O art. 147º, nº, 5, do Cód. Proc. Penal, é perentório ao estipular que o reconhecimento por fotografia só pode valer como meio de prova se for seguido de reconhecimento pessoal. Ou seja, processualmente, o mero reconhecimento fotográfico não é nada, não existindo sequer.
No caso dos autos existem reconhecimentos fotográficos que não foram seguidos de reconhecimento presencial. E, como tal, não poderão ser valorados.
Desta forma importará apurar, no momento próprio, se tais reconhecimentos foram atendidos para efeitos de indiciação do arguido e, em caso afirmativo se, sem a sua valoração, esses indícios subsistem.
- A obtenção de imagens através do sistema de videovigilância, instalado para proteção da integridade física de quem resida em habitação assaltada e dos bens que aí se encontrassem, não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, porque existe justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diz respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada, podendo tais imagens, incluindo os fotogramas obtidos através de tal sistema, ser validamente utilizadas como meio de prova.
- Não constitui prova proibida nem é ilícita a captação de imagens por aparelho de videovigilância, se esta captação não ocorre em local privado, mas antes para local acessível ao publico e os acontecimentos filmados não atingem o núcleo essencial da intimidade da vida privada.
- Não constitui prova proibida a prova obtida através de videovigilância quando este sistema tenha por finalidade a proteção do património perante situações de tentativa de furto e não esteja colocado em local privado ou em local parcialmente restrito, mesmo que não esteja licenciado pela CNPD.
- Verificando-se os factos que pressupõem (em abstrato) a aplicação da reincidência, os mesmos deverão constar da indiciação. E tal não constitui um novo julgamento de tais factos. Não existe por isso qualquer violação do princípio “ne bis in idem”.
1.1 Decisão recorrida
Por despacho de 28 de novembro de 2024, foi aplicada ao arguido AA, na sequência de primeiro interrogatório judicial a que foi submetido, a medida de coação de prisão preventiva.
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1.2 Recurso
Não se conformando com tal decisão, o arguido interpôs recurso de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
« 1. Por despacho datado de 29-11-2024 foi determinado que o arguido aguarde o desfecho do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva na sequência do primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
2. A prova por reconhecimento existente nos autos encontra-se ferida de nulidade porquanto os requisitos de validade não se encontram verificados, ou seja os “figurantes” eram bastante diferente do alegado suspeito.
3. O arguido ora recorrente é de raça negra e aquando do reconhecimento foram colocados figurantes caucasianos.
4. Devendo ser declarada a nulidade de todos os autos de reconhecimentos de pessoas existentes nos presentes autos.
5. Por outro lado, o OPC exibiu fotografias às testemunhas para reconhecerem o arguido ora Recorrente.
6. Sendo certo que nós caucasianos não conseguimos reconhecer, não conseguimos distinguir as pessoas de raça negra.
7. Ao que acresce que o reconhecimento fotográfico apenas pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento presencial nos termos do disposto no artigo 147.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.
8. Termos em que deverá ser declarada a nulidade dos autos de reconhecimentos de pessoas e dos autos de reconhecimento fotográficos.
9. Os autos de visionamento e extração de fotogramas foram extraídos de câmaras privadas, as quais se desconhece se se encontram ou não licenciadas.
10- Ao que acresce que as residências podem conter câmaras de videovigilâncias, mas essas câmaras não estão autorizadas a filmar a via pública sob pena de violação da proteção da vida privada.
11. Pelo menos e no que respeita ao sistema de videovigilância existente na … é do nosso conhecimento funcional que não existe uma formalidade na recolha das imagens. As imagens são selecionadas e editadas pelos próprios seguranças, conforme já decorreu em outros eventos nos quais se solicitou essas mesmas imagens.
12. A palavra e a imagem gravadas sem autorização judicial nem consentimento do visado, mesmo que retratem a prática de um crime, são meios de prova proibidos e fazem os seus autores incorrer no crime de gravações ilícitas, previsto e punido no artigo 199.º do Código Penal.
13. A reprodução das imagens, obtidas através do sistema de videovigilância não são um meio de prova admissível.
14. Termos em que deverão os meios de prova – autos de visionamento de vídeo e extracção de fotogramas serem declarados nulos, pois implicam uma abusiva lesão dos direitos à imagem e à reserva da vida provada e consequentemente não deverão tais meios de prova serem valorados.
15. O tribunal “a quo” considera que o arguido ora Recorrente tem vivido uma vida ligada à prática de crimes e enumera todas as anteriores condenações sofridas pelo arguido.
16. Sucede que o arguido não pode ser perseguido pelo seu passado criminal.
17. As condenações anteriores nunca devem, em nenhum nível do sistema de justiça penal, serem consideradas automaticamente como um fator em desfavor do arguido.
18. Ao que acresce que não se verificam os pressupostos para a verificação do instituto da reincidência.
19. Não sendo, de todo, suficiente erigir o passado criminal dos arguidos como pressuposto automático de que estes possam vir a reincidir.
20. Termos em que deverá a decisão de que ora se recorre ser revogada, não podendo constar dos factos dados como indiciados o passado do arguido ora Recorrente sob pena de duplicação dos efeitos jurídico-penas e violação do disposto no artigo 29.º, n.º 5 da nossa Constituição e do Princípio Ne Bis In Idem.
21. Sem prescindir e caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que não há indícios suficientes de que o arguido praticou os factos e os crimes em apreço.
22. Desde logo não se verificou nenhuma situação de flagrante delito ou de quase flagrante delito.
23. Ao que acresce que não há nenhuma prova física irrefutável contra o aqui arguido, isto é não há prova de ADN, não há impressões digitais ou qualquer outro facto que demonstre que o arguido esteve nos locais em apreço.
24. Relativamente ao NUIPC 228/24.7… resulta dos autos que o arguido ora Recorrente trabalhava no local em questão, no hotel … e que se encontrava no local, mas a exercer as suas funções.
25. E assim se determinou e mal a aplicação da medida de coação mais gravosa, a de prisão preventiva ao indivíduo baseada e fundamentada em indícios ténues e vagos.
27. Não foram recolhidas impressões digitais, o que se presume dado a ausência da referência das mesmas nos autos, nem foi recolhida prova de ADN.
28. Desconhecendo-se em bom rigor se os ofendidos eram proprietários dos bens alegadamente subtraídos atento a que não se encontram faturas nem registos juntos aos autos.
29. Assim e ao não serem confrontados com os meios de prova e com os indícios violou-se os normativos constitucionais previstos no artigo 32.º, n.º 1 e 5 da nossa Constituição.
30. Bem como o artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
31. Foi assim aplicada ao arguido a medida de coação de prisão preventiva a mais gravosa de todas não se encontrando devidamente fundamentado os pressupostos que presidem à mesma, ou seja, fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do percurso do inquérito e perigo da continuação da atividade criminosa, pelo que foi violado o artigo 202º e 204º do CPP.
32. Motivo pelo qual deverá a mesma ser revogada.
33. O arguido aceita a aplicação de uma medida de coação menos gravosa como a de apresentações periódicas junto do OPC mais próximo da sua residência e bem assim de caução.
34 . Foram violados os artigos 202.º, 204.º e 193.º do CPP».
*
1.3 Resposta/Parecer
O Ministério Público apresentou resposta da qual extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
1 O recorrente vem recorrer da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, começando por impugnar pela nulidade do reconhecimento de pessoas, por não preenchimento dos requisitos legais do artigo 147º do CPP, em virtude de o mesmo ser de raça negra e os figurantes serem caucasianos.
2 Falece razão ao recorrente, uma vez que foi escrupulosamente cumprido o citado normativo legal, na medida em que as testemunhas que flagraram o arguido no local dos factos, descreveram-no como sendo de etnia africana com pele não muito escura e quando foram para a linha do reconhecimento, na presença de defensora, lograram identifica-lo conforme o descrito.
3 Por outro lado, a Ilustre Defensora presente no reconhecimento não arguiu qualquer nulidade/irregularidade.
4 O recorrente ainda pugna pela nulidade dos autos de visionamento e extracção de fotogramas, porquanto foram extraídas de câmaras privadas não licenciadas, violando-se o direito à imagem e privacidade do recorrente;
5 Acontece, que o direito à imagem do recorrente cede perante direitos à privacidade do lar, da integridade da propriedade privada e indirectamente da integridade física e vida dos proprietários das residências, assaltadas voluntariamente pelo recorrente, e que são igualmente tuteladas pela Constituição e de valor superior ao direito de imagem do arguido.
6 Não foram os proprietários das casas assaltadas pelo recorrente que provocaram a ocorrência do evento documentado nas imagens de videovigilância, nas quais se identifica o recorrente a praticar os factos fortemente indiciados nos autos, já que foi este que voluntária, livre e deliberadamente decidiu praticar um acto ilícito, típico e culposo.
7 Portanto, a validade do meio de prova recolhido por imagens de videovigilância instaladas nas casas assaltadas, fazendo parte do sistema de alarme, é afirmada juridicamente, porquanto constitui uma necessidade de justiça, e de legitima defesa para prevenir novos ilícitos penais, estando plenamente justificado o sacrifício do direito de imagem do arguido.
8 O recorrente pugna, também, pela não verificação da reincidência, levando em conta a antiguidade dos antecedentes criminais, não devendo o recorrente ser perseguido pelo passado criminal;
9 Acontece que o arguido foi condenado a 22 anos de prisão, em cúmulo de vária penas, pela prática de crimes contra o património, 16 dos quais cumprido em reclusão.
10 Aquando da prática dos factos fortemente indiciados nos presentes autos em 2023 e 2024, o arguido desde 2022 estava a beneficiar de liberdade condicional até ao termo da pena em Novembro de 2027, pelo que menos de 1 ano desde a sua libertação, o arguido voltou a praticar novos factos ilícitos típicos e culposos da mesma natureza dos que sustentaram a sua condenação na pena de 22 anos de reclusão.
11 Há, portanto, uma manifesta reincidência, sustentada pela prova dos antecedentes criminais e dos factos fortemente indiciados, devendo ser valorados para efeitos de preenchimento dos artigos 75 e 76 do CP.
12 Por outro lado, não há qualquer violação do principio ne bis in idem, já que os factos pelos quais o arguido foi condenado na pena única de 22 anos não são os mesmos daqueles que foram indiciariamente praticados em 2023 e 2024 em plena liberdade condicional.
13 Por a investigação, em sede de inquérito, ter recolhido indícios fortes de que o recorrente terá praticado os factos de que se encontra indiciado, tendo nalguns casos sido apanhado em flagrante delito por testemunhas que o tentaram deter e o reconheceram, ao abrigo do artigo 147º do CPP, sem sucesso, fazem temer pela existência dos perigos melhor elencados no artº 204º do CPP, razão pela qual foi apresentado a primeiro interrogatório judicial de arguido detido para aplicação de medida de coacção mais gravosa que o TIR já aplicado.
14 Para que o arguido detido possa se defender cabalmente da imputação e da medida de coacção proposta pelo MP, deu-se ao mesmo a conhecer os factos que lhe são imputados nesta fase do inquérito, o que foi cumprido pela Mmª JIC.
15 Os elementos de prova considerados isoladamente e descontextualizados entre si não são suficientes para imputar a prática de um determinado crime a alguém; no entanto, a Mmª JIC fez uma criteriosa e ponderada apreciação dos elementos de prova recolhidos em inquérito que conjugados, de forma lógica e cronológica entre si, e ainda harmonizados com as regras da experiência comum de vida, possibilita a imputação efectiva dos factos indiciados à autoria do recorrente.
16 Face aos factos concretamente carreados para os autos, mesmo tendo o arguido exercido o seu direito constitucional de se remeter ao silêncio, a valoração que a Meritíssima Juiz de Instrução que fez dos elementos de prova existentes nos autos conjugados entre si, de forma lógica e de harmonia com as regras da experiência comum de vida, foi com integral e rigoroso respeito pelos Princípios Constitucionais da Presunção da Inocência e do in dúbio pro reo, na medida em que tal valoração não foi feita desgarrada dos factos carreados para os autos; factos estes que indiciam fortemente que o recorrente terá praticado o ilícito criminal, nos descritos termos constantes nos presentes autos;
17 No caso concreto, como expressamente constatou e bem a Mmª JIC, há um concreto e efectivo perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da tranquilidade pública por parte do recorrente, porquanto o mesmo após cumprir pena de prisão por 16 anos, aproveitou a liberdade condicional para voltar a praticar crimes da mesma natureza, num espaço de tempo curto na mesma zona geográfica, nalguns casos na presença dos respectivos donos, o que revela à saciedade, de forma concreta e inexorável, a existência dos perigos a que alude o artigo 204º do CPP.
18 Portanto, não há qualquer erro de interprestação dos artigos 202º e 204º do CPP, não se justificando a revogação do douto despacho recorrido, nem a substituição da medida de coacção de prisão preventiva por outra ou outras menos gravosas.
19 Com efeito, o douto despacho recorrido fez uma criteriosa e bem fundamentada apreciação dos factos e das circunstâncias cautelares que se fazem sentir, pelo que não violou qualquer disposição legal, designadamente dos artigos 27º, 28, 32º da CRP e 204º, 209º e 213º do CPP.
20 Tendo em conta a gravidade dos factos em causa nos autos, e tudo o que ficou acima explanado, torna-se inadequada a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa do que aquela que foi imposta pela Mmª Juiz de Instrução no despacho ora recorrido;
21 Nos presentes autos estamos perante perigos concretos continuação da actividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, que só a prisão preventiva podem acautelar, atenta a gravidade dos factos indiciados.
22 Apenas a prisão preventiva se mostra adequada a remover de forma cabal os perigos supra descritos e simultaneamente proporcional à gravidade dos factos praticados e às sanções que previsivelmente lhe virão a ser impostas;
23 O douto despacho recorrido fez uma justa, criteriosa e adequada aplicação das normas referentes às medidas de coacção, pelo que não merece qualquer reparo, nem violou qualquer norma processual penal, ao contrário do que alega o recorrente;
Deste modo, deverá o presente recurso ser declarado improcedente, mantendo-se, nos seus precisos termos, a douta decisão ora em recurso.»
Neste Tribunal da Relação a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer em que acompanhou a posição defendida pelo MP junto do tribunal recorrido.
*
2. Questões a decidir no recurso
Face às conclusões apresentadas, as questões a apreciar e decidir no âmbito deste recurso, são as seguintes:
- nulidade dos reconhecimentos presenciais efetuados;
- nulidade dos reconhecimentos fotográficos;
- proibição de prova das imagens de videovigilância;
- violação do princípio “ne bis in idem”;
- verificação dos pressupostos legais de aplicação da medida de coação de prisão preventiva.
*
3. Fundamentação
É o seguinte, o teor do despacho recorrido:
«“Da validação da detenção
Valida-se a detenção do arguido, porquanto efetuada em cumprimento de mandados de detenção fora de flagrante delito emitidos pelo Ministério Público – cf. arts. 254.º, n.º 1, al. a) e 257.º, n.º 1, al. b) do CPP – e ter sido o arguido apresentado nos termos e prazos previstos no art. 141.º so CPP.
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Fundamentação de facto
Encontram-se fortemente indicados nos autos, os seguintes factos:
Processo principal (574/23.8GFLLE)
1. No dia 25-08-2023, entre as 19h15 e as 23h, AA dirigiu-se à residência pertença de BB, sita na …, n.º…, em …, com intenção de se introduzir nessa residência e retirar do seu interior todos os objetos de valor que encontrasse.
2. Assim, e na concretização desse desígnio, AA galgou por uma varanda de um quarto cuja janela tinha ficado encostada e introduziu-se no interior da habitação.
3. Já o interior, AA percorreu todos os compartimentos, tendo retirado do interior os seguintes objetos, entre outros, que se descrevem:
Um relógio marca …, modelo …, em metal prateado, n.º de identificação …, n.º de série …, no valor de 45.000€
Um relógio marca …, com corpo em metal prateado e bracelete em pele de cor preta, n.º identificação …, n.º série …, no valor de 6.000€
Na posse de todo os objetos descritos no ponto anterior, que de imediato integrou no seu património, fazendo-os seus, AA fugiu do local.
5. AA sabia que esses objetos não lhe pertenciam e que agia sem o conhecimento ou autorização dos seus legítimos proprietários, e quis apossar-se de bens alheios, o que conseguiu.
6. AA foi identificado através das imagens das câmaras de videovigilância do Lote … da mesma Rua, e foi visto por um casal vizinho do ofendido a fugir de casa do ofendido.
7. Mais sabia AA que estava a introduzir-se numa habitação através de escalamento de uma varanda, sendo por isso o seu comportamento agravado.
8. Em tudo acima descrito, agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas por lei penal.
Apenso 227/23.7…
9. No dia 14-04-2023, pelas 20h52, AA dirigiu-se à residência pertença de CC, sita na avenida …, n.º …, em …, área deste município de …, com intenção de se introduzir nessa residência e retirar do seu interior todos os objetos de valor que encontrasse.
10. Assim, e na concretização desse desígnio, Carlos Barbosa galgou o muro que delimita e circunda toda a habitação e preparava-se para entrar na habitação quando foi surpreendido pelo segurança da “DD” EE, que foi alertado pelos sensores do alarme colocado nessa habitação, tendo de imediato fugido do local ao volante do veículo automóvel de marca … com a matrícula ….
11. AA pretendia introduzir-se na habitação de retirar todos os objetos que se encontravam no interior, cujo valor ascendiam a 102 euros, e apenas não o fez por motivos alheios à sua vontade, ou seja, porque foi surpreendido pelo segurança EE.
12. Sabia AA que estava a tentar introduzir-se numa habitação através de escalamento de um muro.
13. Efetuada diligência de reconhecimento de pessoas, com todas as formalidades legais, o segurança EE reconheceu inequivocamente como o autor dos factos o arguido AA.
14. Em tudo acima descrito, agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas por lei penal.
Apenso 169/24.9…
15. No dia 21-03-2024, pelas 11h20, AA dirigiu-se à residência pertença de FF, sita na Avenida …, n.º …, em …, área deste município de …, com intenção de se introduzir nessa residência e retirar do seu interior todos os objetos de valor que encontrasse.
16. Assim, e na concretização desse desígnio, AA galgou por uma varanda de um quarto e preparava-se para entrar na habitação quando foi surpreendido pelo ofendido FF, tendo de imediato fugido do local.
17. AA pretendia introduzir-se na habitação e retirar todos os objetos que se encontravam no interior, cujo valor ascendiam a 102 euros, e apenas não o fez por motivos alheios à sua vontade, ou seja, porque foi surpreendido pelo ofendido FF.
18. Sabia AA que estava a tentar introduzir-se numa habitação através de escalamento de uma varanda.
19. Em tudo acima descrito, agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas por lei penal.
Apenso 183/24.4…
20. No dia 21-03-2024, pelas 10h39, AA dirigiu-se à residência pertença de GG, sita na Rua … n.º …, em …, área deste município de ….
21. AA, de modo não apurado, entrou para o jardim exterior da habitação identificada em 20. quando foi surpreendido pelo ofendido, tendo o arguido de imediato fugido do local.
22. Em tudo acima descrito, agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas por lei penal.
Apenso 228/24.8…
23. No dia 25-05-2024, pelas 12h15, AA dirigiu-se ao campo de Golfe …, sito em …, área deste município de …, com intenção de se aproximar dos buggys das pessoas que praticavam golfe e, apanhando-as distraídas, apropriar-se de todos os objetos de valor que encontrasse.
24. Assim e na concretização desse desígnio, AA, entre as 12h15 e as 12h45 desse dia 25-05-2024 abeirou-se do buggy que estava a ser utilizado pela ofendida HH e retirou do mesmo os seguintes objetos, entre outros, pertença da ofendida HH, que se descrevem:
Mala de senhora marca … de cor preta no valor de 50€
Setenta euros em notas do BCE (70€)
Um telemóvel … de cor cinzenta no valor de 600€
Uma carteira de cor vermelha marca … no valor de 1.000€
Chaves da residência da ofendida
Porta- cartões metálico marca … no valor de 50€
Diversos documentos pessoais
Cartão de crédito …
Cartão de crédito …
Cartão de débito …
Cartão de débito …
Tudo num total de, pelo menos, 1.770€ (mil setecentos e setenta euros)
25. Na posse desses objetos, que de imediato integrou no seu património, fazendo-os seus, AA fugiu do local
26. Sabia AA que se apropriava de bens alheios, e que agia contra a vontade e sem o conhecimento da ofendida.
27. Mais tarde AA abandonou a mala, o telemóvel …, e os cartões de crédito, os documentos pessoais da ofendida e outros objetos no nó de acesso à A… sentido …-….
28. Efetuadas diligências de reconhecimento de pessoas, com todas as formalidades legais, a ofendida HH reconheceu o arguido AA como o sujeito que os andava a seguir no campo de Golf no dia e hora dos factos supra descritos e a testemunha II reconheceu-o, com algumas reservas.
29. Em tudo acima descrito, AA agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser censurável, proibida e punida por ei penal a sua conduta, ao que foi indiferente.
30. Efetuadas buscas à residência do arguido, foram apreendidas as indumentárias que o arguido usava quando praticou os factos supra descritos referentes ao processo principal (factos n.ºs 1 a 8), e que se podem visualizar nas imagens de videovigilância juntas aos autos.
31. Foram ainda apreendidas diversas peças em ouro e relógios de valor elevado, muitos deles com gravações com nomes e datas em nada relacionado com o arguido ou a sua família.
32. Foi também apreendida a quantia de 3.650€ em notas emitidas pelo Banco Central Europeu e 50$ dólares canadianos.
33. Na posse do arguido forma ainda apreendidos dois telemóveis e um fio.
Da reincidência:
34. AA tem vivido a vida ligada à prática de diversos crimes, entre eles, vários crimes contra o património, contando com muitas condenações transitadas em julgado por factos ocorridos desde o ano 2006.
35. Por esse motivo, no dia 28-02-2014, após várias estadias em estabelecimentos criminais a cumprir penas de prisão pela prática de crimes contra património AA foi condenado no processo 213/07.4…, a 22 anos de prisão efetiva por acórdão transitado em julgado, no âmbito de cúmulo jurídico que englobava quatro cúmulos e as seguintes condenações, que se descrevem:
a) Primeiro cúmulo – em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 1, 2.º, 4.º, 5.º A, 5.º B, 5.º C, 5.º D, 8.º, 13.º A, 13.º B e 22.º, a pena única de cinco anos e nove meses de prisão e a pena única de cento e oitenta dias de multa à razão diária de cinco euros.
b) Segundo cúmulo – em conjunto jurídico das penas parcelares referidas em 1, 3.º, 7.ºA, 7.º B, 11.º A, 11.ºB, 12.º D, 12.º E, 12.º F, 15.º, 1.º 16.º B, a pena única de seis anos e três meses de prisão e a pena única de quatrocentos dias de multa à razão diária de cinco euros.
c) Terceiro cúmulo – em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 1, 9.º, 10.º, 14.º A, 14.º B, 17.º, 18.º, e 20.º, a pena única de seis anos e seis meses de prisão.
d) Quatro cúmulo – em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 1 19.º, 21.º A, 21.º B, 21.º C, a pena única de quatro anos e três meses de prisão.
36. As condenações referidas no ponto anterior englobam os seguintes processos, cujas condenações transitam em julgado:
TRIBUNAL LOURES TRIBUNAL JUDICIAL DE …
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 213/07.4…
Crime: furto qualificado
TRIBUNAL … – TRIB. FAMÍLIA MENORES E COMARCA
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 18/07.2…
Crime furto qualificado
TRIBUNAL … – TRIBUNAL JUDICIAL
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 423/06.1…
Crime: Três crimes de furto qualificado e um crime de condução sem habilitação legal.
TRIBUNAL … – TRIBUNAL JUDICIAL
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO COMPETENCIA CRIMINAL
N.º PROCESSO: 84/08.3…
Crime: furto qualificado
TRIBUNAL … – TRIB. FAMÍLIA E MENORES E COMARCA
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 1169/08.1…
Crime: furto qualificado
TRIBUNAL COMARCA DE …
UNIDADE ORGÂNICA …– JUÍZO DE MÉDIA INST. CRIMINAL – …º SECÇÃO – JUIZ …
N.º PROCESSO: 199/08.8…
Crime: furto qualificado
TRIBUNAL … – TRIBUNAL JUDICIAL
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO
N.º PROCESSO: 168/06.2…
Crime: tráfico de estupefacientes de quantidade diminuta e de menor gravidade
TRIBUNAL … – TRIBUNAL JUDICIAL
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO COMPETÊNCIA CRIMINAL
N.º PROCESSO: 668/06.4…
Crimes: dois crimes de condução sem habilitação legal, um crime de resistência e coação sobre funcionários, dois crimes de detenção de arma proibida.
Tribunal … – TRIBUNAL DE COMARCA E DE FAMÍLIA E MENORES
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO COMPETÊNCIA CRIMINAL
N.º PROCESSO: 404/06.5…
Crimes: furto qualificado e falsificação de documento
TRIBUNAL … – ….º JUÍZO CRIMINAL
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO – ….ª SECÇÃO
N.º PROCESSO: 164/07.2…
Crimes: condução perigosa de veículo rodoviário e condução sem habilitação legal
TRIBUNAL … – TRIB. FAMÍLIA MENORES E COMARCA
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 69/08.0…
Crime: condução sem habilitação legal
TRIBUNAL … – JUÍZOS E P.I CRIMINAIS
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 357/06.0…
Crime: ofensa à integridade física simples
TRIBUNAL … – TRIB. FAMÍLIA E MENORES E COMARCA
UNIDADE ORGÂNICA …º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 45/09.5…
Crime: condução sem habilitação legal
TRIBUNAL COMARCA DA …
UNIDADE ORGÂNICA … – JUÍZO GRANDE INST. CRIMINAL – …ª SECÇÃO – JUIZ …
N.º PROCESSO: 462/09.0…
TRIBUNAL … – VARA COMP. MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 140/06.2…
Crime: furto qualificado
TRIBUNAL … – TRIBUNAL JUDICIAL
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO COMPETÊNCIA CRIMINAL
N.º PROCESSO: 30/09.7…
Crime: condução sem habilitação legal
Tribunal … – TRIBUNAL JUDICIAL
UNIDADE ORGÂNICA …º JUÍZO COMPETÊNCIA CRIMINAL
N.º PROCESSO: 432/08.6…
Crime: condução sem habilitação legal
TRIUNAL … – TRIBUNAL JUDICIAL
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO COMPETÊNCIA CRIMINAL
N.º PROCESSO: 358/06.8…
Crime de condução sem habilitação legal
TRIBUNAL … – ….ª ….ª E ….ª VARAS CRIMINAIS
UNIDADE ORGÂNICA ….ª VARA CRIMINAL
N.º PROCESSO: 774/06.5…
Crime: furto qualificado
TRIBUNAL … – TRIB. FAMÍLIA E MENORES E COMARCA
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 562/07.1…
Crime: condução sem habilitação legal
TRIBUNAL … – TRIBUNAL JUDICIAL
Unidade ORGÂNICA …º JUÍZO COMPETENCIA CRIMINAL
N.º PROCESSO: 164/07.2…
Crime: condução sem habilitação legal
TRIBUNAL … – TRIBUNAL FAMÍLIA, MENORES E COMARCA
UNIDADE ORGÂNICA ….º JUÍZO CRIMINAL
N.º PROCESSO: 310/07.6…
Crimes: condução perigosa de veículo rodoviário e condução sem habilitação legal
37. AA cumpriu pena, no âmbito do processo supra descrito – 213/07.4… e nos processos integrados nos cúmulos, até ao dia 12/11/2022, data em que foi colocado em liberdade condicional até ao termo da pena, que ocorrerá a 12/11/2027.
Mais resulta indiciado que,
38. O arguido reside em casa arrendada com a sua mulher e dois filhos comuns do casal.
39. O arguido declarou possuir o 9.º ano de escolaridade, trabalhou até ao mês de agosto em manutenção no Hotel …, aufere cerca de €800,00 (oitocentos euros) mensais e a sua esposa trabalha como ….
40. Possui um veículo automóvel da marca ….
Factos não indiciados:
a) O arguido pretendia entrar na habitação identificada em 9 e subtrair bens de valor elevado certamente superior a 20.000€ (vinte mil euros).
b) O arguido pretendia entrar na habitação identificada em 15 e subtrair bens de valor elevado certamente superior a 150.000€ (cento e cinquenta mil euros).
Apenso 183/24.4…
c) No dia 21-03-2024, pelas 10h39, AA dirigiu-se à residência pertença de GG, sita na Rua …, n.º …, em …, área deste município de …, com intenção de retirar do seu interior todos os objetos de valor que encontrasse.
d) Assim, e na concretização desse desígnio, AA galgou o muro que delimita e circunda toda a habilitação.
e) AA pretendia introduzir-se na habilitação de retirar todos os objetos que se encontravam no interior, em valor elevado certamente superior a 20.000€ (vinte mil euros), atentas as características dos mesmos relatada pelo ofendido (relógios, jóias, entre outros objetos), e apenas não o fez por motivos alheios à sua vontade, ou seja, porque foi surpreendido pelo ofendido GG.
f) Sabia AA que estava a tentar introduzir-se numa habitação através de escalamento de um muro, sendo por isso o seu comportamento agravado.
g) Em tudo acima descrito, agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas por lei penal.
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O Tribunal não se pronunciará quanto a factos conclusivos, irrelevantes ou de direito.
Os indícios de que o arguido praticou estes factos resultam dos meios de prova comunicados ao arguido, a saber:
Do processo principal:
Auto de notícia de fls. 29 e 30
Inquirição de BB de fls. 36
Documentos de fls. 37 a 40, 290, 291, 334, 335
Relatório tático de inspeção judiciária de fls. 44 a 48
Relatórios fotográficos de fls. 49 a 53, 308 a 318
Cotas de fls. 57, 289, 292
Auto de visionamento e extração de fotogramas de fls. 59 a 75
Informação de fls. 78 a 80
Relatório intercalar de fls. 88 a 106
Certificado de registo criminal de fls. 115 a 170
Certidão judicial de fls. 196 a 260
Auto de apreensão de fls. 296
Comunicação de fls. 297
Auto de busca e apreensão de fls. 300 a 307
Relatório comprovativo de fls. 319
Talões de fls. 320 e 321
Autos de reconhecimento de pessoas de fls. 327 a 332
Auto de detenção de fls. 336 a 342
Do apenso 227/23.7…
Auto de notícia de fls. 10
Inquirição de EE de fls. 11, 267 a 269
Termo de juntada de fls. 27
Documentos de fls. 28 a 35, 41 a 44, 50 a 65, 70, 71, 80 a 95, 102, 108, 109, 122, 125, 207 a 210, 215 a 217.
Relatório tático de inspeção judiciaria de fls. 46 a 48
Relatos de diligência externa e relatórios fotográficos de fls. 66 a 69, 74, 75, 232 a 239, 242, 243, 249 a 265
Auto de visionamento de vídeo e extração de fotogramas de fls. 178 a 205
Inquirição de CC de fls. 354 a 355
Relatório intercalar de fls. 369 a 387
Do apenso 169/24.9…
Auto de notícia de fls. 13
Inquirição de FF de fls. 18 e 25 a 27
Documento de fls. 31 a 34
Relatório fotográfico de fls. 35 a 36
Relatório intercalar de fls. 43 a 61
Do apenso 183/24.4…
Auto de notícia de fls.17
Documentos de fls. 28 a 31
Inquirição de GG de fls. 32 a 34
Relatório fotográfico de fls. 37 e 38
Relatório intercalar de fls. 39 a 57
Do apenso 228/24.8…
Auto e notícia de fls. 34 a 36
Cota de fls. 56
Auto de apreensão de fls. 57
Relatório fotográfico de fls. 61 a 72
Relatório técnico de inspeção judiciária de fls. 73 a 75
Documentos de fls. 80 a 84, 104,
Inquirição de HH de fls. 85 a 87
Inquirição de II de fls. 88 a 90
Documentos de fls. 91 a 94
Termo de entrega de fls. 95 a 98
Auto de exame e avaliação de fls. 99 a 103
Relatório intercalar de fls. 105 a 123
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Concretizado
O arguido remeteu-se ao silêncio.
Todavia, o Tribunal valorou o teor de todos os elementos probatórios acima descritos, conjugados entre si e com as regras de experiência e da normalidade da vida, para formular as suas conclusões sobre a matéria factual em apreço.
No que concerne ao NUIPC 574/23.8GFLLE, os elementos atinentes à imputação da prática dos factos ao arguido assenta, essencialmente, das declarações prestadas pelo ofendido, o qual junta relação dos bens subtraídos, com o auto de notícia e reportagens fotográficas.
Sublinha-se que sobressaltam os autos de visionamento e fotogramas patentes no inquérito, tendo o OPC identificado inequivocamente por coincidentes com o arguido.
Por outro lado, existe uma conexão entre os inquéritos em crise, havendo um modus operandi e uma zona de atuação que os interliga – ….
Do mesmo modo, no apenso 227/23.7… o Tribunal atendeu ao relatado por EE que explicou que exerce funções de segurança às residências na … e que no dia dos factos presenciou o arguido a entrar na residência de CC.
Também dos fotogramas juntos aos autos constata-se que o arguido entrou no interior da propriedade pela zona do jardim e dirigiu-se para as traseiras da residência
Uma vez nas traseiras da residência, escala para o telhado da casa das máquinas, sendo visível este deslocar-se para uma das varandas.
Após, explica a testemunha EE que foi acionado o alarme de intrusão o que fez com que este se deslocasse de imediato para o empreendimento ao local, tendo o arguido encetado fuga.
No entanto, no momento em que o arguido entra no veículo e inverte o sentido de marcha depara-se com a testemunha que lhe vê a face e anota a matrícula do veículo.
E, confrontada a testemunha com fotografias de vários indivíduos reconheceu, sem reservas, o arguido como sendo o autor dos factos – cfr. 267 a 270.
No que concerne ao valor dos bens passiveis de serem subtraídos, inexiste qualquer meio de prova que indique que bens o ofendido dispunha e qual o seu valor. Deste modo, nesta parte, considerou-se o facto não indicado.
Em contrapartida, entende-se face às regras da experiencia comum que o arguido sabia e queria subtrair bens cujo valor ascendia a 102 euros.
No apenso 169/24.9… atendeu-se ao teor do relatado por FF que explicou que se encontrava a trabalhar no interior do seu quarto, por volta das 11h15, sendo que a certa altura se apercebe se uma perna a passar por cima do parapeito da varanda, tendo nesse momento se dirigido à janela e se deparou com um individuo agarrando-se ao parapeito da varanda e em ato contínuo agarrou o arguido pelos ombros no sentido de o impedir que se colocasse em fuga, o que não conseguiu.
Acresce que aquando da apresentação da respetiva queixa, a testemunha descreve o individuo que tentou entrar na sua habitação como sendo de etnia africana mas em tom de pele não muito escura, tinha cerca de 1,60m/1,70 de altura, compleição física magra mas atlética, bastante ágil e leve.
Porém FF confrontado com fotografias de suspeitos, reconheceu sem qualquer reserva o arguido, como sendo o autor do ilícito.
Quanto a intenção do arguido, o Tribunal atendeu ao relatado pelo ofendido conjugado com as regras da experiencia, uma vez que ninguém sobe para uma varanda de uma habitação que lhe é alheia sem que o propósito não seja a de se introduzir na habitação e subtrair bens que encontrasse.
No que concerne ao valor dos bens passiveis de serem subtraídos, inexiste qualquer meio de prova que indique que bens o ofendido dispunha e qual o seu valor. Deste modo, nesta parte, considerou-se o facto não indiciado.
Em contrapartida, entende-se face às regras da experiencia comum que o arguido sabia e queria subtrair bens cujo valor ascendia a 102 euros.
Também no apenso 183/24.4… atendeu-se à inquirição de GG que relatou que viu o arguido no jardim da sua propriedade, não tendo o mesmo chegado a entrar no interior da sua habitação.
Quanto aos factos dados como não indiciados, nesta parte, o Tribunal considerou que inexiste prova para afirmar que a intenção do arguido era subtrair bens cujo valor ascendia a vinte mil euros.
É certo que o arguido encontrava-se em jardim que lhe era alheio mas, para além de se desconhecer como lá se introduziu, não chegou a aproximar-se do interior da residência nem tão pouco se conhece que bens o ofendido dispunha e que valor tinham e muito menos a intenção do arguido.
Neste apenso apenas se pode comprovar que naquele dia o arguido deslocou-se ao jardim exterior da residência do ofendido.
Do apenso 228/24.8…
Os elementos atinente à imputação da prática dos factos ao arguido assenta, essencialmente, das declarações prestadas por HH e II que relatou os factos talqualmente descritos no requerimento de apresentação do Ministério Público.
HH juntou relação dos bens subtraídos e confrontada com fotografias de suspeitos, reconheceu o arguido, como sendo o autor do ilícito.
Por outro lado, no dia e hora dos factos, o arguido encontrava-se a trabalhar no campo de golf onde à ofendida foram subtraídos os seus pertences.
Em suma, todos os elementos probatórios, analisados conjuntamente, pela sua congruência, permitem firmar, a título indiciário, a convicção que os factos terão ocorrido conforme descrito por todos os ofendidos em todos os apensos. Relativamente à intenção do arguido quanto aos factos dados como indiciados, a mesma resulta das regras da experiencia e da normalidade da vida, ante a análise quanto aos demais factos, os mesmos resultam do teor do CRC do arguido e da Certidão judicial de fls. 196 a 260
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Do enquadramento jurídico.
Os factos dados como indiciados são aptos a integrar os tipos legais de crime de que ao arguido vem imputado, quer do posto de vista objetivo quer subjetivo, à exceção do apenso 183/24.4….
Pelo exposto cometeu o arguido AA
- Um crime de furto qualificado na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 75.º, 76.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. e) do Código Penal por referência ao artigo 202.º al. e) do Código Penal.
- Dois crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º1, 22.º, 23.º, 26.º, 75.º, 76.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. e) do Código Penal por referência ao artigo 202.º al e) do Código Penal.
- Um crime de furto na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 75.º, 76.º e 203.º, n.º 1 do Código Penal.
No que concerne ao apenso 183/24.4…, nesta fase e com os elementos de que dispomos, consideramos que ao arguido deverá ser imputada a prática do crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal.
Vejamos.
O elemento do tipo objetivo que se trate de um espaço vedado, ou seja, de um espaço delimitado por ma barreira física e que tal seja notório.
Compreende-se que assim seja, de modo a tutelar as situações em que essa privacidade não resulte evidente, por não se perceber que o espaço esta delimitado e que não é admissível o seu aceso livre.
Tal barreira pode consubstanciar múltiplas formas, como por exemplo, um muro, uma sebe, uma rede, um portão.
Para que se verifique o preenchimento deste tipo legar de crime, é, ainda, necessário que essa entrada seja abusiva ou arbitrária, designadamente, sem consentimento, ou que o agente se recuse a retirar-se do mesmo, depois de instado a fazê-lo.
Em síntese, são elementos objetivos do crime:
- O penetrar;
- Ou permanecer;
- Contra a vontade, expressa ou presumida, do detentor do mesmo;
- Em espaço fisicamente delimitado por uma barreira física, contínua ou descontínua.
O elemento subjetivo deste tipo legal de crime exige o dolo, em qualquer uma das suas modalidades.
Considerando a factualidade indicada, e com os elementos de que dispomos, apenas resultou indiciado que o arguido, de modo não apurado, penetrou e permaneceu no jardim exterior da habitação do ofendido GG, sem que este lhe desse qualquer autorização, uma vez que mal se apercebeu da sua presença encetou fuga.
Das exigências cautelares
Cumpre, agora, apurar se existe necessidade de aplicação de uma medida de coação em simultâneo com o TIR já prestado.
À luz dos princípios constitucionais conformadores do sistema processual penal, as medidas de coação, enquanto restrições à liberdade de alguém que se presume inocente (artigo 32.º, n.º 2 da CRP), não são, nem podem ser, uma forma de antecipação da responsabilização e punição penal e só se justificam como meio de tutela de necessidades de natureza cautelar – art. 191.º, n.º 1 CPP, ínsitas às finalidades últimas do processo penal: a realização da justiça, através da descoberta da verdade material de um modo processualmente válido, e o restabelecimento da paz jurídica.
Como corolário do estatuído pelo artigo 193.º do CPP, a doutrina tem seguido o entendimento de que são três os principais aí erigidos como indispensáveis à aplicação das medidas de coação:
- O princípio da adequação, nos termos do qual se exige que a medida a selecionar deve ser a mais ajustada às exigências cautelares requeridas pelo caso concreto;
- O princípio da proporcionalidade, dita que a medida deve atender à gravidade do crime e às sanções que se prevê venham a ser aplicadas.
- O princípio da subsidiariedade, determina que a medida de prisão preventiva, como a mais grave da escala, só em última instância deve ser utilizada, ou seja, quando as demais forem julgadas inadequadas ou insuficientes para a situação concreta – critério da última ratio (S. Santos e Leal H., Código de Processo Penal, Anotado, Rei dos Livros, I, pág. 957.)
A todos acresce, ainda, o principio da legalidade, previsto no artigo 191.º, n.º 1 CPP e cujo corolário lógico é o da tipicidade e o carácter taxativo das medidas elencadas na lei.
Para além dos princípios gerais enformadores da aplicação de uma medida de coação, a lei processual penal exige, ainda, para a generalidade das medidas que mais gravemente afetam direitos fundamentais dos arguidos que, das diligências efetuadas nos autos, resultem fortes indícios da prática do ilícito criminal subjacente à reação penal.
Ora, indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, e conforme às regras da experiência e da vida, pelo método indutivo, se obtém a conclusão firme, segura e sólida de um outro facto (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/09/2007, proferido no processo n.º 07P4588, disponível em www.dgsi.pt).
A par, e a acrescer aos pressupostos previstos para cada uma das medidas de coação do catálogo legal, há que apurar se, em concreto se verificam os requisitos elencados no art. 204.º CPP, no momento da respetiva aplicação, quais sejam:
a) “Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas”
Aqui chegados, importa apurar das concretas exigências cautelares que os presentes autos requerem em relação ao arguido.
- Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa com factos da mesma natureza:
O perigo de continuação da atividade criminosa verifica-se sempre que existam factos ou circunstâncias, que não sejam simplesmente conjeturais, donde resulte que em face da personalidade do arguido e circunstâncias dos factos seja formulado um juízo de prognose que aponta com forte probabilidade para a prática de factos crime.
Trata-se de uma conduta que em de ser expectável com certa intensidade e tal perigo existe quando se verifica a demonstração lógica e racional segundo as máximas da experiência no caso concreto tendo por base elementos objetivos onde se possa inferir que o arguido em liberdade continuaria a atividade criminosa com factos da mesma espécie.
No caso concreto, é intenso o perigo de continuação da atividade criminosa.
Analisando o CRC junto aos auto facilmente se percebe que o arguido já é recorrente da prática de crimes contra o património tendo já cumprido uma pena de 16 anos de prisão efetiva, voltando a reincidir.
Na verdade, o modo reiterado e contínuo que o arguido vem praticando crimes contra o património, num curto espaço de tempo, leva-nos a crer que se não for alvo de um travão, o mesmo continuará a persistir com estas condutas.
Em face do vertido, o arguido revela que continua e continuará a delinquir demonstrando total incapacidade de reflexão sobre o desvalor das usas condutas, permitindo- nos concluir, assim, por um juízo de prognose de forte probabilidade da prática de factos da mesma natureza.
Quanto ao perigo de perturbação da tranquilidade pública – cf. art. 204.º, al c), do Código Processo Penal:
Conforme vem sendo entendido e sublinhado pela doutrina e pela doutrina e pela jurisprudência, este perigo existe a verificação de circunstâncias particulares que, em concreto, tornem previsível a alteração da ordem e tranquilidade públicas, não bastando a convicção de que certo tipo de crimes poderá, em abstrato, causar emoção ou perturbação públicas.
No caso em concreto, considerando que o arguido praticou tais delitos em dias consecutivos, muitas vezes à luz do dia e na mesma zona geográfica, introduzindo-se, em habitações e subtraindo os bens lá deixados, é compreensível que gere intranquilidade e receio dos moradores da ….
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Das medidas de coação
Chegados a este ponto, importa determinar qual a concreta medida de coação a aplicar ao arguido.
Porém, adianta-se, desde já que as medidas não privativas da liberdade não são aptas a obstar à continuidade da atividade criminosa e à restauração da paz social.
De facto, verifica-se que no curto espaço temporal em que o arguido esteve em liberdade, o mesmo dedicou-se à prática de vários crimes contra o património após ter cumprido uma pena de prisão efetiva pelo período de 16 anos.
Deste modo, tendo em conta o juízo assente da necessidade de medida privativa de liberdade, o Tribunal considera que, face à gravidade e quantidade dos crimes indiciados e às intensas exigências cautelares evidentes nos autos, deverá o arguido, por ora, aguardar o desfecho do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva.
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Assim sendo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 191.º, n.º 1, 192.º, 193.º, 194.º, 196.º, 198.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, n.º 1, al. a) e d) e 204.º, al. c), todos do CPP, determina-se que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, para além do Termo de Identidade e Residência que já prestado nos presentes autos, à medida de coação de prisão preventiva.».
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3.2 – Nulidade dos reconhecimentos presenciais efetuados
Invoca o recorrente que os reconhecimentos presencias efetuados nestes autos padecem de nulidade por inobservância do formalismo legal, designadamente por o arguido se tratar de pessoa de raça negra e ter sido colocado na linha de reconhecimento com figurantes caucasianos, em nada parecidos consigo.
Cumpre apreciar.
A invalidade processual do reconhecimento presencial de pessoas, enquanto ato (processual) que é, mostra-se regulada, à semelhança de todas as outras do mesmo género, nos arts. 118º e segs. do Cód. Proc. Penal. Tendo em conta que a situação em apreço não se mostra prevista nos arts. 119º e 120º, a conclusão a tirar é que, a não observância dos formalismos previstos no art. 147º, gera a irregularidade do ato (art.118º, nº2), a qual se mostra regulada no art. 123º. Este dispõe que qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termos do processo ou intervindo em algum ato nele praticado.
No caso concreto, o arguido foi assistido por defensor nos atos de reconhecimento presencial a que foi sujeito. E, nesses mesmos atos não foi arguida a sua invalidade. Deste modo, os atos em causa mostram-se processualmente válidos, produzindo os seus efeitos.
Questão diferente é a de saber se efetivamente foram respeitadas todas as exigências previstas no citado art. 147º. É que, independentemente da validade processual do ato, o nº7, estabelece que o reconhecimento que não obedecer ao disposto no artigo em causa não tem valor como meio de prova, seja qual for a frase processual em que ocorrer. Estamos aqui perante uma proibição de prova – nos termos estabelecidos no art. 125º, do Cód. Proc. Penal – e não já perante uma nulidade processual. E, de tal resulta que, ainda que o ato, processualmente, se mostre válido, se numa fase posterior à sua realização, se verificar que alguma das formalidades não foi observada, o mesmo não poderá ser valorado.
No caso em apreço, é invocado que as pessoas colocadas na linha de reconhecimento juntamente com o arguido, não eram, ao contrário dele, de raça negra, o que viola o disposto no art. 147º, nº2, do Cód. Proc. Penal - por não existir entre as pessoas a reconhecer a maior semelhança possível. Pese embora este último conceito não signifique a exigência de uma semelhança absoluta de feições e caraterísticas físicas (que seria, na maioria dos casos, impossível de satisfazer), não temos quaisquer dúvidas de que se o suspeito fosse identificado perentoriamente e sem qualquer ressalva, como pessoa de raça negra e na linha de reconhecimento fossem colocadas, como figurantes, pessoas caucasianas, de pele clara, estaríamos perante uma situação de violação do citado nº2, do art. 147º, que determinaria a proibição de valoração da prova em questão.
Contudo, verifica-se que as duas testemunhas que efetuaram reconhecimento positivos (sem dúvidas) descrevem o suspeito, neste particular, da seguinte forma: “tez morena” e “cor da pele bastante morena, mestiço, parecendo-lhe de etnia africana”. Tais descrições, nos próprios autos de reconhecimento, implicam necessariamente que, na linha de pessoas a reconhecer, não sejam colocadas pessoas de raça negra com um tom de pele tão escuro que não se suscite dúvidas sobre a sua exata raça. Isso sim, seria não dar cumprimento ao preceito legal aqui em apreciação.
Desta forma verifica-se que, consultando o teor do auto, e com os elementos que neste momento constam dos autos, os reconhecimentos aqui em causa obedecem aos formalismos exigidos no art. 147º, motivo pelo qual poderão ser – como foram – valorados.
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3.3 - nulidade dos reconhecimentos fotográficos;
É invocada a nulidade dos reconhecimentos fotográficos. Porém, o que está em causa, não é uma nulidade processual, mas apenas a sua aptidão enquanto meio de prova.
E, nessa parte, nenhuma dúvida existe: o art. 147º, nº, 5, do Cód. Proc. Penal, é perentório ao estipular que, no que nos interessa, o reconhecimento por fotografia só pode valer como meio de prova se for seguido de reconhecimento pessoal. Ou seja, processualmente, o mero reconhecimento fotográfico não é nada, não existindo sequer.
No caso dos autos existem reconhecimentos fotográficos que não foram seguidos de reconhecimento presencial. E, como tal, não poderão ser valorados.
Desta forma importará apurar, no momento próprio, se tais reconhecimentos foram atendidos para efeitos de indiciação do arguido e, em caso afirmativo se, sem a sua valoração, esses indícios subsistem.
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3.4 - Proibição de prova das imagens de videovigilância;
É invocado pelo recorrente que foram usadas imagens de videovigilância de câmaras privadas que se desconhece se se encontram ou não licenciadas. Acresce que as câmaras das residências não estão autorizadas a filmar a via pública
Importa salientar que as imagens recolhidas nos autos, e filmadas por câmaras privadas, mostram o suspeito dos factos no interior dessas mesmas propriedades, a rondar os jardins, piscinas, portas e janelas onde as mesmas estão instaladas e não na via pública, apenas a passar à porta ou nas redondezas. Ou seja, foi o suspeito dos factos que se colocou em espaço privado e reservado, ao alcance das câmaras que aí se encontram e não as câmaras que o procuraram alcançar, a ele ou a qualquer outra pessoa, na via pública. E, além destas, existem também imagens retiradas de espaços públicos. Ora, tem sido entendimento generalizado na jurisprudência, com o qual concordamos inteiramente, que: «I - A obtenção de imagens (da arguida) através do sistema de videovigilância, instalado para proteção da integridade física de quem residia na habitação assaltada e dos bens que aí se encontrassem, não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, porque existe justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diz respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada. II – Por isso, tais imagens, incluindo os fotogramas obtidos através de tal sistema, podem ser validamente utilizadas como meio de prova. (Ac. do TRE de 11/11/14, Relatora: Maria Filomena Soares). E, tal entendimento estende-se às situações em que as câmaras de videovigilância se encontram em locais públicos: «Não constitui prova proibida nem é ilícita a captação de imagens por aparelho de videovigilância, se esta captação não ocorre em local privado, mas antes para local acessível ao publico e os acontecimentos filmados não atingem o núcleo essencial da intimidade da vida privada.» - Ac. do TRP, de 11/10/2017, Relatora: Maria dos Prazeres Silva.
Por último, salienta-se que nesta fase processual, nada consta dos autos que nos permita concluir pela falta de licenciamento das câmaras em causa.
Mas, ainda que assim fosse, e como se pode ler no sumário do Ac. do TRP, de 16/10/24, Relator: Maria João Lopes:
«I - A Lei n.º 58/2019, de 8/08, não define a licitude ou ilicitude da recolha ou utilização das imagens, sendo que a existência ou inexistência da licença concedida pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) para a colocação de câmaras de videovigilância integra, apenas, desrespeito pela legislação de proteção de dados.
II - Não consubstancia prova proibida aquela que foi obtida através de videovigilância quando este sistema mecânico tenha por finalidade a proteção do património perante situações de tentativa de furto e não esteja colocado em local privado ou em local parcialmente restrito, mesmo que não esteja licenciado pela CNPD.”
Em suma, não se verifica qualquer situação de proibição de prova.
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3.5 - Violação do princípio “ne bis in idem”
Invoca o recorrente que, por os antecedentes criminais do arguido constarem da indiciação dos factos, para efeitos de reincidência, se verifica a violação do princípio “ne bis in idem”.
Este princípio e a reincidência são dois conceitos jurídicos distintos no sistema judicial português que não se mostram contraditórios sendo, antes pelo contrário, compatível a sua coexistência no mesmo ordenamento jurídico.
O princípio “ne bis in idem”, consagrado no art. 29º, nº5, da Constituição da República Portuguesa trata-se de um princípio fundamental do sistema judicial que proíbe que uma pessoa seja alvo de procedimento criminal ou condenado mais do que uma vez pelos mesmo factos que constituem um crime.
A reincidência, por seu turno, constitui uma circunstância agravante no direito penal português que se verifica, em determinadas circunstâncias, especificamente previstas, quando alguém comete um novo crime e distinto, após ter sido condenado por outro. Não viola, nem sequer belisca, o aludido princípio pois aplica-se a um novo crime, diferente e subsequente àquele pelo qual ocorreu o julgamento e a condenação. Não implica um novo julgamento pelo crime anterior, mas antes uma agravação (verificados os respetivos pressupostos) da pena relativamente ao novo crime. A reincidência, não julga os factos antigos, limitando-se a considerar o “histórico” criminal do seu agente, aquando da fixação da medida concreta da pena.
No caso concreto, verificando-se os factos que pressupõem (em abstrato) a aplicação da reincidência, os mesmos deverão constar da indiciação. E, como se viu, tal não constitui um novo julgamento de tais factos. Não existe por isso qualquer violação do princípio em causa.
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3.6 - Verificação dos pressupostos legais de aplicação da medida de coação de prisão preventiva
De acordo com o disposto no art. 191º, nº1, do Cód. Proc. Penal, a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e garantia patrimonial previstas na lei.
O termo de identidade e residência, previsto no art. 196º, do Cód. Proc. Penal, é uma medida de coação que é aplicável a todos aqueles que são constituídos arguidos, sem que para tal se exija a verificação de qualquer outro pressuposto.
Todas as demais medidas de coação revestem natureza cautelar pressupondo, sempre, para a sua aplicação, a existência de efetivos indícios da prática de um crime (nalguns casos de “fortes indícios”) e, só podem ser aplicadas nos casos previstos no art. 204º, do mesmo diploma legal, i.é, quando se verificar fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do processo na fase de inquérito ou instrução, nomeadamente para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e, em função da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, perigo de continuação da atividade criminosa ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.
Assim, antes de apreciar da necessidade e/ou adequação de qualquer medida de coação, importa aferir da existência de indícios sérios da prática de qualquer crime – pressuposto prévio e essencial à sua aplicação.
No caso concreto julgou-se suficientemente indiciada a prática pelo arguido dos factos descritos, os quais indiciam a verificação de:
- 1 crime de furto qualificado na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14º, nº1, 26º, 75º, 76º, 203º, nº1, 204º, nº2, al.e). por referência ao artigo 202º, al. al e);
- 2 crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14º, nº1, 22º, 23º, 26º, 75º, 76º, 203º, nº1, 204º, nº2, al.e). por referência ao artigo 202º, al. al e);
- 1 crime de furto na forma consumada, p. e p. pelos arts. 14º, nº1, 26º, 75º, 76º e 203º;
- 1 crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191º,
todos do C. Penal.
Vejamos.
Proc. Principal – 574/23.8GFLLE
Os factos aqui em causa ocorreram no dia 25 de agosto de 2023, na Rua …, nº…, …. Esta casa é contígua à situada no lote …, sendo de fácil acesso através deste. E das imagens recolhidas na câmara de vigilância existente neste lote verifica-se, de forma clara, a presença do arguido, no interior desta propriedade, percorrendo diversos espaços da mesma. As imagens são nítidas, permitindo desta forma, a identificação da pessoa em causa. Acresce que dos depoimentos dos seus proprietários resulta que os mesmos não o conhecem, não sendo pessoa das suas relações nem com qualquer motivo para se encontrar nesse local, motivo aliás que, no dia em causa, os levou a interpelá-lo para que saísse da sua propriedade o que ele, depois de recusar, acabou por aceitar embora com relutância.
Por outro lado, a descrição que é feita da pessoa em causa, coincide com a do arguido e, posteriormente, na busca realizada a sua casa foram encontradas e apreendidas peças de roupa semelhantes às que são visíveis nos fotogramas e que coincide com a descrita pelas testemunhas.
Processo 227/23.7…
Os factos aqui em causa ocorreram no dia 14/4/23. Na mesma zona que os anteriores (…). Das imagens de videovigilância é possível ver um individuo a saltar o muro da propriedade e a preparar-se para entrar em casa. Essa pessoa, aciona o alarme da residência o que leva o vigilante ali em funções a deslocar-se ao local. Aqui, o vigilante vê uma pessoa a entrar num veículo, a inverter o sentido de marcha e, ao passar por si, consegue visualizá-lo perfeitamente e anotar a matrícula do carro. Este carro mostrava-se, à data dos factos, registado em nome do arguido. E, em sede de reconhecimento pessoal, a testemunha (vigilante) reconheceu, sem margem para dúvidas, o arguido, como sendo a pessoa que viu nas condições descritas.
Processos 169/… e 183/…
Os factos aqui em causa ocorreram no mesmo dia, 21/3/24, em locais próximos (também zona de …), com um intervalo de cerca de 45 m. Em ambos os casos, a pessoa tentou entrar nas residências, sendo surpreendido pelos respetivos proprietários. Estes descrevem essa pessoa de forma em tudo semelhante e, no que respeita à roupa, de modo idêntico. Não se suscitam, pois, quaisquer dúvidas de que se tratou da mesma pessoa, que praticou a totalidade dos factos. A descrição feita por ambas as testemunhas, além de ser semelhante entre si, coincide com a descrição que as testemunhas dos demais processos fazem do arguido (o qual, repete-se, no primeiro dos locais é gravado e visto na casa contígua e, no segundo, é visto e reconhecido presencialmente. Acresce que a zona em que os factos ocorrem é a mesma em que ocorreram os demais e o modo de atuação em tudo semelhante. Assim, pese embora não exista reconhecimento pessoal (e o fotográfico não tenha qualquer validade, como acima se deixou dito), existem indícios suficientes, nos moldes explanados, que permitem imputar a prática de tais factos ao arguido.
Processo 228/…
Estes factos ocorreram em 25/5/24, no Campo de Golf de …. À data e hora em que ocorreram o arguido encontrava-se a trabalhar nesse mesmo local, tal como resulta de declaração emitida pela sua então entidade patronal. A ofendida viu uma pessoa junto do carro de golf no momento em que os bens que aí deixou desapareceram e, mais tarde, reconheceu presencialmente e sem quaisquer dúvidas, o arguido como sendo essa mesma pessoa.
Conclui-se desta forma pela existência de fortes indícios de que o arguido praticou a totalidade dos factos descritos, os quais por sua vez se mostram aptos a integrar a prática dos crimes indicados, tal como consta da decisão recorrida.
Vejamos então se se verificam os pressupostos previstos no art. 204º, do Cód. Proc. Penal, e que se mostram aqui em causa.
Entendeu o Tribunal recorrido existir perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação da tranquilidade pública.
Concorda-se inteiramente.
No que respeita ao perigo de continuação da atividade criminosa, e também como resulta da decisão recorrida, importa salientar que o arguido sofreu já inúmeras condenações pela prática de crimes de idêntica natureza, tendo cumprido uma pena de 16 anos de prisão. Foi libertado em 12 do novembro de 2022 e os primeiros dos factos aqui em causa ocorreram em abril de 2023, ou seja, apenas 4 meses depois. Acresce que se encontrava em período de liberdade condicional até 12 de novembro de 2027.
Ora, mesmo sabendo que em caso de condenação por novo crime poderia ver revogada a liberdade condicional e, consequentemente, cumprir os 5 anos de prisão que restam até ao termo da pena, o arguido, muito pouco tempo depois de ser restituído à liberdade, voltou a delinquir.
Face a este contexto concreto, pode-se concluir que, também em concreto, e face à personalidade manifestada pelo arguido, se verifica um sério perigo de continuação da atividade criminosa.
Por outro lado, é evidente que a introdução e assalto a moradias, mesmo com a presença dos seus proprietários no local, quer de noite, quer durante o período do dia, e em determinada zona concreta, são circunstâncias aptas a, de modo justificado, gerar insegurança e intranquilidade junto da comunidade local.
Assim, também nesta parte nenhum reparo há a fazer à decisão recorrida.
Tendo em conta que se verificam os pressupostos necessários à aplicação de medida de coação de gravidade superior a TIR, importa agora verificar qual aquela que se mostra adequada.
Os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade devem presidir à opção pela medida de coação a aplicar, tal como resulta do art. 193º, do Cód. Proc. Penal. Tal significa que a medida deve ser adequada à proteção das exigências cautelares que se verificam no caso concreto e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas – sem esquecer, porém, que as medidas de coação privativas da liberdade não constituem uma qualquer antecipação da eventual pena. Estas, por outro lado apenas são admissíveis se outras, menos graves, se mostrarem de todo inadequadas ou insuficientes. E, neste último caso, apenas se poderá recorrer à prisão preventiva se também a obrigação de permanência na habituação se revelar insuficiente.
No caso concreto.
Os perigos concretos que se verificam, e já identificados, apenas conseguirão ser contidos com a aplicação de uma medida privativa da liberdade – que impeça efetivamente (fisicamente) o arguido de continuar a praticar crimes. Com efeito, como se viu, o arguido encontra-se em liberdade condicional e isso, em nada o inibiu de adotar as condutas aqui em causa. Assim, todas as outras medidas se mostram insuficientes e, como tal, inadequadas.
Acresce que os crimes em causa revestem extrema gravidade, o que claramente decorre das penalidades aplicáveis e do que resulta que a aplicação de medida privativa de liberdade se mostra proporcional.
Por tudo o que se deixa dito, decisão recorrida mostra-se correta. O recurso improcederá.
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4 – Decisão
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso mantendo-se, nos seus precisos termos, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça, tendo em conta a simplicidade da causa, em 3 UC (arts. 513º, nº1, do Cód. Proc. Penal e art.8º, nº9, do Reg. Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
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Évora, 25 de março de 25
Carla Oliveira (Relatora)
Manuel Soares (1ºAdjunto)
Carla Francisco (2ª Adjunta)