pelas 22h25 o arguido AA tinha na sua posse, no interior da sua residência, sita na Rua …, …, em … os seguintes bens, produtos e valores:
I. na cozinha:
a) no interior de um móvel da cozinha, dentro de um maço de tabaco, canábis com o grau de pureza de 22,9%, com o peso total de 0,28g, que permitia preparar 1 dose diária;
b) no interior de um móvel da cozinha, produto estupefaciente, acondicionado num pedaço de papel canábis (sumidades) com o grau de pureza de 5,6% com o peso total de 0,2g;
c) no interior de um móvel da cozinha, acondicionado num pedaço de plástico, paracetamol, produto de corte, com o peso total de 0,2g;
II. na sala:
a) no interior de um móvel, dentro de uma caixa de cartão, 1 (uma) balança de precisão da marca …;
51. Os objectos e valores monetários acima identificados que os arguidos tinham na sua posse em 30.10.2023 provinham justamente de anteriores vendas que os mesmos, nas indicadas condições, haviam efectuado, nas semanas antecedentes ou como produto dessas transacções.
52. Os arguidos actuaram nos termos acima referidos conhecedores da natureza e características dos produtos que detinham, cediam e transaccionavam, bem sabendo ser proibida a sua detenção fora de autorização legal, e, não obstante, quiseram deter, transportar e fazer transitar tais substâncias com a finalidade de as ceder, vender e proporcionar a terceiros, bem sabendo que não estavam legalmente autorizados a fazê-lo.
53. Os arguidos actuaram, ainda, sabendo que a quantidade de droga detida nas circunstâncias acima descritas se destinava a ser difundida por um número significativo de pessoas e, apesar disso, mantiveram-se insensíveis aos danos que originavam na saúde de múltiplos consumidores finais, apesar de estarem cientes que com isso prejudicavam de forma precoce e irreversível a saúde física e psicológica de tais consumidores, o que representaram e concretizaram.
54. Com a sua actuação os referidos arguidos visaram angariar dinheiro e, assim, disporem de capital próprio, não obstante exercerem actividade profissional lícita, assegurando os seus gastos diários com os proveitos decorrentes da referida actividade.
55. Os arguidos actuaram, em todos os momentos, de modo livre, voluntário e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas e punidas por lei penal.
Mais se provou que
Quanto ao arguido AA:
56. O arguido é filho único, tendo-se autonomizado do agregado familiar parental há cerca de 10 anos;
57. Não concluiu o ensino obrigatório;
58. A nível de saúde apresenta problemas de diabetes, sendo dependente de insulina. Encontra-se acompanhado clinicamente e medicado;
59. No EP, mantém um comportamento adequado e sem registos disciplinares;
60. Também no EP, encontra-se inscrito no ensino, EFA B 3 e não possui ocupação estruturada;
61. Recebe visitas da família de forma regular e conta com apoio emocional e financeiro destes;
62. Das conclusões do relatório social elaborado resulta que o arguido AA: «(…) é proveniente de uma família aparentemente normativa em termos legais, trabalhadora, de condição económica desafogada, denotando-se a existência de relações vinculativas no seio familiar.
Frequentou o ensino em idade própria não concluindo a escolaridade obrigatória.
Antes da reclusão residia com a cônjuge e 2 filhos menores, em casa pertença de familiares, descrevendo a relação marital como estável/gratificante e amistosa com restante família.
Apresenta hábitos de trabalho que iniciou precocemente junto do progenitor na empresa familiar de …, situação que mantinha antes da reclusão, exercendo a actividade de ….
Da sua vivência destacam-se ainda consumos de cocaína de carácter ocasional, em eventos sociais, que iniciou há cerca de 2 anos, sem recurso a tratamento especializado.
(…) possui apoio familiar a nível emocional e financeiro.»
63. Auferia cerca de € 1.200,00 por mês e trabalhava entre as 8h00 e as 12h30 e as 14h00 e as 17h30;
64. Actualmente, a esposa e os filhos do arguido terão de abandonar a residência em que se encontram, ficando o filho mais velho do casal junto dos avós paternos e a esposa e o filho mais novo alojados num quarto;
65. O arguido não tem quaisquer condenações averbadas no seu certificado de registo criminal.
Quanto ao arguido BB:
66. O arguido tem um irmão mais velho (o arguido CC) e uma irmã mais nova. Foi criado com esta última junto do progenitor e dos avós paternos, após o afastamento da progenitora;
67. É casado com a arguida DD, com quem tem 2 filhos menores de idade;
68. À data dos factos, vivia com a mencionada arguida e os dois filhos;
69. Auferia cerca de € 1.000,00 mensais e trabalhava na empresa …, tendo esse contrato de trabalho terminado aquando da sua reclusão;
70. Tem o 9.º ano de escolaridade, obtido através de curso de jardinagem de dupla certificação;
71. Mantém consumos regulares de substâncias estupefacientes desde há cerca de 6-7 anos, inicialmente apenas haxixe e cerca de 4 anos depois, consumos de cocaína;
72. No EP, regista um percurso adaptado e encontra-se a desenvolver trabalho como faxina, na cozinha;
73. Das conclusões do relatório social resulta que: «Sem dificuldades de inserção social, laboral e familiar, BB apresenta-se investido emocionalmente com a família que constituiu, bem como com os elementos da família alargada, sobretudo com os avós e os progenitores da companheira.
Com formação escolar adequada à faixa etária que integra, o arguido manteve ocupação laboral, em contínuo, de que subsistia e a respectiva família.
Como factor negativo no respectivo percurso vivencial ressaltam-se os consumos de substâncias estupefacientes, os quais tê-lo-ão exposto perante os canais de fornecimento do produto.»
74. O arguido não tem quaisquer condenações averbadas no seu certificado de registo criminal.
Quanto ao arguido CC:
75. O arguido é o mais velho de uma fratria de 3 irmãos, sendo um deles o arguido BB;
76. Viveu um período da sua vida em situação de sem abrigo, pelos 15 anos, após a saída de casa da sua progenitora devido a problemas de alcoolismo do progenitor e eventuais maus tratos por parte daquele;
77. Neste período, beneficiou de ajuda alimentar por parte dos avós paternos;
78. Não concluiu o ensino obrigatório e iniciou actividade laboral precoce, primeiro junto do avô paterno, na venda de …, e posteriormente em actividades indiferenciados no sector agrícola;
79. Desde os seus 20 anos, vive com a companheira com quem tem dois filhos menores de idade;
80. Antes da reclusão, viviam em casa arrendada;
81. O arguido exercia actividade laboral sem contrato, na área da construção civil, desempenhando funções de … e auferindo cerca de € 200,00 semanais;
82. A companheira desempenha funções de … num … em regime de efectividade.
83. O casal tem ainda apoio financeiro por parte dos sogros do arguido;
84. O arguido iniciou consumos de cocaína e haxixe durante a adolescência, que manteve até à reclusão, sem recurso a tratamento especializado, por considerar não interferir no seu quotidiano;
85. No EP, mantém comportamento adequado, sem registo de transgressões. Não tem ocupação estruturada e pratica desporto;
86. Recebe visitas da companheira, sogros e demais família, que apesar de censurarem o ilícito, lhe disponibilizam apoio emocional e financeiro;
87. Das conclusões do relatório social consta que: «Da avaliação efectuada apura-se que CC é proveniente de uma família aparentemente desestruturada, cuja progenitora abandonou o lar devido à problemática etílica do pai do arguido e consequentemente, maus tratos infligidos por este ao agregado, situação que lhe causou sofrimento emocional na altura e o levou a uma condição de sem abrigo, com apoio alimentar dos avós paternos.
Frequentou o ensino em idade própria não concluindo a escolaridade obrigatória.
Antes da reclusão residia com a companheira e 2 filhos menores em casa alugada, descrevendo a relação marital como estável/gratificante e amistosa com restante família.
Apresenta hábitos de trabalho que iniciou precocemente junto do avô paterno e, mais tarde, na área agrícola como indiferenciado em campanhas sazonais e ultimamente, como … , situação que possuía antes da reclusão.
Da sua vivência destacam-se ainda consumos de cocaína e haxixe de carácter ocasional, em eventos sociais, que iniciou durante a adolescência e manteve até á reclusão, sem recurso a tratamento especializado.»
88. O arguido não possui quaisquer condenações averbadas no seu certificado de registo criminal.
Quanto à arguida DD:
89. A arguida tem uma irmã e mantém boa relação com os progenitores, sendo que mantém actualmente este suporte familiar;
90. É casada com o arguido BB, com quem tem dois filhos menores de idade;
91. À data dos factos, e até à reclusão do arguido BB, o agregado familiar da arguida era composto pela própria, o marido e ambos os filhos;
92. Actualmente, mantém as rotinas de trabalho e cuidado dos filhos, com o apoio dos pais e da irmã;
93. Encontra-se laboralmente integrada, desempenhando funções de …, pelas quais aufere cerca de €820,00;
94. Reside em casa própria, pela qual despende mensalmente €250,00, e tem um total de encargos fixos de cerca de €760,00;
95. Tem o 12.º ano de escolaridade;
96. Das conclusões do relatório social consta que: «DD é detentora de um trajecto de vida afectivo e funcional, centrado no convívio socio familiar, até cerca dos dezassete anos, o que lhe proporcionou um alicerce estruturante e noção do normativo social, o que se identifica como factor de protecção.»;
97. A arguida não regista quaisquer condenações averbadas no seu certificado de registo criminal.
*
Factos Não Provados:
Com relevância para a decisão a proferir, não se demonstrou que:
A. Em 10.04.2023 AA entregou a DDD utilizador do n.º …, mediante prévia mensagem escrita para o número já assinalado, quantidade não apurada de estupefaciente, por preço não apurado;
B. No dia 31.03.2023, AA foi contactado, por mensagem escrita, pelo utilizador do contacto telefónico …, não identificado, a fim de o arguido lhe entregar quantidade não apurada de estupefaciente que se suspeita de tratar-se de cocaína, para o fim-de-semana, por valor não concretamente apurado;
C. Em 31.03.2023 AA entregou ao utilizador, não identificado, do nº …, mediante prévia mensagem escrita para o número já assinalado, pelo menos meia grama de cocaína, pelo preço não inferir a € 40,00;
D. Em 31.03.2023 e 15.04.2023 AA entregou ao utilizador, não identificado, do nº …, mediante prévia mensagem escrita e contacto telefónico, respectivamente, para o número já assinalado, quantidade não apurada de estupefaciente, por preço não apurado, marcando encontro pessoal na residência do arguido;
E. AA entregou, em 02.05.2023, através do utilizador, não identificado, do nº … e mediante contacto telefónico prévio, para o contacto telefónico e IMEI já assinalados, quantidade não apurada de estupefaciente (cocaína), por preço não apurado;
F. Em 02.06.2023 BB deslocou-se no veículo … à zona do … e entregou a EEE, quantidade não apurada de estupefaciente por preço não apurado;
G. Em 16.06.2023 BB, encontrando-se no interior do veículo …, entregou na zona do estabelecimento denominado …, na Av. …, em … a FFF quantidade não apurada de estupefaciente, por preço não apurado;
H. No dia 16.10.2023 DD no interior da sua residência entregou a GGG quantidade não apurada de estupefaciente, mas suspeito de ser canábis, pelo preço não inferior a € 10,00;
I. BB E DD elaboravam uma lista da qual constava os nomes dos consumidores a quem vendiam e respectivos valores;
J. À data dos factos, o arguido CC não auferia rendimentos.
*
Nada mais se apurou com relevo para a decisão da causa, pelo que a matéria alegada e que não conste dos factos elencados supra mostra-se irrelevante, conclusiva ou referente a questões de Direito.
Motivação da Matéria de Facto:
O Tribunal fundou a sua convicção sobre os factos dados como provados e não provados na análise crítica do conjunto da prova produzida e carreada para os autos.
Os referidos elementos foram valorados de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade e por referência ao princípio da livre convicção do julgador, nos termos do preceituado no art. 127.º do Código de Processo Penal (CPP).
Cabe mencionar que a audiência de julgamento foi objecto de gravação, tal como previsto em sede do art. 101.º, n.º 1 e n.º 4 do CPP, circunstância que deve ser tida em conta em sede da presente motivação, dispensando-se a transcrição dos depoimentos e declarações prestados.
Donde,
O facto feito constar como provado sob o n.º 1 resultou da análise dos diversos elementos de prova que mostram juntos aos autos. Tanto do teor das escutas realizadas ao longo do tempo, dos diversos autos de diligência externa, bem como dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento – já que as que mencionaram ter adquiridos produtos estupefacientes aos arguidos foram confirmando os hiatos temporais ali mencionados.
Em parte, designadamente no que se reporta ao modo de compra do produto, tal resultou também das declarações prestadas pelos arguidos AA e BB em sede de audiência de julgamento.
No que se refere aos factos n.º 2, 3 e 16, os mesmos resultaram directamente confirmados pelos arguidos AA e BB. Já os factos n.º 4 e 5 retiram-se claramente das escutas realizadas ao longo do tempo, resultando os arguidos DD e CC como inequívocos utilizadores de tais números, desde logo porque eram aqueles os contactos que o arguido BB utilizava nos contactos com ambos (sua esposa e irmão).
Também o facto n.º 6 foi dado como assente com base nas diversas escutas constantes dos autos, além do relatório de perícia efectuada aos telemóveis dos arguidos. Tendo também sido confirmado pelo depoimento das testemunhas HHH e III, militares da GNR a prestar serviço no NIC de …, sendo que este último teve contacto com os presentes autos desde o seu início.
Do teor das declarações prestadas pelo arguido BB (tanto em sede de primeiro interrogatório judicial, como, principalmente, em sede de audiência de julgamento) foi possível extrair a prova dos factos n.º 7 a 9, 14, 17 e 42.
Em concreto, o arguido confirmou a matrícula da viatura em que se fazia transportar (facto n.º 7), bem como que, por vezes, cedia cocaína a conhecidos que lhe entregavam dinheiro em jeito de compensação e também que, outras vezes, lhe era entregue dinheiro para que o mesmo trouxesse aquele produto de outro fornecedor (facto n.º 14).
Mais referiu que se deslocava a … no sentido de comprar produto estupefaciente mais ou menos quinzenalmente. Neste ponto, a sua versão divergiu um pouco da que se considerou demonstrada, na medida em que o mesmo referiu que essas viagens não eram combinadas com o arguido AA – sendo dito que aquele lhe entregava dinheiro antes das deslocações apenas para que o próprio arguido BB tivesse capital disponível para se abastecer a si mesmo – e também não foi mencionada nem a presença do arguido CC, nem a conivência da arguida DD.
Porém, das escutas patentes nos autos, tanto das conversas telefónicas como das mensagens de texto que se encontram transcritas e bem assim das evidências fotográficas e relatórios de diligência externa que as acompanham, resulta realidade diversa. Com efeito, dos elementos referidos, foi possível aquilatar que antes de cada deslocação existiam conversas entre os arguidos BB e AA, no sentido de verificar se cada um deles ainda tinha «stock» disponível ou se a viagem era necessária e para quando, ou mesmo no intuito de ser arrecada a quantia em dinheiro suficiente para a compra. Em várias das ocasiões é mesmo possível apurar que o próprio arguido AA incitava o arguido BB a realizar a deslocação alegando já não ter produto disponível.
Quanto à presença do arguido CC, tal resultou directamente da evidência fotográfica junta aos autos, sendo o mesmo visualizado no carro durante tais deslocações. Por seu turno, o conhecimento da arguida DD resultou tanto de o arguido BB ter mencionado que aquela sabia da actividade por si desenvolvida, como da leitura das transcrições das escutas constantes dos autos. Além de que não pode ser ignorado que ambos viviam juntos, em economia comum e com partilha total de rendimentos e despesas – conforme adiantado pelo arguido BB em ambas as instâncias em que foi ouvido – não sendo sequer plausível que a arguida DD não tivesse conhecimento da utilização dada ao dinheiro do casal (até pelos valores em causa).
Para o que se deixou dito a propósito destes factos (8, 9 e 17), contribuíram designadamente as sessões 14368, 14375, 14381, 17360, 17361, 17419, 17453, 17465, 17610 do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 155 e 185 a 188; relatório de vigilância de fls. 758 a 762, 855 a 858, 860 a 862, 916 a 918 ; sessão 321, 2793, 2843, 6614 do alvo 131012060, Apenso 1, bem como fls. 2, 23, 24, 27, 102 a 105, sessão 3004, 3014 do alvo 132669080, fls. 5, 6 do Apenso I; 667, 10760, 10762, 10810, 6752, 5059, 6886, 8888 e 8889, 1903, 12672, 12673, 12674, 12676, 12679, 14028, 14030, 18310 do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 31 a 33, 57, 77, 78, 104, 119, 120, 196, 132, 133; relatório de vigilância de fls. 758 a 762, 855 a 858, 860 a 864; sessões 2843, 2853, 2653, 2988, 4119 do alvo 131012060, Apenso 1, fls. 26, 27, 21, 22, 28, 56.
Igualmente, (facto n.º 42) o arguido BB confirmou que, numa ocasião, procedeu à compra de cocaína em conjunto com o seu irmão, o arguido CC, tendo referido que a mesma seria para consumo de ambos. Compra essa que rondou os € 700,00 – não se encontrando o mesmo certo do valor despendido – e tendo o arguido CC sido acompanhado por MM no transporte do produto. Afirmação suportada também pelas escutas constantes das sessões 20645, 20667, 20937, 21288, 21406, 21431, 21512 do Alvo 131012060, fls. 2129 a 2205 do Apenso I.
Já o concreto auxílio que era dado pela arguida DD na actividade de venda de haxixe e cocaína desenvolvida pelo arguido BB (facto n.º 43) transparece não apenas das declarações por aquele prestadas, mas da concreta dos elementos recolhidos nos autos. Concretamente das sessões 866, 5916, 5921, 6614, 8646, 8707, 8709, 9427, 9434, 9507, 13092, 18310, 20045, 20053, 20382, 20390, 21638, 23984, 23992, 23998, 24001, 24818, 24980, 24985, 24990 do Alvo 131012060, fls. 10, 85, 105, 135, 137, 138, 143, 144, 1702, 2124 a 2127, 2206 e 2207, 2246, 2247, 2255 a 2257 do Apenso I, sessão 5667, 9067 do alvo 132669080, fls. 2405, 2569 do Apenso I, fls. 3561, 3675, 3676 do relatório de perícia informática.
Os factos dados como provados sob os números 18 e 44 a 50 foram-no com base nas buscas e apreensões efectuadas nestes autos, conforme consta dos respectivos autos – os quais foram confirmados pela testemunha III, militar da GNR, a prestar no NIC de …–, bem como do relatório pericial de análise dos produtos apreendidos. Além destes elementos, ainda que o arguido BB tenha referido que não guardava quaisquer produtos estupefacientes em sua casa, tal resulta contrariado tanto pelas regras de experiência comum, como pela circunstância de uma das testemunhas (ZZ) ter mencionado que, numa das ocasiões em que comprou cocaína ao arguido, o produto lhe foi entregue pela arguida DD, tendo-se deslocado até à casa de ambos para proceder a essa recolha.
Também a versão apresentada pelo arguido AA, de que a balança de precisão que detinha se destinava apenas ao apoio ao seu hobby de pesca com chumbo, não logrou convencer o Tribunal. E assim foi tanto atendendo aos demais factos apurados: desde o número de consumidores habituais a que o próprio reconheceu fazer vendas, à quantidade de testemunhas que referiram ter-lhe comprado cocaína e haxixe, bem como a periodicidade e quantidades mencionadas e também a que o mesmo tinha na sua posse aquando das buscas realizadas duas substâncias tipicamente associadas ao corte de produtos estupefacientes: lidocaína e paracetamol. O que é mais compatível, segundo as regras de lógica e experiência comum, com a circunstância de o arguido receber o produto comprado ao arguido BB, proceder ao seu corte e acondicionamento para venda, para o que seria utilizada a balança de precisão encontrada.
Por seu turno, os factos dados como assentes sob os n.º 10 (parcialmente) e 12, foram dados como assentes com base nas declarações prestadas pelo arguido AA em sede de audiência de julgamento. Nestas, o arguido confirmou qual a viatura que habitualmente conduzia, bem como reconheceu ter, pelo menos, 6 clientes habituais a quem fazia vendas com a periodicidade de cerca de 2 em 2 dias.
Ainda quanto ao facto n.º 10, no que se reporta ao veículo conduzido pelo arguido CC, o mesmo resulta dos autos de busca efectuada no dia 30/10/2023 e já mencionados.
Em relação aos factos dados como provados sob os n.º 11, 13, 19 e 20, os mesmos resultaram da concatenação dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, com os elementos recolhidos através das intercepções que se mostram juntas aos autos. Com efeito, de um modo transversal, as testemunhas que foram ouvidas e reconheceram ter comprado cocaína e haxixe aos arguidos (e nomeadas entre os factos n.º 21 a 38), foram mencionando os valores por que o faziam a cada um dos arguidos de modo congruente e compatível com os feitos constar sob os factos n.º 11 e 13. Quanto a estes valores, os mesmos resultam ainda confirmados em sede das diversas intercepções juntas aos autos, em mais do que uma ocasião, tanto pelas mensagens trocadas com os compradores, como pelos recebimentos confirmados entre os arguidos BB e DD.
Ademais, além de a testemunha NN ter deposto de forma a confirmar o referido no facto n.º 19, o seu depoimento resulta também confirmado pelas sessões 4840, 4842, do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 56, 57. Já o facto n.º 20, ainda que o concreto consumidor não se mostre identificado, as sessões 5516, 5517, 5518, 5519, 5520, 5521, 5522, 5526, do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 63 a 65, 67 confirmam a transacção de forma inequívoca, bem como os valores praticados pelo arguido AA.
Já quanto aos factos n.º 21 a 38, os mesmos foram dados como assentes através dos depoimentos prestados pelas testemunhas neles mencionadas, as quais descreveram de modo espontâneo e suficiente as ocasiões e concretos produtos estupefacientes adquiridos junto dos arguidos BB e AA.
Em concreto no que se reporta às vendas realizadas pelo arguido AA: em sede das suas declarações, o arguido trouxe a versão de que, apesar de querer vender cocaína, na verdade realizava vendas de lidocaína. Versão esta que surgiu após o mesmo ter tido conhecimento do resultado da perícia realizada às substâncias apreendidas no dia 30/10/2023.
Ora, esta versão não mereceu a credibilidade do Tribunal. É certo que no dia 30/10/2023 as substâncias apreendidas ao arguido AA foram «apenas» Lidocaína e Paracetamol. Porém, as mesmas são comummente utilizadas para «cortar» o produto estupefaciente, concretamente a cocaína, antes da sua venda. Não sendo de estranhar que, coincidindo o dia das buscas com uma das viagens de abastecimento realizadas por BB, que o AA não tivesse cocaína na sua posse, já que ainda não se tinha dado o encontro entre ambos os arguidos. Por outro lado, é também natural que tivesse consigo as substâncias utilizadas na mistura final a vender aos consumidores.
É certo que a maior parte das testemunhas inquiridas e que mencionaram ter comprado cocaína ao arguido AA relataram que o seu produto, por vezes, era fraco. Porém, não deixaram de relatar de modo credível que aquele fazia sempre algum efeito. Motivo pelo qual continuavam a comprar (com excepção da testemunha JJJ que referiu ter-se sentido enganado pela má qualidade do produto, deixando de recorrer aos serviços deste arguido).
Ora, tanto pelos relatos desinteressados das testemunhas, como pela quantidade de consumidores em causa e periodicidade das vendas, bem como pelas regras da lógica e experiência comum, a versão oferecida pelo arguido não pode colher. Com efeito, a versão mais compatível com a realidade é a de que o arguido AA, utilizava dois produtos de corte de cocaína distintos, a Lidocaína e o Paracetamol (o que justifica até o sabor «a remédio» identificado por algumas das testemunhas), de modo a fazer com que o produto rendesse mais, aumentando tanto a sua durabilidade, como o lucro obtido com cada venda. Corte esse que enfraquecia o produto de modo a ser notado pelos seus consumidores.
Os factos n.º 15 e 39 a 41 resultaram provados pela análise das sessões 6752, 6886, do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 78; sessões 6667 do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 77; sessões 7402, 7410, 7413, 7414,7444,7686, 7697, 7701, 8154, do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 84, 85, 86, 90, 91; 7414, 8091, 8093 do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 94, 95; sessões 9155, 9185, 9223, 9226, 9229 do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 106, 107, 108, 109; e sessões 12770, 12843, 12893, 14182, 14186, 14368, 14375, 14381, 15187, 15228, 15298, 16007 do Alvo 130215040, Apenso 1, fls. 133 a 135, 136, 151, 155, 166, 167, 171.
Por seu turno, o facto n.º 51 resulta demonstrado por se tratar de uma decorrência lógica e congruente com as regras de experiência comum face aos demais factos apurados.
No que diz respeito aos factos feitos constar sob os n.º 52 a 55, os mesmos resultaram da compatibilização das declarações prestadas pelos arguidos aquando da sua audição em sede de primeiro interrogatório, no qual mencionaram, essencialmente, que os produtos apreendidos se destinavam ao seu próprio consumo (arguidos AA, BB e CC), com as prestadas também em sede de audiência de julgamento (AA e BB), na qual já referiram realizar algumas vendas de cocaína e haxixe, com os demais elementos carreados para os autos e já mencionados acima. Desta concatenação, resulta de forma clara que os arguidos conheciam as características dos produtos detidos, transportados e vendidos, bem como se encontravam cientes do número de consumidores que conseguiam abarcar. Não sendo, de todo, crível que não estivessem cientes dos efeitos nefastos de tais produtos. Donde se retira, também, a demonstração de que, apesar do conhecimento detido e sabendo da proibição e punição da posse, cedência, transporte e venda de cocaína e haxixe, os arguidos quiseram actuar da forma descrita e dada como assente, de modo a, dessa forma, tirar proventos da actividade desenvolvida.
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Olhando aos factos pessoais e condições socioeconómicas de cada arguido, os mesmos foram dados como provados com recurso, essencialmente, aos relatórios sociais juntos aos autos, bem como à análise dos depoimentos das testemunhas abonatórias por si arroladas que em nada contrariaram o que consta daqueles relatórios.
Assim, quanto aos factos n.º 56 a 64 referentes ao arguido AA, o relatório social em causa encontra-se sob a ref.ª …, de 25/06/2024.
Quanto aos factos n.º 66 a 73, referentes ao arguido BB, o relatório social em causa encontra-se sob a ref.ª … de 05/07/2024.
No que se refere aos factos n.º 75 a 88, reportados ao arguido CC, o relatório social tido em conta encontra-se sob a ref.ª …, de 26/06/2024.
Em relação aos factos n.º 89 a 96, que dizem respeito à arguida DD, o relatório social relevante encontra-se sob a ref.ª …, de 18/07/2024.
Por fim, no que diz respeito aos antecedentes criminais dos arguidos AA, BB, CC e DD, dados como provados, respectivamente, sob os n.º 65, 74, 88 e 97, os mesmos foram dados como provados com base na análises dos certificados registo criminal de cada um dos arguidos, os quais se encontram sob a ref.as …, …, … e …, todas de 12/09/2024.
*
Quanto à factualidade dada como não assente, a mesma resultou, no essencial, de não ter sido feita prova bastante tendente à sua demonstração.
Em concreto, no que se reporta aos factos não provados sob as letras A a G, os mesmos foram dados como não provados na medida em que não se considerou que as sessões das intercepções, autos de visionamento e relatórios de diligência externa indicados para a sua fundamentação fossem suficientes para o efeito, sem que houvesse também qualquer outro elemento de prova que permitisse colmatar tal insuficiência.
Quanto ao facto dado como não provado sob a letra H, além de o mesmo não ser suportado por nenhum dos elementos carreados para os autos (intercepções ou outros), o depoimento da testemunha GGG em sede de julgamento foi no sentido de não ter feito qualquer aquisição de haxixe à arguida DD. Depoimento que se considerou credível.
O facto feito constar como não demonstrado sob a letra I resultou da circunstância de o caderno mencionado nos autos de apreensão como sendo o local onde constava tal lista não se encontrar fisicamente junto aos autos, não sendo possível a sua consulta. Ademais, da imagem do mesmo que consta do auto de apreensão não resulta qualquer elemento que permita concluir pela existência de tal lista. Da mesma é apenas visível o IBAN do arguido BB e outra anotação perfeitamente inócua sobre sacos de lixo. Tudo elementos que podem perfeitamente fazer apenas parte de um caderno de apontamento de assuntos domésticos.
Por fim, o facto não provado sob a letra J resultou da menção feita no relatório social do arguido CC de que, à data dos factos, este desempenhava actividade como …, apenas não tendo contrato formal. O que foi também confirmado pelas testemunhas abonatórias por si arroladas.
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IV. Fundamentação de Direito:
Apurada a factualidade relevante, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
Do Crime de Tráfico de Estupefacientes:
Dispõe o art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro (Lei da Droga) que «quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.».
Por sua vez, dispõe o art. 25.º, al. a) do mesmo diploma que «se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de (…) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.»
O bem jurídico protegido com a incriminação das condutas previstas nos artigos referidos, seja na sua vertente comum, seja no tipo previsto no art. 25.º, é a saúde pública ( ), mas também a vida, integridade física, a liberdade e o património.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, ou seja, a lei basta-se com a aptidão genérica de determinadas condutas para constituírem um perigo para os bens jurídicos que se visa proteger. A tradução prática destas considerações é que o perigo não é um elemento do tipo do ilícito, mas um fundamento da sua punição, o que determina que não seja necessário demonstrar, no caso concreto, que esse perigo efectivamente se verifica.
É desta característica que decorre a punição da mera detenção de produtos estupefacientes sem que tenha de se verificar a sua concreta venda ou cedência.
O tipo objectivo é o mesmo em ambos os casos, preenchendo-se quando o agente tenha praticado actos de consumo, cultivo, aquisição, venda, distribuição, cedência, transporte ou simples detenção de produtos estupefacientes proibidos constantes nas tabelas anexas ao DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sem que se encontre autorizado a fazê-lo.
Assim, a distinção entre o ilícito típico previsto em sede do art. 21.º e do ilícito típico previsto no art. 25.º baseia-se apenas no grau de ilicitude da actuação em causa, que é menor neste último caso. A referida redução da ilicitude pode verificar-se seja pela qualidade das substâncias em causa, seja pela sua quantidade, ou mesmo pelos meios utilizados no seu cometimento.
Da redacção do art. 21.º, n.º 1 ressalta, ainda como elemento do tipo objectivo, um requisito negativo que consiste no não preenchimento dos predicados referentes ao art. 40.º do mesmo diploma legal, ou seja, que os produtos cultivados, adquiridos ou detidos não se destinem apenas ao consumo do agente. Ou seja, para que considerasse aplicável o disposto no art. 40.º, teria de se ter como provado que o agente destinasse todo o produto que detinha consigo ao seu próprio consumo( ). O que, atenta a factualidade em causa nos autos, manifestamente não se verifica.
Existe, ainda, outro tipo de crime que cumpre considerar, previsto no art. 26.º, que prevê os casos de traficantes-consumidores. Neste caso «[o] legislador criou um tipo privilegiado de crime, para punir aqueles que não fazendo do tráfico uma forma de vida, a ele se dedicam, contudo, como forma de angariar meios para sustentarem as suas necessidades de consumo.
Sem embargo do agente do crime não ter de ser necessariamente um toxicodependente, mas um mero consumidor (…) a verdade é que, em regra, quem se dedica a esta actividade, são toxicodependentes, mais vulneráveis que estão às pulsões do consumo. Reconhece-se assim implicitamente, uma culpa diminuída nos consumidores agentes deste crime, que, todavia, cessa quando os produtos detidos excederem o necessário para o consumo individual durante o período de 5 dias»( ).
Exige-se nesta modalidade privilegiada do crime de tráfico que os actos previstos no art. 21.º sejam praticados apenas com o objectivo de suportar o próprio consumo do traficante em causa, tratando-se, portanto, de um dolo específico. O que impõe, também, que essa circunstância se encontre demonstrada em sede de factos provados, e que, neste caso, também não se verifica quanto a nenhum dos arguidos. E não se verifica seja pelas quantidades de produto estupefaciente em causa, seja pelo número de consumidores identificados.
Donde se retira estar, efectivamente, em causa a decisão sobre a subsunção da conduta dos arguidos ao tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, ou à sua vertente de menor gravidade previstos, respectivamente, em sede dos artigos 21.º e 25.º, al. a) do DL 15/93, de 22 de Janeiro. Consideração a que se procederá adiante.
No que se reporta ao tipo subjectivo, em ambos os casos trata-se de um crime doloso, nos termos do disposto no art. 14.º do Código Penal. Donde decorre que, para que o mesmo se considere preenchido, é necessário que se verifiquem os elementos intelectual – ou seja, o conhecimento correcto da realidade típica –, e volitivo – i.e. a vontade dirigida à prática do facto – do dolo.
Como resulta dos vários números do art. 14.º do Código Penal, o elemento volitivo do dolo comporta três modalidades: (i) directo quando o agente representa um facto que preenche um tipo de crime e actua com intenção de o realizar (n.º 1); (ii) necessário, nos casos em que o agente representa, como consequência necessária da sua conduta, a realização de um facto que preenche um tipo de crime (n.º 2); e, por fim, (iii) eventual, se a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada pelo agente como consequência possível da conduta e aquele agente se conforma com a sua realização (n.º 3).
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Olhando ao caso em apreço, perscrutando a factualidade dada como assente, dúvidas não subsistem de que a conduta de todos os arguidos é apta a preencher o elemento típico objectivo do crime de tráfico de estupefacientes. Isto na medida em que todos eles cometeram e participaram em actos destinados à disponibilização de produtos estupefacientes a consumidores, sem que se tenha demonstrado que se encontrados autorizados para o efeito.
Conforme ressalta dos factos em causa, o arguido BB procedia à deslocação a …, numa periodicidade pelo menos quinzenal, para adquirir produto estupefaciente em quantidade suficiente para abastecimento próprio e do arguido AA. Nestas deslocações o mesmo era, comummente, acompanhado pelo arguido CC, tendo a arguida DD conhecimento das deslocações e do seu intuito.
Antes destas deslocações, o arguido BB e o arguido AA contactavam no sentido de obter a maquia necessária à compra. Pelo que esta compra, transporte e posterior corte e venda eram do conhecimento e vontade de todos os arguidos nestes autos.
Após as deslocações, o arguido BB entregava a parte que cabia ao arguido AA e, após, procediam à venda a terceiros do produto que detinham.
Ora, conforme se deixou mencionado acima, cumpre verificar se a conduta dos arguidos se situa no âmbito do tipo base do crime de tráfico de estupefacientes, ou se poderá ser considerado que a ilicitude dos factos se mostra «consideravelmente diminuída», podendo ser enquadrada no seu tipo «de menor gravidade».
Para o efeito, de modo a aferir da referida «diminuição considerável da ilicitude» a jurisprudência tem atendido aos seguintes índices( ):
i. a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre «drogas duras» e «drogas leves»;
ii. a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim;
iii. a dimensão dos lucros obtidos;
iv. o grau de adesão a essa actividade como modo e sustento de vida;
v. a afectação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas;
vi. a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da actividade desenvolvida;
vii. a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes;
viii. o número de consumidores contactados;
ix. a extensão geográfica da actividade do agente;
x. o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente.
Atenta a factualidade dada como assente há que considerar que os arguidos se dedicaram a esta actividade de venda de haxixe e cocaína a terceiros de forma regular, do que é sintoma o número de clientes identificados, bem como a periodicidade das vendas e das viagens para novos abastecimentos. Além disso, também o tempo em que tal ocorreu é um factor relevante. Note-se que o arguido AA se dedicou a esta actividade durante cerca de 4 anos (entre 2019 e 2023) e os restantes arguidos durante cerca de 2 anos (entre 2021 e 2023), apenas cessando no âmbito já deste processo, e não de modo voluntário.
É certo que os arguidos não faziam uso de modos especialmente sofisticados para proceder a esta distribuição – comunicavam entre si e com os consumidores pelos meios habituais de comunicação, como sendo por sms, contacto telefónico, whatsapp e pessoalmente – no entanto, é relevante tanto a quantidade de consumidores abrangidos, como a circunstância de diversos deles procederam a aquisições semanais ou quinzenais. Importando, ainda, olhar às quantidades em causa e aos valores pagos por cada consumidor. Sendo certo que não se demonstrou que os arguidos tivessem «subdistribuidores», não é supérfluo que cada comprador, ainda que para seu próprio consumo – despendesse pelo menos entre €30,00 a €40,00 de cada vez, sendo que alguns deles registaram quantias bem superiores, mais na casa dos €80,00 e até superiores.
A isto acrescem os produtos apreendidos aquando das buscas realizadas no dia 31/10/2023. A este propósito, ainda que apenas se tenha apreendido cocaína no veículo do arguido BB (acompanhado pelo arguido CC), tal não afasta a responsabilidade dos restantes arguidos já que, conforme sobejamente demonstrado, era este que fazia as viagens de abastecimento, não sendo, por isso, estranho que detivesse o grosso do produto em causa. Também a circunstância de o arguido AA apenas ter consigo Lidocaína não afasta, nem atenua, a ilicitude da sua conduta. Na verdade, esta substância é utilizada no corte do produto estupefaciente, não se estranhando que o arguido a detivesse. Já o facto de o mesmo não deter cocaína na sua posse é facilmente explicado pelo já mencionado atrás: o arguido BB encontrava-se numa das suas viagens de abastecimento, o que ocorria após esgotado o produto anteriormente trazido e vendido.
Ora, face ao mencionado, facilmente se conclui que esta actividade se encontrava já enraizada no quotidiano dos arguidos, sendo, a par com as sua actividades lícitas, uma das fontes de rendimento com a qual contavam e não maioritariamente para sustentar os seus próprios consumos.
Entende-se ainda como relevante mencionar que o facto de os arguidos se abastecerem fora da circunscrição geográfica em que tipicamente se movem, deslocando-se a outro distrito para, posteriormente, proceder à distribuição em … implica algum grau de gestão e organização do negócio. E isto porque implica tanto a existência de contactos noutro distrito, como a organização da deslocação e transporte do produto.
Por fim, há que mencionar que a circunstância de uma das drogas em causa ser tipicamente qualificada como leve – como é o caso do haxixe – cujos efeitos nefastos à partida serão menores quando comparadas com as drogas pesadas, não se pode olvidar que o grosso das vendas apuradas foi de cocaína. Substância esta que é já considerada uma droga pesada e com elevada danosidade social.
Em conclusão, de tudo o que se deixou referido, entende-se que a ilicitude dos factos não é consideravelmente diminuída, pelo que não podem os factos ser subsumidos ao tipo de tráfico de menor gravidade, mas antes ao seu tipo base, previsto e punido pelo art. 21.º da já mencionada «Lei da Droga».
No pólo subjectivo, decorre da factualidade apurada que os arguidos tinham consciência da ilicitude das condutas adoptadas – não sendo despiciendo que utilizassem linguagem codificada ou críptica nas comunicações orais e escrita, privilegiando o contacto pessoal –, bem como das características dos produtos que transportavam, detinham, cediam e vendiam e que, ainda assim, quiseram praticar os actos em causa conforme descrito e durante aqueles lapsos temporais. Pelo exposto, conclui-se pela verificação também do elemento subjectivo, na modalidade de dolo directo.
Assim, verificando-se o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime, e sem que se tenham demonstrado quaisquer circunstâncias que excluam a ilicitude ou a culpa, importa concluir que:
Os arguidos AA,BB, CC e DD praticaram, em co-autoria e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes, p.e.p. pelo art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma, pelo qual devem ser condenados.
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Quanto à imputação do crime de tráfico de estupefacientes na modalidade de «crime continuado», tal menção foi desconsiderada. E isto na medida em que tem sido pacificamente entendido que, pela própria natureza do crime em causa, tal instituto jurídico não encontra aqui aplicação, em nada se alterando a subsunção jurídica dos factos, a medida da pena ou a sua punição( ).
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a) Da Natureza da Pena:
(…)
No que se reporta ao crime de tráfico de estupefacientes, o mesmo apenas é punido com pena de prisão, pelo que não há lugar à ponderação mencionada
Ademais, devido à elevada frequência com que este tipo de crime ocorre e a sua repercussão negativa na comunidade, as exigências de prevenção geral são elevadas.
b) Da Medida Concreta da Pena:
O crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de prisão a situar entre 4 a 12 anos, cfr. art. 21.º, n.º 1 da Lei da Droga.
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(…)
Revertendo ao caso em apreço, há que proceder à ponderação mencionada de forma separada quanto aos quatro arguidos. Assim,
Quanto ao arguido AA:
Foi considerado em desfavor do arguido a elevada ilicitude dos factos, materializada na reiteração dos comportamentos ao longo do tempo (entre 2019 e 2023), na elevada danosidade social de um dos concretos produtos vendidos pelo arguido (a cocaína) e na quantidade de consumidores a quem o arguido realizava vendas.
Ademais, foi considerado em sentido desfavorável que o mesmo, escolhendo prestar declarações, tenha apresentado uma versão inverosímil dos factos, destinada a dificultar o apuramento da verdade material.
Já em seu favor, foi considerada a circunstância de o arguido se encontrar social e familiarmente inserido, beneficiando do acompanhamento e apoio dos seus pais e esposa, além de ter dois filhos menores de idade. Também é de referir que, à data dos factos, o arguido desempenhava actividade laboral – ainda que em empresa familiar – perspectivando-se facilidade de regressar ao activo.
Também em favor do arguido, ponderou-se a inexistência de qualquer condenação averbada no seu CRC.
Considerando o que já se deixou exposto, a culpa situa-se num grau elevado já que, apesar de o arguido ser também consumidor destes produtos, não resulta da factualidade adquirida que esse tenha sido um factor determinante da sua conduta, pelo que não se tem como factor mitigante.
Deste enquadramento, considera-se que as exigências de prevenção especial são médio-altas e, conforme referido acima, que as exigências de prevenção geral são elevadas.
Tendo em conta o prescrito no art. 71.º do Código Penal, considera-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena situada junto ao limite médio da moldura penal.
Assim, aplica-se ao arguido AA a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
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Quanto ao arguido BB:
Em desfavor do arguido militou a elevada ilicitude dos factos, a qual se concretiza tanto na reiteração dos comportamentos ao longo do tempo (entre 2021 e 2023), como na circunstância de o mesmo assegurar tanto o seu próprio abastecimento, como o dos demais arguidos, através das viagens realizadas para proceder à compra do produto que depois repartia. Além disso, teve-se em conta a elevada danosidade social de um dos concretos produtos vendidos pelo arguido (a cocaína) e a quantidade de consumidores a quem o arguido realizava vendas.
Já em seu favor, foi considerada a circunstância de o arguido se encontrar social e familiarmente inserido, beneficiando do acompanhamento e apoio dos seus avós, sogros e esposa, além de ter dois filhos menores de idade.
Surge também como factor positivo que, à data dos factos, o arguido se encontrava laboralmente inserido e que, conforme resulta do seu relatório social, tenha hábitos de trabalho e a possibilidade de regresso ao activo de forma relativamente simples junto dos seus avós paternos.
Também se ponderou de forma positiva a inexistência de qualquer condenação averbada no seu CRC.
Considerando o que já se deixou exposto, a culpa situa-se num grau elevado já que, apesar de o arguido ser também consumidor destes produtos, não resulta da factualidade adquirida que esse tenha sido um factor determinante da sua conduta, pelo que não se tem como factor mitigante.
Deste enquadramento, considera-se que as exigências de prevenção especial são médio-altas e, conforme referido acima, que as exigências de prevenção geral são elevadas.
Tendo em conta o prescrito no art. 71.º do Código Penal, considera-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena situada junto ao limite médio da moldura penal.
Assim, aplica-se ao arguido BB a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
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Quanto ao arguido CC:
Em desfavor do arguido militou a ilicitude dos factos, a qual se concretiza, essencialmente, no acompanhamento e auxílio do arguido BB durante as viagens para abastecimento de produto estupefaciente e na reiteração dos comportamentos ao longo do tempo (entre 2021 e 2023). Não deixa de pesar de modo desfavorável na apreciação da conduta a elevada danosidade social da cocaína, sendo este um dos produtos comercializados pelos arguidos.
Já em seu favor, foi considerada a circunstância de o arguido se encontrar social e familiarmente inserido, beneficiando do acompanhamento dos seus sogros e esposa, além de ter dois filhos menores de idade.
Surge também como factor positivo que, à data dos factos, o arguido se encontrava laboralmente inserido (embora sem contrato de trabalho) e que, conforme resulta do seu relatório social, tenha hábitos de trabalho e a possibilidade de regresso ao activo de forma relativamente simples, mesmo através de actividades indiferenciadas já desempenhadas até aqui (agricultura e construção civil).
Também se ponderou de forma positiva a inexistência de qualquer condenação averbada no seu CRC.
Considerando o que já se deixou exposto, a culpa situa-se num grau mediano já que, ainda que a circunstância de o arguido ser consumidor de produtos estupefacientes não se afigurar como tendo sido determinante para a conduta adoptada, a sua real participação nos factos é mais reduzida do que a dos demais arguidos, sendo também a ilicitude menos patente do que quanto aos demais co-arguidos. Com efeito, não se registam vendas autónomas efectuadas pelo arguido CC, nem se demonstrou que o mesmo beneficiasse dos valores recebidos pelos restantes arguidos, o que, por outro lado, também não apaga o facto de o mesmo ter participado, pelo menos, na compra e transporte dos produtos vendidos pelos demais co-autores, colaborando na actividade desenvolvida.
Deste enquadramento, considera-se que as exigências de prevenção especial são baixas e, conforme referido acima, que as exigências de prevenção geral são elevadas.
Tendo em conta o prescrito no art. 71.º do Código Penal, considera-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena situada junto ao limite mínimo da moldura penal.
Assim, aplica-se ao arguido CC a pena de 4 anos de prisão.
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Quanto à arguida DD:
Considerou-se em desfavor da arguida a elevada ilicitude dos factos. Esta concretiza-se tanto na elevada danosidade social de um dos produtos estupefacientes em causa nos autos (a cocaína), como no acompanhamento dado pela arguida ao co-arguido BB. Com efeito, a arguida DD é esposa de BB, recebeu por diversas vezes os valores das vendas de produtos estupefacientes através do seu contacto associado ao MBWAY e quinhoou tanto na compra dos produtos para revenda, como nos valores recebidos pelas vendas realizadas. Conduta esta que foi reiterada no tempo, entre os anos de 2021 e 2023.
Já em seu favor, foi considerada a circunstância de a arguida se encontrar social e familiarmente inserida, beneficiando do apoio dos seus pais e irmã, além de ter dois filhos menores de idade cujas rotinas diárias assegura. Também lhe é favorável que mantenha actividade laboral remunerada, em regime de efectividade, sendo a mesma que já desempenhava à data dos factos.
Também se ponderou de forma positiva a inexistência de qualquer condenação averbada no seu CRC.
Considerando o que já se deixou exposto, a culpa situa-se num grau mediano já que a sua real participação nos factos é mais reduzida do que a dos arguidos BB e AA. Com efeito, não se registam vendas autónomas efectuadas pela arguida DD, ainda que esta auxiliasse o seu marido na actividade desenvolvida.
Deste enquadramento, considera-se que as exigências de prevenção especial são médio-baixas e, conforme referido acima, que as exigências de prevenção geral são elevadas.
Tendo em conta o prescrito no art. 71.º do Código Penal, considera-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena situada junto ao limite mínimo da moldura penal.
Assim, aplica-se à arguida DD a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
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c) Da Ponderação da Substituição das Penas de Prisão – Arguidos CC e DD:
Atendendo à concreta medida das penas de prisão aplicadas aos arguidos CC e DD, há lugar à ponderação da sua substituição por uma pena não privativa da liberdade.
No nosso Ordenamento Jurídico, a pena de prisão está pensada como uma medida de ultima ratio, o que se prende com as desvantagens para a ressocialização do agente que são aportadas pelo cumprimento efectivo de penas de prisão.
Desta configuração resulta a necessidade de ponderação da substituição do cumprimento efectivo de uma pena de prisão por outras penas não privativas da liberdade, mesmo quando se tenha concluído pela escolha dessa pena em momento anterior. Assim, o legislador estabeleceu um verdadeiro poder-dever do Tribunal no sentido de, sempre que tal realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a pena privativa de liberdade tem de ser substituída por outra que não implique tal privação, desde que se mostrem preenchidos os pressupostos para o efeito.
Da Suspensão da Execução da Pena de Prisão:
Determina o art. 50.º, n.º 1 do CP que «[o] tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
Existem, assim, pressupostos formais da suspensão da execução de pena, que se materializam i) na condenação prévia do agente numa pena de prisão até 5 anos, encontrando-se este preenchido no caso sub judice quanto a ambos os arguidos; e pressupostos materiais que se corporizam na ii) adequação da mera censura do facto e ameaça de prisão às necessidades de prevenção verificadas no caso (tanto de prevenção geral, como de prevenção especial), donde resulta que, nesta ponderação, não está em causa a culpa do agente, mas apenas a possibilidade de ser efectuado um juízo de prognose favorável em relação ao seu comportamento futuro, olhando-se, para o efeito, às suas condições de vida e ao seu comportamento anterior e posterior aos factos, sendo este juízo de prognose reportado à data da decisão( ).
Quanto ao arguido CC:
No caso em análise, resulta de forma evidente da consulta do Certificado de Registo Criminal do arguido que este não demonstra especiais dificuldades na manutenção de um comportamento conforme ao Direito. E isto na medida em que, apesar dos factos ora em causa, não tem quaisquer condenações averbadas.
Não é, também, despiciendo que o arguido, apesar de não ter assumido os factos em causa, também não tenha adoptado uma conduta processual que visasse obstaculizar a descoberta da verdade material. Mais releva que o mesmo se encontre inserido do ponto de vista familiar, tendo dois filhos menores de idade a seu cargo.
Pelo exposto, considera-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo possível levar a cabo um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, motivo pelo qual se suspende a execução da pena ora aplicada também pelo período de 4 anos, cfr. art. 50.º, n.º 5 do CP.
Atendendo aos factores elencados, máxime, as necessidades de ressocialização associadas ao arguido, bem como as fragilidades identificadas no relatório social, considera-se conveniente e adequado a promover a sua reintegração social, inculcando-lhe a necessidade de alteração das suas condutas, através da sensibilização para a perigosidade do consumo e venda de estupefacientes.
Além do mais, considerando que o próprio arguido reconheceu ser consumidor de produtos estupefacientes, entende-se como adequada a sujeição do mesmo sujeito a tratamento da adição a produtos estupefacientes. No que o arguido consentiu.
Assim, determina-se que a suspensão seja i) acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social a delinear pela DGRSP, bem como ii) subordinada à sujeição do arguido a tratamento à dependência de produtos estupefacientes, cfr. resulta do disposto no art. 53.º, n.º 1 e 2 do CP.
Quanto à arguida DD:
Da consulta do Certificado de Registo Criminal da arguida concluir-se que esta não demonstra especiais dificuldades na manutenção de um comportamento conforme ao Direito. Com efeito, a mesma não regista qualquer contacto anterior com o sistema de justiça penal – designadamente, inexistem condenações averbadas no seu CRC.
Apesar de não ter assumido os factos em causa, a postura processual da arguida também não visou obstaculizar a descoberta da verdade material.
Importa, também, levar em linha de conta que a arguida se manteve laboralmente inserida tanto ao longo do período descrito nos factos, como durante o presente processo. Encontra-se igualmente inserida do ponto de vista social e familiar, sendo, neste momento, o principal garante das rotinas e necessidades dos seus dois filhos menores de idade.
Pelo exposto, considera-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo possível levar a cabo um juízo de prognose favorável em relação à arguido, motivo pelo qual se suspende a execução da pena ora aplicada também pelo período de 4 anos e 6 meses, cfr. art. 50.º, n.º 5 do CP.
Atendendo aos factores elencados, máxime, as necessidades de ressocialização associadas à arguida, considera-se conveniente e adequado a promover a sua reintegração social, inculcando-lhe a necessidade de alteração das suas condutas, através da sensibilização para a perigosidade do consumo e venda de estupefacientes.
Assim, determina-se que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social a delinear pela DGRSP, cfr. resulta do disposto no art. 53.º, n.º 1 e 2 do CP.
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V. Estatuto Coactivo:
(…)
VI. Perda de Vantagens:
Por considerar que as mesmas constituem vantagem do crime praticado, o Ministério Público promoveu a declaração de perda a favor do Estado das quantias de:
• € 46.460,00, a pagar por parte do arguido AA;
• € 24.242,00, a pagar por parte do arguido BB.
Decorre do disposto no art. 110.º, n.º 1, al. b) e 3 do Código Penal que são declaradas perdidas a favor do Estado «as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem», tendo lugar ainda que tenham sido objecto de transformação ou reinvestimento posterior.
Com este preceito o legislador pretende demonstrar, ao arguido e à sociedade, que «o crime não compensa», já que os benefícios dele decorrentes serão anulados.
Este instituto tem, assim, apenas em conta necessidades de prevenção. Não se trata de uma pena acessória, uma vez que não tem relação com a culpa do agente; nem tem verdadeira índole sancionatória já que não depende sequer de uma efectiva condenação. Antes a sua natureza é análoga à da medida de segurança, já que tem por base a necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes. Visa-se, assim demonstrar: «(…) ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do ofendido»( ).
Tendo em conta a condenação dos arguidos pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de que vinham acusados, e a circunstância de, através do mesmo, os arguidos terem obtidos as vantagens identificadas pelo Ministério Público (com recurso à análise, entre o mais, das contas bancárias dos mesmos, conforme apenso assim identificado, junto aos autos e constante da lista de elementos de prova da acusação), encontram-se preenchidos os requisitos previstos no preceito legal citado. Assim, tais valores constituem uma vantagem patrimonial decorrente da prática de actos ilícitos.
Nestes termos, e não sendo possível a apropriação em espécie das vantagens em causa, dada a natureza dos bens adquiridos, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, cfr. art. 110.º, n.º 4, do referido diploma legal.
Em consequência, declaram-se perdidas a favor do Estado as quantias de € 46.460,00, a pagar por parte do arguido AA e de € 24.242,00, a pagar por parte do arguido BB.
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VII. Perda de Objectos e Instrumentos do Crime:
Nestes autos, encontram-se apreendidos os bens e objectos referidos sob os autos de apreensão de fls. 2723, 2731, 2732, 2738, 2739, 2755, 2765, 2766, 2834, 2835, 2838, 2839, 2840, 2847, 2848 e 2886.
Dispõe o art. 109.º do CP que «São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.»
Por seu lado, e conforme já mencionado, determina o art. 110.º, n.º 1, al. b) que «são declarados perdidos a favor do Estado: (…) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.»
Este instituto da perda de instrumentos e vantagens ou produtos do crime tem fins restaurativos e não punitivos. Ou seja, através da ablação da disponibilidade do condenado dos objectos, produtos ou vantagens obtidos por via do comportamento criminoso, visa-se apenas que o agente seja colocado na situação em que estaria se não fosse a prática do facto ilícito típico. O mesmo se visando com o disposto nos art. 35.º, n.º 2, 36.º, n.º 2 e 62.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01.
Assim:
i) Relativamente ao produto estupefaciente apreendido nos presentes autos, declara-se este perdido a favor do Estado e ordena-se a sua destruição, nos termos dos arts. 35.º, n.º 2 e 62.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01.
O mesmo quanto aos demais artigos apreendidos que podem ser utilizados no consumo, corte, armazenamento e acondicionamento do produto estupefaciente, bem como dos instrumentos que serviram, ou podem servir, de apoio à actividade de venda.
ii) No que respeita ao dinheiro apreendido, para que o mesmo possa ser declarado perdido a favor do Estado tem de se encontrar demonstrada a sua ligação ao crime em causa, o que, in casu, tendo em conta os rendimentos apurados em relação aos arguidos, e aos factos processualmente adquiridos, se entende estar verificado.
Portanto, cumpre determinar a sua perda a favor do Estado, cfr. resulta do disposto nos artigos 110.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e 186.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
iii) Quanto ao caderno, computadores, telemóveis e pen drives que se mostram apreendidos nos autos:
Estes tratam-se de bens pessoais dos arguidos cuja utilização não se encontra exclusivamente ligada à actividade ilícita desenvolvida.
Com efeito, não se apurou, por exemplo, que dos mesmos constassem documentos essenciais ao crime desenvolvido, ou que tais objectos se tenham assumido como elementos determinantes da prática dos factos. Com efeito, apurou-se que, na sua comunicação, os arguidos utilizavam meios perfeitamente comuns, como SMS, chamadas, WhatsApp e redes sociais. Meios estes que são passíveis de utilização em qualquer aparelho electrónico.
Assim, entende-se inexistir fundamento para considerar tais equipamentos como instrumentos do crime, pelo que se determina que os mesmos sejam restituídos ao arguidos.
iv) Por fim, no que se reporta ao veículo que se encontra apreendido:
Encontra-se apreendido à ordem destes autos o veículo … com a matrícula …, associado ao arguido BB (fls. 2840).
Da pesquisa de base de dados com a ref.ª … consta a menção de que, em relação a tal veículo, existe reserva de propriedade a favor de …, sendo esta um terceiro nestes autos.
Sendo certo que, para efeitos de declaração de perda de bens a favor do Estado, não se exige que os mesmos sejam da propriedade do arguido( ), o art. 36.º-A do DL 15/93, de 22 de Janeiro não deixa de consagrar uma cláusula de salvaguarda dos direitos de terceiros.
Dispõe o referido artigo que: «1 – O terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou objectos sujeitos a apreensão ou outras medidas legalmente previstas aplicadas a arguidos por infracções previstas no presente diploma pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que alegue a sua boa fé, indicando logo todos os elementos de prova; 2 - Entende-se por boa fé a ignorância desculpável de que os objectos estivessem nas situações previstas no n.º 1 do artigo 35.º; 3 – O requerimento a que se refere o n.º 1 é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição; 4 - Realizadas as diligências que considerar necessárias, o juiz decide; 5 - Se, quanto à titularidade dos objectos, coisas ou direitos, a questão se revelar complexa ou susceptível de causar perturbação ao normal andamento do processo, pode o juiz remeter o terceiro para os meios cíveis.»
Por seu turno, estabelece o art. 178.º do Código de Processo Penal que, quando a titularidade de terceiro se encontre demonstrada nos autos, deve o mesmo ser ouvido antes da decisão sobre a perda do bem.
No caso vertente, apesar de constar do processo a pesquisa de base de dados que identifica um eventual terceiro com direito sobre o bem, o mesmo não foi ainda ouvido. O que não ocorreu dada a natureza urgente dos autos, fruto da prisão preventiva de três dos arguidos, evitando-se o seu protelamento com uma questão que poderia sempre ser resolvida em momento posterior à decisão sobre a causa.
Assim, não foi tão-pouco produzida prova em sede de julgamento quanto a essa titularidade. Apenas se apurou que o veículo era conduzido pelo arguido, sendo essa a demonstração relevante para o apuramento dos factos relacionados com o facto ilícito típico, mas já não a que título e quais as eventuais vicissitudes jurídicas referentes ao mesmo.
Assim, entende-se ser de relegar a decisão sobre o destino a dar a este bem para momento posterior à audição do eventual terceiro interessado. Para o efeito, deverá a … ser notificada para, querendo, deduzir a sua pretensão, requerimento esse que deverá ser autuado e tramitado por apenso a estes autos, cfr. artigos 36.º-A da Lei da Droga e 178.º do Código de Processo Penal.”
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2 - Fundamentação.
A. Delimitação do objecto do recurso.
A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.
As questões a decidir nos presentes recursos são as seguintes:
á) Recurso intercalar:
Questão única - Intempestividade do requerimento do MP de liquidação do montante a ser declarado perdido a favor do Estado por incongruência.
â - Recurso do Acórdão condenatório:
Uma vez que o recurso do MP apenas diz respeito às medidas das penas e eventuais deveres a que (apenas) as penas de substituição devem ficar sujeitas, será o seu conhecimento relegado para final, após o conhecimento dos recursos dos arguidos.
A – Do arguido AA.
1.ª questão – A falta de fundamentação e seus reflexos.
2.ª questão - Dos vícios do art.º 410.º, n.º 2.
3.ª questão – Impugnação da matéria de facto por violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio in dubio pro reo.
4.ª questão - Tipo subjetivo e medida da pena.
D – Do arguido BB.
Questão (única) – Medida da pena.
C – Do arguido CC.
1.ª questão – As deficiências” das “conclusões”.
2.ª questão – Erro notório na apreciação da prova.
3.ª questão - Impugnação da matéria de facto.
4.ª questão – Erro subsuntivo (e reflexos).
D – Do MP.
1.ª questão – Medida das penas.
2.ª questão – Suspensão com deveres / obrigações.
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B. Decidindo.
á - Recurso intercalar:
Questão única - Intempestividade do requerimento do MP de liquidação do montante a ser declarado perdido a favor do Estado por incongruência.
Vejamos, antes de mais, a lei, ou seja, o disposto nos artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 5/2002, de 11.01:
CAPÍTULO IV
Perda de bens a favor do Estado
SECÇÃO I
Perda alargada
Artigo 7.º
Perda de bens
1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos desta lei, entende-se por «património do arguido» o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 - Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.
Artigo 8.º
Promoção da perda de bens
1 - O Ministério Público liquida, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado.
2 - Se não for possível a liquidação no momento da acusação, ela pode ainda ser efetuada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos.
3 - Efetuada a liquidação, pode esta ser alterada dentro do prazo previsto no número anterior se houver conhecimento superveniente da inexatidão do valor antes determinado.
4 - Recebida a liquidação, ou a respetiva alteração, no tribunal, é imediatamente notificada ao arguido e ao seu defensor.
Segundo o douto despacho recorrido, para que o requerimento seja admissível nos termos do disposto no art.º 8.º, n.º 2 daquele diploma, o mesmo tem de respeitar dois pressupostos cumulativos: i) a impossibilidade de a liquidação ter sido feita na acusação e ii) o requerimento dar entrada nos autos até ao 30.º dia anterior à data designada para o início da audiência de julgamento, daqui decorrendo, segundo o mesmo, que tratando-se de pressupostos de admissibilidade, existe ónus da sua alegação e demonstração por parte do Ministério Público no requerimento em que procede à liquidação.
Salvo o devido respeito, não subscrevemos este entendimento dos pressupostos alternativos, que, aliás, segundo entendemos, não decorrem da lei. O que decorre do texto da lei é que a liquidação do património incongruente se faz, via de regra, na acusação mas, quando tal não é possível, ainda a mesma pode ser realizada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento. Não há dois pressupostos temporais, mas apenas um momento habitual para a sua dedução e um limite temporal até quando tal dedução ainda é possível, caso aquela dedução habitual não se revele possível. Repare-se, não é apenas uma questão semântica que aqui está em causa, é uma questão estritamente legal e até no plano literal da norma. Se a lei tivesse querido eleger dois momentos temporais para aquela dedução, um normal e um anormal / excecional, tê-lo-ia dito inequivocamente e aí, sim, teria inequivocamente estabelecido um ónus de alegação e prova da impossibilidade de apresentação no momento normal, ficando dependente a respetiva admissibilidade da alegação / verificação / prova de tal apresentação.
Tal como está desenhado o figurino legal, a dedução de tal pedido está dependente de um critério de oportunidade / estratégia investigatória no âmbito estrito das competências legais atinentes deferidas ao MP e pode ocorrer num determinado período. A intervenção do juiz está reduzida, neste particular, ao controle do prazo final até quando o respetivo pedido pode ser deduzido, ou seja, até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento.
De resto, para interpretar corretamente esta norma, importa, quanto a nós, efetuar uma breve reflexão sobre o instituto em causa.
“O somatório do património do arguido é comparado com os seus rendimentos presumindo-se proveniente de atividade criminosa a quota que exceder aquilo que normalmente ele poderia ter. Esta mera comparação, desencadeada pela prática de um crime do catálogo, demonstra uma riqueza inexplicável (Unexplained Wealth), que é confiscada, sem necessidade de demonstrar, ainda que de forma simplificada , uma qualquer ligação com uma determinada atividade criminosa pregressa.”2
Assim, este confisco do património incongruente transcende as fronteiras do ilícito (ou ilícitos catalisadores constantes do “catálogo”) para abranger todos os proveitos de (quaisquer outras) atividades ilícitas do agente, visando materializar o adágio popular de que o “crime não compensa”. É neste sentido que pode afirmar-se que estamos perante “uma medida associada à verificação de uma situação patrimonial incongruente, cuja origem lícita não foi determinada, e em que a condenação pela prática de um dos crimes previstos no artigo 11,º da Lei 5/2002 de 11 de janeiro tem apenas o efeito de servir de pressuposto desencadeador da averiguação de uma aquisição ilícita de bens.”3
Nesta perspetiva, estamos perante uma realidade processual outra que não tem uma ligação estrutural com a realidade (pelo menos a sua integralidade) económica geradora pelos proventos do crime (ou crimes) do catálogo: transcende-a e abrange a integralidade da situação económica do agente. Daí que uma perspetiva que a ligue apenas àquele crime possa ser (e normalmente será) redutora: exige-se uma análise de todos os proventos do agente e das suas receitas. Assim, afigura-se-nos justificado legalmente que tal atividade esteja integralmente na esfera da autoridade investigatória, apenas se impondo a sua compatibilidade processual com as garantias de defesa do arguido, ou seja, que a este lhe seja dada oportunidade de se defender de forma informada e adequada da imputação que lhe é feita, o que se nos afigura conseguir-se com o termo legal final previsto na lei, ou seja, que o pedido respetivo seja deduzido até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento. Pretender confundir os efeitos pessoais (ficcionando dois pressupostos temporais de admissibilidade daquele pedido e impondo ónus processuais à respetiva dedução) traduz, salvo o devido respeito, uma confusão entre efeitos pessoais e patrimoniais do procedimento: “Continua, pois, a pertencer ao Ministério Público, maxime ao próprio tribunal, demonstrar a questão da culpabilidade, não recaindo aí sobre o arguido qualquer ónus de prova. A presunção de proveniência de bens para efeitos de perda alargada nada tem a ver com essa demonstração, atuando num momento posterior e numa matéria circunscrita, que já não tem relevância penal. Os mecanismos de ablação in rem não se confundem com os mecanismos in personam.”4
Do exposto flui com meridiana clareza que requerimento de liquidação do montante a ser declarado perdido a favor do Estado foi deduzido tempestivamente e, consequentemente, deve ser conhecido.
Considerando as considerações supra tecidas, entendemos que as questões criminais in personam não se mostram prejudicadas e delas conheceremos de imediato.
â - Recurso do Acórdão condenatório:
A – Do arguido AA.
1.ª questão – A falta de fundamentação e seus reflexos.
Segundo o recorrente, “a motivação foi insuficiente ou inexistente”, com repercussões ao nível da culta e da medida da pena.
Vejamos.
Flui do disposto no art.º 374.º que a estrutura de uma sentença (acórdão) comporta três partes distintas, a saber: (i) o relatório, (ii) a fundamentação e (iii) o dispositivo, consubstanciando-se a fundamentação na enumeração dos factos provados e não provados, bem como numa exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Quando tal não ocorra, a sentença estará ferida de nulidade, por força do disposto no art.º 379.º, n.º 1, alínea a).
A exigência de fundamentação tem assento constitucional (art.º 205.º, n.º 1 da CRP5), supranacional (art.º 6.º § 1 da CEDH) e na mesma podem vislumbar-se dois escopos fundamentais6, a saber (i) um de natureza endoprocessual, consistente em assegurar que o julgador verifique e efectue um controlo crítico da mecânica interna da decisão, possibilitando aos destinatários processuais um esclarecido recurso da decisão e conferindo ao tribunal ad quem as ferramentas para a contrução de um alicerce sedimentado de concordância ou divergência quanto ao decidido; (ii) outro, de natureza extraprocessual, ou seja, uma função essencialmente democrática, possibilitando o controlo externo e geral sobre o fundamento da decisão.
Os “motivos de facto não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”7, sendo que o “exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.”8
Descendo ao caso concreto, permitimo-nos, pela sua clareza, reproduzir a resposta do MP ao recurso:
“In casu, muito embora a decisão recorrida não seja um “modelo” no que à fundamentação da matéria de facto diz respeito, entende-se, em todo o caso, que a decisão relativa à matéria de facto se mostra alicerçada no exame crítico da prova produzida e que tal exame crítico se mostra plasmado na decisão recorrida. Razão, portanto, para afirmar que foi cumprido o dever de fundamentação imposto pelo artigo 374.º, n.º 2, do Código Processo Penal.
Na verdade, analisando-se a motivação probatória constante da decisão recorrida verifica-se que a mesma indicou os meios de prova com exame crítico das mesmas, a razão da credibilidade dos diversos meios de prova, o que permite deduzir, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, qual o substrato racional que conduziu a que o Tribunal a quo os tivesse valorado no sentido em que o fez, daí se extraindo, de uma forma lógica e objetiva, qual o raciocínio que levou a dar como provados os factos que constam da decisão recorrida, segundo o princípio da livre apreciação da prova e as regras da experiência comum.
Desde modo, no caso em apreço, o sujeito processual afetado pela decisão recorrida, efetuando uma leitura atenta da mesma, consegue perceber o percurso lógico que esteve subjacente à decisão proferida, até porque, na fundamentação da convicção a que o Tribunal a quo chegou, este não se limitou a elencar a prova produzida, antes determinou concretamente os meios de prova que valorou para formar a sua convicção e esclareceram os motivos pelos quais os valorou.”
Subscrevemos por inteiro esta apreciação. De facto, verifica-se que na decisão recorrida se acompanha a generalidade da prova produzida, retirando-se, no essencial, as razões pelas quais se optou por um determinado iter probatório, iter com o qual o ora recorrente poderá não concordar, mas tal discordância releva não nesta sede, mas em sede diversa.
Fazendo o confronto do supra exposto com a motivação concretamente constante da decisão recorrida, conclui-se que a mesma contém a especificação dos factos provados / não provados, a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, especialmente aqueles em que assentou a convicção do tribunal e o exame crítico desses meios de prova.
De sublinhar que a lei refere como etiologia da invocada nulidade a circunstância de a sentença não conter a respetiva fundamentação, pelo que se entende que resulta do teor literal da norma que apenas a total omissão de fundamentação está ali prevista e não a mera insuficiência9.
Como se assinalou supra, do Acórdão constam os motivos pelos quais entendeu o tribunal a quo dar os factos em causa como provados / não provados. Averiguar do acerto (ou da eventual insuficiência) de tal fundamentação é, porém, coisa diversa da aplicabilidade do vício de nulidade da sentença (coisa diversa essa a conhecer na sua sede própria), não se nos afigurando que exista omissão de fundamentação e, como tal, resultando improcedente esta questão.
2.ª questão - Dos vícios do art.º 410.º, n.º 2.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Com respeito à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o art.º 410.º, n.º 2, alínea a) estatui que:
“2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;”
Este vício traduz-se, nomeadamente, em não se dar “como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”10, sendo necessário que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
Esse vício sucede quando os factos dados como provados não permitem concluir se o arguido praticou ou não um crime, mas também quando de tais factos não constam todos aqueles que foram tidos em consideração para a verificação de causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da imputabilidade do arguido ou para a graduação da medida da pena.11
Salvo o devido respeito, o recorrente, como infelizmente acontece frequentemente nos recursos para os TR, confunde o vício da chamada “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” (previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea a)) com a impugnação da matéria de facto que está regulada no art.º 412.º, n.º 3. Os tribunais superiores, com diminuto sucesso, diga-se, traçam, amiúde, pedagogicamente, uma distinção entre as “deficiências” da decisão (art.º 410.º, n.º 2) e os erros do julgamento (previstos no n.º 3 do art.º 412.º), explicando as diferenças conceptuais e processuais entre as duas figuras. Como resulta directamente da lei, a impugnação da decisão da matéria de facto pode acontecer de duas formas procedimentalmente distintas, (i) arguindo-se o vício de texto previsto no art.º 410.º, n.º 2ou seja, um sistema de reexame da matéria de facto por meio da chamada revista alargada, ou (ii) mediante o recurso amplo ou efectivo da matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, que tem a sua previsão no referido art.º 412.º, números 3, 4 e 6.
Como se pode ler no processo deste TRE (em que o ora relator foi adjunto) n.º 23/15.5IDPTG.E1 de 08.11.2022 (Relator Nuno Garcia) são situações são completamente distintas: Os vícios que permitem a designada revista alargada (art.º 410.º, n.º 2) têm de resultar da própria sentença / acórdão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Não pode ser feito apelo à prova que foi produzida, porque se assim se fizer está a sair-se do campo de aplicação do n.º 2 do art.º 410.º e a enquadrar-se no n.º 3 do art.º 412.º do mesmo Código.
Permitindo, porém, os factos dados como provados concluir que o arguido praticou o crime, a sua motivação (elemento subjetivo) e para a graduação da medida da pena, é a questão notoriamente improcedente.
3.ª questão – Impugnação da matéria de facto por violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio in dubio pro reo.
Constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do art.º 428.º.
A este propósito, importa lembrar o que dispõe o art.º 412.º, com referência à motivação do recurso e conclusões:
3 – Quando impune a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Como consta do Comentário do Código de Processo Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque12, em anotação à referida norma, “[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (…)”; “[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida”, a que “(…) [a]cresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova «impõe» decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação.” Assim sendo, sempre que seja impugnada a matéria de facto por se entender que determinado aspecto da mesma foi incorrectamente julgado, o recorrente tem de expressamente indicar esse aspecto, a prova em que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida.
Tal exigência decorre da circunstância de que todos os recursos – à exceção do recurso de revisão – se encontrarem “concebidos na lei como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial, o que inculca que aos impugnantes seja pedido (em obediência ao princípio da lealdade processual) que indiquem qual o defeito ou vício de que padece o acto impugnado, por forma a habilitar o tribunal superior a ajuizar do mérito das razões invocadas. 12 5.ª edição, UCP Editora, Volume II, 2023, páginas 677/678: anotação, para além do autor referido, de Helena Morão.
Ora é exactamente para isso que serve a motivação: permitir ao recorrente apontar ao Tribunal ad quem o que na sua perspectiva foi mal julgado e oferecer uma proposta de correcção para que o órgão judiciário o possa avaliar.”13
Por outro lado, pretendendo o recorrente “impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo, portanto, expressá-lo na motivação.”14
As exigências previstas nos números 3 e 4 do art.º 412.º não se revestem de natureza meramente secundária ou formal: ao invés, relacionam-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e só a sua estrita observância permitirá ao tribunal de recurso conhecer a vontade do recorrente e pronunciar-se sobre um objeto escolhido, não por si próprio, mas por quem não se conforma com uma decisão.
Complementarmente se dirá que a ratio das aludidas exigências repousa na circunstância de o recurso sobre a matéria de facto não ter como escopo “a realização, pelo tribunal ad quem, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros clamorosos (evidentes e óbvios) na apreciação/aquisição da prova produzida em primeira instância”15, como sucede quando “o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário”16, por exemplo, “se o tribunal a quo tiver dado como provado que A bateu em B com base no depoimento da testemunha Z, mas se da transcrição do depoimento de tal testemunha não constar que ela afirmou esse facto (…) [ou] se, apesar de afirmar que A bateu em B, souber de tal facto apenas por o ter ouvido a terceiros”17.
Por outro lado, é de sublinhar que, “se, perante determinada situação de facto em concreto, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente (tenha ele, nos 13 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 9.ª edição, 2020, página 109. 14 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10 de Março de 2004 – Diário da República, II Série, de 17 de Abril de 2004, referindo-se a uma versão do art.º 412.º, n.º 3 e nº 4 do Código de Processo Penal que era menos exigente do que a actual relativamente aos ónus dos recorrentes.
autos, a posição processual que tiver), ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que por ela opte, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova”.18
A razão de ser de tais exigências decorre da circunstância de o recurso sobre a matéria de facto não visar “a realização, pelo tribunal ad quem, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros clamorosos (evidentes e óbvios) na apreciação/aquisição da prova produzida em primeira instância”19.
Vejamos, em concreto, as razões invocadas:
Refere o recorrente como incorretamente julgado o facto 11. Contudo, não explica minimamente porquê, limitando-se a invocar uma alegada contradição com outros factos.
Quanto à alegada contradição com o teor do facto provado 38, ela é obviamente inexistente, pois é referido o pagamento de “pelo menos € 40,00”, o que não exclui que tenha sido uma importância superior (até ao valor mencionado no aludido facto 11).
Quanto ao facto provado 23, ainda é mais flagrante a ausência de qualquer fundamento, pois não são mencionadas ali quaisquer quantidades de estupefaciente adquirido. Não há, pois, qualquer impossibilidade de coexistência entre aqueles factos, como incorretamente alega o recorrente.
Quanto ao facto provado 12, não se compreende a tentativa de delimitação temporal das admitidas vendas pelo próprio recorrente, delimitação que o próprio, como se afirma no recurso, não efetuou.
Quanto ao facto provado 15, parece, salvo o devido respeito, que o ora recorrente confunde a prova penal com uma avaliação contabilística. O que ali se afirma (e com base em elementos de prova20 que não são colocados minimamente em causa pelo recorrente, ou seja, que, na sua ótica, impusessem conclusão diversa) é que a atividade de divisão, corte e venda eram realizados e geravam mais valias, o que, aliás, configura quase um facto notório. Pretender concluir o contrário é, salvo o devido respeito, iludir evidências.
Quanto ao facto provado 19, como se encontra vertido na motivação (fls. 24, 2.º §), é a própria testemunha que confirma tal entrega, sendo, no contexto da prova de tal facto, irrelevantes quaisquer outras realidades.
Quanto ao facto provado 34, afigura-se-nos, neste contexto, irrelevante que as vendas tenham ocorrido em período mais específico dos intervalos dados como provados (cfr. § 3.º de fls. 25 da decisão recorrida). A redação do facto permite, obviamente, a conclusão avançada, sem que isso se considere qualquer impugnação validamente operativa.
Idêntica conclusão se retira quanto à impugnação do facto provado 37 (aludido no § 3.º da página 24 da decisão recorrida), sem que o recorrente indique as passagens dos depoimentos (os mencionados ou quaisquer outros, com observância das legais exigências) que imponham uma decisão diversa da dada como provada.
Quanto ao facto provado 60, a sua irrelevância / improcedência também é notória, atenta a qualificação da ocupação como “estruturada”, que exorbita claramente das funções indiferenciadas de faxineiro, impondo-se, sinteticamente, também as anteriores conclusões
Nos termos do art.º 32.º, n.º 2 da CRP, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. O princípio da presunção de inocência cristalizado neste comando constitucional “surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.”21
A fundamentação constante do acórdão recorrido relativamente ao núcleo essencial dos factos provados objecto de impugnação foi exposta supra.
Entendemos, como detalhadamente aludimos, que o tribunal a quo descreveu com rigor o iter que seguiu para chegar à convicção de prova sobre os factos, explicitando de forma fundada e consistente as opções de prova tomadas. Assim, concluímos que o mencionado iter traduz um correto entendimento do princípio da livre apreciação da prova, nos termos recortados pelo art.º 127.º do CPP.
Do exposto flui que na decisão sob censura o tribunal a quo não evidencia quaisquer dúvidas relativamente à prova dos factos.
A este propósito, importa recordar que “a dúvida relevante nesta sede é a do tribunal e não a do recorrente”22.
Ou, de forma mais impressiva: “De todos os modos, o princípio in dubio pro reo não é lesado quando, segundo opinião do condenado, o juiz devia ter duvidado, mas tão-só quando o juiz condenou apesar da existência real de uma dúvida”23
4.ª questão – Tipo subjetivo e medida da pena.
Quanto à alegada repercussão do erro na apreciação da prova no que respeita ao tipo subjetivo, diremos, em primeiro lugar, que, como vimos, tal erro é inexistente.
Por seu turno, quanto à prova do elemento subjetivo, dir-se-á: Acórdão da Relação de Évora de 28.10.2014 proferido no processo n.º 3/09.0AASTB.E1 (Relatora Ana Barata Brito)24: “Os factos do tipo subjectivo resultam frequentemente dos factos externos. E eles constituem também um exemplo de demonstração por prova indirecta. (…) Assim, os factos que integram o dolo (…), os actos interiores ou internos, por respeitarem à vida psíquica raramente se provam directamente. Na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos do tipo objectivo, a prova do dolo far-se-á por ilações, retiradas de indícios, e também de uma leitura de um comportamento exterior e visível do agente. (…) O julgador resolverá a questão de facto decidindo que (ou se) o agente agiu internamente da forma como o terá revelado externamente. (…) As dificuldades e as vicissitudes da prova da intenção serão, assim, comuns à generalidade dos crimes.”
Acórdão do STJ de 06.10.2010 proferido no processo n.º 936/08.JAPRT (Relator Henriques Gaspar) “A prova de determinados factos que não são directamente apreensíveis in natura, no plano da observação imediata, física e sensorial, só pode ser obtida por aproximações empíricas, permitidas pelas deduções decorrentes de factos ou comportamentos individuais, aceitáveis ou pressupostos pela normalidade de consequências que está suposta pelas regras da experiência e do fluir normal dos acontecimentos e relações. Estes elementos de construção e apreciação permitirão o estabelecimento de um facto não directamente apreensível (mas apenas deduzido de referências comportamentais concretas), como resultado de uma conclusão sustentada, e por isso afastando uma apreciação dominada pelas impressões. Nesta perspectiva metodológica, as regras da experiência são a base e o limite do resultado, positivo ou negativo, de uma presunção natural, como critério, ou no rigor, regra normativa de prova. Com uma de duas possíveis consequências. Pode verificar-se um afastamento entre a base da presunção (o facto conhecido, preciso e determinado) e o facto desconhecido (objecto de prova), de tal modo que a relação se situa apenas no simples domínio das possibilidades físicas e materiais, sem proximidade que caiba nos limites razoáveis do id quod; neste caso, o facto desconhecido não poderá considerar-se como assente. Mas, ao invés, as regras da experiência podem determinar que, segundo a normalidade das coisas, dos comportamentos e da apreciação externa comum e referencial sobre a causalidade e a sequência, um facto ou uma série de factos conhecidos não se compreende, nem por si tem relevante significado autónomo e não apresenta qualquer sentido, razão ou explicação, se não for pelas consequências normais e típicas que a experiência das coisas e da vida lhe associa; neste caso, a presunção deve ser estabelecida: os factos serão precisos e concordantes.”
No caso dos autos, não se nos suscitam quaisquer dúvidas de que o ora arguido agiu internamente da forma como o revelou externamente, ou seja, está preenchido o tipo acusado, na sua vertente objetiva e subjetiva, sem que sejam invocadas quaisquer circunstâncias que possam determinar a preconizada redução da pena aplicada.
B – Do arguido BB.
1.ª questão (única) – Medida da pena.
Este recorrente não coloca em causa os factos provados (fls. 5, 3.º § da sua motivação), nem, “portanto, o crime de que está acusado” (fls. 2, § 4.º da sua motivação) preconizando apenas uma redução da pena que lhe foi aplicada para 4 (quatro) anos de prisão.
Vejamos.
Segundo a decisão recorrida, a motivação de tal pena assenta no seguinte:
“Em desfavor do arguido militou a elevada ilicitude dos factos, a qual se concretiza tanto na reiteração dos comportamentos ao longo do tempo (entre 2021 e 2023), como na circunstância de o mesmo assegurar tanto o seu próprio abastecimento, como o dos demais arguidos, através das viagens realizadas para proceder à compra do produto que depois repartia. Além disso, teve-se em conta a elevada danosidade social de um dos concretos produtos vendidos pelo arguido (a cocaína) e a quantidade de consumidores a quem o arguido realizava vendas.
Já em seu favor, foi considerada a circunstância de o arguido se encontrar social e familiarmente inserido, beneficiando do acompanhamento e apoio dos seus avós, sogros e esposa, além de ter dois filhos menores de idade.
Surge também como factor positivo que, à data dos factos, o arguido se encontrava laboralmente inserido e que, conforme resulta do seu relatório social, tenha hábitos de trabalho e a possibilidade de regresso ao activo de forma relativamente simples junto dos seus avós paternos.
Também se ponderou de forma positiva a inexistência de qualquer condenação averbada no seu CRC.
Considerando o que já se deixou exposto, a culpa situa-se num grau elevado já que, apesar de o arguido ser também consumidor destes produtos, não resulta da factualidade adquirida que esse tenha sido um factor determinante da sua conduta, pelo que não se tem como factor mitigante.
Deste enquadramento, considera-se que as exigências de prevenção especial são médio-altas e, conforme referido acima, que as exigências de prevenção geral são elevadas.
Tendo em conta o prescrito no art. 71.º do Código Penal, considera-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena situada junto ao limite médio da moldura penal.
Assim, aplica-se ao arguido BB a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.”
Importa recordar, desde logo, que a moldura penal do crime em causa (que não é controvertida(o)) é de, precisamente, 4 anos de prisão.
Quanto aos diferenciados períodos de “atividade comercial” de venda de estupefacientes entre este recorrente (maior) e o recorrente (AA (menor), nos termos recortados no facto provado 1, parece aquele olvidar a circunstância (fundamental, diríamos) de que era o mesmo que comprava em … o estupefaciente e que depois o revendia a AA25, para que este, então o revendesse a terceiros (factos provados 8 e 9). Cai assim pela base a tese da menor ilicitude e culpa “temporais” deste recorrente em confronto com aquele, sublinhando-se a amplificação substancial de disseminação do estupefaciente que a sua conduta representava. Esta conclusão e o seu significado estendem-se, naturalmente, ao “reduzido” número de compradores de estupefacientes (cfr. § 4 de fls. 3 da sua motivação) que, desde logo, não é assim tão reduzido e, por outro lado, sendo este recorrente o (indireto) fornecedor de todos os “clientes” daquele, os malefícios da disseminação do produto também na esfera deste se produzem.
Do exposto flui com meridiana clareza que a pena encontrada obedece aos parâmetros previstos no art.º 40.º, n.º 1 e 71.º do C. Penal, podendo mesmo sustentar-se que, caso as atenuantes (maxime a sua integração social, profissional e familiar e o seu carácter primário) não tivessem o peso que lhe foi atribuído, a pena poderia equacionar-se numa medida (algo) superior.
O recurso é, assim, improcedente.
C – Do arguido CC.
1.ª questão – As deficiências” das “conclusões”.
Segundo o art.º 412.º, n.º 1, “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Relativamente ao recurso deste arguido, diz-nos o MP na respetiva resposta:
“Olhando-se para a peça recursiva do arguido Recorrente, torna-se evidente que não foram respeitadas as normas legais acima referidas, sendo por demais notório que as “conclusões” apresentadas, destas, apenas levam o seu nome, não constituindo uma verdadeira síntese da motivação apresentada. Ao invés, e a nosso ver, mostram-se confusas e, nalguns casos, dificilmente inteligíveis os pontos de vista que o Recorrente defende. Ademais, as conclusões apresentadas, notoriamente, constituem, uma mera reprodução da motivação — em clara violação das normas supra mencionadas.”
Não podemos deixar de concordar, estando a mencionada peça processual abaixo do limiar das exigências de clareza e síntese que à mesma se exigem: basta referir, por exemplo, que ali se descrevem bens que, quer na ótica do recorrente, quer na ótica do tribunal não têm qualquer relevância jurídico-penal.
Por outro lado, muito embora com esforço, é possível extrair as questões que o recorrente pretende apresentar a este TR, pelo que se dispensará o possível convite ao seu aperfeiçoamento, que se revelaria, na essência, um ato inútil e, como tal, proibido.
2.ª questão – Erro notório na apreciação da prova.
O recurso pode ter como fundamento (nos termos do art.º 410.º, n.º 2, alínea c)), desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum o erro notório na apreciação da prova.
Tal erro, dizem-nos Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques26, é uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível para o cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se tirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis.”
Também aqui acompanhando a resposta do MP ao recurso em 1.ª instância diremos que se torna “patente que a decisão ora posta em recurso não padece de qualquer erro notório na apreciação da prova, sendo certo que o Recorrente não indica qualquer facto que se encontre “erradamente” julgado, limitando-se a alegar generalidades, sem qualquer sustentação na prova produzida (porquanto nem sequer a indica).” Na realidade, parece deduzir-se que o recorrente usa a expressão no sentido “corrente”, não jurídico do termo, indicando apenas que a prova, no seu entendimento, deveria conduzir a uma conclusão (a “sua” conclusão) e não aquela a que o tribunal a quo chegou, o que é, nesta sede, irrelevante, como vimos.
3.ª questão – Impugnação da matéria de facto.
Já vimos acima o enquadramento normativo e jurisprudencial conferido a esta questão, que aqui se aplica, com as necessárias adaptações.
Desde logo, cumpre assinalar que o recorrente não especifica “os pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, pelo que fica precludida a hipótese de sobre tal impugnação nos pronunciarmos.
4.ª questão – Erro subsuntivo (e reflexos).
Segundo este recorrente, não há elementos que permitam “formar a convicção de que o arguido”, “em qualquer ocasião, vendeu qualquer produto estupefaciente”, o que o faria cair na previsão do art.º 2.º da Lei n.º 30/2000, na redação da Lei 55/2023, de 08.08.
Assim, segundo o mesmo (conclusões 27.ª a 30.º), o tribunal deveria ter subsumido os factos ao (mero) consumo de estupefaciente, introduzido pela mencionada Lei n.º 55/2023, que veio “estabelecer uma presunção de que, se for para consumo, atentas as circunstâncias, pode indicar que, face a tal realidade, tal produto se destina apenas para consumo próprio”.
Vejamos o que nos diz o acórdão recorrido:
“Da redacção do art. 21.º, n.º 1 ressalta, ainda como elemento do tipo objectivo, um requisito negativo que consiste no não preenchimento dos predicados referentes ao art. 40.º do mesmo diploma legal, ou seja, que os produtos cultivados, adquiridos ou detidos não se destinem apenas ao consumo do agente. Ou seja, para que considerasse aplicável o disposto no art. 40.º, teria de se ter como provado que o agente destinasse todo o produto que detinha consigo ao seu próprio consumo. O que, atenta a factualidade em causa nos autos, manifestamente não se verifica.
Existe, ainda, outro tipo de crime que cumpre considerar, previsto no art. 26.º, que prevê os casos de traficantes-consumidores. Neste caso «[o] legislador criou um tipo privilegiado de crime, para punir aqueles que não fazendo do tráfico uma forma de vida, a ele se dedicam, contudo, como forma de angariar meios para sustentarem as suas necessidades de consumo.
Sem embargo do agente do crime não ter de ser necessariamente um toxicodependente, mas um mero consumidor (…) a verdade é que, em regra, quem se dedica a esta actividade, são toxicodependentes, mais vulneráveis que estão às pulsões do consumo. Reconhece-se assim implicitamente, uma culpa diminuída nos consumidores agentes deste crime, que, todavia, cessa quando os produtos detidos excederem o necessário para o consumo individual durante o período de 5 dias». Exige-se nesta modalidade privilegiada do crime de tráfico que os actos previstos no art. 21.º sejam praticados apenas com o objectivo de suportar o próprio consumo do traficante em causa, tratando-se, portanto, de um dolo específico. O que impõe, também, que essa circunstância se encontre demonstrada em sede de factos provados, e que, neste caso, também não se verifica quanto a nenhum dos arguidos. E não se verifica seja pelas quantidades de produto estupefaciente em causa, seja pelo número de consumidores identificados.
Donde se retira estar, efectivamente, em causa a decisão sobre a subsunção da conduta dos arguidos ao tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, ou à sua vertente de menor gravidade previstos, respectivamente, em sede dos artigos 21.º e 25.º, al. a) do DL 15/93, de 22 de Janeiro. Consideração a que se procederá adiante.
No que se reporta ao tipo subjectivo, em ambos os casos trata-se de um crime doloso, nos termos do disposto no art. 14.º do Código Penal. Donde decorre que, para que o mesmo se considere preenchido, é necessário que se verifiquem os elementos intelectual – ou seja, o conhecimento correcto da realidade típica –, e volitivo – i.e. a vontade dirigida à prática do facto – do dolo.
Como resulta dos vários números do art. 14.º do Código Penal, o elemento volitivo do dolo comporta três modalidades: (i) directo quando o agente representa um facto que preenche um tipo de crime e actua com intenção de o realizar (n.º 1); (ii) necessário, nos casos em que o agente representa, como consequência necessária da sua conduta, a realização de um facto que preenche um tipo de crime (n.º 2); e, por fim, (iii) eventual, se a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada pelo agente como consequência possível da conduta e aquele agente se conforma com a sua realização (n.º 3).
*
Olhando ao caso em apreço, perscrutando a factualidade dada como assente, dúvidas não subsistem de que a conduta de todos os arguidos é apta a preencher o elemento típico objectivo do crime de tráfico de estupefacientes. Isto na medida em que todos eles cometeram e participaram em actos destinados à disponibilização de produtos estupefacientes a consumidores, sem que se tenha demonstrado que se encontrados autorizados para o efeito.
Conforme ressalta dos factos em causa, o arguido BB procedia à deslocação a …, numa periodicidade pelo menos quinzenal, para adquirir produto estupefaciente em quantidade suficiente para abastecimento próprio e do arguido AA. Nestas deslocações o mesmo era, comummente, acompanhado pelo arguido CC, tendo a arguida DD conhecimento das deslocações e do seu intuito.
Antes destas deslocações, o arguido BB e o arguido AA contactavam no sentido de obter a maquia necessária à compra. Pelo que esta compra, transporte e posterior corte e venda eram do conhecimento e vontade de todos os arguidos nestes autos.
Após as deslocações, o arguido BB entregava a parte que cabia ao arguido AA e, após, procediam à venda a terceiros do produto que detinham.
Ora, conforme se deixou mencionado acima, cumpre verificar se a conduta dos arguidos se situa no âmbito do tipo base do crime de tráfico de estupefacientes, ou se poderá ser considerado que a ilicitude dos factos se mostra «consideravelmente diminuída», podendo ser enquadrada no seu tipo «de menor gravidade».
Para o efeito, de modo a aferir da referida «diminuição considerável da ilicitude» a jurisprudência tem atendido aos seguintes índices:
i. a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre «drogas duras» e «drogas leves»;
ii. a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim; iii. a dimensão dos lucros obtidos;
iv. . o grau de adesão a essa actividade como modo e sustento de vida;
v. a afectação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas;
vi. a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da actividade desenvolvida;
vii. a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes;
viii. o número de consumidores contactados;
ix. a extensão geográfica da actividade do agente;
x. o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente.
Atenta a factualidade dada como assente há que considerar que os arguidos se dedicaram a esta actividade de venda de haxixe e cocaína a terceiros de forma regular, do que é sintoma o número de clientes identificados, bem como a periodicidade das vendas e das viagens para novos abastecimentos. Além disso, também o tempo em que tal ocorreu é um factor relevante. Note-se que o arguido AA se dedicou a esta actividade durante cerca de 4 anos (entre 2019 e 2023) e os restantes arguidos durante cerca de 2 anos (entre 2021 e 2023), apenas cessando no âmbito já deste processo, e não de modo voluntário.
É certo que os arguidos não faziam uso de modos especialmente sofisticados para proceder a esta distribuição – comunicavam entre si e com os consumidores pelos meios habituais de comunicação, como sendo por sms, contacto telefónico, whatsapp e pessoalmente – no entanto, é relevante tanto a quantidade de consumidores abrangidos, como a circunstância de diversos deles procederam a aquisições semanais ou quinzenais. Importando, ainda, olhar às quantidades em causa e aos valores pagos por cada consumidor. Sendo certo que não se demonstrou que os arguidos tivessem «subdistribuidores», não é supérfluo que cada comprador, ainda que para seu próprio consumo – despendesse pelo menos entre €30,00 a €40,00 de cada vez, sendo que alguns deles registaram quantias bem superiores, mais na casa dos €80,00 e até superiores.
A isto acrescem os produtos apreendidos aquando das buscas realizadas no dia 31/10/2023. A este propósito, ainda que apenas se tenha apreendido cocaína no veículo do arguido BB (acompanhado pelo arguido CC), tal não afasta a responsabilidade dos restantes arguidos já que, conforme sobejamente demonstrado, era este que fazia as viagens de abastecimento, não sendo, por isso, estranho que detivesse o grosso do produto em causa. Também a circunstância de o arguido AA apenas ter consigo Lidocaína não afasta, nem atenua, a ilicitude da sua conduta. Na verdade, esta substância é utilizada no corte do produto estupefaciente, não se estranhando que o arguido a detivesse. Já o facto de o mesmo não deter cocaína na sua posse é facilmente explicado pelo já mencionado atrás: o arguido BB encontrava-se numa das suas viagens de abastecimento, o que ocorria após esgotado o produto anteriormente trazido e vendido.
Ora, face ao mencionado, facilmente se conclui que esta actividade se encontrava já enraizada no quotidiano dos arguidos, sendo, a par com as sua actividades lícitas, uma das fontes de rendimento com a qual contavam e não maioritariamente para sustentar os seus próprios consumos.
Entende-se ainda como relevante mencionar que o facto de os arguidos se abastecerem fora da circunscrição geográfica em que tipicamente se movem, deslocando-se a outro distrito para, posteriormente, proceder à distribuição em … implica algum grau de gestão e organização do negócio. E isto porque implica tanto a existência de contactos noutro distrito, como a organização da deslocação e transporte do produto.
Por fim, há que mencionar que a circunstância de uma das drogas em causa ser tipicamente qualificada como leve – como é o caso do haxixe – cujos efeitos nefastos à partidaserão menores quando comparadas com as drogas pesadas, não se pode olvidar que o grosso das vendas apuradas foi de cocaína. Substância esta que é já considerada uma droga pesada e com elevada danosidade social.
Em conclusão, de tudo o que se deixou referido, entende-se que a ilicitude dos factos não é consideravelmente diminuída, pelo que não podem os factos ser subsumidos ao tipo de tráfico de menor gravidade, mas antes ao seu tipo base, previsto e punido pelo art. 21.º da já mencionada «Lei da Droga».
No pólo subjectivo, decorre da factualidade apurada que os arguidos tinham consciência da ilicitude das condutas adoptadas – não sendo despiciendo que utilizassem linguagem codificada ou críptica nas comunicações orais e escrita, privilegiando o contacto pessoal –, bem como das características dos produtos que transportavam, detinham, cediam e vendiam e que, ainda assim, quiseram praticar os actos em causa conforme descrito e durante aqueles lapsos temporais. Pelo exposto, conclui-se pela verificação também do elemento subjectivo, na modalidade de dolo directo.”
É importante, neste contexto específico, mencionar o seguinte:
Recorde-se que o tipo legal em causa (art.º 21.º, n.º 1) tem a seguinte redação: “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
A redação dessa norma, de que o art.º 25.º é expressa e normativamente tributário27, traduz “uma configuração típica de largo espectro, de tal modo que qualquer contacto ou proximidade com o produto estupefaciente permite, por si só, integrar por inteiro a tipicidade”28. No aludido art.º 25.º29 estão previstos os casos de tráfico de menor gravidade, ou seja, as situações em que a ilicitude do tráfico de estupefacientes se mostra consideravelmente diminuída. Para tanto importa que na ponderação global do facto se conclua que a ilicitude da conduta fica aquém da gravidade pressuposta na descrição e moldura fundamental previstas no artigo 21.º, considerando-se aquele um específico tipo legal privilegiado deste último. A descrição normativa, à semelhança do acontece com os chamados exemplos-padrão, descreve circunstâncias que, entre outras, são suscetíveis de revelar aquela diminuição acentuada da ilicitude, como “os meios utilizados”, “a modalidade ou as circunstâncias da acção”, “a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações” objeto do tráfico. Relativamente ao caso dos autos, entende-se como adequado fazer referência a decisão do STJ30 que, pelas similitudes evidenciadas, tem aqui aplicação quase integral:
“No caso presente, provou-se que o recorrente desenvolveu uma actividade de disseminação de produto estupefaciente que se considera não consentir enquadramento jurídico no pretendido tipo de crime menos grave. O comportamento do arguido, desenvolvido com a regularidade comprovada ao longo de mais de um ano, realiza sim, objectiva e subjectivamente, o tipo do art. 21. °, n.º 1.
Com efeito, da matéria de facto provada resulta que o recorrente, de modo livre, deliberado e consciente, num período de tempo superior a um ano, repete-se, e com a reiteração suficientemente concretizada nos factos provados, procedeu à comercialização de heroína, sendo fornecedor dos co-arguidos, os quais, por sua vez, a difundiam por um elevado número de consumidores, também devidamente individualizados nos factos provados do acórdão.
Assim, tendo em conta a qualidade de estupefaciente transaccionado (heroína), a actividade desenvolvida regular e duradouramente (ao longo de um ano), o número expressivo de consumidores abastecidos no final da cadeia de comercialização (muitos deles concreta e individualmente identificados nos factos provados), não se vislumbram razões para afirmar que o comportamento do arguido se deva reconduzir a um ilícito menor. Os factos revelam, sim, um ilícito global insusceptível de merecer o pretendido enquadramento normativo no tráfico de menor gravidade.
A ilicitude global situa-se assim no tipo de crime base, de tráfico de estupefacientes do art. 21.º do D. L. nº 15/93, como se considerou no acórdão. E a decisão ali tomada enquadra-se igualmente no referente jurisprudencial.
Alguma jurisprudência encontra-se coligida por Lourenço Martins e por Vaz Pato, respectivamente, nas duas obras citadas (a pp. 266-275 e a pp. 512-513, respectivamente). Estes autores analisam vários acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, em que comportamentos semelhantes aos apurados - quer no que respeita à qualidade e quantidade de estupefacientes, quer no que toca aos restantes aspectos globais da actividade desenvolvida, quer ao posicionamento dos próprios agentes na cadeia de tráfico de estupefacientes - são tratados como crime do art. 21º. Assim acontece, por exemplo, no acórdão STJ de 09.04.08 (detenção de 16 g de cocaína e de 20 g de cocaína), no acórdão STJ de 02.10.2008 (venda, durante mais de seis meses, de 4 g de cocaína e de 150 g de haxixe, em cada venda).
Note-se que mais recentemente, também no acórdão do STJ de 18.06.20 (Rel. Clemente Lima) foi considerado crime de tráfico do art. 21.º a venda reiterada de canábis (haxixe) a diversas pessoas durante um ano e dez meses, e no acórdão do STJ de 22-10-2020 (Rel. Margarida Blasco) foi igualmente considerada como tráfico do art. 21.º uma actividade delituosa semelhante à desenvolvida pelo recorrente.
Por tudo, o recurso improcede nesta parte, considerando-se que os factos provados realizam, não o crime do art. 25.º do D. L. nº 15/93, mas sim o crime do art. 21.º, n. º 1, do D. L. nº 15/93, como bem se considerou no acórdão.”
As circunstâncias mencionadas na decisão recorrida a que acima aludimos não deixam quaisquer dúvidas sobre a integração no art.º 21.º da atividade provada, avultando a diversidade dos produtos estupefacientes transacionados e a sua nocividade31, bem como o alargado intervalo temporal em que aquela indiciariamente se desenvolveu. É certo que não está comprovada a interferência direta deste recorrente nas vendas dadas como provadas. Mas está provado o seu profundo envolvimento em toda a logística, transporte e detenção dos produtos estupefacientes, como de alcança dos factos provados 1, 5, 6, 8, 10, 42, 44, 46, 48 III, 52 a 55.
Permitimo-nos, quanto ao âmbito de aplicação das alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2023, reproduzir a resposta ao recurso do MP em 1.ª instância, que se nos afigura essencialmente de subscrever:
“[A]o contrário do que alega o arguido, a Lei n.º 55/2023, de 8 de setembro, não estabelece qualquer tipo de presunção de que a detenção de estupefaciente é para consumo do seu detentor, porque, “mesmo à luz das alterações introduzidas no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pela Lei n.º 55/2023, de 8 de Setembro, se o agente dos factos adquire ou detém determinado produto estupefaciente em quantidade que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, ainda que não se demonstre que o mesmo produto é para a cedência a terceiros, daí não decorre sequer a presunção de que a droga é para seu consumo exclusivo”, isto porque “na redação atual do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a aquisição ou detenção de uma quantidade de droga superior ao consumo médio individual por mais de dez dias só não é criminalmente relevante se ficar efetivamente demonstrado que a mesma se destina exclusivamente ao autoconsumo, finalidade que não se presume e deve ser objeto de prova e demonstração por parte daquele a quem interesse fazê–lo (mormente o arguido, claro)”, e, por isso, pode afirmar que “são (rectius, continuam a ser) duas coisas bem distintas, e que não se justapõem, a não demonstração probatória de atos de cedência de droga a terceiros, e a demonstração de que a mesma droga se destina em exclusivo ao consumo do agente dos factos” (exatamente assim, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4.12.2024…).”
Aliás, para afastar a alegada existência de uma qualquer espécie de presunção de consumo introduzida pela norma em causa, basta uma leitura perfunctória da mesma, que reproduzimos:
O artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 2.º
[...]
1 - [...]
2 - Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção das plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo.
Tanto basta para que o recurso seja notoriamente improcedente.
D – Do MP.
1.ª questão – Medida das penas.
O recorrente preconiza, para os arguidos, as seguintes penas:
– (não inferior) a 6 anos de prisão para o arguido AA;
– (não inferior) a 6 anos de prisão para o arguido BB;
– ao arguido CC, uma pena (não inferior) a 4 anos e 9 meses de prisão; e
– à arguida DD, uma pena (não inferior) a 5 anos de prisão.
Desde logo, cumpre assinalar que se nos afigura resultar essencialmente injustificado o “tratamento” desfavorável do arguido CC, que vê a pretensão de incremento punitivo em 9 meses, em detrimento dos demais, em que tal incremento se “reduz” a 6 meses de prisão (sem prejuízo da pelo menos não maior intervenção nas atividades de venda dos estupefacientes).
Por outro lado, no que respeita a todas as penas (incluindo tal pena, dir-se-á):
Como se pode ler no Acórdão do TRP de 02.06.2010 proferido no processo n.º 60/09.9GNPRT.P1 e disponível em www.dgsi.pt32.
“Na aferição da medida da pena através do recurso, o que deve estar em causa é se foram seguidos os critérios legais na escolha e determinação da pena.
Assim e como vem sendo jurisprudência, desde que sejam observados os critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador que é dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de censurar, pelo que o recurso não visa apurar o “quantum” exacto da pena, salvo se existir uma desproporção da quantificação efectuada [Ac. do STJ de 2009/Mai./14, em www.dgsi.pt].
Nesta conformidade, no recurso dirigido à reacção penal aplicada, a pretensão recursiva apenas incidirá sobre os seus critérios fundamentais (culpa, prevenção especial ou geral) ou mesmos em relação às demais circunstâncias que rodearam o cometimento do crime, sejam pretéritas, contemporâneas ou posteriores a essa ocorrência, de tal modo que a pena aplicada se mostre inadequada quanto à escolha ou desajustada no que concerne ao seu quantitativo.
Nesta conformidade, esse desajustamento quantitativo terá que ser relevante, mostrando-se desproporcionado em função da culpa relevada ou das exigências de prevenção que se fazem sentir, impondo-se a sua correcção por via de recurso.
Mas já não passa pela precisão ou exactidão da reacção penal aplicada, definidos que estejam correctamente os respectivos parâmetros legais e judiciais, salvo, como já referimos, na falta de razoabilidade ou desproporcionalidade da reacção penal aplicada.
Assim, no recurso sobre a medida da pena o que poderá ser objecto do mesmo são a correcção dos critérios legais e judiciais de determinação da pena, de modo que seja aplicada uma reacção penal justa, mas não aquela pena exactamente justa.”
No caso dos autos, se não estamos no traçado limiar, estamos lá perto.
De facto, é de sublinhar que, por um lado, estamos balizados pelo limite mínimo de 4 anos de prisão.
Por outro lado, sem prejuízo da indiscutível (como vimos) subsunção ao disposto no art.º 21.º do DL 15/93, é certo que estamos perante, quer pelos meios logísticos envolvidos, quer pelo número de adquirentes comprovados, quer pelas quantidades de estupefaciente envolvidas, perante uma ilicitude média (sobretudo pelos valores acumulados envolvidos). Se a isso contrapusermos as condições de vida dos arguidos e a circunstância de serem primários, afiguram-se-nos como essencialmente equilibradas as dosimetrias concretizadas na decisão recorrida, não sendo de as alterar, o que se decidirá, nesta parte improcedendo o recurso.
2.ª questão – Suspensão com deveres / obrigações.
Preconiza o recorrente que as condenações dos arguidos CC e DD sejam sujeitas a regras de conduta, que assim discrimina:
1 - Arguido CC – suspensão de execução da pena (em igual montante) acompanhada de regime de prova, com a obrigação de respeitar o plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo-se os seguintes deveres:
(i) manter-se afastado de locais e pessoas associadas ao consumo e tráfico de estupefacientes; (ii) realizar tratamento à dependência de produtos estupefacientes, uma vez que foi por este consentido,
(iii) de resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;
(iv) de recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
(v) de informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso; e
(vi) de obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro.
2 - Arguida DD, suspensão de execução da pena (em igual montante) acompanhada de regime de prova, fazendo-a acompanhar de regime de prova, com a obrigação de respeitar o plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo-se, desde já, os seguintes deveres:
(i) de resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;
(ii) de recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
(iii) de informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso; e
(iv) de obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro.
“A sujeição do condenado a regime de prova obedece exclusivamente a um juízo de adequação às necessidades de prevenção especial de socialização do condenado.”33
Assim, entende-se adequado submeter a suspensão de execução da pena a este regime, assim impondo aos referidos arguidos uma adesão a padrões de normatividade social e de afastamento de meio do tráfico de drogas, com afastamento de qualquer injustificado sentimento de impunidade.
Nesta parte será, pois, o recurso procedente.
3 - Dispositivo.
Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
á – Recurso interlocutório do MP – conceder-lhe provimento, devendo o requerimento de liquidação do montante a ser declarado perdido a favor do Estado deduzido tempestivamente pelo MP, consequentemente, ser conhecido.
â – Recursos do acórdão:
Negar provimento aos recursos dos arguidos, confirmando, nessa parte, o acórdão recorrido.
Conceder parcial provimento ao recurso do MP quanto à pedida sujeição da suspensão de execução da pena a regime de prova, pelos que:
1 - O arguido CC verá a suspensão da execução da pena em que vai condenado acompanhada de regime de prova, com a obrigação de respeitar o plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo-se os seguintes deveres:
(i) manter-se afastado de locais e pessoas associadas ao consumo e tráfico de estupefacientes; (ii) realizar tratamento à dependência de produtos estupefacientes, uma vez que foi por este consentido,
(iii) de resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;
(iv) de recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
(v) de informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso; e
(vi) de obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro.
2 – A arguida DD verá a suspensão da execução da pena em que vai condenada acompanhada de regime de prova, fazendo-a acompanhar de regime de prova, com a obrigação de respeitar o plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo-se, desde já, os seguintes deveres:
(i) de resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;
(ii) de recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
(iii) de informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso; e
(iv) de obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro.
“A sujeição do condenado a regime de prova obedece exclusivamente a um juízo de adequação às necessidades de prevenção especial de socialização do condenado.”34
Assim, entende-se adequado submeter a suspensão de execução da pena a este regime, assim impondo aos referidos arguidos uma adesão a padrões de normatividade social e de afastamento de meio do tráfico de drogas.
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Considerando que, como foi decidido quanto ao recurso interlocutório, o requerimento de liquidação do montante a ser declarado perdido a favor do Estado foi deduzido pelo MP tempestivamente e, tem de ser conhecido.
Assim, sem prejuízo do acima decidido quanto aos recursos do acórdão condenatório, que fica estabilizado quanto à 1.ª instância, não sendo passível de qualquer alteração, determina-se que os autos baixarão à 1.ª instância (apenas) para conhecimento (com eventual produção de prova) do requerimento de liquidação do montante a ser declarado perdido a favor do Estado deduzido pelo MP, decisão de que poderá ser interposto recurso, nos termos gerais.
s.
Sem custas quanto aos recursos do MP.
Custas pelos arguidos quantos aos respetivos recursos, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)
(Processado em computador e revisto pelo relator)
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1 Diploma a que pertencerão todas as referências ulteriores, salva indicação diversa.
2 João Conde Correia, O Confisco e a «Fixação» do Enriquecimento Ilícito in Estudos Projeto Ethos, Corrupção e Criminalidade Económico-Financeira, PGR, 2018, página 262.
3 Acórdão do TC n.º 392/2015, de 12.08, disponível no respetivo sítio institucional.
4 João Conde Correia in Revista do Ministério Público n.º 145, JAN•MAR 2016, página 218.
5 Cfr. também o art.º 97.º, n.º 5.
6 Entre outras referências, vide Marques Ferreira, Meios de Prova in O Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, Almedina, 1988, página 230, Sérgio Poças in Da Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Julgar, n.º 3, Setembro-Dezembro 2007, página 23, Paolo Tonini, A Prova no Processo Penal Italiano, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, páginas página 104, nota 41, Perfecto Andrés Ibáñez, Valoração da Prova e Sentença Penal, Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2006, páginas 64 a 66 e Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 55/85 e 408/07, disponíveis no respectivo sítio institucional.
7 Neste sentido, vide Marques Ferreira, Op. cit., páginas 229/230.
8 Acórdão do STJ de 03.10.2007 proferido no processo n.º 07P1779 (Relator: Henriques Gaspar) e disponível em www.dgsi.pt.
9 Neste sentido, vide o Acórdão da Relação do Porto de 10.07.2019 proferido no processo n.º 993/16.6PIVNG.P1 e disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/190129/: “(…) suscita-se desde logo a questão de saber se a sentença recorrida enferma ou não do vício de omissão de pronúncia, que não um mero problema de fundamentação, de mera insuficiência de fundamentação designadamente, pois este (…) não se constituiria em vício gerador de nulidade, para efeitos do disposto no art.º 379º, nº 1, al. a), do CPP, porquanto esta apenas se colocaria no estrito âmbito da falta de fundamentação, e não já no da sua mera insuficiência.” No mesmo sentido, vide José Mouraz Lopes in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo IV, 2022, Almedina, página 798 e jurisprudência aí citada.
1010 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Recursos Penais, 9.ª edição, 2020, Editora Rei dos Livros, página 75.
11 Vide concordantemente, entre muitos outros, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 29.01.2020 proferido no processo n.º 5824/18.0T9LSB-3, o Acórdão da Relação do Porto de 09.01.2020 proferido no processo n.º 1204/19.8T8OAZ.P1 e o Acórdão deste TRE de 07.05.2019, proferido no processo n.º 112/14.3TAVNO.E1
12 5.ª edição, UCP Editora, Volume II, 2023, páginas 677/678: anotação, para além do autor referido, de Helena Morão.
13 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 9.ª edição, 2020, página 109.
14 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10 de Março de 2004 – Diário da República, II Série, de 17 de Abril de 2004, referindo-se a uma versão do art.º 412.º, n.º 3 e nº 4 do Código de Processo Penal que era menos exigente do que a actual relativamente aos ónus dos recorrentes.
15 Acórdão deste TRE de 19.05.2015, proferido no processo 441/10.5TABJA.E2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais mencionados sem indicação diversa.
16 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.05.2017, proferido no processo 324/14.0SGPRT.P1.
17 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.02.2004, proferido no processo 0315956.
18 Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 15.03.2011 proferido no processo 212/04.8TACTX.E1.
19 Acórdão deste TRE de 19.05.2015, proferido no processo 441/10.5TABJA.E2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais mencionados sem indicação diversa.
20 Fls. 25, penúltimo § da decisão recorrida.
21 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Volume I, 2007, página 519.
22 Acórdão do STJ de 27.11.2019 proferido no processo 232/16.0JAGRD.C1.S1.2 (Relator Vinício Ribeiro).
23 Claus Roxin e Bernd Schünemann, Derecho Procesal Penal (tradução da 29.ª edição alemã de 2017), Ediciones Didot, Buenos Aires, 2019, página 573 (tradução nossa).
24 Disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os demais acórdãos citados, sem indicação de proveniência diversa
25 Ver também facto provado 17
26 Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, 2020, página 81.
27 Constituindo, tão-só, uma forma de atenuação especial da pena, à semelhança da prevista no art.º 72.º do C. Penal.
28 Pedro Pato in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Universidade Católica Editora, Volume 2, Lisboa, 2011, página 487.
29 Epigrafado tráfico de menor gravidade: “Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”
30 Acórdão do STJ de 08.09.2021 proferido no processo 17/19.1PESTR.E1.S1 (Relatora Ana Brito) disponível em www.dgsi.pt.
31 No relatório de uma Comissão de Inquérito do Parlamento Europeu (citado na Revista Sub Judice, n.º 3, 1992, página 99, apud Fernando Gama Lobo in Notas, Doutrina, Jurisprudência, Legislação Conexa, 2.ª edição, 2021, Almedina, página 36), a cocaína é classificada como droga droga dura.
32 Trata-se, ao que sabemos, de jurisprudência uniforme.
33 Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, 2021, página 340.
34 Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, 2021, página 340