Devendo o agente do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, não estamos, porém, perante uma aplicação automática, por mero efeito da lei, de uma pena, mas à sua aplicação, no caso concreto, por intervenção de um tribunal, dentro dos limites consentidos pelo princípio da culpa e de acordo com as exigências, gerais e especiais, da prevenção.
Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também, ao estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.
1. Nos presentes autos com o nº 3281/23.8GBABF, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … – Juiz …, em Processo Abreviado, foi o arguido AA condenado, por sentença de 24/10/2024, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 291º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 12,00 euros.
Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses.
2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
I. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido na pena acessória de 5 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do art. 69º, nº 1, al. a), do CP.
II. O tribunal a quo aplicou ao arguido a pena acessória de 5 meses de proibição de conduzir veículos motorizados.
III. De acordo com o princípio do carácter não automático dos efeitos das penas, expressamente consagrado no art. 65º, nº 1, do CP, “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”.
IV. Assim, para que se justifique a aplicação de uma pena acessória é necessário que o juiz comprove um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação da pena acessória.
V. No caso concreto e uma vez que o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido foram moderados não existe justificação para a pena acessória aplicada.
VI. O arguido não tem antecedentes criminais, sendo que os crimes que lhe foram imputados consubstanciam episódios únicos na sua vida.
VII. O arguido nunca cometeu nenhuma contra-ordenação grave ou muito grave, sendo, por isso, um condutor exemplar.
VIII. O arguido está inserido profissional e socialmente.
IX. Sem prescindir sempre se diga que, face à matéria dada como provada, o período de 5 meses aplicado é manifestamente excessivo.
X. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69º, nº 1, do CP, apresenta uma moldura variável entre um limite mínimo (3 meses) e um limite máximo (3 anos).
XI. A sua determinação deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção (art. 71º, do CP).
XII. Ora, para além dos factos supra referidos, o arguido é trabalhador das minas da … em … e necessita do título de condução, em virtude de utilizar o automóvel para se deslocar para o trabalho e deste para casa, perfazendo 80Km.
XIII. Acresce que, não tendo possibilidades económicas para contratar um motorista, a pena aplicada causar-lhe-á inúmeros prejuízos, que podem colocá-lo numa situação de absoluta carência económica, atentas as despesas que tem a seu cargo.
XIV. Paralelamente, é de notar que o período de 5 meses aplicado, não é sustentado nos mesmos argumentos que o tribunal invocou para a determinação da pena principal, designadamente a ilicitude do facto (moderada), a inexistência de antecedentes criminais, as condições pessoais do arguido e a sua situação económico e profissional.
XV. Por outro lado, as exigências de prevenção especial e geral também não justificam tal medida.
XVI. Assim, a medida da pena acessória deve ser reduzida para o seu limite mínimo (3 meses).
XVII. Pelo exposto, o tribunal a quo violou, entre outros, os arts. 65º, 69º e 71º, todos do CP.
Termos em que e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
I. O arguido ser absolvido da pena acessória aplicada ou, subsidiariamente;
II. A mesma ser reduzida para o seu limite mínimo (3 meses).
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça!
3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu improvimento.
5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos, em síntese (transcrição):
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (Cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 e de 24-3- 1999 e ainda Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).
Resulta, em nosso parecer, da leitura do recurso apresentado pelo arguido/recorrente a existência de 1 (um) ponto de discordância com a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
Assim a pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, mostra-se excessiva. Clama no sentido de: “XVI. Assim, a medida da pena acessória deve ser reduzida para o seu limite mínimo (3 meses) “.
Cumpre adiantar, desde já, que falece por inteiro, a razão ao arguido.
Com efeito, o seu Ilustre advogado / defensor não pode, com todo o devido e merecido respeito “branquear” as circunstâncias que levaram à condenação do arguido.
Importa pois referir o que consta da acusação na parte que aqui releva:
No dia 02.12.2023, pelas 03h49, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …, na Avenida …, em … e submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue apurou-se uma T.A.S. igual a 2,13 g/l, que deduzido o E.M.A. corresponde a uma taxa não inferior a 2,014 g/l. (negrito da nossa responsabilidade).
Mais alegou que “tendo perdido o transporte para o trabalho e, pela ironia do destino, logo nesse dia – no 05 de Junho de 2024, pelas 21h15, foi abordado pela GNR no âmbito de fiscalização rodoviária a circular no veículo automóvel com a matrícula …”.
Ora, compulsados os autos, resulta claramente que, o arguido entregou á ordem dos presentes autos uma carta de condução que não era válida, mantendo na sua posse o título válido emitido a 15.09.2020.
Ademais, constata-se à saciedade, que durante o período da suspensão provisória do processo, o arguido em duas ocasiões distintas, ou seja, a 23.04.2024 e 05.06.2024, conduziu o seu veículo automóvel de matrícula …, e “por ironia do destino”, foi fiscalizado pela Guarda Nacional Republicana no exercício da condução.
Salienta-se ainda que o mesmo exibiu a carta de condução portuguesa com o n.º …, emitida a 15.09.2020, a qual lhe foi depois apreendida no âmbito do processo n.º 51/24.0…, cfr. fls. 45 e ss.
Destarte, e sem mais considerandos, dúvidas não existem que o arguido incumpriu a injunção a que se comprometeu, deliberadamente, de forma ostensiva, em várias ocasiões e por motivos que só a si são imputáveis, colocando em crise as finalidade do instituto da suspensão provisória, não sendo aceitável ou plausível prorrogar ou relevar tais incumprimentos.
Aqui chegados pode concluir-se que o arguido apesar de ter “beneficiado” de uma “SPP” não a cumpriu “lançando mão” do facto de ter duas cartas de condução.
Curiosamente, o arguido fez a entrega da carta de condução não válida ao Tribunal.
E, servindo-se desse “expediente” continuou a conduzir tendo sido fiscalizado pela GNR.
Revela uma personalidade desconforme com o direito e perdoe-se a expressão até temerária.
A questão da medida da pena
A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, no caso concreto (art. 71º, n.º 1, do C. P.), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2), designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto; as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
Numa visão humanista mas ao mesmo tempo atenta às exigências próprias do direito do direto penal moderno, a Excelentíssima Desembargadora Filipa Costa Lourenço no Acórdão da Relação de Lisboa de 24.07.20171, coloca (e bem, no nosso entendimento, modesto é certo) que há que castigar e, ao mesmo tempo, (sem postergar a função delimitadora da culpa do agente, fundamento e medida de pena) atentar com alguma acuidade nos fins de prevenção geral e especial, não se podendo optar sistematicamente pela aplicação, perdoe-se-nos o termo, de penas “simbólicas”, sem qualquer projecção na vida e comportamento futuro dos criminosos, ao mesmo tempo que não apazigua as necessidades de prevenção geral.
Os arguidos têm que de alguma forma sentir o desvalor da sua conduta que é sancionado pelo Estado de Direito, pelo simples facto de terem delinquido.
Salvo sempre melhor entendimento, não pode o Ilustre mandatário/defensor do arguido não atender ao facto, nada despiciendo, de que o arguido foi surpreendido com uma TAS superior a 2,0 g/l.
Concorda-se, de pleno, com a pena imposta ao arguido. Não merece qualquer censura ou reparo.
A pena acessória
Nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido, entre outros, por crime previsto no artigo 292º do Código Penal.
Os critérios legais previstos para as penas principais são integralmente aplicáveis às penas acessórias, apesar da lei ser especificamente omissa. E não há razão para assim não ser, pois as penas acessórias, embora pressuponham a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção2.
A pena acessória “corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos óbvios e consabidos que se prendem também com a elevada sinistralidade rodoviária. … Porque se trata de uma pena, a determinação da medida concreta da sanção inibitória, há-de efectuar-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.º do Código Penal, não olvidando que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral3 4.
Na determinação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal (vide Ac. Relação de Évora de 14.05.1996, CJ, ano de 1996, pág., 286), dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei.
Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos. O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respectivas molduras abstractas (vide Ac Relação do Porto de 20.05.1995, CJ, T4, pág. 229).
Sobre esta matéria, importa referenciar o Ac. Relação de Évora de 25.10.202255, onde se refere, na parte que aqui releva: “… A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2ª reimpressão § 88 e 232, pags. 95 e 181).”
Assim, na fixação da pena concreta (da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor), há que ter em especial consideração o grau de perigosidade demonstrado pelo agente e essa perigosidade é demonstrada, entre o mais, pelo grau de álcool no sangue detectado.
É consabido que a condução de veículos automóveis é uma actividade extremamente perigosa e essa perigosidade é exponencialmente aumentada quando o condutor a leva a efeito sob a influência do álcool.
Aqui chegados, pode concluir-se, com total segurança, que as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas, conhecido que é o crescente número de acidentes de viação que ocorrem em Portugal e o enorme número de vítimas por eles causados, muitas vezes por virtude de condução sob o efeito do álcool6 7.
A elevada TAS apresentada pelo arguido impõe, necessariamente, uma reacção penal robusta.
A pena acessória imposta (5 meses), mostra-se neste específico contexto, muito adequada, não merecendo censura ou reparo.
Não tem qualquer razão o arguido/recorrente.
Nessa conformidade, Vossas Excelências, Ilustres Desembargadores desta Veneranda Relação de Évora, negar provimento ao recurso do arguido AA e manter a douta sentença recorrida.
6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Âmbito do Recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:
Não aplicação da pena acessória.
Dosimetria da pena acessória aplicada.
2. A Decisão Recorrida
Ouvida a gravação da audiência, onde consta a sentença oralmente proferida (artigos 391º-F e 389º-A, do CPP), constata-se que o tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:
No dia 02/12/2023, pelas 03:49 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula … na avenida …, em ….
Nessa sequência, foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue tendo-se apurado uma TAS não inferior a 2,014 g/l.
O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidades que ultrapassavam o teor de álcool de 1,20 g/l e ainda assim quis conduzir veículo ligeiro na via pública, com a mencionada taxa de álcool no sangue, apesar de saber que tal facto era proibido e punido por lei, mas apesar de o saber quis actuar da forma descrita e conduzir o mesmo nas condições em que o fez.
O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente.
No momento dos acontecimentos o arguido fazia o caminho de volta para a sua residência.
O arguido não regista antecedentes criminais.
Confessou a prática dos factos integralmente e sem reservas.
Trabalha como condutor/manobrador na indústria mineira; aufere mensalmente importâncias entre os 1.300 e os 1.400,00 euros;
É divorciado e vive em casa dos pais; tem uma filha de catorze anos; paga uma pensão mensal de alimentos à filha no valor de 850,00 euros.
Quanto aos factos não provados, inexistem.
Fundamentou a formação da sua convicção na confissão integral e sem reservas do arguido, que é coincidente com o teor do auto de notícia de fls. 13, e talão do alcoolímetro de fls. 5; certificado de registo criminal junto aos autos no que concerne aos antecedentes criminais e declarações do arguido quanto à restante matéria de facto dada como assente.
Apreciemos.
Questão prévia
No seu requerimento de interposição de recurso de 25/11/2024, o arguido impetra também a correcção do dispositivo da sentença revidenda, por da mesma constar, manifestamente por lapso, como condenado “BB” (o Ilustre Mandatário), quando submetido a julgamento foi AA.
Ora, por despacho lavrado na 1ª instância aos 24/11/2014 foi já efectuada a pertinente correcção.
Assim, nada mais cumpre corrigir.
Não aplicação da pena acessória
O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada na modalidade ampla a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a matéria de facto constante da sentença sob recurso.
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 291º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal e, tendo em atenção a factualidade que provada se encontra, preenchidos estão, efectivamente, os respectivos elementos objectivos e subjectivos desse ilícito típico.
Mas, descorda o arguido da aplicação da pena acessória, com fundamento em que, no Direito Penal, vigora o princípio do carácter não automático dos efeitos das penas, pelo que, no seu entender, para que se justifique a aplicação de uma pena dessa natureza cumpre que o juiz comprove um particular conteúdo de ilícito, sendo que no caso em apreço “o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido foram moderados”, pelo que não existe justificação para a pena acessória aplicada.
Vejamos.
Ainda que se mostre cativante a tese sustentada pelo recorrente, certo é que o Supremo Tribunal de Justiça pelo Acórdão (então denominado “Assento”) nº 5/99, DR nº 167, I Série-A, de 20/07/1999, entendeu que “o agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal”.
Não vemos razão alguma para divergir deste entendimento, sendo certo que “a proibição de condução de veículos motorizados dispõe de uma moldura legal própria e autónoma, cujos limites mínimo e máximo correspondem, respetivamente, a três meses e três anos, encontrando-se subordinada, como verdadeira pena que é, quer às finalidades que o artigo 40.º do Código Penal assinala às penas em geral, quer aos critérios que relevam na determinação da respetiva medida concreta, tal enunciados no respetivo artigo 71.º. Quer isto significar que, à semelhança do que sucede com a pena principal, o juiz fixará a respetiva medida tendo em conta, dentro do limite consentido pela culpa, a defesa retrospetiva da ordem jurídica e as exigências de ressocialização do condenado, evidenciadas a partir das circunstâncias concretas do caso sub judice, designadamente daquelas que para o efeito se encontram elencadas no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal”, como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional nº 145/2021, que pode ser lido no sítio respectivo, pelo que não estamos perante uma aplicação automática, por mero efeito da lei, de uma pena, mas à sua aplicação, no caso concreto, por intervenção de um tribunal, dentro dos limites consentidos pelo princípio da culpa e de acordo com as exigências, gerais e especiais, da prevenção.
De onde, o recurso improcede neste segmento.
Dosimetria da pena acessória aplicada
Inconformado se mostra também o recorrente com a dose encontrada pelo tribunal a quo para a pena acessória de proibição de conduzir (5 meses), propondo a de 3 meses (limite mínimo), apelando para que necessita de exercer a condução para se deslocar para o local de trabalho e regresso a casa; não tem antecedentes criminais, possui inserção profissional e social e as exigências de prevenção especial e geral não justificam aquela medida.
Pois bem.
Seguindo a lição de Figueiredo Dias em Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 96, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas também de defesa contra a perigosidade individual.
Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também, ao estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.
Há que considerar, pois, a culpa do agente (que estabelece o limite máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar) e as exigências de prevenção geral e especial.
Cumpre ainda ponderar todas as circunstâncias que depõem a seu favor ou contra.
Ora, as exigências de prevenção geral são bem significativas, verificando-se uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias decorrente das prementes necessidades de travar a acentuada sinistralidade que se verifica nas nossas estradas e para a qual a condução em estado de embriaguez contribui em larga medida.
No que tange ao grau de perigosidade revelado pelo arguido (e, também, nesta perspectiva, de ilicitude dos factos, com a mesma relacionada), dada a factualidade provada, temos de concluir que é muito elevado, tendo em vista a TAS apurada de 2,014 g/l, significativamente superior à que confere significado criminal à conduta (1,2 g/l).
E, quanto à necessidade de conduzir para o exercício de actividade profissional, perfilhamos o entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 440/2002, consultável no sítio respectivo (concernente à sanção acessória de inibição de conduzir relativa a contraordenação por condução sob o efeito do álcool, mas cujos fundamentos são perfeitamente aplicáveis, até por maioria de razão, à pena acessória de proibição de conduzir), a saber:
“(…) a objectiva «constrição» que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada.
Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.
(…) o conteúdo essencial do direito ao trabalho que aquele vê ofendido com a aplicação da sanção acessória da inibição de condução (posto que é apenas esta sanção que o recorrente questiona e não já a pena de multa que lhe foi aplicada em alternativa à pena de prisão, a título principal) não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito ao trabalho com a protecção de outros bens - que fundamentam a sua limitação, através da aplicação das penas principal e acessória infligidas - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.
E assim é, sobretudo, se atentarmos no facto de que o que se visa proteger, também, com a aplicação desta sanção (pena de multa cumulativamente aplicada com a sanção acessória de inibição da condução) - a punição da condução de veículo por quem apresenta uma taxa de alcoolémia superior à permitida por lei - são bens ou interesses (a segurança e a vida das pessoas) constitucionalmente protegidos, sobretudo em face da dimensão do risco que para esses valores uma tal conduta comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam nas estradas.”
Daí que, “a alegada violação do direito a trabalhar sem restrições, tal como é sustentado pelo recorrente, não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental.”
Por si depõem a situação profissional estável (ainda que de forma pouco significativa, atento o tipo de crime em causa) e a ausência de antecedentes criminais.
A confissão integral e sem reservas dos factos imputados pende a favor do recorrente, sendo certo, porém, que é patente que esta assunção escassa ou nenhuma relevância revestiu para a descoberta da verdade, pois ocorreu a fiscalização em pleno acto de condução, sendo a verificação da taxa de alcoolemia efectuada pelos meios legais.
Tudo visto, manifesto se torna que esta pena tem de se afastar do seu limite mínimo e, considerando a moldura abstracta aplicável de 3 meses a 3 anos, não se mostra desadequada ou excessiva a graduação da pena acessória em 5 meses de proibição de condução de veículos com motor decidida pelo tribunal a quo.
Destarte, cumpre negar provimento ao recurso.
III - DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.
Évora, 25 de Março de 2025
(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)
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(Artur Vargues)
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(J. F. Moreira das Neves)
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(Laura Goulart Maurício)
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1 Disponível para consulta em www.dgsi.pt
2 Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34).
3 Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165
4 Neste sentido, por todos, Ac. Relação de Coimbra de 08.02.2023, relatora Rosa Pinto
5 Relator Nuno Garcia
6 No site segurança e Ciências Forenses de 01.04.2023, dá-se nota que a condução sob o efeito do álcool continua a ser um dos comportamentos de risco mais detectados no exercício da condução automóvel, disponível para consulta em https://segurancaecienciasforenses.com/
7 Recentes dados divulgados, amplamente, pela comunicação social (Lusa, Observador, RTP e Diário Notícias de 01.02.2025) apontam para quase 11.000 (onze mil acidentes) e 34 (trinta e quatro) mortos nas estradas portuguesas só durante o mês de Janeiro de 2025.