As declarações do assistente ficam sujeitas “ao regime de prestação da prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente” (cfr. artigo 145.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).
Analisado o regime geral de prestação da prova testemunhal, previsto nos artigos 128.º a 139.º do Código de Processo Penal, verifica-se que inexiste qualquer disposição legal expressa que preveja a inaplicabilidade do disposto no artigo 134.º, deste diploma, às declarações prestadas pelo assistente e também não há qualquer fundamento para se considerar que é “manifestamente inaplicável”.
A posição processual e atribuições do assistente, definidas no artigo 69.º, do Código de Processo Penal, foi estabelecida para proteger o ofendido e conferir-lhe mais poderes a nível da intervenção no processo e não para lhe retirar direitos.
A intervenção do assistente no processo não interfere com a circunstância de ter com o arguido uma das ligações referidas no artigo 134.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e de beneficiar da faculdade de se recusar a prestar declarações.
Estando em causa uma das pessoas indicadas no artigo 134.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, deve ser-lhe concedida a faculdade de se recusar a depor, quer se trate de assistente, ofendido ou testemunha.
O não cumprimento do normativo do nº 2 do art.º 134º do CPP, constitui nulidade dependente de arguição, com o regime previsto no artigo 120º, nº 3, do CPP, e não uma proibição de prova ou de valoração de prova. Nulidade essa que, por se encontrar fora do elenco de nulidades previstas no art.º 119º do CPP, teria de ser arguida pelo próprio assistente até que terminasse o ato de prestação das suas declarações – art.º 120º, nº 3, al. a), do CPP. Não tendo sido arguida, deve a mesma considerar-se sanada.
1. Nos presentes autos com o nº 348/22.3GBABF, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido AA condenado, por sentença de 24/10/2024, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, no qual se inclua a frequência de programa específico de prevenção de violência doméstica.
Foi também condenado o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de dezoito meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância.
Mais está condenado:
A pagar a BB a quantia de 2.000,00 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data do trânsito em julgado da decisão, até efectivo e integral pagamento, ao abrigo do estabelecido no artigo 21º, nº 2, da Lei nº 112/2009, de 16/09.
Por decisão de 05/11/2024 do mesmo tribunal, que é complemento e parte integrante da referida sentença, a pagar à demandante Centro Hospitalar …, EPE, a quantia de 51,00 euros, acrescida de juros civis à taxa em vigor, desde a data da notificação do pedido civil, até efectivo e integral pagamento.
2. O Ministério Público veio, aos 30/10/2024, interpor recurso do despacho judicial proferido aos 27/09/2024, bem como da sentença, articulando as conclusões da motivação de recurso que se transcrevem:
1. Nos presentes autos, o arguido AA foi acusado pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal.
2. Na audiência de julgamento, que teve lugar no dia 27/09/2024, quando o Tribunal interpelou a assistente BB quanto à sua identificação e sobre a relação que manteve com o arguido, não a advertiu do disposto no artigo 134.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.
3. O Ministério Publico, fazendo uso da palavra e ditando para a acta, pugnou para que, ao abrigo do disposto no artigo 134.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, a assistente fosse advertida da faculdade que lhe assistia em se recusar a depor quanto aos factos ocorridos durante a coabitação com o arguido, sob pena de nulidade, nos termos do disposto no n.º 2, da mesma disposição legal.
4. Não obstante, o Tribunal a quo decidiu que não tinha de comunicar a BB a faculdade de se recusar a depor, mas apenas a possibilidade de desistir da qualidade de assistente, podendo, caso desistisse dessa qualidade, recusar-se a depor, uma vez que entendeu que o artigo 134.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, apenas se aplica a testemunhas.
5. O Ministério Público vem interpor recurso da decisão proferida no dia 27/10/2024, bem como da douta sentença de 24/10/2024, por considerar que, ao proceder da forma descrita, o Tribunal a quo incorreu numa nulidade que afecta todos os actos praticados posteriormente, designadamente a sentença, nos termos do disposto nos artigos 122.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal.
6. O Tribunal interpretou erradamente o artigo 134.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, ao sufragar que tal disposição apenas é aplicável às testemunhas, desconsiderando o disposto no artigo 145.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.
7. Com efeito, as declarações do assistente ficam sujeitas “ao regime de prestação da prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente” (cfr. artigo 145.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).
8. Analisado o regime geral de prestação da prova testemunhal, previsto nos artigos 128.º a 139.º do Código de Processo Penal, verifica-se que inexiste qualquer disposição legal expressa que preveja a inaplicabilidade do disposto no artigo 134.º, deste diploma, às declarações prestadas pelo assistente e também não há qualquer fundamento para se considerar que é “manifestamente inaplicável”.
9. A posição processual e atribuições do assistente, definidas no artigo 69.º, do Código de Processo Penal, foi estabelecida para proteger o ofendido e conferir-lhe mais poderes a nível da intervenção no processo e não para lhe retirar direitos.
10. A intervenção do assistente no processo não interfere com a circunstância de ter com o arguido uma das ligações referidas no artigo 134.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e de beneficiar da faculdade de se recusar a prestar declarações.
11. Estando em causa uma das pessoas indicadas no artigo 134.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, deve ser-lhe concedida a faculdade de se recusar a depor, quer se trate de assistente, ofendido ou testemunha.
12. Apenas se pode considerar válida a advertência de recusa correctamente efectuada pela entidade competente para receber o depoimento, com devido esclarecimento dos limites objectivos dessa faculdade de recusa.
13. O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 131.º, n.º 1, 134.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e 145.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal.
14. A nulidade invocada torna inválido o acto (declarações prestadas pela assistente), bem assim todos os actos processuais subsequentes à mesma decisão, incluindo a sentença entretanto proferida, nos termos do disposto nos artigos 122.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente ser:
1. Anulada a decisão proferida pelo Tribunal a quo na sessão da audiência de julgamento do dia 27/09/2024, que considerou não ser necessário efectuar à assistente a advertência prevista no artigo 134.º, n.ºs 1, al. b) e 2, do Código de Processo Penal, e bem assim todos os actos processuais subsequentes à mesma decisão, incluindo a sentença proferida em 24/10/2024;
2. Ordenado o retorno do processo à primeira instância para reabertura da audiência de julgamento, para tomada de declarações à assistente, sendo-lhe efectuada a devida advertência prevista no artigo 134.º, n.ºs 1, b) e 2, seguindo–se os ulteriores termos processuais, incluindo oportuna prolação de nova sentença sobre a integralidade do objecto processual.
V. Exas. farão, como sempre, JUSTIÇA.
3. Também o arguido não se conformou com a decisão condenatória e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1. Por sentença proferida nos presentes autos, datado de 24 de outubro de 2024, foi o Arguido, ora Recorrente, condenado, pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do Código Penal, tendo sido decidido pelo Tribunal a quo:
“a) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelos art.ºs 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do CP, na pena de TRÊS ANOS de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, no qual se inclua a frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica;
b) Condenar o arguido AA, na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de dezoito meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância;
c) Condenar o arguido AA, a pagar a BB a quantia de €2000,00 (dois mil euros), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efectivo e integral pagamento (art.º 21.º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16.09);
d) Condenar o arguido AA, no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s – art.º 513.º do CPP e art.º 8.º, n.º 9 do RCP.”
2. O Recorrente não concorda com a medida das penas principal e acessória bem como com o quantum indemnizatório aplicados pelo Tribunal a quo.
3. Atendendo à factualidade dada como provada, ambas as medidas das penas padecem de uma extrema severidade face à conduta do Recorrente.
4. A douta decisão do Tribunal a quo é está ferida do vício de ilegalidade por violar o preceituado no n.º 2 do artigo 40º e o artigo 71º ambos do CP.
5. A aplicação de uma pena deve visar as necessidades de prevenção geral (inibindo a generalidade dos cidadãos de cometerem o tipo de ilícito) e simultaneamente as necessidades de prevenção especial (evitando que haja uma reincidência do cometimento de crimes por parte do agente).
6. Ao determinar a medida da pena, o julgador deve ter em consideração, “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, nos termos e para os efeitos do disposto no número 2 do artigo 71º do CP.
7. O Recorrente durante todo o processo manteve sempre uma postura de total colaboração com o douto Tribunal a quo, tendo, inclusive, prestando as suas declarações, admitindo alguns dos factos que lhe estavam imputados.
8. O Recorrente demonstrou arrependimento por ter praticado a conduta conducente à sua condenação, bem como de autocrítica e autocensura.
9. As circunstâncias que levaram à prática dos factos sub judice prendem-se com a relação tóxica, de parte a parte, existente entre o Recorrente e a Assistente, o que conduzia a discussões frequentes.
10. E, quanto aos factos ocorridos a 18 de fevereiro de 2022, nomeadamente o ter acertado com o sapato na Assistente, retira-se a conclusão de que foi uma reação irrefletida, perante a conversa que ambos estavam a ter, não tendo qualquer intenção de lhe acertar.
11. O Recorrente não se apercebeu em que direção atirou o sapato e a mãe deste encontrava-se no local podendo ter sido ela o alvo da ação do Recorrente.
12. Contudo, sublinha-se que o Recorrente não teve a intenção nem o objetivo de agredir quem quer que fosse.
13. No plano da prevenção especial, os factos apurados quanto às condições de vida do Recorrente têm que influir em seu abono, pois que, este denota uma favorável integração social: tem família e trabalha, gozando de uma situação económica estável.
14. O Recorrente tinha apenas 22 anos à data dos factos e não regista antecedentes criminais de qualquer espécie, facto que igualmente tem de favorecer a prognose quanto ao seu comportamento futuro.
15. Não subsistem razões de prevenção geral nem especial que justifiquem a determinação desta medida da pena principal.
16. No que concerne à ressocialização do agente, a aplicação de uma pena de prisão de 3 (três) anos, ainda que suspensa na sua execução por igual período, consubstancia um sacrifício desmesurado para o Recorrente.
17. Também no que toca à pena acessória, também esta deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção.
18. Esta é uma pena facultativa, regendo-se a sua aplicação pelo critério geral fixado no n.º 1 do artigo 40º do Código Penal.
19. In casu, reiteram-se as considerações já tecidas relativamente às necessidades de prevenção geral e especial, a idade do Recorrente, a sua inserção social e profissional e o facto de não ter qualquer antecedente criminal.
20. Não resulta qualquer prova de que o Recorrente se tenha aproximado da Assistente desde a ocorrência dos últimos factos.
21. Inexiste conhecimento de quaisquer factos que atribuam particular utilidade no sentido de lograr o desiderato ressocializador à aplicação de qualquer sanção acessória facultativa.
22. O Recorrente é … e grande período do ano encontra-se a trabalhar na praia, tendo uma exposição maior do seu corpo.
23. O Recorrente com aplicação da pena acessória vai ser exposto a um estigma social muito pesado, que não se coaduna com as necessidades de prevenção geral e especial, ultrapassando-as largamente.
24. Também aqui se invoca a ausência de razões de prevenção geral e especial para a aplicação de tal pena acessória.
25. No que respeita ao valor de € 2.000,00 (dois mil euros), fixado pelo Tribunal a quo, a título de indemnização, face à prova produzida nos presentes autos, é excessivo, devendo o mesmo ser reduzido de acordo com critérios de justiça e de equidade.
Termos em que deverá o presente recurso proceder, revogando-se a decisão proferida e, consequentemente, substituindo-se por outra que:
a) aplique uma pena principal em limite concreto inferior e mais próxima do limite mínimo legal, suspensa na sua execução, que se considere justa e adequada às necessidades do caso concreto;
b) anule a aplicação da pena acessória em que o Recorrente foi condenado e
c) aplique um montante indemnizatório inferior àquele que o Recorrente foi condenado a pagar à Assistente, que se considere justo e adequado, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!
4. Os recursos foram admitidos.
5. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso do arguido, pugnando pela manutenção da decisão revidenda.
6. Também a assistente BB apresentou resposta à motivação do recurso interposto pelo arguido, concluindo por não merecer provimento.
7. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos, em síntese (transcrição):
A questão colocada à alta apreciação de Vossas Excelências, Ilustres Desembargadores pelo arguido prende-se com a medida da aplicada bem como o montante da indemnização, conforme decorre do artº 25 alíneas a) e c) das suas conclusões.
Porém, como questão prévia, a nossa Ex.ma Colega junto da 1ª instância apresentou recurso, cujo acolhimento prejudicaria a apreciação da questão/ questões levantadas pelo arguido no presente recurso
Recorde-se que a Ex.ma Colega junto da 1ª instância refere:
11. Estando em causa uma das pessoas indicadas no artigo 134.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, deve ser-lhe concedida a faculdade de se recusar a depor, quer se trate de assistente, ofendido ou testemunha.
12. Apenas se pode considerar válida a advertência de recusa correctamente efectuada pela entidade competente para receber o depoimento, com devido esclarecimento dos limites objectivos dessa faculdade de recusa.
13. O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 131.º, n.º 1, 134.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e 145.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal.
14. A nulidade invocada torna inválido o acto (declarações prestadas pela assistente), bem assim todos os actos processuais subsequentes à mesma decisão, incluindo a sentença entretanto proferida, nos termos do disposto nos artigos 122.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal.
A tese defendida pela nossa Ex.ma Colega junto da 1ª instância parece encontrar respaldo no Ac. Relação do Porto de 06.04.2022, procº 2218/20.0T9VFR.P1, relator Pedro Afonso Lucas onde refere (sumário):
I – A possibilidade de recusa em depor prevista no artigo 134.º, nº1, alínea b) do Cód. de Processo Penal (aplicável quer relativamente a testemunhas, cfr. artigo 132º, nº1, alínea d), quer a assistentes, cfr. artigo 145º, nº1, todos do Cód. de Processo Penal), apenas se reporta aos factos ocorridos ao tempo da vivência conjugal ou em comum com o arguido, deixando o direito ao silêncio de ser protegido pela norma supra transcrita quanto a factos ocorridos fora do período do casamento ou da coabitação análoga à dos cônjuges (conforme as situações) – caso em que passa a valer a regra geral da obrigação de prestar depoimento.
II – A advertência prevista no nº 2 do mesmo artigo 134º do Cód. de Processo Penal, só poderá considerar–se validamente efectivada e processualmente tutelada nos respectivos efeitos, quando o teor da mesma corresponda a uma delimitação correcta do direito de recusa de depoimento da pessoa relativamente à qual se verifique uma situação susceptível de beneficiar do direito de recusa em depor.
III – A dispensa decidida pelo tribunal de julgamento de a assistente prestar declarações também quanto a factos ocorridos fora do período do casamento ou da coabitação análoga à dos cônjuges (conforme as situações) com o arguido, revela–se uma indevida aceitação do exercício de um direito de recusa em depor que, no caso, e nessa parte, inexiste, configurando uma nulidade processual.
IV – Por um lado porque a advertência acima assinalada só será processualmente válida se for correctamente efectuada, e depois porque deve considerar–se que a injustificada viabilização daquela recusa se traduz na demissão do tribunal de julgamento de levar a efeito a realização de diligências que são devidas e devem reputar–se essenciais para a descoberta da verdade (como se afigura ser claramente o caso da tomada de declarações à pessoa ofendida por uma actuação que vem imputada como configurando crime de violência doméstica), configurando a omissão em causa a nulidade expressamente prevista no art. 120º/1/d) do Cód. de Processo Penal.
V – Tal nulidade processual. que foi oportunamente suscitada, afecta e invalida o próprio e específico procedimento objecto de recurso – que deve, assim, ser repetido –, bem como, naturalmente, todos os posteriores actos da audiência de julgamento, e assim também a consequente sentença proferida pelo tribunal a quo – o que se determina
Porém, compulsando a jurisprudência e os ditames legais sobre a matéria surge o Ac. Relação do Porto de 11.01.2017, procº 1014/11.0PHMTS.P1, relator Francisco Mota Ribeiro onde se consagra: “… – É aplicável às declarações do assistente o regime de recusa na sua prestação, previsto no artº 134º ex vi artº 145º3 ambos do CPP. II – A omissão, por parte do tribunal, do dever de informação previsto no artº 134º2 CPP, constitui nulidade a arguir pelo declarante /assistente, até final da prestação das suas declarações.
Nessa esteira segue-se com a devida e merecida vénia o entendimento sufragado pelo Ex.mo Desembargador e transcreve-se, por honestidade intelectual e total adesão ao seu pensamento: “O que resulta, isso sim, é que o Tribunal não cumpriu o dever de garantia da efetiva liberdade no seu exercício, através do esclarecimento prévio a que alude o art.º 134º, nº 2, do CPP, mas sem que daí se possa extrair a violação do exercício do direito, em si, porquanto o assistente sempre poderia manifestar a sua intenção de não prestar declarações, e não o fez, sem que se possa deduzir do processo que a ausência de uma tal manifestação tivesse ocorrido devido, ou por causa, da omissão praticada pelo Tribunal.
Assim sendo, e porque se trata de uma mera omissão de medida tutelar do efetivo exercício da liberdade de depor ou de prestar declarações, a não implicar direta e necessariamente um impedimento do exercício efetivo dessa liberdade, nem por desse modo se interferir diretamente com a privacidade da relação familiar em causa, entendeu o legislador sancionar tal vício ou tal erro de procedimento com a mera nulidade, precisamente ao contrário do que determinou para a violação expressa do direito de recusa de prestação de depoimento, nos termos já supra referidos, no âmbito da admissibilidade da leitura de declarações anteriormente prestadas no processo, assim como no caso da omissão de comunicação ao arguido das informações a que alude o art.º 58º, nº 2, do CPP, onde aqui, ao contrário do estabelecido no art.º 134º, nº 2, se estatuiu uma autêntica proibição de prova, ao consignar-se no nº 5 do art.º 58º que a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova. Regime diverso este, e mais grave do que o previsto no art.º 134º, nº 2, que se justifica à luz da especial importância dada às garantias constitucionais de defesa do arguido, designadamente o seu direito ao silêncio ou à não autoinculpação (nemo tenetur se ipsum accusare), implicitamente consagrado no art.º 32º, nº 1, da CRP, e que não tem, nem pode ter, paralelo com outros sujeitos ou intervenientes processuais. Por ser precisamente o arguido, e só ele, o epicentro da chamada “constituição processual penal”. Pelo exposto, e na descortinação daquele que, em nosso entender, parece ser o melhor sentido normativo do nº 2 do art.º 134º do CPP, colocamo-nos ao lado dos que entendem estarmos perante uma mera nulidade e não uma proibição de prova ou de valoração de prova. Nulidade essa que, por se encontrar fora do elenco de nulidades previstas no art.º 119º do CPP, teria de ser arguida pelo próprio assistente até que terminasse o ato de prestação das suas declarações – art.º 120º, nº 3, al. a), do CPP. Não tendo sido arguida, deve a mesma considerar-se sanada e, consequentemente, ser negado provimento ao presente recurso.
Abreviando, nesta conformidade, somos de parecer que deve ser negado provimento ao(s) recursos e mantida a sentença proferida em 1ª instância.
8. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
9. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Âmbito do Recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões das motivações de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:
Recurso interposto pelo Ministério Público
Verificação da nulidade prevista no artigo 134º, nºs 1, alínea b) e 2, do CPP.
Recurso interposto pelo arguido
Dosimetria da pena principal aplicada.
Desnecessidade da pena acessória aplicada.
Montante da indemnização atribuído oficiosamente à vítima.
2. A Sentença Recorrida
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):
1. O arguido AA e BB mantiveram uma relação de cariz análoga à dos cônjuges, partilhando residência, sita em …, …, relacionamento que se iniciou em setembro de 2020 e terminou em agosto de 2021.
2. Tal relacionamento reiniciou-se em setembro de 2021, e manteve-se até 18.02.2022, data em que terminou, residindo ambos, nesse período, na …, …, casa essa pertencente a BB.
3. Após o reinício do relacionamento, em Setembro de 2021, em datas e horas não concretamente apuradas, ocorreram frequentes discussões entre arguido e BB, motivadas sobretudo por ciúmes mútuos.
4. Durante essas discussões, o arguido dizia a BB: "puta", "vai para o caralho", "vai à merda", "és uma cabra", "não vales nada"; desferia empurrões no corpo de BB, agarrava e apertava os braços daquela, provocando-lhe nódoas negras nas zonas dos braços atingidas.
5. No dia 03.10.2021, a hora não concretamente apurada, mas da parte da noite, o arguido e BB encontravam-se a jantar no interior da sua residência, juntamente com um casal amigo, sendo que um dos elementos desse casal era CC.
6. A dado momento, no decurso desse jantar, iniciou-se uma discussão entre arguido e BB, sendo que nessa altura ambos se deslocaram para o primeiro andar da sua residência, onde prosseguiu aquela discussão.
7. Nesse local, o arguido desferiu um empurrão em BB, que caiu em cima da cama.
8. O arguido, então, colocou ambas as mãos no pescoço de BB, apertando-o com força.
9. Mercê da conduta do arguido, BB perdeu os sentidos momentaneamente.
10. BB, na sequência da conduta do arguido, ficou com dores nas zonas do corpo atingidas, e apresentava uma marca na zona do pescoço.
11. Em data não apurada, mas no início de janeiro de 2022, BB começou a trabalhar na ….
12. Após essa data, quando BB chegava a casa, o arguido iniciava discussões dizendo à sua companheira que esta mantinha relacionamento íntimo com outro homem.
13. No dia 18.02.2022, a hora não concretamente apurada, no interior da residência do casal, BB disse ao arguido que terminava o relacionamento de ambos, contudo este não aceitou tal decisão, e iniciou uma discussão com aquela, afirmando-lhe que sabia que ela o estava a trair com os homens com quem trabalhava.
14. Nessa sequência, quando o arguido já se encontrava no exterior da residência, junto à porta de entrada, BB fechou a porta, ao que o arguido desferiu, de imediato, um soco no vidro daquela porta, partindo-o.
15. Nessa sequência, BB deixou de pernoitar na sua casa, com medo do arguido, refugiando-se na casa da sua mãe.
16. Nos dias 19.02.2022 e 20.02.2022, o arguido efectuou, a diversas horas do dia e da noite, não concretamente apuradas, diversas chamadas telefónicas para a mãe de BB, DD, e perguntava-lhe sempre onde estava BB.
17. Pelas 10:15 horas do dia 20.02.2022, o arguido dirigiu-se para a residência de BB, sita em …, …; entrou naquela residência, onde BB se encontrava a descansar, dirigiu-se para junto da mesma e, fazendo uso de um sapato, desferiu-lhe uma pancada, acertando-lhe na zona do lábio, provocando-lhe um corte, com hemorragia, naquela zona corporal.
18. Após, o arguido aproximou-se de BB e empurrou-a para fora da residência, sita num primeiro andar, até um parapeito localizado no topo das escadas de acesso à residência.
19. Nesse local, o arguido agarrou com ambas as mãos o pescoço de BB e empurrou-a contra o referido parapeito, ficando aquela com a cabeça suspensa para o lado exterior daquele parapeito.
20. Mercê da conduta do arguido, BB sofreu dores no pescoço e no ombro esquerdo e apresentava as seguintes lesões: na face, uma escoriação no lábio inferior à esquerda com cerca de 0,5 cm por 0,3 centímetros (eixos longitudinal transversal); e no pescoço, um edema doloroso na face lateral esquerda com cerca de 5 centímetros por 3 centímetros (eixos longitudinal transversal), lesões que implicaram um período de 3 dias para a cura, sem afectação das capacidades de trabalho geral e profissional.
21. O arguido agiu com o propósito concretizado de atingir a integridade física e psíquica da sua companheira, molestando-a física e psicologicamente, e de maltratar o seu corpo e a sua saúde, querendo causar sofrimento, humilhação e vergonha à ofendida, o que efectivamente conseguiu.
22. Com as condutas descritas, o arguido causou à sua companheira sofrimento a nível físico e psíquico pela humilhação, nervosismo, constrangimento, desgosto e medo a que o mesmo a sujeitou ao tratá-la da forma supra relatada, tendo-lhe causado instabilidade emocional, que se reflectiu na sua vida do dia-a-dia, ficando psicológica e fisicamente afectada.
23. O arguido agiu de modo descrito com o objectivo de provocar medo a BB e de a molestar fisicamente, o que quis e logrou conseguir, fazendo-a temer pela sua integridade física e pela sua vida, causando-lhe alarme e temor, afectando a sua liberdade, humilhando-a e maltratando-a, tudo com o intuito conseguido de criar um estado permanente de medo, intranquilidade, insegurança e mal-estar.
24. O arguido bem sabia que tais condutas eram aptas a provocar tais sentimentos.
25. O arguido também sabia que ao actuar dentro da casa de habitação de BB, ampliava o sentimento de receio daquela, visto que violava o espaço reservado da vida privada e o seu carácter securitário.
26. O arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e tinha capacidade de se determinar de acordo com esse conhecimento.
27. O arguido exerce a profissão de …, auferindo o salário mínimo nacional; vive com uma companheira, em casa arrendada pelo valor mensal de €350,00.
28. O arguido não tem antecedentes criminais.
Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):
- Em 20.02.2022, o arguido pegou no telefone de BB com o intuito de verificar os registos de chamadas e mensagens que ali se encontravam;
- O arguido apoderava-se à força do telemóvel de BB e verificava o seu conteúdo.
Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na análise crítica e conjugada, ponderada com juízos retirados da experiência comum e critérios de razoabilidade, dos meios de prova constantes dos autos e daqueles produzidos em julgamento.
Desde logo, o Tribunal considerou o depoimento prestado por BB em julgamento, que, de forma espontânea e segura, descreveu os factos nos termos expostos em sede de factualidade provada, sem nunca cair no exagero fácil.
A este respeito, evidencia-se que BB efectuou um relato bastante pormenorizado e com coesão no discurso, sem hesitações e com elevada convicção. O seu depoimento demonstrou, também, sentido crítico e isenção, tendo BB admitido que a relação com o arguido era conflituosa, essencialmente por motivo de ciúmes de ambos os elementos do casal.
Apesar de muitos factos supra descritos terem sido praticados pelo arguido apenas na presença de BB, o relato desta última encontra amparo lógico no que foi presenciado por outras testemunhas.
Veja-se este respeito, o depoimento de DD, Mãe de BB, que descreveu o estado emocional da sua filha, quando esta procurou refúgio na sua casa no dia 18.02.2022 – demonstrando ostensivo medo.
Relativamente à situação ocorrida em 03.10.2021, quando o casal em causa se encontrava num convívio com outro casal, a testemunha CC ouviu o grito de socorro de BB, tendo depois verificado que esta apresentava marca de ferimento no pescoço.
A mesma testemunha também referiu em julgamento ter observado, em outras ocasiões, que BB ostentava hematomas no corpo.
Por seu turno, o arguido prestou declarações em julgamento, onde, depois de caracterizar a sua relação com BB como tóxica, em que o ciúme de ambos conduzia a frequentes discussões, admitiu a prática de alguns factos constantes da acusação, assumindo alguma atitude crítica. Admitiu a possibilidade de, por várias vezes, ter injuriado e empurrado BB.
Contudo, o arguido, ao admitir tais factos, tentava sempre, no seu discurso, relativizar os mesmos. Vejamos.
O arguido disse que, quando BB terminou a relação que os unia, em 18.02.2022, não aceitou tal decisão, sendo que a revolta que sentiu o levou a esmurrar a porta de casa de BB. Ou seja, da análise global das declarações do arguido resulta inequivocamente que o mesmo detinha um sentimento de posse sobre BB, justificando alguns dos seus actos pelo facto de entender que aquela não tinha o direito de terminar a relação unilateralmente. O arguido demonstrou, ainda, que, na sua perspectiva, BB também não tinha a liberdade de iniciar relação amorosa em momento posterior à decisão daquela em terminar a relação consigo.
É disto exemplo o facto do arguido ter justificado a sua entrada na residência de BB, em 20.02.2022, sem o consentimento daquela e quando a relação já tinha terminado, pela circunstância de a querer confrontar com suspeitas de que a mesma já teria outra relação.
Ou seja, para o arguido, o eventual facto de BB ter iniciado uma relação com outra pessoa foi motivo para invadir a casa da sua ex-companheira, com recurso a chave que não havia devolvido, aquando do fim da relação.
Sobre o episódio ocorrido no dia 03.10.2021, relatado nos pontos 5 a 10 da factualidade provada, o arguido disse que “talvez” tenha empurrado BB para cima da cama – desde logo, o emprego pelo arguido de tal expressão (“talvez”) não é razoável –, mas que não lhe apertou o pescoço. O arguido, ainda nas suas declarações sobre este episódio, foi lesto a afirmar, de imediato, que o que se passou no quarto do casal não foi presenciado por ninguém, uma vez que o casal amigo se encontrava no andar inferior da habitação. Erro do arguido – BB presenciou. Mais, conforme supra referido, CC ouviu grito de socorro e verificou marca no pescoço de BB.
Voltando ao episódio ocorrido em 20.02.2022, o arguido disse em julgamento que depois de entrar, sem autorização, na casa de BB, ao encontrá-la no quarto e ao verificar roupa masculina ali existente, atirou um sapato, que “por acaso” acertou na pessoa alvo da sua fúria. Disse, também, que agarrou no telemóvel de BB para que a mesma não chamasse por socorro. E disse, por último, que a sua mãe presenciou estes factos.
A mãe do arguido é EE, que prestou depoimento em julgamento (triste sorte a de uma mãe que vai a um tribunal, onde o seu filho é julgado pela prática de um crime punível com pena de prisão).
Vejamos o que resultou deste depoimento em julgamento. Ora disse que, no dia 20.02.2022, quando entrou na casa de BB, juntamente com o seu filho, aquela se encontrava deitada, ora disse que se encontrava levantada…
Disse que o seu filho agarrou o telemóvel de BB para verificar registos de chamadas, o que contradiz as declarações do próprio arguido, seu filho…Enfim, este meio de prova, cuja produção se mostrou dolorosa, tanto para a testemunha como para o julgador, não mereceu qualquer credibilidade.
Tudo analisado, a versão apresentada pelo arguido não abalou a convicção do Tribunal formada nos termos supra explanados.
No mais, o Tribunal considerou os seguintes elementos de prova:
- Auto de notícia, fls. 5-10, corroborado em julgamento pelo militar da GNR, FF;
- Aditamento, de fls. 234-235;
- Fotografias, fls. 27-28;
- Mensagens, fls. 172-200 e 204-213;
- Relatório de perícia de avaliação do dano corporal, fls. 249-251;
- Declarações do arguido quanto à sua situação socioeconómica;
- CRC de fls. 556.
A factualidade não provada resultou de insuficiência de prova.
Por fim, os factos elencados nos pontos 21; 23 a 26 resultaram demonstrados através da conclusão lógica retirada da actuação objectivamente desenvolvida pelo arguido e dos actos concretos descritos.
2.1 A decisão de 05/11/2024 do mesmo tribunal, que é complemento e parte integrante da referida sentença, tem o teor que se transcreve:
Por lapso, na sentença proferida, o Tribunal não se pronunciou quanto ao pedido civil deduzido pelo CH…
Assim, passa-se a decidir o mesmo.
DO PEDIDO CIVIL
Nos presentes autos, vem a demandante, Centro Hospitalar …, EPE., deduzir pedido de indemnização civil contra o demandado AA, peticionando o pagamento da quantia de €51,00 a título de danos patrimoniais, com fundamento na assistência hospitalar prestada a BB, em consequência das lesões infligidas na mesma pelo demandado.
De acordo com o disposto no artigo 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, pelo que ter-se-á que ter em conta ao que esta estatui quanto à responsabilidade civil extracontratual.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde podem constituir- se partes civis em processo penal por facto que tenha dado origem à prestação de cuidados de saúde, para dedução de pedido de pagamento das respectivas despesas.
De igual modo, o artigo 74º do Código de Processo Penal refere-se a essa possibilidade, podendo ler-se no seu n.º 1 que “o pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime (...)”.
Ora, no caso sub judice, e conforme resulta da sentença proferida, encontram-se verificados os elementos constitutivos da responsabilidade civil - O facto voluntário; a ilicitude desse facto; a imputação do facto ao lesante a título de dolo; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Nesta medida, a demandante ficou lesada, uma vez que prestou determinados serviços de saúde à queixosa, na sequência das lesões sofridas por esta como resultado da conduta do demandado em 20.02.2022, nos termos expostos em sede da factualidade provada na sentença proferia a 24.10.2024 e ficou privado dos montantes relativos ao seu pagamento, ou seja, a quantia de €51,00 – conforme demonstrado pela factura de fls. 443.
A falta de pagamento considera-se apurada na medida em que o pagamento é uma excepção peremptória cujo ónus da prova incumbe ao demandado, nos termos do artigo 342º, n.º 2 do Código Civil.
Assim, se o demandante alega que não foi paga a quantia em causa, não tendo o demandado feito prova do pagamento, conclui-se que a mesma está em dívida, devendo este último ser condenado no pagamento da quantia de €51,00.
Sobre a quantia em dívida incidem juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da notificação do pedido civil até efectivo e integral pagamento (vide artigos 804.º, 805.º e 806.º, todos do Código Civil).
Pelo exposto, o Tribunal condena o demandado AA a pagar à demandante, Centro Hospitalar …, EPE, a quantia de €51,00 (cinquenta e um euros), acrescida de juros civis à taxa em vigor, desde a data da notificação do pedido civil até efectivo e integral pagamento.
Sem custas.
Notifique.
Apreciemos.
Recurso interposto pelo Ministério Público
Verificação da nulidade prevista no artigo 134º, nºs 1, alínea b) e 2, do CPP
O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, veio interpor recurso do despacho proferido na sessão da audiência de julgamento de 27/09/2024, invocando que esse tribunal não advertiu a assistente BB da faculdade que lhe assistia de se recusar a depor quanto aos factos ocorridos durante a coabitação com o arguido, o que integra nulidade, nos termos do estabelecido no artigo 134º, nºs 1, alínea b) e 2, do CPP.
O despacho recorrido apresenta o seguinte teor:
A assistente não é testemunha.
O disposto no art.º 134º diz respeito a testemunhas.
O tribunal tem sempre em atenção que o assistente pode eventualmente querer desistir dessa qualidade, passando a ser testemunha e aí poder-se recusar a depor.
Foi o que o Tribunal fez para salvaguardar os interesses previstos na norma.
A assistente comunicou ao Tribunal que não pretende desistir da sua qualidade de assistente, logo o Tribunal não tem de comunicar à assistente a possibilidade do art.º 134 do CPP formalmente, apesar de o ter comunicado em substância, dando-lhe a possibilidade de deixar de ser assistente.
Notifique-se.
Pois bem.
Estabelece-se no artigo 134º, do CPP:
“1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas:
(…)
b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.
(…)
2 - A entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento.”
Resulta claro da acta da sessão da audiência de julgamento do dia 27/09/2024, que o Mmº Juiz previamente à tomada de declarações à assistente BB não lhe comunicou poder recusar-se a prestá-las e, findo esta, promovido pelo Ministério Público que lhe fosse feita a advertência, foi proferido o referido despacho.
Perante o indeferimento do promovido, o Ministério Público interpôs recurso dessa decisão em 30/10/2024, vindo arguir a nulidade prevista no transcrito nº 2, do artigo 134º.
Ora, o regime das nulidades apresenta-se sujeito aos princípios da legalidade e tipicidade, como resulta do artigo 118º, nº 1, do CPP, constituindo apenas nulidades insanáveis as que no artigo 119º, do mesmo diploma legal, se mostram elencadas ou as que como tal, são cominadas em outras disposições legais.
Não estando a apontada nulidade legalmente configurada como insanável e sendo impossível integrá-la nas previstas no artigo 119º, temos de a considerar como uma nulidade dependente de arguição, com o regime previsto no artigo 120º, nº 3, do CPP.
Ou seja, teria de o recorrente/Ministério Público, entendendo que estava presente, arguir a nulidade até ao momento em que a prestação de declarações pela assistente terminou, nos termos da alínea a), do referido nº 3.
Consequentemente, não tendo o recorrente invocado, atempadamente e perante o tribunal a quo (autoridade judiciária que praticou o acto em causa e a competente para reparar o vício) a omissão do dever de informação que entendia se impor fosse cumprido, está tal nulidade, a existir, sanada.
Quanto à parte do recurso relativa aos actos processuais subsequentes ao despacho de 27/09/2024, onde se inclui a sentença, que o recorrente/Ministério Público pretende sejam anulados em consequência da verificação da invocada nulidade, atento a decisão quanto a esta tomada, naturalmente tem também de improceder.
Recurso interposto pelo arguido
Dosimetria da pena principal aplicada
O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada na modalidade ampla a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra (sendo certo que também nem sequer foram invocados) qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a matéria de facto constante da sentença sob recurso.
E, face à factualidade dada como assente, temos de concluir que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime de violência doméstica por que o arguido foi condenado.
Discorda o recorrente da pena de 3 anos de prisão (suspensa na sua execução por igual período) aplicada pela prática do crime de violência doméstica, reputando-a de excessiva e propondo uma redução para dose próxima do mínimo legal.
Ao crime corresponde moldura penal de prisão de 2 a 5 anos.
Conforme resulta do estabelecido no artigo 40º, do Código Penal, toda a pena tem como finalidades “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – nº 1, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – nº 2.
Nos termos do artigo 71º, do mesmo, para a determinação da medida da pena tem de se atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e bem assim às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.
De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.
A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.
Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade – cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 227 e segs.
Da conjugação das duas mencionadas normas resulta que a pena concreta, numa primeira fase, é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.
Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras basilares: a primeira, explícita, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta proteger eficazmente os bens jurídicos violados; a segunda, que está implícita, é que se impõe ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido no seio da comunidade e da necessidade desta dele se defender, mantendo a confiança na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Percorrendo a sentença recorrida, verifica-se que o tribunal de 1ª instância atendeu para a determinação da pena concreta:
- as necessidades de prevenção geral, que se apresentam elevadas, dada a acentuada censura social e o alarme causado na comunidade pela prática do crime de violência doméstica;
- o período de tempo ao longo do qual os factos foram sendo praticados;
- a intensidade do dolo do arguido, que deliberadamente quis praticar os factos, agindo com dolo directo;
- o facto do arguido ser do sexo masculino, o que lhe confere superior força física, comparativamente com a vítima;
- as concretas consequências verificadas em BB;
- a idade do arguido à data dos factos – 22 anos de idade;
- a inserção social do arguido, que trabalha para garantir o seu sustento;
- a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido.
Atento o transcrito, mostra-se que o tribunal recorrido levou em linha de conta e de forma correcta os factores relevantes para a determinação da pena, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Importa, não obstante, se diga ainda que, não se mostra comprovado o arrependimento que o recorrente propala na sua motivação de recurso.
Com efeito, não consta dos factos dados como provados e nem ressalta da explicitação da formação da convicção do tribunal recorrido quanto aos mesmos, pois o que podemos alcançar é que assumiu alguma atitude crítica. Admitiu a possibilidade de, por várias vezes, ter injuriado e empurrado BB. Contudo, o arguido, ao admitir tais factos, tentava sempre, no seu discurso, relativizar os mesmos.
E, como se salienta no Ac. do STJ de 21/06/2007, Proc. nº 07P2042, disponível em www.dgsi.pt “há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir. Revela uma reinserção social, consumada ou prestes a consumar-se, pelo que as exigências de prevenção, na determinação da medida judicial da pena, são de diminuta relevância”.
Ora, esta “reflexão positiva” não transparece da decisão recorrida, pelo que não podemos considerar a existência de arrependimento.
Face ao exposto, efectuado juízo de ponderação sobre a culpa, como medida superior da pena e considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, resulta que a pena de 3 anos de prisão encontrada (suspensa na sua execução por igual período), não é desajustada por exceder a medida da respectiva culpa, antes adequada e proporcional.
Desnecessidade da pena acessória aplicada
O recorrente foi também condenado na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de dezoito meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, o que lhe merece discordância, apelando, entre o mais, para a sua idade, inserção social e profissional e ausência de antecedentes criminais, bem assim que exerce a actividade de …, sendo que em grande período do ano a desenvolve na praia, tendo uma maior exposição do seu corpo, pelo que, aduz, a pena acessória conduzirá a um pesado estigma social, que “não se coaduna com as necessidades de prevenção geral e especial”.
Quanto à fundamentação da aplicação da pena acessória, elucida-se na decisão revidenda:
Face à insuficiente autocensura demonstrada pelo arguido em julgamento, assim como a revolta demonstrada pela cessação do vínculo que o unia com a vítima, o Tribunal decide, nos termos do n.ºs 4 e 5 do art.º 152.º do CP, aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de dezoito meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância.
Analisemos.
Consagra-se no artigo 152º, do Código Penal (sob a epígrafe “violência doméstica”) que “nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica” – nº 4; sendo que “a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância” – nº 5.
Não podemos deixar de frisar que a elucidação efectuada pelo tribunal recorrido quanto à necessidade desta pena acessória e sua fiscalização pelos referidos meios prima por uma parcimónia que roça a falta de fundamentação.
Contudo, a exigência de fundamentação não constitui uma finalidade em si mesma, justificando-se essencialmente para permitir aos sujeitos processuais a percepção fácil do sentido da decisão e para que, em caso de recurso (caso seja admissível) o tribunal superior avalie convenientemente a razão do sentido da decisão.
Ora, explicita o tribunal a quo que essa necessidade resulta da insuficiente autocensura demonstrada pelo arguido em julgamento, assim como a revolta demonstrada pela cessação do vínculo que o unia com a vítima, pelo que podemos concluir entender esse tribunal que reside numa deficiente interiorização do desvalor da conduta delituosa pelo arguido e na susceptibilidade de recidiva em relação à vítima por força do seu inconformismo quanto ao fim do relacionamento e, por isso, se torna também imprescindível que o cumprimento dessa pena seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Seguindo a lição de Figueiredo Dias em Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 96, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas também de defesa contra a perigosidade individual.
Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também, ao estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.
Há que considerar, pois, a culpa do agente (que estabelece o limite máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar) e as exigências de prevenção nos termos referidos.
Cumpre ainda ponderar todas as circunstâncias que depõem a seu favor ou contra.
Dito isto, as exigências de prevenção geral são bem significativas, como bem salientou o tribunal a quo, cumprindo ter ainda em conta a necessidade de erradicar percepções erradas de condescendência com condutas dessa natureza.
No que tange ao grau de perigosidade revelado pelo arguido (e, também, nesta perspectiva, de ilicitude dos factos, com a mesma relacionada), dada a factualidade provada (onde avulta a entrada na habitação da vítima, em período em que esta estava a descansar, surpreendendo-a; o apertar do pescoço da vítima, que conduziu a que esta perdesse os sentidos momentaneamente; a pancada na face com um sapato e o agarrar o pescoço da vítima com ambas as mãos, empurrando-a até um parapeito localizado no cima de umas escadas, ficando a mesma com a cabeça suspensa para o lado exterior desse parapeito. Reiteração de comportamentos violentos que reflete também a forte energia criminosa de que estava animado) e a já identificada insuficiente interiorização do desvalor da conduta, temos de concluir que é muito elevado, não obstante a ausência de antecedentes criminais.
Face ao exposto, mostra-se necessária, adequada e proporcional, a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio e, considerando a moldura abstracta, não excessiva a graduação em 18 meses.
Quanto à fiscalização do cumprimento da pena acessória por meios técnicos de controlo à distância, importa ter em consideração, conjugando, para além do estabelecido no artigo 152º, nº 2, do Código Penal, o consagrado nos artigos 35º, nº 1 (“o tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”) e 36º, nºs 1 (“a utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta”) e 7 (“não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima”), da Lei nº 112/2009, de 16/09.
Atendendo ao já mencionado, resulta límpido que, para assegurar eficazmente a protecção de BB, se torna imprescindível que o cumprimento da pena acessória seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
E, escusado é, para tanto, o consentimento do arguido, pois fundamentada está, como dito, essa necessidade imperiosa.
Quanto ao entendimento vertido pelo recorrente de que a pena acessória vai expô-lo “a um estigma social muito pesado”, não alcançamos que assim seja e vero é que o constrangimento que possa existir na perspectiva do arguido se mostra perfeitamente justificado com a necessidade de proteger com eficácia a integridade física e, quiçá, a vida da vítima.
Termos em que, improcede também o recurso neste segmento.
Montante da indemnização atribuído oficiosamente à vítima
Critica ainda o recorrente o arbitramento da indemnização à vítima no montante de 2.000,00 euros, sustentando que é excessivo.
Porém, é de rejeitar o conhecimento desta questão do recurso, por identidade de razão, face à não cognoscibilidade, em recurso, da quantificação da indemnização arbitrada no âmbito de um pedido de indemnização civil, quando o valor do pedido não exceda a alçada do tribunal de primeira instância ou não esteja presente o requisito da sucumbência.
Com efeito, de acordo com disposto no artigo 400º, nº 2, do CPP, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
O artigo 44º, nº 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), fixou a alçada dos tribunais de primeira instância em 5.000,00 euros.
É certo que, sendo a indemnização atribuída oficiosamente, não existe um valor peticionado pelo lesado, no âmbito de um pedido cível por si deduzido.
Porém, não seria coerente na ordem jurídica admitir o conhecimento, em recurso, do pedido de redução de um montante indemnizatório arbitrado oficiosamente à vítima em 2.000,00 euros ao abrigo do disposto no artigo 21º, nº 2, da Lei nº 112/2009, de 16/09, quando não é susceptível de recurso igual pretensão concernente a um pedido de indemnização civil deduzido pela vítima no valor de 2.000,00 euros e julgado totalmente procedente.
E o valor que o arguido foi condenado a pagar à ofendida também não excede metade da alçada do tribunal recorrido, pelo que nunca estaria verificado o requisito da sucumbência.
De onde, cumpre rejeitar o recurso na parte relativa a esta questão, por a mesma ser irrecorrível.
III - DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
A) Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público;
Sem tributação.
B) Rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA na parte concernente à condenação, nos termos do artigo 21º, nº 2, da Lei nº 112/2009, de 16/09, no pagamento a BB da quantia de 2.000,00 (dois mil) euros, por inadmissibilidade legal - artigos 400º, nº 2, 414º, nº 3 e 420º, nº 1, alínea b), do CPP.
C) Quanto ao mais, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.
Évora, 25 de Março de 2025
(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)
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(Artur Vargues)
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(Mafalda Sequinho dos Santos)
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(J. F. Moreira das Neves)