Para que possa haver lugar à alteração da medida coactiva imposta ao arguido, o pedido/requerimento nesse sentido ter-se-á de fundamentar numa concreta verificação de uma atenuação das exigências cautelares.
Relativamente à sua alteração, quer no sentido atenuativo quer agravativo, a lei pressupõe sempre que algo mudou entre uma decisão e a subsequente.
Só a existência de uma qualquer alteração factual, a ocorrência superveniente de facto ou alteração de direito justifica a reponderação dos elementos que são pressupostos da decisão.
1. No Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … – Juiz … Processo com o nº 1359/24.0GBABF, foi proferido despacho, aos 28/12/2024, que decidiu manter o arguido AA sujeito à medida de coacção de prisão preventiva aplicada por despacho de 29/06/2024 lavrado após 1º interrogatório judicial de arguido detido.
2. Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o arguido, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição):
1. O Arguido encontra-se preso preventivamente desde o dia 29/06/2024, após lhe ter sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva na sequência do 1.º interrogatório judicial;
2. O despacho que decretou a medida de coacção de prisão preventiva transitou em julgado, não tendo o arguido recorrido do mesmo;
3. O arguido requereu a substituição da medida de coacção de prisão preventiva pela medida de obrigação de permanência na habitação, por entender que actualmente existem um conjunto de factores que atenuam as exigências cautelares que determinaram a prisão preventiva;
4. O arguido juntou prova documental, a qual determina, no seu entender, para além daquela já existente nos autos, que há fundamentos para haver a alteração da medida de coacção de prisão preventiva por outra menos gravosa, nomeadamente pela obrigação de permanência na sua habitação, sujeita a vigilância electrónica;
5. O arguido entende que tal medida é mais justa, adequada e proporcional à actual situação em que os autos se encontram e até pela forma como se alteraram os circunstancialismos em que tudo aconteceu;
6. O arguido deixou de beber e frequentou, já em meio prisional, um curso sobre a sensibilização e a problemática do álcool;
7. O arguido tem mantido um bom comportamento na prisão, conforme documentos juntos autos;
8. O arguido, em meio prisional, tem procurado manter-se ocupado, sendo que tem frequentado vários cursos sobre temáticas vocacionadas para a problemáticas dos consumos de álcool, da violência e agressividade, entre outras;
9. O arguido, dentro do estabelecimento prisional, trabalha na faxina.
10.A Ofendida continua a visitar o arguido, quer durante o prédio em que esteve grávida, quer já depois do filho de ambos ter nascido;
11.A ofendida deixou de residir na casa do arguido.
12.A ofendida já manifestou o propósito de desistir da queixa crime apresentada contra o arguido.
13.O arguido tem casa própria, a qual está desabitada.
14.O arguido conta com o apoio incondicional dos seus pais, os quais vivem perto da sua casa, na localidade de …, em ….
15.A prisão preventiva não tem em vista uma punição antecipada.
16.Trata-se de uma medida de carácter excepcional que só poderá ser deferida com base em factos que o justifiquem, o que, salvo o devido respeito por melhor opinião, mas já não é o caso.
17.O Tribunal “a quo” aceita tais alterações de facto, e trazidas ao conhecimento do Tribunal, referindo que “apesar de louváveis, não constituem, pelo menos por ora, até pela sua natureza e dimensão factores que possam pôr em causa o perigo de continuação criminosa que, nesta situação, surge fundado tanto na natureza e circunstâncias do crime, como na personalidade do arguido …” ora, é precisamente com esta situação que discordamos.
18. Entendemos que o Tribunal “a quo” não teve em consideração que não há qualquer perigo da actividade criminosa, nem perturbação do inquérito, nem tão pouco perturbação da ordem publica;
19. O arguido não vai perturbar a investigação, pois já foi ultrapassada essa fase de inquérito.
20.Nem tão pouco vai continuar a actividade criminosa, pois irá permanecer na sua casa sozinho.
21. A questão principal nos presentes autos é de saber se continuam a manter-se válidos os pressupostos que deram origem à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
22. Aqui chegados, entendemos que, os pressupostos que deram origem ao decretamento da prisão preventiva deixaram de existir.
23. Vejamos: o arguido deixou de ingerir bebidas alcoólicas, a ofendida continua a manter contactos regulares com o arguido, o filho de ambos já nasceu, e o arguido perfilho-o.
24. A ofendida não mais prestou quaisquer declarações posteriormente aos factos.
25. A ofendida já veio aos autos apresentar requerimento com o pedido de desistência de queixa contra o arguido.
26. A medida de coacção de obrigação de permanência na habitação é medida suficiente para assegurar que o Arguido se mantém abstinente de álcool, não perturbará a investigação, nem tão-pouco perturbará qualquer ordem pública.
27. Pelo que, o Arguido considera que o Tribunal errou, quando indeferiu o pedido de substituição da prisão preventiva por obrigação de permanência na habitação.
Pelo supra exposto, entende-se que, o Tribunal de Instrução a quo ao decidir como decidiu violou os artigos. 27.º CRP, arts. 18.º n.º 2, 28.º n.º 2 e 32.º n.º 2 da CRP e dos arts. 191.º n.º 1, 192.º, 2, 193.º, 202.º e 204.º do CPP. TERMOS EM QUE, DEVE O DESPACHO RECORRIDO SER REVOGADO POR OUTRO QUE SUBSTITUA A PRISÃO PREVENTIVA APLICADA AO RECORRENTE E APLIQUE A ESTE OUTRA MEDIDA DE COAÇÃO QUE RESPEITE OS PRINCÍPIOS DA NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO, PROPORCIONALIDADE E MENOR INTERVENÇÃO, OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO PERIÓDICA COM A PROIBIÇÃO E IMPOSIÇÃO DE CONDUTAS, NÃO SENDO ESTAS SUFICIENTES, A OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO QUE PODERÁ SER CUMPRIDA NA SUA HABITAÇÃO, SITA EM RUA …, …, EM …, UMA VEZ QUE O ARGUIDO VAI ESTAR SOZINHO. Só assim será feita JUSTIÇA!
3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
4. Respondeu à motivação de recurso a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal de 1ª instância, pugnando por lhe ser negado provimento.
5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, em síntese, como se transcreve:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (Cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 e de 24-3- 1999 e ainda Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).
A questão colocada à alta apreciação de Vossas Excelências, Ilustres Desembargadores prende-se em saber se se justifica a alteração da medida de coacção, ou seja, se a medida de coacção – prisão preventiva, deve ser substituída pela medida de coacção – OPHVE.
Sempre se dirá, desde já, que a razão está com o Mme Juiz “a quo” e com a nossa Ex.ma Colega junto da 1ª instância.
Recorde-se que no despacho judicial sob censura ficou a constar:
No dia 28/06/2024, na sequência do 1.º interrogatório judicial, foi aplicada ao arguido AA a medida de coacção de prisão preventiva, por se entender estar fortemente indiciada a prática do crime de violência doméstica, p. no artigo 152.º, n.º 1, al. b) e 2, do Código Penal, ocorrerem as exigências cautelares prevenidas nas alíneas b) e c) do artigo 204.º, do Código de Processo Penal, e ter-se afastado expressamente a medida de obrigação de permanência na habitação
É consabido que o crime de violência doméstica têm gerado enorme alarme social ao qual não é estranho o protagonismo dado pela comunicação social mas e principalmente pelo facto nada despiciendo do número de vítima mortais neste específico contexto1.
No caso concreto, o arguido argumenta que têm mantido bom comportamento prisional, trabalha na faxina do EP, deixou de consumir bebidas alcoólicas e a ofendida mantém contactos regulares com o arguido.
Salvo sempre o devido e merecido respeito, somos de parecer que a argumentação trazida aos autos, nesta sede, pelo arguido / recorrente não têm a virtualidade necessária para fundamentar a pretendida alteração da medida de coacção imposta (PP).
Com efeito dar nota de que o arguidos tem bom comportamento prisional, trabalha na faxina e deixou o consumo do álcool são aspectos que apresentam algum relevo. Porém, no nosso modesto parecer, são apenas isso, aspectos positivos mas que não têm impacto nem são relevantes para o caso em apreço.
Porém, para que possa haver lugar à alteração da medida coactiva imposta ao arguido, como o pretendido, o pedido/requerimento nesse sentido, ter-se-á de fundamentar numa concreta verificação de uma atenuação das exigências cautelares.
Relativamente à sua alteração, quer no sentido atenuativo quer agravativo, a lei pressupõe sempre que algo mudou entre uma decisão e a subsequente.
Com efeito, a jurisprudência mormente deste Tribunal da Relação de Évora afirma, de forma categórica, o seguinte: “…Assim, só a existência de uma qualquer alteração factual, a ocorrência superveniente de facto ou alteração de direito justifica a reponderação dos elementos que são pressupostos da decisão…2”.
Nessa esteira, saliência para o Ac. Relação de Évora de 31.08.2016, procº 27/15.8GBSTB-A.E1, relator João Gomes de Sousa, donde se respiga, com a necessária e devida vénia, o seguinte excerto: “…De onde decorrem duas claras asserções lógicas: a medida de coacção altera-se se ocorrer alteração das circunstâncias; mantém-se caso tal não ocorra (sublinhado da nossa responsabilidade)
De tudo se deduz a imutabilidade da decisão caso não ocorram circunstâncias de facto e de direito entre a primeira tomada de decisão e a sua revisão que impliquem uma alteração da decisão, sem prejuízo dos deveres oficiosos e do prazo de reanálise dos pressupostos de aplicação das medidas.
É ver o acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 20-12-2012 (30/10.4PEBJA-C.E1, rel. Ana Bacelar Cruz) “as decisões que aplicam medidas de coação estão sujeitas à condição rebus sic stantibus, no sentido de se manter a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que assentam”.
Di-lo, de forma clara, o acórdão da TRP de 22-09-1999 (rel. Teixeira Mendes): “Enquanto não ocorrerem alterações fundamentais ou significativas da situação existente à data em que foi decidido aplicar a prisão preventiva (admitindo que concorriam nessa altura as hipóteses ou condições previstas na lei) não pode o tribunal reformar essa decisão sob pena de, fazendo-o, provocar a instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios com inevitáveis reflexos negativos no prestígio dos tribunais e nos valores da certeza ou segurança jurídica que constituem os verdadeiros fundamentos do caso julgado”.
Nesta conformidade, somos de parecer com o respaldo do entendimento destes Ilustres Desembargadores e da demais doutrina que não ocorrendo alterações fundamentais da situação existente à data da prolação do despacho que determinou que o aqui arguido aguardasse os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coacção – prisão preventiva – não pode o tribunal reformular essa decisão atento o princípio do “rebus sic standibus”.
Consequentemente, bem andou o Tribunal “a quo” ao proferir o despacho ora posto em crise nos moldes em que o fez.
Assim sendo e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido AA e manter o douto despacho ora posto em crise.
6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Âmbito do Recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:
Verificação de circunstâncias atenuativas das exigências cautelares que determinaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
Adequação e proporcionalidade de medida de coacção não detentiva ou, subsidiariamente, de obrigação de permanência na habitação.
2. Elementos relevantes para a decisão
2.1 Aos 29/06/2024, em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido, foi aplicada ao arguido/recorrente a medida de coacção de prisão preventiva, por existirem fortes indícios da prática pelo mesmo, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, do Código Penal.
E, se verificarem, em concreto, os perigos de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, continuação da actividade criminosa e perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, tendo esta decisão transitado em julgado.
2.2 Em 10/12/2024, foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra o arguido/recorrente, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal.
2.3 Em 19/12/2024, o arguido veio impetrar a substituição da medida de coacção de prisão preventiva pela de obrigação de permanência na habitação, sujeita a vigilância electrónica “ou outra medida de coacção menos gravosa que se entender adequada”, com fundamento em que a ofendida BB requereu a desistência da queixa contra o arguido; nesse requerimento refere que nunca ele a agrediu na barriga, quando estava grávida e que o que se passou foi uma discussão entre o casal devido a estar muito alcoolizado; a ofendida mantém visitas regulares ao arguido; o arguido desenvolve actividades no Estabelecimento Prisional, não averba sanções disciplinares e frequentou sessões sobre a temática da agressividade, também do álcool e bem assim a igreja; o arguido tem casa própria, emprego estável em meio livre e o apoio dos progenitores.
2.4 O despacho recorrido, lavrado aos 28/12/2024, apresenta o seguinte teor (transcrição):
I. Por requerimento de 19/12/2024 veio o arguido AA solicitar a «substituição da medida de coacção de prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica».
O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido (cf. ref.ª citius … de 26/12/2024).
Cumpre apreciar e decidir.
1. No dia 28/06/2024, na sequência do 1.º interrogatório judicial, foi aplicada ao arguido AA a medida de coacção de prisão preventiva, por se entender estar fortemente indiciada a prática do crime de violência doméstica, p. no artigo 152.º, n.º 1, al. b) e 2, do Código Penal, ocorrerem as exigências cautelares prevenidas nas alíneas b) e c) do artigo 204.º, do Código de Processo Penal, e ter-se afastado expressamente a medida de obrigação de permanência na habitação.
Esse despacho transitou em julgado.
Vem agora, por meio do requerimento sub judice, apresentado em 19/12/2024, requerer a substituição da medida de coacção vigente (prisão preventiva) pela medida de obrigação de permanência na habitação.
2. Sobre a substituição de medida de coacção em vigor dispõe o artigo 212.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, nestes termos:
«Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução».
Esta norma pressupõe uma “modificação do estado” relativo às exigências cautelares em que se estribou a aplicação da medida que estiver em causa.
Essa “modificação do estado” há-de ser superveniente à primeva decisão e terá de o ser em determinado sentido: dela haverá de emergir um quadro de facto novo de onde resulte a atenuação da(s) exigência(s) cautelar(es) que esteja(m) em causa.
Dito de forma enxuta: para a substituição da medida de coacção em vigor por outra menos grave, n.º 3 do artigo 212.º, importa que sobrevenha facto ou circunstância novo (isto é, superveniente ao despacho que aplicou a medida em vigor e por isso neste não ponderado) que se reflicta no substracto em que se corporizou(aram) a(s) exigência(s) cautelar(es) que determinou(aram) a aplicação da medida de coacção.
Quando não sobrevenha qualquer “modificação do estado em consequência de um quadro de facto novo que redunde no enfraquecimento da(s) exigência(s) cautelar(es)” então tudo permanecerá intocado, isto é, o regime coactivo manter-se-á, não haverá lugar a qualquer substituição da medida que estiver em vigor, pois as medidas de coacção estão, como é costume dizer-se, ressalvado o decurso do tempo e seus reflexos em sede de proporcionalidade, sujeitas à condição “rebus sic stantibus”.
Desta condição extrai-se que, com excepção do decurso dos prazos legalmente impostos, as medidas em vigor mantêm a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que assentou a sua aplicação (3).
3. In casu, ressalvado o devido respeito, o arguido no seu requerimento não alega qualquer factualidade que se possa relevar nos termos assinalados em 2., senão atente-se:
A alegação do artigo 5.º é irrelevante por conclusiva e genérica. Concretizada seria antes matéria a esgrimir no âmbito do controlo sobre a decisão de acusar, mas essa é finalidade legal da fase da instrução.
Sempre se dirá, todavia, quanto ao vertido no artigo 7.º do requerimento que a factualidade ali vertida não está ancorada apenas nas declarações da Ofendida que agora, por meio do requerimento de 17/12/2024, passe a expressão, “vem dar o dito por não dito”…
As alegações vertidas nos artigos 8.º e 9.º não concernem ao arguido, mas traduzem acções e aspirações da Ofendida.
O bom comportamento prisional e a frequência de diversas acções por banda do arguido, cf. pontos 10.º a 15.º do requerimento, apesar de louváveis, não constituem, pelo menos por ora, até pela sua natureza e dimensão, factores que possam pôr em causa o perigo de continuação da actividade criminosa que, nesta situação, surge fundado tanto na natureza e circunstâncias do crime, como na personalidade do arguido, a quem foi, ademais, diagnosticada perturbação mental e comportamental devido ao uso de álcool, cf. relatório pericial ref.ª citius … de 4/01/2024.
A aproximação (ou reaproximação) da Ofendida ao arguido, em contexto de violência doméstica subjacente ou pretérito, também não releva como circunstância que possa valer para a extinção ou o enfraquecimento das exigências cautelares em causa, cf. pontos 8 a 10 e 16 a 18 do requerimento.
Logo, concluímos que para o plano das exigências cautelares e dos concretos factores que as suportam, umas e outras exaradas no despacho que decretou a prisão preventiva, o requerimento, em rectas contas, nada trás.
II. Decidindo,
Por tudo o exposto, indefiro o requerimento apresentado pelo arguido.
Notifique.
Apreciemos.
Verificação de circunstâncias atenuativas das exigências cautelares que determinaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva
Importa desde logo salientar que estamos perante recurso de despacho que mantém decisão anterior (de 29/06/2024) em que foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva ao arguido/recorrente por existirem fortes indícios de ter cometido um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, do Código Penal.
Mais se considerou no despacho que aplicou a medida de coacção verificarem-se, em concreto, os perigos de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, continuação da actividade criminosa e perturbação grave da ordem e tranquilidade pública.
Assim, e sob pena de violação do princípio da submissão das medidas de coacção à condição rebus sic stantibus (que resulta da conjugação do estabelecido nos artigos 212º, nºs 1 e 3 e 213º, do CPP) importa apenas analisar se sobreveio motivo que justifique alteração legal da medida anteriormente tomada, posto que a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham conduzido à sua aplicação – neste sentido, vd. por todos, Acs. da Relação de Évora de 05/04/2022, Proc. nº 1063/21.0PBSTB-A.E1, 14/03/2023, Proc. nº 108/22.1GBETZ-B.E1, 21/11/2023, Proc. nº 112/23.2PAOLH-M.E1 e 23/04/2024, Proc. nº 2/22.6.E1, disponíveis em www.dgsi.pt. Ou seja, os factos e fundamentos a considerar só poderão ser os que não tenham sido ponderados no despacho que a decretou.
Destarte, cumpre apurar se os pressupostos que determinaram a aplicação daquela medida detentiva ao recorrente se alteraram e, assim sendo, ainda se resulta atenuação das exigências cautelares que constituíram seus fundamentos.
Analisemos então.
No que à existência da forte indiciação diz respeito, não trouxe o recorrente aos autos factos ou circunstâncias alguns susceptíveis de integrarem alteração dos que levaram à conclusão pela sua verificação.
Na verdade, a mencionada “desistência da queixa” apresenta-se como irrelevante, pois o crime imputado reveste natureza procedimental pública.
Por outro lado, a declaração por escrito da ofendida constante da referida “desistência da queixa” a propósito do comportamento do arguido também não pode ser tomada em conta para o efeito, desde logo porque se desconhece se prestada com vontade livre (e a sua credibilidade mostra-se até duvidosa, pois reconhece no mesmo escrito que é de nacionalidade estrangeira, com título de residência temporário e “precisa do pai do seu filho fora do estabelecimento prisional, para ajudá-la a criar o filho de ambos”, tendo-se recusado a prestar declarações na fase de inquérito), sendo que dos autos consta o depoimento da testemunha presencial CC, que relata ter visualizado o arguido, na via pública, a desferir uma pancada nas costas da ofendida que a fez tombar no solo. Estando esta no solo, desferiu-lhe aquele vários “pontapés na barriga” e vários murros na face e nas costas.
E, não se pode olvidar que se encontrava a vítima grávida de vinte e três semanas, o que era do pleno conhecimento do arguido e até visível para o cidadão comum.
Mais referiu a testemunha que, “sempre que a senhora se tentava levantar o indivíduo puxava-lhe pelos cabelos em direcção ao chão, impedindo-a de se levantar” e ainda que “o indivíduo empurrou a senhora contra os caixotes de lixo”.
Também a testemunha, militar da GNR, DD, que, encontrando-se em serviço de patrulha, se deslocou para o local dos acontecimentos, descreveu que a ofendida apresentava escoriações nas pernas e nos joelhos e também que o arguido “aparentava estar embriagado e possivelmente drogado, que disse por diversas vezes que o filho que tinha na barriga não era seu e quando este nascesse que o iria matar”.
Quanto aos mencionados perigos, também não vemos que os factos que o arguido aduz para sustentar a sua pretensão coloquem em causa a subsistência ou conduzam à conclusão pela atenuação dos mesmos, desde logo no que concerne aos de continuação da actividade criminosa e perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e vero é que os perigos elencados no artigo 204º, do CPP, susceptíveis de sustentarem a aplicação de medida de coacção para além da de termo de identidade e residência, são de verificação alternativa e não cumulativa.
Com efeito, os factos em causa reportam-se a 29/06/2024 e nesse dia foi o arguido, após as indiciadas agressões, conduzido pelos bombeiros ao hospital psiquiátrico de …, devido a alterações de comportamento em consequência da ingestão de bebidas alcoólicas.
Comportamento violento que não se mostra episódico no seu percurso de vida, pois, por decisão transitada em julgado em 03/07/2020, foi condenado na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período temporal, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, do Código Penal e um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nº 1, alínea a), do mesmo Código.
E vero é que, com tal suspensão da execução da pena foram impostas a frequência de programa indicado pela DGRSP sobre a violência doméstica com acompanhamento pelo DICAD, com enfoque no tratamento psicoterapêutico de manutenção de abstinência, mostrando-se claro que de nada serviram.
O arguido encontra-se a ser acompanhado pela Equipa Especializada de Tratamento (ETET) do … desde 16/07/2024 no EP de … e participou nas sessões do Grupo Psicoeducativo sobre Problemas Ligados ao Álcool dinamizado pelo ETET nesse EP, mas já tinha sido acompanhado pelo ETET do … de Novembro de 2019 a Outubro de 2022, o que não o impediu de manter a problemática alcoólica e vir a adoptar (indiciariamente, bem entendido) o comportamento em causa.
Acresce que, do Relatório da Perícia Psiquiátrica Forense realizada ao arguido consta, para além da conclusão pela sua imputabilidade, ser possuidor dos diagnósticos de Perturbação Mental e Comportamental Devido ao Uso de Álcool e de Perturbação da Personalidade do tipo Antissocial (…) as pessoas com o diagnóstico Perturbação da Personalidade do tipo antissocial apresentam um padrão de comportamento impulsivo, desprezo pelas normas sociais e indiferença ou desrespeito pelos direitos e pelos sentimentos dos outros. Frequentemente, demonstram também baixa consciência ou sentido moral associado a um histórico de problemas legais e comportamentos agressivos ou impulsivos.
Termos em que, não pode deixar de improceder o recurso neste segmento.
Adequação e proporcionalidade de medida de coacção não detentiva ou, subsidiariamente, de obrigação de permanência na habitação.
Considera ainda o recorrente que devia ser aplicada medida de coacção não detentiva ou, quando muito, a de obrigação de permanência na habitação.
Ora, nos termos do nº 3, do artigo 212º, do CPP, “quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.”
Não demonstrou o recorrente, nem se vislumbra que tenham ocorrido, como ficou dito, após a prolação do despacho lavrado no final do 1º interrogatório judicial de arguido detido, factos com o mérito de configurarem essa atenuação.
No que tange ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução, como resulta do estabelecido na alínea b), do artigo 204º, do CPP, o perigo de perturbação a atender, entre outros, pois a enunciação é meramente exemplificativa, prende-se com a aquisição, conservação ou veracidade da prova e tanto pode ocorrer no decurso da fase de inquérito, como posteriormente a esta, como sejam na de instrução – a que se reportam os artigos 286º a 310º, do CPP - ou mesmo de julgamento, nestas primacialmente nas vertentes da sua conservação ou veracidade.
Com efeito, o que consta do aludido normativo é: “perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova”.
A menção a “instrução do processo” abrange, não só a fase facultativa de instrução, mas todo o decurso do processo até à audiência de julgamento, reportando-se à actividade probatória que se desenvolve e vai desenvolvendo sequencialmente ao longo do mesmo, à semelhança da expressão utilizada no título V do Código de Processo Civil, precisamente “Da Instrução do Processo” (Capítulo III do CPC de 1961).
Só com este entendimento se pode conceder sentido útil ao escopo de proteger a conservação ou veracidade da prova adquirida, pois não se vê que o legislador pretendesse conferir essa protecção durante o inquérito e a instrução – a prevista nos artigos 286º a 310º, do CPP – mas a reputasse desnecessária na fase de julgamento, sendo certo que, como é sabido, o princípio geral é de que “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”, nos termos do nº 1, do artigo 355º e que a leitura de declarações do assistente, das partes civis e de testemunhas recolhidas em autos em fase anterior do processo só é admissível nos termos do artigo 356º do mesmo diploma legal, abrindo desta forma a porta à susceptibilidade de desvirtuação destas por via da intimidação ou aliciamento (ou outra) de quem as prestou pelos arguidos e assim colocando em causa a verdade material que se pretende apurar.
Não resulta do despacho revidendo que tenha o recorrente por algum modo tentado perturbar ou desvirtuar a prova recolhida nos autos, mormente a testemunhal, mas essa elevada probabilidade mantém-se, considerando a manifesta dependência económica e psicológica da ofendida face ao arguido, expressa na sua declaração de “desistência da queixa” de 17/12/2024 e bem assim no requerimento que apresentou nestes autos aos 12/09/2024 onde refere ser “emigrante, de nacionalidade …, não tendo qualquer familiar em Portugal”.
Mantêm-se, pois, a referida indiciação, bem como os perigos, aliás muito intensos, em razão da referida problemática de que enferma o recorrente, antecedente criminal e natureza e apuradas circunstâncias do crime de, pelo menos, continuação da actividade criminosa e perturbação do decurso da instrução do processo, com relevo bastante para justificar a manutenção da medida de coacção detentiva em meio institucional que aplicada se mostra, única adequada, necessária e proporcional. Na verdade, medidas não detentivas ou mesmo a detentiva em meio não institucional, não evitam que, de forma inopinada e inesperada, o arguido contacte com testemunhas com vista à orientação em sentido que lhe seja favorável, em oposição à realidade, dos respectivos depoimentos ou reitere o comportamento criminoso nos presentes autos em causa, apresentando-se como desadequadas e insuficientes por aos referidos perigos não obstarem, não satisfazendo as significativas exigências cautelares que in casu se fazem sentir.
Inexiste, por isso, obliteração das normas contidas nos artigos 18º, nº 2, 27º, 28º, nº 2 e 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, bem assim das normas do Código de Processo Penal que invoca.
Pelo exposto, não merecendo censura a decisão recorrida, tem de ser negado provimento ao recurso.
III - DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso pelo arguido AA interposto e confirmar a decisão recorrida.
Condena-se o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.
Évora, 25 de Março de 2025
(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)
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(Artur Vargues)
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(Jorge Antunes)
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(Carla Oliveira)
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1 Só no decurso de Janeiro de 2025 foram mortas 5 (cinco) mulheres vítima de violência doméstica (tviplayer.iol.pt/www.publico.pt)
2 Ac. Relação de Évora de 29.01.2013, procº 204/12.3GBMMN-B.E1, relator João Gomes de Sousa
(3) Cf. os Acórdãos da Relação de Évora, de 20/12/2012, Relatora Ana Bacelar Cruz (Proc. 30/10.4PEBJA-C.E1 ); de 31/08/2016, Relator João Gomes de Sousa (Proc. 27/15.8GBSTB-A.E1) e de 08/03/2018, Relator António Condesso (Proc. 110/13.4 PEBRR-E.E1), todos acessíveis em www.dgsi.pt