RECUSA DE JUÍZ
Sumário


A discordância quanto ao decidido, pelo Juiz, relativamente a questões processuais, sendo tais decisões passíveis de impugnação pelos mecanismos processuais próprios, não basta, só por si, para questionar a falta de imparcialidade do Juiz, ou seja, para se poder afirmar que existe um motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança na comunidade sobre a imparcialidade do Juiz. .

Texto Integral

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO

i. AA veio apresentar, no Juízo de Competência Genérica do … e no dia 17/03/2025, requerimento de RECUSA, subscrito pela sua ilustre mandatária judicial e dirigido a este Tribunal da Relação de Évora, deduzido contra a Juiz de Direito em funções naquele Tribunal, Dra. BB, com os seguintes fundamentos (transcrição):

“AA, Arguido no processo à margem referenciado e nele melhor identificado, vem, nos termos e para os efeitos do que decorre do disposto no artigo 43.º, n.º 1 e 3 do CPP ex vi artigo 121.º, n.º 1 e 2 CPC, deduzir INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO, por considerar existirem sérias dúvidas sobre a isenção por que se deve pautar um JUIZ no âmbito dos presentes autos, o que faz nos termos e pelos fundamentos que se seguem:

I. ENQUADRAMENTO FATUAL

O presente processo é instaurado contra o aqui arguido e o arguido CC.

Esse processo, como se verifica tanto pela investigação, como pela acusação e em especial conforme decorre do ponto 28. do próprio despacho de pronúncia, culmina em fatos ocorridos no dia 6 de Junho de 2017, pelas 10h50m, em ….

Sendo por isso este o local onde foi praticado o último acto susceptivel de integrar a factualidade típica dos tipos de crime que são imputados ao(s) arguido(s).

O que determina a incompetência territorial do Juízo de Competência Genérica do …, para realizar a audiência de julgamento.

Conforme decorre do n.º 3 do Artigo 19.º do Código Penal, “Para conhecer de crime que se consuma por actos sucessivos ou reiterados, ou por um só acto susceptível de se prolongar no tempo, é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último acto ou tiver cessado a consumação”.

Igual entendimento resulta do Tribunal da Relação de Évora, vertido no seu Douto Acórdão, processo n.º 277/12.9GBPSR-A.E1, datado de 05 de Junho de 2018, ao referir no respetivo sumário que “O tribunal competente para conhecer de uma continuação criminosa é o da área onde se realizou o último acto integrado na continuação”.

Mais,

Conforme entendimento do Tribunal da Relação do Porto, que decorre do Douto Acórdão com o processo n.º 431/10.8GAPRD-AI.P1, datado de 26-09-2012, “A circunstância do juiz de instrução se ter pronunciado pela competência territorial do seu tribunal não é impeditiva de que, até ao início da audiência, o juiz do julgamento conheça e se pronuncie de modo diverso sobre a competência territorial do tribunal a que preside.”

Ao que a Meritíssima Juiz indeferiu o requerimento apresentado pelo arguido AA.

E igualmente grave, nem sequer deu o exercício do direito do contraditório às respetivas partes processuais sobre a questão em concreto.

10º

Sonegando qualquer notificação às partes processuais sobre o requerido – incompetência territorial do tribunal - e violando flagrantemente o disposto no artigo 327.º CPP.

Mas mais,

11º

O mandatário Sr. Dr. DD renunciou ao mandato conferido pelo arguido AA.

12º

Todavia, de tal ato o arguido AA não foi sequer notificado!

13º

Ficando impedido de conhecer a renúncia e a possibilidade de constituir um novo mandatário.

14º

Ao invés, numa atitude de “quero, posso e mando” e parcialidade inegável, a dois dias da audiência de julgamento, a Meritíssima Juiz entendeu nomear um mandatário oficioso ao arguido AA.

15º

Sobrepondo-se à lei e violando clamorosamente o direito constitucional da livre possibilidade do arguido constituir mandatário no prazo legal de 20 dias (artigo 62.º, n.º 1 CPP ex vi artigo 47.º CPC).

16º

Desconhecendo o arguido o seu mandatário, o que impossibilita a sua defesa condigna, bem como, o próprio mandatário desconhecendo os presentes autos.

17º

Tudo de molde a fragilizar o arguido e a impossibilitá-lo de assegurar a sua defesa.

18º

Ora, de particular relevância é o direito a garantir que a ação judicial, em especial, num processo-crime, é instruída e dirigida de forma isenta e imparcial;

19º

Por essa razão as garantias de imparcialidade e isenção apresentam aqui uma relevância qualificada;

20º

Relevância essa que foi manifestamente desconsiderada (conforme melhor exposto infra) pelas decisões tomadas pela Meritíssima Juiz.

21º

O incidente de suspeição, pelas concretas exigências que convoca e pelo bem jurídico que visa proteger reclama precisamente uma decisão especialmente imparcial de modo a acautelar a isenção objetiva do processo;

22º

A sua recusa e indeferimento prejudicou sobremaneira o direito de defesa do arguido AA, e dessa forma, coloca em causa a isenção e imparcialidade que se consideram inexistentes no que aos presentes autos diz respeito;

23º

As garantias subjacentes ao direito de deduzir incidente de suspeição e de o Arguido ter confiança na isenção do presente processo são manifestações concretas dos direitos de Defesa, aplicáveis por analogia, previstos pelo artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, assim como das prerrogativas constitucionais previstas pelos artigos 266.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa.

24º

Conforme supra referido, nenhuma razão objetivamente atendível existia para que fosse indeferida a incompetência territorial requerida pelo arguido, e mais grave, fosse negado o direito à livre constituição de mandatário pelo arguido, até porque a realização da mesma afigurava-se indispensável para a realização da sua defesa.

25º

É cristalino da atuação da Meritíssima Juiz que a(s) sua(s) decisões não assentaram em quaisquer razões objetivas (quer de direito, quer prático-processuais), mas antes em considerações e motivações pessoais, parciais e subjetivas e violadoras dos direitos do arguido.

23º

As garantias subjacentes ao direito de deduzir incidente de suspeição e de o Arguido ter confiança na isenção do presente processo são manifestações concretas dos direitos de Defesa, aplicáveis por analogia, previstos pelo artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, assim como das prerrogativas constitucionais previstas pelos artigos 266.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa.

24º

Conforme supra referido, nenhuma razão objetivamente atendível existia para que fosse indeferida a incompetência territorial requerida pelo arguido, e mais grave, fosse negado o direito à livre constituição de mandatário pelo arguido, até porque a realização da mesma afigurava-se indispensável para a realização da sua defesa.

25º

É cristalino da atuação da Meritíssima Juiz que a(s) sua(s) decisões não assentaram em quaisquer razões objetivas (quer de direito, quer prático-processuais), mas antes em considerações e motivações pessoais, parciais e subjetivas e violadoras dos direitos do arguido.

II. DO DIREITO

26º

É notório que a administração da Justiça é impensável sem um Tribunal independente e imparcial - artigo 203.° da CRP - e a imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo - artigo 10. ° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 14. °, n° 1, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e artigo 6. °, n° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

27º

De harmonia com o disposto no n.° 1 do art. 43. °do CPP a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade regra que, constituindo exceção ao princípio do juiz natural (art. 32.° n.° 9 da Constituição), configura uma garantia fundamental do processo criminal, nomeadamente porque inserida no âmbito da proteção dos direitos de defesa, não só para proteção da liberdade e do direito de defesa do arguido, como dos restantes intervenientes processuais, garantindo o julgamento por um tribunal predeterminado e não criado ad hoc, ou vindo a ser imposto como competente a posteriori.

28º

Ora, na perspetiva das partes, as garantias de imparcialidade referem-se à independência do juiz e à sua neutralidade perante o objeto da causa.

29º

Como é defendido no Ac. do Tribunal da Relação de Évora (Clemente de Lima, processo n° 142/11.7GAOLH-A.E1, em http://www.dgsi.pt), datado de 14.07.2017, “Ainda que a independência dos juízes seja, antes do mais, um dever ético-social, uma responsabilidade que tem a dimensão ou a densidade da fortaleza de ânimo, do carácter e da personalidade moral de cada juiz, não pode esquecer-se a necessidade de existir um quadro legal que promova e facilite aquela independência vocacional, por isso que é necessário, além do mais, que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição”.

30º

Citam-se, nesse aresto, diversos autores como o Prof. Figueiredo Dias (em «Direito Processual Penal», 1, 1974, pag. 320), que considera tratar-se de (...) um verdadeiro princípio geral de direito, actuante no domínio da política judiciária, que se esconde atrás de toda a matéria respeitante aos impedimentos e suspeições do juiz: o de que é tarefa da lei velar por que, em qualquer tribunal e relativamente a todos os participantes processuais, reine uma atmosfera de pura objectividade e de incondicional jurisdicidade . Manzini (citado por Figueiredo Dias, ob. cit, nota 33, pp. 315/316), invocava que o judex suspectus deve, em vista de qualquer motivo sério, ser dispensado como juiz num processo em que, tendo em conta a força média de resistências às causas internas que possam influir danosamente sobre o julgamento, seja razoavelmente de presumir que possa estar sujeito a paixões ou preocupações contrárias à recta administração da justiça.

31º

Também, o Prof. Cavaleiro de Ferreira (no «Curso de Processo Penal», 1986, pp. 141/142) considerava que “Não importa que, na realidade, o juiz permaneça imparcial; interessa sobretudo considerar se, em relação com o processo, poderá ser reputado imparcial, em razão dos fundamentos de suspeição que a lei indica”.

32º

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sufraga claramente o mesmo princípio a imparcialidade da jurisdição não é só a imparcialidade subjectiva. É também a imparcialidade objectiva que deve ser assegurada (...). Afinal, trata-se da confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar às partes (...). Deve pois recusar-se qualquer juiz relativamente ao qual se possa legitimamente recear a existência de uma falta de imparcialidade (...). O elemento determinante consiste em saber se as apreensões do interessado podem ter-se como objectivamente justificadas (Caso Hauschildt, cit. no acórdão, do Tribunal Constitucional, n° 52/92, no DR, I-A, de 14-3-92).

33º

Deste modo, como se esclarece nos pontos 22 a 24 do referido Acórdão da Relação de Évora que nos permitimos citar:

“Com efeito, a imparcialidade do juiz e do Tribunal não se apresenta sob uma noção unitária - as diferentes perspectivas, vistas do exterior, do lado dos destinatários titulares do direito a um tribunal imparcial, reflectem dois modos, diversos mas complementares, de consideração e compreensão da imparcialidade: a imparcialidade subjectiva e a imparcialidade objectiva”.

34º

Do lado subjectivo, a imparcialidade tem a ver com a posição pessoal do juiz, pressupondo a demonstração e determinação daquilo que um juiz, integrando um tribunal, pensa e pondera, no seu íntimo foro, perante um certo dado ou circunstância, envolve saber se este guarda em si qualquer motivo que possa determiná-lo a favorecer ou a desfavorecer um interessado na decisão, importando demonstrar ou indiciar, de modo relevante, uma tal predisposição - como, de modo impressivo e incontornável, refere o Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, no voto de vencido tirado no Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Maio de 2003 (Proc. 03P2156, disponível em www.dgsi.pt/jstj), cujos ensinamentos aqui, expressamente, se acompanham, é por isso que a imparcialidade subjectiva se presume até prova em contrário, funcionando os impedimentos, neste conspecto, como modo cautelar de garantia da imparcialidade subjectiva.

35º

Já a perspectiva objectiva, à intervenção no direito processual, suportada no adágio justice must not only be done, it must also be seen to be done, relevando as aparências, faz intervir não apenas considerações de carácter orgânico e funcional, mas também todas as posições com relevância estrutural ou externa que, do ponto de vista de um destinatário da decisão, possam fazer suscitar dúvidas, dando causa ao receio, objectivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum elemento, prejuízo ou preconceito que contra si possa ser negativamente considerado.

36º

Pode, por isso, concluir-se - tal como no citado aresto - que a recusa do juiz natural merece obter provimento quando se demonstre que a intervenção do juiz no processo pode ser considerada suspeita, por se verificar, para tanto, circunstâncias claramente definidas de motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, reveladoras de que o juiz pré definido como competente (de modo aleatório) deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção.

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

37º

A(s) decisão(ões) ora reclamadas aparentam considerar que o incidente de suspeição suscitado pelo Arguido pretende discutir questões essenciais para o direito à sua defesa.

38º

Esta circunstância demonstra o cuidado com que foi analisado e ponderado o incidente deduzido.

39º

A Exma. Sra. Meritíssima Juiz de Direito violou as exigências de isenção e imparcialidade que sobre si impendem por:

1) Ter violado e colocado em causa o direito ao contraditório das partes processuais;

2) Ter violado e colocado em causa o princípio da competência territorial do tribunal;

3) Ao decidir como decidiu, violou clamorosamente o livre direito do arguido de constituir mandatário, de molde a assegurar o seu direito à defesa;

40º

O tom e a atuação da Meritíssima Juiz de Direito inquina per se e ipso facto todo o processo, mais do que justificando a procedência do incidente aqui deduzido.

41º

A partir do momento em que qualquer interveniente processual suscita um incidente de suspeição, o processo suspende-se automaticamente até decisão desse incidente, sendo apenas possível a prática de atos processuais urgentes.

42º

Isto decorre ope legis do art. 45.º, n.º 2 CPP.

43º

Qualquer interveniente de boa fé no momento em que a sua isenção e imparcialidade procedimentais são colocadas em questão deve remover-se do procedimento até decisão final, como se requer.

44º

Pois que, a justiça deve enraizar-se na confiança e como é referido pela jurisprudência norte-americana: A Justiça deve satisfazer a aparência da Justiça.

Nestes termos e nos mais de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas. requer mui respeitosamente se digne determinar procedente o incidente de suspeição deduzido pelo Arguido AA contra a Exma. Sra. Meritíssima Juiz de Direito do processo, determinando o seu afastamento do processo e a revogação de todos os atos praticados pela mesma no âmbito destes autos.

DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS QUE SE REQUER:

1 - Se oficie a junção e análise dos despachos proferidos pela Meritíssima Juiz de Direito quanto ao indeferimento da incompetência territorial do tribunal, e bem assim, se lavre certidão quanto à falta de notificação das partes processuais para contraditório quanto à incompetência territorial do tribunal suscitada;

2 – Se lavre certidão quanto à falta de notificação do arguido quanto à renúncia do mandatário constituído e prazo legal para constituição de novo mandatário, e bem assim, junção e análise dos despachos proferidos pela Meritíssima Juiz de Direito para nomeação de mandatário(s) oficioso(s).

*

ii. Respondeu a Exma. Magistrada Judicial recusada nos seguintes termos:

“Requerimento de 17-03-2025 (ref.ª Citius n.º …):

O arguido AA deduziu o presente incidente de suspeição pelos motivos constantes do requerimento antecedente e que se dá por integralmente reproduzido, ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal.

Cumpre responder, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

Compulsado o requerimento, do mesmo decorre que o seu fundamento se prende essencialmente com a discordância da decisão proferida por este Tribunal de indeferimento do incidente de incompetência territorial para julgar os presentes autos.

Em bom rigor, o requerimento apresentado pelo arguido AA corresponde apenas à manifestação da discordância deste com as decisões preferidas pela signatária nos presentes autos.

No que respeita à decisão sobre a competência territorial deste Tribunal para julgar os autos, quanto à respectiva fundamentação remete-se para o já explanado no despacho proferido a 15-01-2025 (ref.ª Citius n.º …).

O arguido AA não se conformou com o decidido, tendo recorrido por requerimento de 12-02-2025 (ref.ª Citius n.º …).

Donde, entende a signatária que a decisão proferida não suscita qualquer questão quanto à imparcialidade ou isenção do Tribunal.

No mais, e em especial no que respeita ao exercício do direito ao contraditório, a haver qualquer nulidade (não arguida de forma explicita no requerimento), por um lado, tal nulidade não seria uma nulidade insanável (porque não prevista no artigo 119.º do Código de Processo Penal) e, por outro lado, não teria o arguido AA (precisamente quem suscitou a questão da incompetência) legitimidade para arguir qualquer nulidade.

Já no que respeita ao direito do arguido AA a constituir Mandatário, entende-se que tal direito também nunca esteve em causa, como o demonstra o próprio processo.

Em especial quanto à renúncia apresentada por requerimento de 17-02-2025 (ref.ª Citius n.º …) pelo Ilustre Mandatário Dr. DD, a carta de notificação da renúncia ao mandato foi expedida a 18-02-2025 para a morada do TIR do arguido (ref.ª Citius n.º …).

Mesmo não se encontrando ainda junto aos autos o aviso de recepção da referida carta, tal circunstância de forma alguma afecta o direito de defesa do arguido porque, ou se considera que o arguido ainda não foi notificado da renúncia e por conseguinte mantem-se o seu último Defensor constituído ou se considera que já foi notificado da renúncia, a mesma já operou os seus efeitos e fez cessar o mandato e se nomeia Defensor ao arguido, sem prejuízo do seu direito de em qualquer momento constituir novo mandatário.

A este propósito, importa ainda consignar o seguinte quanto à tramitação dos presentes autos:

- os presentes autos respeitam a factos alegadamente ocorridos em 2017 (cfr. decisão de pronúncia com a ref.ª Citius n.º …);

- a decisão de Pronúncia sido recebida neste Tribunal por despacho de 21-10-2024 (ref.ª Citius n.º…);

- por despacho de 26-11-2024 (ref.ª Citius n.º …) procedeu-se à marcação da audiência de julgamento para 21 e 22 de Janeiro de 2025;

- por requerimento de 20-12-2024 (ref.ª Citius n.º …) o Ilustre Mandatário do Arguido AA, Dr. EE, juntou aos autos substabelecimento sem reserva a favor do Ilustre Mandatário Dr. FF;

- por requerimento de 30-12-2024 (ref.ª Citius n.º …) o arguido AA apresentou requerimento de aditamento ao rol de testemunhas;

- por requerimento de 30-12-2024 (ref.ª Citius n.º …) o arguido AA suscitou a incompetência territorial deste Tribunal;

- por requerimento de 30-12-2024 (ref.ª Citius n.º …) o Ilustre Mandatário do arguido AA renunciou ao mandato;

- com vista nos autos o Ministério Público pronunciou-se sobre a invocada incompetência territorial (Promoção com a ref.ª Citius n.º …)

- por despacho de 15-01-2025 (ref.ª Citius n.º …) o Tribunal julgou-se territorialmente competente e manteve a data designada para a realização da audiência de julgamento;

- por requerimento de 20-01-2025 (ref.ª Citius n.º …), o Ilustre Mandatário renunciante do arguido AA requereu o adiamento da audiência de julgamento;

- por despacho de 21-01-2025 (ref.ª Citius n.º …) foi reagendado o julgamento para 11-03-2025, 13-03-2025 e 18-03-2025;

- por requerimento de 22-01-2025 (ref.ª Citius n.º …) o arguido AA constituiu seu Ilustre Mandatário o Dr. DD;

- em face do impedimento do Ilustre Mandatário do arguido CC, por acordo com todos os Ilustres Mandatários, o julgamento foi reagendado por despacho de 30-01-2025 para 18-03-2025, 01-04-2025 e 03-04-2025 (ref.ª Citius n.º …);

- por requerimento de 12-02-2025 (ref.ª Citius n.º …) o arguido AA interpôs recurso do despacho que julgou este Tribunal territorialmente competente;

- por requerimento de 17-02-2025 (ref.ª Citius n.º …) o arguido AA requereu aditamento do rol de testemunhas;

- por requerimento de 17-02-2025 (ref.ª Citius n.º …) o Ilustre Mandatário do arguido AA renunciou ao mandato;

- a carta de notificação da renúncia ao mandato enviada ao arguido AA foi expedida a 18-02-2025 (ref.ª Citius n.º …);

- por despacho de 24-02-2025 (ref.ª Citius n.º …) o recurso apresentado foi admitido, com subida a final, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo;

- por requerimento de 11-03-2025 (ref.ª Citius n.º …) o Ilustre Mandatário renunciante requereu a sua desassociação do processo;

- por despacho de 12-03-2025 (ref.ª Citius n.º …) determinou-se a nomeação de Defensor ao arguido AA.

- por requerimento de 17-03-2025 (ref.ª Citius n.º …) o arguido AA constituiu nova Mandatária.

Donde, desde que os autos foram recebidos neste Tribunal, há 4 meses, o arguido AA constituiu 3 novos Ilustres Mandatários, apresentou dois requerimentos de aditamento ao rol de testemunhas, suscitou dois incidentes (de incompetência territorial e de suspeição) e interpôs um recurso, pelo que, entende a signatária que todos os direitos do arguido têm sido sempre cumpridos e respeitados ao longo do processo, cumprimento espelhado na sua participativa intervenção processual.

Finalmente, a constituição de nova Defensora e a dedução do presente incidente são igualmente demonstrativas de que não está e nunca esteve em causa o direito do arguido AA a constituir Mandatário.

As decisões proferidas pela signatária, cujo mérito será naturalmente melhor apreciado em sede de recurso, foram motivadas, exclusivamente, pelos fundamentos nelas expostos, pelo que entende a signatária que de forma alguma foi colocado em causa qualquer direito do arguido, nem foi praticado qualquer acto que pudesse colocar em causa de forma objectiva ou sequer subjectiva a imparcialidade e isenção do Tribunal, contudo o Venerando Tribunal da Relação melhor decidirá.

*

Para melhor compreensão do que ficou dito instrua o presente incidente com cópia de:

- requerimento de 30-12-2024 (ref.ª Citius n.º …);

- despacho de 15-01-2025 (ref.ª Citius n.º …;

- requerimento de 12-02-2025 (ref.ª Citius n.º …);

- notificação da renúncia ao mandato de 18-02-2025 (ref.ª Citius n.º …);

- despacho de 24-02-2025 (ref.ª Citius n.º …);

- requerimento de 17-03-2025 (ref.ª Citius n.º …);

- cópia do presente despacho.

Notifique.

Após, remeta-se o apenso à Exma. Sra. Juiz Presidente do Venerado Tribunal da Relação de Évora.

*

Em face do que antecede, considerando o disposto no artigo 45.º, n.º 2 do Código do Processo Penal, tendo em conta que se encontrava agendado o dia de amanhã o início da audiência de julgamento, não será possível iniciar o julgamento.

Considerando a proximidade das demais datas agendadas, não se mostrando possível antever quando será decidido o presente incidente e atendendo a que será sempre necessário proceder à reprogramação/nova calendarização da audiência de julgamento, visando evitar a prática de actos inúteis e a realização de deslocações em vão de todos os intervenientes processuais, dão-se sem efeito as datas agendadas para realização do julgamento.

Notifique e desconvoque pela via mais expedita.”.

iii. Colhidos os vistos, foi realizada a competente conferência.

*

II - Factos relevantes para a decisão do presente incidente:

Resultam dos autos as seguintes circunstâncias:

1. No dia 30 de dezembro de 2024, o arguido AA, representado pelo seu Ilustre Mandatário, Dr. FF, apresentou requerimento em que suscitou a incompetência territorial do Juízo de Competência Genérica do …, com os seguintes fundamentos:

“AA, arguido já melhor identificado nos autos à margem e acima referenciados, vem invocar, nos termos e para os efeitos dos Artigos 32.º e 33.º, ambos do Código de Processo Penal, a Incompetência Territorial do Juízo de Competência Genérica do … da Comarca de …, para a realização da audiência de julgamento, o que faz nos seguintes termos:

1. Em 08 de Julho de 2024, foi o arguido, no âmbito dos presentes autos, pronunciado em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, por três crimes de coacção, previstos e punidos pelo n.º 1 do Artigo 154.º do Código Penal.

2. Acontece que para a consolidação dos factos pelos quais o arguido vem pronunciado, bem como para a determinação do Tribunal competente, salvo o devido respeito, foram apenas e só tidos em conta os alegados factos que ocorreram na sede da sociedade “GG”, sita na …, em …, ….

3. De acordo com o iter lógico que decorre dos factos pelos quais o arguido vem pronunciado, alegadamente, o mesmo agiu em “concretização de um plano previamente traçado”, conforme resulta do ponto 24. Do mesmo despacho.

4. Ora, como se verifica tanto pela investigação, como pela acusação e em especial conforme decorre do ponto 28. do próprio despacho de pronúncia, “No dia 6 de junho de 2017, pelas 10h50, os arguidos CC e AA, acompanhados por militares da GNR dirigiram-se à residência de HH e II sita na …, em … e no âmbito do processo 271/17.3…, e em cumprimento de despacho judicial datado de 29 de Maio de 2017, penhoraram e removeram bens ali existentes.”. (negrito e sublinhado nossos)

5. Pelo que, tal alegado plano teve o seu último ato – e a sua consumação – nas circunstâncias de modo e lugar descritas no ponto 28. do despacho de pronúncia, ou seja, em ….

6. Assim, alegadamente, tais factos ocorreram na …, em …, sendo por isso este o local onde foi praticado o último acto susceptivel de integrar a factualidade típica dos tipos que são imputados ao arguido.

7. O que determina a incompetência territorial do Juízo de Competência Genérica do …, para realizar a audiência de julgamento.

Ora vejamos,

8. Conforme decorre do n.º 3 do Artigo 19.º do Código Penal, “Para conhecer de crime que se consuma por actos sucessivos ou reiterados, ou por um só acto susceptível de se prolongar no tempo, é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último acto ou tiver cessado a consumação.”. (negrito e sublinhado nossos)

9. Igual entendimento resulta do Tribunal da Relação de Évora, vertido no seu Douto Acórdão, processo n.º 277/12.9GBPSR-A.E1, datado de 05 de Junho de 2018, ao referir no respetivo sumário que “O tribunal competente para conhecer de uma continuação criminosa é o da área onde se realizou o último acto integrado na continuação” (negrito nosso).

Mais,

10. Conforme entendimento do Tribunal da Relação do Porto, que decorre do Douto Acórdão com o processo n.º 431/10.8GAPRD-AI.P1, datado de 26-09-2012, “A circunstância do juiz de instrução se ter pronunciado pela competência territorial do seu tribunal não é impeditiva de que, até ao início da audiência, o juiz do julgamento conheça e se pronuncie de modo diverso sobre a competência territorial do tribunal a que preside.”.

11. Termos em que deverá V. Exa. declarar a Incompetência Territorial do Juízo de Competência Genérica do … da Comarca de …, remetendo o processo para o Juízo de Competência Genérica de …, da mesma Comarca, por ser este o Tribunal Territorialmente competente.

12. Mais requer, tendo em conta a dedução da presente Incompetência Territorial desse Tribunal, se dê sem efeito a audiência de julgamento, agendada para os dias 21 e 22 de Janeiro de 2025.

Espera deferimento”.

2. No dia seguinte, 31 de dezembro de 2024, o Ilustre Mandatário do arguido veio apresentar requerimento de renúncia ao mandado, nos seguintes termos:

“FF, advogado e mandatário de AA, arguido já melhor identificado nos autos acima e à margem referenciados, vem pelo presente declarar que renúncia ao mandato conferido pelo arguido e cujo original se encontra junto aos autos.

Termos em que requer a notificação do mandante para os efeitos do art.º 47º, do C.P.Civil ex vi do art.º 4º, do C.P.Penal.

Espera deferimento.

O Advogado,

(FF)”.

3. No dia 2 de janeiro de 2025, conforme referência citius …, foi expedida notificação postal para a morada constante do TIR prestado pelo arguido AA, com o seguinte conteúdo:

“Assunto: Notificação

Fica notificado, na qualidade de Arguido, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:

Da renúncia ao mandato apresentada pelo seu ilustre mandatário, de que se envia duplicado – art.º 47.º, nº 1 do Código do Processo Civil, e que produz efeitos a contar da presente notificação.

Deverá assim, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário, - art.º 47.º, nº 3 do Código de Processo Civil, sob pena de, nos termos e para os efeitos do art.º 64º do C. P. Penal, o Tribunal lhe nomear oficiosamente um defensor, tendo neste caso o direito de requerer a concessão de apoio judiciário, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 39.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, advertindo-se de que, se nada requerer ou se for indeferido o pedido de apoio judiciário, fica responsável pelo pagamento dos honorários que o mesmo apresentar para remuneração dos serviços prestados, bem como das despesas.

O prazo é contínuo e inicia-se a partir do dia da assinatura do A/R suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais.

Se tratar de processo urgente, os referidos prazos não se suspendem em férias.

Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.”.

4. Cumprido o contraditório, o Ministério Público pronunciou-se nos autos quanto à suscitada incompetência territorial, lavrando em 7 de janeiro de 2025, a seguinte promoção:

“Por requerimento datado de 30.12.2024 (referência citius …) veio o arguido AA suscitar a incompetência territorial do Juízo de Competência Genérica do … para a realização da audiência de julgamento agendada, porquanto entende o último ato suscetível de integrar a factualidade sub judice ocorreu a 06.06.2027, em … e, a ser assim, e de acordo com o artigo 19.º, n.º 3 do Código Penal, o crime ter-se-á consumado nessa localidade, pelo que o Tribunal competente seria o Juízo de Competência Genérica de ….

Sucede que, e tal como resulta do despacho de pronúncia proferido, designadamente no ponto 29 que citamos “No dia 11 de outubro de 2017, pelas 10h00, os arguidos CC e AA, acompanhados por militares da GNR, voltaram à … identificada em 3. e 4. E desmontaram todos os equipamentos, os quais carregaram para uma carrinha que traziam para o efeito e levaram consigo”, sendo que a … referida em 3 e 4. situa-se na …, em …, …, comarca de ….

Com efeito, o último ato suscetível de integrar a factualidade sub judice ocorreu a 11.10.2027, no … pelo que, e de acordo com o artigo 19.º, n.º 3 do Código Penal, o crime consumou-se nessa localidade.

Promovo, em face do acima exposto, que seja indeferido o requerido pelo arguido porquanto o Juízo de Competência Genérica de … é o competente para julgar os presentes autos.

No mais, e sem prejuízo da renúncia ao mandato por parte do Sr. Dr. FF, advogado e I. Mandatário do arguido AA, promovo que aguardem os autos a realização da audiência de discussão e julgamento agendada.”.

5. O Aviso de Receção referente à notificação mencionada em 3 supra foi devolvido aos autos com a assinatura de pessoa distinta do destinatário, pelo que em 14 de janeiro de 2025 foi expedida notificação postal dirigida ao arguido, com o seguinte teor:

“Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa

Nos termos do disposto no art.º 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera notificado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Receção de que se junta cópia, conforme recebeu a notificação e duplicados legais.

O prazo para constituir mandatário é de 20 Dias (art.º 47.º, nº 3 do Código de Processo Civil) sob pena de:

- Ser ordenada a suspensão da instância, se a falta for do autor ou do exequente;

- O processo prosseguir seus termos aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo advogado, se a falta for do réu, executado ou requerido;

- Extinção do procedimento ou do incidente inserido na tramitação da ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.

Àquele prazo acresce uma dilação de 5 dias por a notificação não ter sido efetuada na pessoa de V. Exa..

O prazo acima indicado é contínuo suspende-se, no entanto, durante as férias judiciais.

Terminando em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.”.

6. No dia 15 de janeiro de 2025, a Sra. Juíza de Direito Dra. BB, proferiu despacho nos autos com, para além do mais, o seguinte teor:

“Requerimento de 30-12-2024 (ref.ª Citius n.º …):

Da alegada incompetência territorial

Pelo requerimento identificado em epígrafe veio o arguido AA invocar a incompetência territorial deste Tribunal, defendendo que a competência é do Juízo de Competência Genérica de …, por ter sido na área de competência deste Tribunal que foi praticado o último acto susceptível de integrar a factualidade típica dos tipos que são imputados ao arguido.

Com vista nos autos, o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido pelo arguido, considerando que o último acto susceptível de integrar a factualidade sub judice ocorreu a 11.10.2027, no … pelo que, e de acordo com o artigo 19.º, n.º 3 do Código Penal, o crime consumou-se nessa localidade, assim concluindo pela competência deste Tribunal (cfr. ref.ª Citius n.º…).

Cumpre apreciar e decidir:

Nos presentes autos, os arguidos AA e CC foram pronunciados pela prática em co-autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo de três crimes de coacção, previstos e punidos pelo artigo 154.º, n.º 1 do Código Penal.

Rege o artigo 19.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, que é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação; ou, tratando-se de crime que se consuma por actos sucessivos ou reiterados, ou por um só acto susceptível de se prolongar no tempo, o tribunal em cuja área se tiver praticado o último acto ou tiver cessado a consumação (n.º 2, in fine).

E de acordo com o artigo 32.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a incompetência do Tribunal é por este conhecida e declarada oficiosamente.

Em caso de incompetência territorial, ela apenas pode ser deduzida e declarada, segundo o n.º 2, b) da mesma norma, até ao início da audiência de julgamento, tratando-se de Tribunal de julgamento.

A entender-se que será competente o tribunal do local onde foi praticado o último acto, de acordo com o despacho de pronúncia, o último acto terá sido praticado no dia 11 de Outubro de 2017 na … sita na …, em …, …, na área de competência territorial do Juízo de Competência Genérica de ….

Sem prejuízo, mesmo a entender-se que a consumação do crime de coacção se basta com o simples início da execução da conduta1, de acordo com o despacho de pronúncia, também os actos que materializam o início da conduta coagida ocorreram na referida … sita na …, em …, … e, portanto, na área de competência territorial do Juízo de Competência Genérica de ….

Em face ao exposto, é este Tribunal o tribunal territorialmente competente para o julgamento dos presentes autos, o que se declara, indeferindo-se o requerimento apresentado pelo arguido AA.

Notifique.

*

Requerimento de 31-12-2024 (ref.ª Citius n.º …):

Tomei conhecimento de que foi apresentada nos autos pelo Ilustre Defensor constituído pelo arguido AA, Sr. Dr. FF, requerimento de renúncia ao mandato.

A renúncia já foi notificada ao arguido.

Não obstante tal renúncia, o patrocínio mantém-se até 20 dias após a notificação desta2, pelo que a defesa do arguido AA está devidamente assegurada.

Aguardem os autos pelo julgamento já agendado.”.

7. O despacho mencionado em 6. supra foi notificado ao Ilustre Mandatário do arguido, Dr. FF, por via postal remetida em 16 de janeiro de 2025;

8. No dia 20 de janeiro de 2025, o Ilustre Mandatário do arguido, Dr. FF, apresentou nos autos requerimento de adiamento da audiência de julgamento, com o seguinte teor:

“FF, advogado com escritório na …, em …, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:

1-Encontra-se designado para os próximos dias 21 e 22 de Janeiro de 2025, a audiência de discussão e julgamento do presente processo.

2- Sucede que o signatário por motivo de doença súbita acometida no decurso desta noite, que o obrigou e deverá obrigar a permanecer em casa nos próximos dias, está impossibilitado de comparecer na audiência de discussão e julgamento, designada para o dia de amanhã e seguinte, protestando desde já juntar o respetivo atestado médico.

3- Assim e face à impossibilidade da sua presença, vem o mesmo requerer que se considere justificada a sua falta, requerendo igualmente o adiamento da audiência de discussão e julgamento para uma outra data, de acordo com a disponibilidade de agenda do Tribunal.”.

9. Na sequência de tal requerimento de adiamento da audiência e em 21 de janeiro de 2025, a Sra. Juíza de Direito Dra. BB, proferiu despacho nos autos com, para além do mais, o seguinte teor:

“Requerimento de 20-01-2025 (ref.ª Citius n.º …):

Tomei conhecimento do pedido de adiamento do julgamento agendado nestes autos para a presente data e para o dia de amanhã, por motivos de saúde do Ilustre Mandatário do Arguido AA, cujo comprovativo protestou juntar.

Em face do exposto e atendendo aos fundamentos invocados, dão-se sem efeito as datas designadas para a realização da audiência de discussão e julgamento nos presentes autos.

Consigna-se que os Ilustres Mandatários dos Demandantes, presentes neste Tribunal à hora agendada para a diligência se comprometeram a desconvocar as testemunhas por si indicadas.

De igual modo, o Arguido CC igualmente se comprometeu a desconvocar as testemunhas por si indicadas.

Assim, desconvoque pela via mais expedita as testemunhas indicadas pelo Ministério Público (não comuns com os Demandantes) e a última testemunha indicada pelo arguido AA.

Notifique e D.N.

*

(…)

Da marcação de julgamento

Para a realização de audiência de julgamento designam-se os próximos dias 11-03-2025, 13-03-2025 e 18-03-2025, com a seguinte distribuição de trabalhos:

(…)

Não constituindo o arguido AA Defensor até dia 30 de Janeiro de 2025, solicite à Ordem dos Advogados a nomeação de Defensor ao arguido.”.

10. O despacho mencionado em 9. supra foi notificado ao Ilustre Mandatário do arguido, Dr. FF, por via postal remetida em 22 de janeiro de 2025;

11. Posteriormente, nesse mesmo dia 22 de janeiro de 2025, pelas 17H45m51s, por via eletrónica com a referência …, foi junta aos autos procuração forense pela qual o arguido AA constituiu como seu novo mandatário o Exmo Sr. Dr. DD, Advogado;

12. Na sequência de impedimento do Ilustre Mandatário do coarguido, o julgamento dos autos voltou a ser reagendado, por despacho de 30 de janeiro de 2025, sendo este notificado ao novo mandatário do arguido, Dr. DD, por via postal expedida em 03-02-2025;

13. Em 12 de fevereiro de 2025, o arguido AA, em requerimento subscrito pelo seu Ilustre Mandatário Dr. DD, veio interpor recurso do despacho mencionado em 6 supra (despacho que indeferiu a arguição de incompetência territorial do Tribunal), requerendo a fixação de efeito suspensivo;

14. Em 17 de fevereiro de 2025, o Ilustre Mandatário do arguido veio apresentar renúncia ao mandato, nos seguintes termos:

“DD, Advogado mandatário de AA, Arguido no processo em epígrafe, considera que não estão reunidas as condições para assegurar condignamente o mandato, pelo que, vem requerer, a V.Ex.a, a renúncia à Procuração Forense dos poderes conferidos por AA.”

15. No dia 18 de fevereiro de 2025, conforme referência citius …, foi expedida notificação postal para a morada constante do TIR prestado pelo arguido AA, com o seguinte conteúdo:

“Assunto: Notificação

Fica notificado, na qualidade de Arguido, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:

Da renúncia ao mandato apresentada pelo seu ilustre mandatário, de que se envia duplicado – art.º 47.º, nº 1 do Código do Processo Civil, e que produz efeitos a contar da presente notificação.

Deverá assim, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário, - art.º 47.º, nº 3 do Código de Processo Civil, sob pena de, nos termos e para os efeitos do art.º 64º do C. P. Penal, o Tribunal lhe nomear oficiosamente um defensor, tendo neste caso o direito de requerer a concessão de apoio judiciário, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 39.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, advertindo-se de que, se nada requerer ou se for indeferido o pedido de apoio judiciário, fica responsável pelo pagamento dos honorários que o mesmo apresentar para remuneração dos serviços prestados, bem como das despesas.

O prazo é contínuo e inicia-se a partir do dia da assinatura do A/R suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais.

Se tratar de processo urgente, os referidos prazos não se suspendem em férias.

Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.”.

16. No dia 24 de fevereiro de 2025, foi proferido despacho a admitir o recurso interposto e referido em 13 supra, com o seguinte teor:

“Requerimento de interposição de recurso (ref.ª Citius n.º …):

Por ter legitimidade, estar em tempo e ser a decisão recorrível, admite-se o recurso interposto pelo arguido AA, o qual sobe a final 3, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto pelos artigos 399.º, 401.º, n.º1, al. b), 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 3 e 408º, este a contrario e ainda 411.º, n.º 1 , todos do Código de Processo Penal.

Entendia o arguido que o recurso teria efeito suspensivo.

Ora, nos termos do artigo 408.º do Código de Processo Penal, têm efeito suspensivo do processo:

“a) Os recursos interpostos de decisões finais condenatórias, sem prejuízo do disposto no artigo 214.º;

b) O recurso do despacho de pronúncia, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º

2 - Suspendem os efeitos da decisão recorrida:

a) Os recursos interpostos de decisões que condenarem ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, se o recorrente depositar o seu valor;

b) O recurso do despacho que julgar quebrada a caução;

c) O recurso de despacho que ordene a execução da prisão, em caso de não cumprimento de pena não privativa da liberdade;

d) O recurso de despacho que considere sem efeito, por falta de pagamento de taxa de justiça, o recurso da decisão final condenatória.

3 - Os recursos previstos no n.º 1 do artigo anterior têm efeito suspensivo do processo quando deles depender a validade ou a eficácia dos actos subsequentes, suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos.”

A decisão recorrida não se insere em nenhuma das alíneas do referido artigo, pelo que se entende que não assiste razão ao arguido, tendo o recurso efeito devolutivo.

Por outro lado, o arguido sustentava também que o recurso deve ter subida em separado.

Contudo, entende-se que não lhe assiste, uma vez mais, razão.

Dispõe o artigo 407.º, n.º 1 do Código do Processo Penal que: “Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”.

Conforme vem sendo entendido uniformemente na jurisprudência, para que se justifique a subida imediata dos recursos torna-se necessário que haja uma determinada situação concreta de absoluta inutilidade do recurso retido, ou seja, que o recurso mesmo que venha a ser provido, já não tenha qualquer efeito útil na marcha do processo e que esta inutilidade seja causada pela sua retenção.4

Para o efeito, não se pode confundir a inutilidade absoluta do recurso com a eventual necessidade de repetição de diligências ou mesmo de anulação de processado, inclusive o próprio julgamento, sendo que o risco de serem anulados determinados actos (até mesmo a audiência de discussão e julgamento, ou parte dela) é um risco próprio dos recursos com subida deferida.

Assim também na doutrina se entende que “o risco de anulação de actos processuais é uma consequência normal dos recursos, o que, no caso dos recursos com subida diferida é mais patente, mas não é pela circunstância de a procedência do recurso implicar, v. g. a repetição do julgamento, porque foi utilizada prova proibida, que o recurso de um despacho relativo à legalidade das escutas tem de subir imediatamente. A ideia de que a eventual anulação de actos processuais não prejudica a utilidade do recurso, ainda que o arguido seja submetido a um julgamento que também possa vir a ser anulado, foi sendo sucessivamente retomada na jurisprudência constitucional (acs. 964/96, 1205/96, 244/97, 104/98, 551/98, 68/2000, 46/2001, 103/2002, 350/2002, 603/2007 e 198/2024). (…) Em conclusão, a retenção do recurso gera inutilidade absoluta sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, não bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual.”.5

No caso em apreço, o eventual provimento do recurso interposto pelo arguido poderá, efectivamente, ter como consequência a anulação da sentença e a necessidade de submeter o arguido a novo julgamento, pelo que o recurso não perde a sua eficácia, pese embora a sua subida diferida.

Assim, e porque se trata de recurso cuja retenção não o torna absolutamente inútil, a sua subida ao Tribunal da Relação deverá ser a final, nos próprios autos.

*

Em face do que antecede, incorpore o requerimento nos autos principais.

Após, notifique este despacho e cumpra o disposto no artigo 411.º, n.º 6 do Código de Processo Penal”.

17. No dia 11 de março de 2025, o Exmo. Sr. Dr. DD veio apresentar nos autos o seguinte requerimento:

“DD, Advogado com escritório na Rua …, …, atendendo terem decorridos vinte dias da data da notificação ao Arguido AA da renúncia da Procuração Forense, nos termos do Art. 47º nº 2 e 3 do CPC por remissão do Art. 4º do CPP, vem requerer, a V.Ex.a, que o signatário seja desassociado do aludido Arguido no vertente processo.”.

18. Nessa sequência, em despacho datado de 12 de março de 2025, a Sra. Juíza de Direito Dra. BB ordenou que se diligenciasse pela nomeação de defensor oficioso ao arguido, tendo sido comunicada aos autos pela Ordem dos Advogados a nomeação de defensor;

19. Por requerimento de 17-03-2025 (ref.ª Citius n.º …) o arguido AA constituiu nova Mandatária e nesse mesmo dia (véspera da data que se encontrava designada para o ínicio da audiência de julgamento), apresentou o incidente de recusa ora em apreço.

*

III – Fundamentação

O requerente AA vem suscitar o presente incidente de recusa da Meritísima Juíza de Direito BB, ao abrigo do regime constante do artigo 43.° do Código de Processo Penal.

Estabelecem os artigos 43º a 46º do Código de Processo Penal, o seguinte:

Artigo 43.°

Recusas e escusas

1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.° 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.°.

3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.

4 - O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.°s 1 e 2.

5 - Os atos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.

Artigo 44.°

Prazos

O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao inicio da audiência, até ao inicio da conferência nos recursos ou até ao inicio do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.

Artigo 45.°

Processo e decisão

1 - O requerimento de recusa e o pedido de escusa devem ser apresentados, juntamente com os elementos em que se fundamentam, perante:

a) O tribunal imediatamente superior;

b) A secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, tratando-se de juiz a ele pertencente, decidindo aquela sem a participação do visado.

2 - Depois de apresentados o requerimento ou o pedido previstos no número anterior, o juiz visado pratica apenas os atos processuais urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência.

3 - O juiz visado pronuncia-se sobre o requerimento, por escrito, em cinco dias, juntando logo os elementos comprovativos.

4 - O tribunal, se não recusar logo o requerimento ou o pedido por manifestamente infundados, ordena as diligências de prova necessárias à decisão.

5 - O tribunal dispõe de um prazo de 30 dias, a contar da entrega do respetivo requerimento ou pedido, para decidir sobre a recusa ou a escusa.

6 - A decisão prevista no número anterior é irrecorrível.

7 - Se o tribunal recusar o requerimento do arguido, do assistente ou das partes civis por manifestamente infundado, condena o requerente ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC.

Artigo 46.°

Termos posteriores

O juiz impedido, recusado ou escusado remete logo o processo ao juiz que, de harmonia com as leis de organização judiciária, deva substitui-lo.

Sendo este o regime substantivo e adjetivo que é aplicável a este incidente processual que, convirá desde já realçar, não se reconduz a um recurso ou reclamação de qualquer uma decisão judicial ou ato processual praticado nos autos penais de que este pedido de recusa é dependência, impõe-se então averiguar se, por um lado, o mesmo foi deduzido por quem tem legitimidade para o fazer e em prazo, nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 43.° e do artigo 44.° do CPP, e, por outro lado, se se radica em alguns dos fundamentos que legalmente se acham previstos no regime legal acima reproduzido.

Ora, de acordo com os elementos fornecidos pelos autos, o aqui Requerente AA e arguido no processo-crime em apreço, possui legitimidade ativa para apresentar este pedido de recusa de juiz sendo que tal incidente de recusa foi apresentado em prazo, segundo as regras definidas pelo artigo 44.° do Código de Processo Penal.

Ultrapassadas estas duas primeiras questões e tendo-se a Mma. Juiz de Direito do Juízo de Competência Genérica do … já pronunciado, prévia e cautelarmente, em conformidade com o que é determinado pelo número 3 do artigo 45.° do CPP, acerca da pretensão de recusa deduzida pelo Requerente, resta-nos cruzar os fundamentos invocados por este último com o regime legal antes transcrito, na parte aplicável, de maneira a apurar se os motivos alegados cabem dentro das situações elencadas no artigo 43.° do mesmo diploma legal.

O incidente de recusa de juiz, previsto no artigo 43.° do Código de Processo Penal, exige que a intervenção do julgador possa correr o risco de ser considerada suspeita, pressupondo, para o efeito, a existência de motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, podendo tal acontecer quando a referida intervenção do juiz tenha ocorrido noutro processo-crime que não aquele em que o incidente de escusa é deduzido ou quando nestes últimos autos tal intervenção tenha tido lugar fora dos cenários previstos no acima transcrito artigo 40.° do CPP.

Compulsando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça6 quanto aos termos em que o incidente de recusa de magistrado judicial, em qualquer das instâncias é suscetível de ser requerido, deparamo-nos com o seguintes Arestos, aqui ordenados cronologicamente por data de publicação:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/06/2006, Processo n.° 06P1937, Relator: SIMAS SANTOS, publicado em ECLI:PT:STJ:2006:06P1937.DE, com o seguinte Sumário:

“1 - A consagração do principio do juiz natural ou legal, segundo o qual intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas, surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art.° 32.°, n.° 9).

2 — No entanto, podendo ocorrer, em concreto, efeitos perversos desse principio, foi acautelada a imparcialidade e isenção do juiz, também garantidos constitucionalmente (art.°s 203.° e 216.°) quer como pressuposto subjetivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objetivo na sua perceção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas, através de mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

3 - Para que possa ser pedida a recusa de juiz é necessário que:

- A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;

- Por se verificar motivo, sério e grave;

- Adequado a gerar desconfiança, um estado de forte verosimilhança sobre a sua imparcialidade, ou seja o propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro.

4 - Do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.

5 - O TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo assim, a imparcialidade objetiva releva essencialmente de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstração na formulação de conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos atos processuais do juiz.

6 — Não é de conceder a recusa de juiz que mantem com a advogado do demandante civil uma forte controvérsia, por não se ter demonstrado a relação entre essa controvérsia e os factos em julgamento, e o reflexo dessa situação na imparcialidade do juiz quanto à parte representada por aquela advogada.

7 — Esta solução não é violadora do disposto no art.° 208.° da Constituição e 62.°, n.° 2 do EOA”.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/11/2019, Processo n.° 3795/13.8TDLSB.L1-A.S1, 5ª Secção - Relatora: HELENA MONIZ, publicado em ECLI: PT: STJ:2019:3795.13.8TDLSB.L1.A.S1.A8, com o seguinte Sumário:

“I- Nos termos do art.° 43.º, n.° 3, do CPP, o Ministério Público pode pedir ao tribunal imediatamente superior (cf. art.° 45.º, n.° 1, al. a), do CPP) que não admita determinado juiz a intervir num certo processo "quando ocorrer o risco de [a sua intervenção] ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade" (art.° 43.°, n.° 1).

II - A recusa de um juiz deverá ter por fundamento a existéncia de um motivo sério e grave que gere desconfiança sobre a sua imparcialidade para a decisão daquele concreto caso.

III - No caso, verifica-se que no pedido formulado não é indicada qualquer razão concreta que permita analisar da imparcialidade ou parcialidade para o juiz decidir aquele caso concreto. São apresentadas razões de caráter geral e abstrato pretendendo demonstrar que, existem motivos sérios e graves que impedem que o Senhor Juiz Desembargador possa decidir qualquer processo.

IV - Não cabe no âmbito de um pedido de recusa analisar se o juiz tem (ou não) condições objetivas e/ou subjetivas para desempenhar as suas funções. O pedido de recusa tem que ser fundado em razões relacionadas com o caso que está em discussão, sem que se possa generalizadamente concluir que o juiz está (ou não) em condições de exercer a sua função. Isso seria objeto de um processo disciplinar ou poderia constituir pena acessória a aplicar após uma condenação.

V - Do requerimento apresentado não foi alegado qualquer fundamento que permita estabelecer esta ligação entre o juiz e o caso concreto de modo a que se possa (ou não) concluir pela sua parcialidade (dada uma especial ligação com o caso a decidir), nem se identifica o objeto do processo, ou se refere os sujeitos processuais envolvidos.”

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/06/2020, Processo n.° 24/19.4TRLSB, 3ª SECÇÃO (Criminal) - Relator: NUNO GONÇALVES - publicado em ECLI:PT:STJ:2020:24.19.4TRLSB.79, com o seguinte Sumário parcial:

“I- O art.° 32.°, n.° 9, da CRP consagra o princípio do juiz natural, do qual decorre que o juiz que vai julgar um processo determinado rege-se por critérios legais objetivamente predeterminados, estando arredada a possibilidade de escolha do juiz pelos sujeitos processuais.

II - O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos/TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; que a imparcialidade objetiva releva essencialmente de considerações formais e que o elevado grau de generalização e de abstração na formulação do conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, mediante análise, em concreto, das funções e dos atos processuais do juiz alegadamente impedido.”

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/2020, Processo n.° 9560/14.8TDPRT-C.G1-A.S1, 5.ª SECÇÃO, Relator: FRANCISCO CAETANO, publicado em ECLI:PT:STJ:2020:9560.14.8TDPRT.C.G1.A..9F, com o seguinte Sumário:

“I. Não há motivo para que a remessa à Relação do pedido de recusa não siga a regra geral da distribuição, nenhuma lacuna legislativa havendo que deva ser integrada com recurso a analogia da norma invocada pelos requerentes do n.° 4 do art.° 426.° do CPP;

II. Qualquer sentimento de desconfiança de imparcialidade de juiz enquanto fundamento de recusa não se confunde com subjetivismos de quem a requeira, devendo a respetiva valoração partir de motivos concretos, sérios e graves na perspetiva de um juízo formulado por um cidadão de formação média;

III. A situação invocada, de um juiz desembargador a que, após distribuição, caiba apreciar um incidente de recusa de juiz de 1.a instância e que não seja o mesmo que no âmbito de um mesmo processo já conheceu de um outro incidente de recusa relativamente a um outro juiz, não constitui nem de perto, nem de longe, motivo sério e grave suscetível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade e, por isso, claramente não constitui fundamento de recusa.”.

Também com interesse, poderá ler-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/02/2018, Proc.° n.° 166/18.3YRLSB - Relatora: Anabela Simões, acessível em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5385&codarea=57 , com o seguinte Sumário:

«O incidente de recusa de juiz (no qual não cabem discordâncias jurídicas quanto a decisões de juízes, as quais devem ser impugnadas pelos meios próprios) visa assegurar as regras de independência e imparcialidade, que são inerentes ao direito de acesso aos Tribunais, constituindo uma dimensão importante do princípio das garantias de defesa e mesmo do princípio do juiz natural.

Pretende-se assegurar a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados, pois que os Tribunais administram a Justiça em "nome do povo".

A imparcialidade deve ser apreciada de acordo com um teste subjetivo e um teste objetivo, visando o primeiro apurar se o juiz deu mostra de interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa, e o segundo determinar se o comportamento do juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade.

Ao aplicar o teste subjetivo, a imparcialidade do juiz deve ser presumida e só factos objetivos evidentes devem afastar essa presunção.”.

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Aqui chegados e face à interpretação e aplicação que a citada jurisprudência faz do regime constante dos artigos 43.° e seguintes do CPP, importa apreciar os motivos invocados pelo Requerente do incidente de recusa para a rejeição da Juíza de Direito Dra. BB.

Numa primeira linha de abordagem, os invocados fundamentos para recusa da Sra. Juíza assentam no seu desempenho na tramitação do Processo Comum Singular nº 109/17.1T9RDD, invocando o requerente que dos atos processuais/despachos proferidos resultam elementos aptos a gerar desconfiança e a fazer concluir pela parcialidade da julgadora.

Nesta vertente, mostram-se apuradas nestes autos, com base nos elementos documentados, as circunstâncias que supra enumeramos em II.

Delas não resulta, minimamente, que a Mma. Juíza Dra. BB tenha proferido despachos aptos a pôr em causa a sua imparcialidade e isenção. Bem pelo contrário, e como a própria assinalou ao emitir pronúncia sobre os invocados fundamentos, os despachos proferidos foram objectivos, claros e devidamente fundamentados de acordo com os critérios estabelecidos na lei.

Nos termos dos despachos em causa, não se vislumbra qualquer pré-juízo da Juíza que o requerente quer ver afastada.

Insurge-se o requerente contra a Mma. Juíza, pedindo a recusa, em face do despacho que indeferiu a arguição de incompetência territorial do Juízo de Competência Genérica do ….

Os termos do referido despacho foram por nós transcritos supra.

O despacho proferido é claro, objetivo e limita-se a afirmar a solução jurídica a que a Sra. Juíza chegou com base nos fundamentos ali vertidos.

Mostra-se perfeitamente infundada, em face dos termos do despacho, a afirmação de que “nenhuma razão objetivamente atendível existia para que fosse indeferida a incompetência territorial requerida pelo arguido” – essas razões constam do despacho de indeferimento, mostram-se fundadas em preceitos legais invocados em suporte da decisão, sendo que o acerto da decisão é objeto do recurso penal interposto (não cabendo no âmbito do incidente de recusa o debate acerca das discordâncias jurídicas quanto à decisão da Sra. Juíza recusada, as quais devem ser [e foram] impugnadas pelos meios próprios).

Mas mais infundada ainda é a afirmação de que “É cristalino da atuação da Meritíssima Juiz que a(s) sua(s) decisões não assentaram em quaisquer razões objetivas (quer de direito, quer prático-processuais), mas antes em considerações e motivações pessoais, parciais e subjetivas e violadoras dos direitos do arguido.”.

Que considerações e motivações pessoais?

O requerente não explica.

Apenas faz uma injustificada avaliação do posicionamento da Sra. Juíza, acusando-a de insondáveis “motivações pessoais”.

Tudo infundado.

Numa outra vertente, relacionada com o processamento dos autos, imputa o requerente à Sra. Juíza recusada uma deliberada intenção de prejudicar a sua defesa, negando o contraditório e colocando obstáculos à assistência por mandatário constituído.

Essa imputação não tem o mínimo de sustentação em face dos termos do processo, dos quais resulta que sempre o arguido foi notificado de todas as circunstâncias processuais relevantes, designadamente as renúncias dos seus primitivos mandatários, tendo todas os despachos proferidos sido precedidos do necessário contraditório.

Não faz, em absoluto, sentido afirmar que a Sra. Juíza “violou clamorosamente o livre direito do arguido de constituir mandatário, de molde a assegurar o seu direito à defesa”, quando o simples confronto das circunstâncias processuais decorrentes dos autos demonstram que o arguido esteve sempre representado por mandatários por si escolhidos que, em seu nome, foram praticando os atos supostamente convenientes à defesa (mesmo depois de terem apresentado requerimentos de renúncia ao mandato e enquanto essa renúncia não operava).

Não ocorre qualquer fundamento para a afirmação de que “O tom e a atuação da Meritíssima Juiz de Direito inquina per se e ipso facto todo o processo”. Tal afirmação mostra-se desmentida pelas circunstâncias dos autos, tal como objetivamente foram indicadas supra.

Presumindo-se a imparcialidade do Juiz até prova em contrário, é forçoso concluir que os argumentos do requerente não têm qualquer sustento e não merecem ser acolhidos.

A conclusão final é evidente: por força da presunção de imparcialidade do julgador que não sai minimamente questionada ou beliscada com a argumentação do requerente, o incidente de recusa será indeferido.

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IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em indeferir o pedido de recusa da Exma. Sra. Juíza de Direito Dra. BB apresentado pelo requerente AA.

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Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

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Notifique, comunicando-se de imediato à Mma. Juíza de Direito visada.

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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 25 de março de 2025

Jorge Antunes (Relator)

Manuel Ramos Soares (1º Adjunto)

Carla Francisco (2ª Adjunta)

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1 Neste sentido, vide, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-09-2024, proferido no processo n.º 328/23.1PBCLD.C1, disponível em www.dgsi.pt.

2 Neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2024, proferido no processo n.º 1094/22.3POLSB-A.L1-3, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-11-2023, proferido no processo n.º 13284/21.1T8PRT-A.P1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-03-2023, proferido no processo n.º 755/22.1T8PTM.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

3 Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18-09-2024, proferido no processo n.º 813/21.0T9STR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt

4 Vide neste sentido, por todos, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-05-2024, proferido no Processo n.º 99/23.1JAFAR-B.E1; o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-10-2022, proferido no Processo n.º 319/21.7GBCNT-A.C1; o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-05-2022, proferido no Processo n.º 2324/12.5TAVNG-A.P1; o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-06-2022, proferido no processo n.º 26/18.8PAPTL.G1 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-10-2020, proferido no processo n.º 6041/17.1T9LSB-B.L1-9; todos disponíveis em www.dgsi.pt.

5 Cfr. António Gama, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, artigos 399.º a 524.º, Almedina, Maio, 2024, pág. 157.

6 Utilizando os valiosos contributos que se colhem no douto Acórdão do STJ de 27 de abril de 2023, proferido no Processo nº 99/17.0JBLSB-H.L1-A.S1, que aqui de perto seguimos.