I - A imparcialidade deve ser apreciada de acordo com um teste subjectivo e um teste objectivo.
O primeiro visa apurar se o juiz deu mostra de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa.
A este respeito cumpre observar, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, ao aplicar o teste subjectivo, a imparcialidade do juiz deve ser presumida e só factos objectivos evidentes devem afastar essa presunção.
Por sua vez, o teste objectivo da imparcialidade visa determinar se o comportamento do Juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade (acórdão do TEDH Piersack v. Bélgica de 1.10.1982). A perspectiva do queixoso pode ser importante, mas não é decisiva (acórdão do TEDH Ferrantelli e Santangelo v. Itália de 7.8.1996 – acórdãos citados por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição, página 128).
II - Não obstante as ligações de natureza pessoal aos sujeitos processuais, num processo submetidas à decisão do juiz, possam, em princípio, e sob o ponto de vista do cidadão comum, ser vistas como podendo gerar dúvidas sobre a sua imparcialidade, tal não constitui necessariamente fundamento de escusa / recusa, pois tem sempre de se verificar, por base, um motivo sério e grave, que justifique objectivamente o afastamento do juiz.
1. A Ex.ª Sra. Juíza AA, a exercer funções na Comarca de …, veio suscitar incidente de escusa, nos termos do art. 43º nº 1 e 4 do CPP, para intervir nos termos processuais relativos ao Processo nº 716/22.0…, que correm termos no Juízo Local Criminal de …, Juiz ….
Para o efeito alegou que:
“Os presentes autos decorrem da apresentação de queixa contra BB, CC e DD por factos suscetíveis de integrar, em abstrato, a prática de, para alem de mais:
- crime de difamação com publicidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180º, nº 1, 183º, nº 1, al. a) e 188º, nº 1, al. a), a contrario, todos do CP, nas pessoas de EE, FF e GG, este ultimo antigo funcionário deste Tribunal e da Comarca de …;
- crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva com publicidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 187º, nº 1 e 2, al. a), 183º, nº 1, al. a) e 188º, nº 1, al. b), a contrario, todos do CP, na pessoa coletiva assistente "HH";
- crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º nº 1 e 2, do CP, na pessoa do ofendido, II, militar da GNR;
- crime de difamação com publicidade agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180º, nº 1, 183º, nº 1, al. a), 184º e 188º, nº 1, al. a), com referência ao art. 132º, nº 2, al. l), todos do CP, na pessoa do ofendido, II, militar da GNR;
- crimes de difamação com publicidade agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180º, nº 1, 183º, nº 1, al. a), 184º e 188º, nº 1, al. a), com referência ao art. 132º, nº 2, al. l), todos do CP, na pessoa do ofendido, JJ, militar da GNR, a desempenhar funções de Comandante do Subdestacamento Territorial de … desde setembro de 2019;
- crimes de difamação com publicidade agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180º, nº 1, 183º, nº 1, al. a), 184º e 188º, nº 1, al. a), com referência ao art. 132º, nº 2, al. l), todos do CP, na pessoa da ofendida, KK, Vereadora da Camara Municipal de ….
Por despacho proferido a 4.07.2022 constante a fls. 9 e I0, foi requerida escusa à então magistrada do M.P. titular dos autos a exercer funções no DIAP de …, atendendo que os factos denunciados envolviam funcionários dos serviços do M.P. da Comarca de … — Núcleo de …, bem como o Comandante do Subdestacamento Territorial de …, o qual foi-lhe deferido, cfr. fls. 13.
Realizado o competente Inquérito, pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi ordenado o arquivamento dos autos no tocante ao crime de difamação com publicidade agravada, nas pessoas de LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS (todos funcionários judiciais dos Serviços do Ministério Público de …) por desistência de queixa, tendo sido proferida acusação publica quanto aos imputados crimes de denuncia caluniosa e difamação com publicidade agravada, conforme consta a fls. 612 a 637
Mais acompanhou a Magistrada do Ministério Publico às acusações particulares deduzidas pelos assistentes HH, a fls. 589 a 595, EE, a fls. 531 a 534, FF, a fls. 563 a 566 e GG, a fls. 547 a 552.
Por despacho proferido a I .07.2024 (ref. citius …), foram recebidos os autos, nos termos do art. 311º do CPP e determinado o cumprimento do disposto nos arts. 311º A e 311º B do CPP, pelo então magistrado judicial em substituição da presente signatária a qual se encontrava à data de baixa médica.
Nessa sequencia e aberta conclusão para designação de data de audiência de julgamento da audiência, tomou conhecimento a presente signatária que o assistente GG, antigo oficial de justiça deste Tribunal, é um dos intervenientes deste processo.
Com efeito, o assistente exercia funções de secretário judicial quando a presente signatária iniciou as suas funções no …º Juízo do Tribunal da Comarca de … (Extinto), tendo posteriormente assumido funções na qualidade de Administrador Judiciário da Comarca de … até à sua aposentação.
Durante o exercício das funções quer na qualidade de secretario, quer na qualidade de administrador, o assistente manteve sempre gabinete nas instalações físicas deste Tribunal, atendendo ser residente em …, mas igualmente dado o seu cônjuge, TT ser igualmente funcionaria de justiça, adjudicada ainda hoje aos Serviços externos deste Tribunal.
A relação entre a signatária e o assistente é uma relação estritamente profissional, sempre pautada pela cordialidade e urbanidade.
No exercício das suas funções e decorrente da atividade exercida pelo assistente, a signatária manteve diversos contatos/reuniões com o mesmo com vista a solucionar diversas questões relacionadas com a gestão dos funcionários, monotorização processual, para alem de eventuais problemas relacionados com as instalações físicas do Tribunal.
Acresce que e por força do exercício das suas funções, Magistrados Judiciais e Funcionários de Justiça mantém, entre si, um estreito relacionamento que, não raras vezes, extravasa a mera ligação profissional, num indispensável clima de confiança e respeito mútuo.
De igual modo, nesta Comarca, tivemos oportunidade de estabelecer laços de profunda solidariedade e simpatia, senão mesmo amizade, com todos os Senhores Funcionários de Justiça, incluindo o ora assistente.
Alias, diversas conversas foram mantidas entre a signatária, o assistente e a sua esposa relativamente à instituição de solidariedade de que ambos são membros, concertante à atividade da associação, integrando inclusive a presente signatária o grupo publico da HH na rede social Facebook.
Não obstante o assistente já não exercer funções na qualidade de oficial de justiça, afigura-se que os supra expostos factos poderão suscitar eventual desconfiança em particular nas pessoas dos arguidos sobre se a posição de imparcialidade e objetividade se encontra afetada de forma seria e grave atendendo a relação profissional de proximidade entre a signatária e o assistente, podendo ser considerada suspeita a sua intervenção num juízo baseado no critério do homem medio comum, ainda que, em termos meramente subjetivos, não considere a presente signatária que se encontre atingida a sua capacidade de exercer de forma isenta as funções jurisdicionais a que se encontra funcionalmente adstrita.
Nestes termos, solicita a Vossa Excelência que, no Processo no 716/22.0… cujos termos correm no Juízo Local Criminal de … — Juiz …, se digne considerar justificado por motivo sério e fundado o pedido de escusa ora formulado para todo o processado e em consequência nomear um Ex.mo Sr. Juiz substituto, nos termos do art. 119º nº 1 e 2 do C do Processo Civil.”
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2. Neste Tribunal da Relação de Évora, a Ex.ª Sra. Procuradora Geral Adjunta manifestou o entendimento de que o requerido pedido de escusa deve ser indeferido.
Para tal invocou o seguinte:
“(…)
Na prossecução de consagração constitucional, dispõe o n.º 4 do artigo 43º do CPP que o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir que seja dispensado de intervir na causa quando a sua intervenção no processo corra o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade (id., n.º 1), irrefutavelmente denunciador de que deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção, para preservar a confiança que numa sociedade democrática os tribunais devem oferecer aos cidadãos.
Assim, partindo daquele dispositivo legal e relevando a factualidade e preocupações constantes do requerimento de escusa em apreço, entendemos dever esta tarefa ser enquadrada pelos critérios bem delimitados pela anotação de José Mouraz Lopes, em Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, página 488 “(…) Sendo uma cláusula geral, sustenta-se na apreciação e avaliação da ocorrência de motivo sério e grave (…) que implique (…) por via da sua adequação uma desconfiança (suspeita) sobre a imparcialidade do juiz no processo. Está em causa uma dimensão objetiva da imparcialidade, essencialmente sustentada na proteção do princípio, justice it not must be done, it must be seen to be done.
Só é motivo de afastamento, quer na recusa, quer na escusa, a verificação de motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, no caso concreto. Entre o motivo e a desconfiança tem de existir uma situação relacional lógica que justifique, de forma clara e nítida, esse juízo de imparcialidade, fundado na seriedade e gravidade daquele motivo. (…)”.
Procedendo ao confronto dos motivos invocados pela Senhora Juíza subscritora do requerimento em apreço, por síntese, uma relação essencialmente profissional que, por razões de recorrência e proximidade, pode ter resultado numa relação perto da de amizade, pois que esse facto é referido de forma não peremtória, importa determinar se em causa está situação que se apresente com seriedade e gravidade adequada a gerar, de forma clara e fundada, a invocada desconfiança exterior da comunidade sobre a sua imparcialidade, à luz da delimitação que vimos de fazer dos critérios em referência.
Quanto ao que refere relativamente à proximidade que geram as relações profissionais entre magistrados e funcionários no contexto dos tribunais, percebendo embora os receios invocados, afigura-se-nos que são mitigados em resultado de o assistente estar sujeito ao dever de verdade e à responsabilidade penal pela sua violação, como resulta da disciplina do n.º 2 do art.º 145.º do CPP, sujeição ao contraditório pleno, atenta a fase de julgamento em causa, vindo o resultado da respetiva intervenção a ser globalmente avaliado, conjugadamente com os demais meios de prova.
Afigura-se-nos, pois, que a situação invocada pela Senhora Juíza, nos termos em que é apresentada, revestindo, embora, algum grau de preocupação subjetiva, não consubstancia um caso que apresente seriedade e gravidade adequada a gerar, de forma clara e fundada, uma desconfiança exterior da comunidade sobre um desempenho imparcial por parte da Senhora Juíza requerente que, por via da requerida escusa, importe salvaguardar. A não ser assim, a mera invocação da qualidade de funcionário judicial de um sujeito processual inviabilizaria, sem mais, a intervenção de qualquer magistrado que estivesse ou tivesse estado em funções em concomitância com a pessoa em causa, o que se nos apresenta como por referência aos requisitos que identificámos como pressuposto da figura da escusa.
Assim, pelas invocadas razões, manifesta o Ministério Público o entendimento de que o requerido pedido de escusa deverá ser indeferido.“
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3. Cumpridos os vistos, foi realizada a competente conferência.
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4. Apreciando:
Dispõe o artigo 43º (recusas e escusas) do CPP:
“1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2. Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do nº 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40º.
3. (…)
4. O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos nºs 1 e 2.”
Temos, assim, que, no caso de impedimento do julgador, está sempre vedada a sua intervenção no processo (arts. 39.º e 40.º do CPP), enquanto no caso de suspeição tudo dependerá das razões e fundamentos que lhe subjazem (art. 43.º do CPP). Por isso, no caso de impedimento, deve o juiz declará-lo imediatamente no seu processo, sendo irrecorrível o respectivo despacho, e, no caso de suspeição, poderá e deverá aquele recorrer ao tribunal competente que o escuse de intervir no processo (arts. 41.º, n.º 1, e 43.º, n.º 4, do CPP) – neste sentido, assim se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.05.2010, processo 36/09.6GAGMR.G1-A.S1, disponível in www.dgsi.pt.
O incidente de recusa / escusa de juiz, previsto no artigo 43º do Código de Processo Penal, exige que a intervenção do julgador possa correr o risco de ser considerada suspeita, pressupondo a existência de motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
Segundo Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, I, pág.237-239:
“Importa considerar sobretudo que, em relação ao processo, o juiz possa ser reputado imparcial, em razão dos fundamentos da suspeição verificados, sendo este também o ponto de vista que o próprio juiz deve adoptar, para voluntariamente declarar a sua suspeição. Não se trata de confessar uma fraqueza; a impossibilidade de vencer ou recalcar questões pessoais, ou de fazer justiça, contra eventuais interesses próprios, mas de admitir ou de não admitir o risco de não reconhecimento público da sua imparcialidade pelos motivos que constituem fundamento da sua suspeição”.
A regra do juiz natural ou legal, com assento na Constituição – art. 32.º n.º 9 – pressupõe que intervirá na causa o juiz que o deva ser segundo as regras de competência legalmente estabelecidas para o efeito e só em casos excepcionais pode ser derrogada, para dar satisfação adequada a outros princípios constitucionais, como o da imparcialidade, contido no n.º 1 do mesmo normativo.
Porém, para tal, é preciso que essa imparcialidade esteja realmente em causa, em termos de um risco sério e grave, encarado da forma sobredita.
É que a regra do juiz natural ou legal cauciona um direito fundamental dos cidadãos: o de que a causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, proibindo-se a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição de competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime (princípio da determinação prévia da competência).
Com efeito, a subtracção de um processo criminal ao Juiz – o chamado “juiz natural” - a quem foi atribuída competência para julgar um caso, através de sorteio aleatório, feito por meio informático e nos termos pré-determinados na lei não pode deixar de ser encarada como absolutamente excepcional.
O motivo sério e grave, referido na lei, tem de ter reflexo em factos que o evidenciem.
Mas, se é certo que a lei não define o que se deve entender por «motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade» do juiz, cuja recusa / escusa é requerida, a verdade é que, para tanto, deverão ser alegados factos objectivos susceptíveis de preencher tais requisitos - neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 28/6/2006, proc. nº 06P1937, disponível in ITIJ – Bases Jurídicas Documentais, cujo relator (Conselheiro Simas Santos) indica diversa jurisprudência sobre a matéria, também aqui se mencionando, entre outros, o Ac do STJ de 17.04.2008 (processo nº 08P1208), disponível in www.dgsi.pt.
Como se sumariou no Ac. do STJ de 13 de Fevereiro de 2013, processo nº 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1, «A seriedade e gravidade do motivo resultam de um estado de forte verosimilhança (desconfiança) sobre a imparcialidade do juiz (propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro), formulado com base na percepção que um cidadão médio tem sobre o reflexo daquele facto concreto na imparcialidade do julgador.» (in www.dgsi.pt).
Tal como se entendeu no Ac. do TC nº 135/88, DR II Série de 8/9/1988, pretende-se «assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição. É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de “administrar a justiça”. (…) Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência. E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial. É que a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais, ao “administrar a justiça”, actuem, de facto, “em nome do povo” (cf. art. 205º nº 1 da Constituição)».
A imparcialidade deve ser apreciada de acordo com um teste subjectivo e um teste objectivo.
O primeiro visa apurar se o juiz deu mostra de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa.
A este respeito cumpre observar, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, ao aplicar o teste subjectivo, a imparcialidade do juiz deve ser presumida e só factos objectivos evidentes devem afastar essa presunção.
Neste preciso sentido, veja-se o acórdão do TEDH Piersack versus Bélgica de 1 de Outubro de 1982, citado entre outros (todos no mesmo sentido) por Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 2ª edição, página 127.
Por sua vez, o teste objectivo da imparcialidade visa determinar se o comportamento do Juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade (acórdão do TEDH Piersack v. Bélgica de 1.10.1982). A perspectiva do queixoso pode ser importante, mas não é decisiva (acórdão do TEDH Ferrantelli e Santangelo v. Itália de 7.8.1996 – acórdãos citados por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição, página 128).
A este propósito, veja-se, igualmente, Germano Marques da Silva, que considera que a imparcialidade “pode apreciar-se de maneira subjectiva e objectiva. Naquela perspectiva, significa que o juiz deve actuar com serenidade, sem paixão, pré-juízo ou interesse pessoal; nesta, na perspectiva objectiva, que nenhuma suspeita legítima exista no espírito dos que estão sujeitos ao poder judicial”, ou seja, “à imparcialidade íntima das pessoas deve juntar-se a imparcialidade aparente do sistema” (Curso de Processo Penal, Vol. I, Edição de 2000, página 233).
No caso em apreciação, na perspectiva subjectiva de imparcialidade, observamos que não está em causa qualquer concreto comportamento da Sra. Juíza requerente susceptível de levantar suspeita, por mínima que seja, sobre a sua imparcialidade, desde logo por ter sido a própria que o veio suscitar.
Sob a perspectiva objectiva, ou seja, do ponto de vista da opinião pública, do cidadão comum, de um homem médio conhecedor das circunstâncias do caso, importa considerar que a Sra. Juíza requerente invoca uma relação profissional de proximidade entre a mesma e o assistente, funcionário judicial, que pode gerar desconfiança exterior da comunidade sobre a sua imparcialidade.
Ora, à luz da perspectiva objectiva de imparcialidade, também, se nos afigura não haver motivo – sério e grave – adequado a gerar qualquer desconfiança sobre a imparcialidade e isenção da Senhora Juíza de Direito.
Com efeito, e não obstante as ligações de natureza pessoal aos sujeitos processuais, num processo submetidas à decisão do juiz, possam, em princípio, e sob o ponto de vista do cidadão comum, ser vistas como podendo gerar dúvidas sobre a sua imparcialidade, tal não constitui necessariamente fundamento de escusa / recusa, pois tem sempre de se verificar, por base, um motivo sério e grave, que justifique objectivamente o afastamento do juiz.
Revertendo ao caso presente, a invocada relação profissional de proximidade entre a Sra. Juíza e o assistente, antigo funcionário judicial do mesmo tribunal, agora reformado, nos termos parcos em que foi apresentada (“manteve contactos e reuniões várias”; “diversas conversas foram mantidas entre a signatária, o assistente e a sua esposa relativamente à instituição de solidariedade de que ambos são membros”), é própria da normal vivência social, pautada por laços de cordialidade e solidariedade, que se gera, no contexto dos tribunais, entre os diversos sujeitos processuais, mais concretamente entre magistrados e funcionários judiciais, que, só por si, não consubstancia um caso que apresente a exigida seriedade e gravidade adequada a gerar, de forma fundada, uma desconfiança exterior da comunidade sobre a imparcialidade do julgador, mormente da Sra. Juíza requerente, sob pena de, como bem observou a Exº Sra. Procuradora Geral Adjunta, junto deste Tribunal, no Parecer que emitiu, “a não ser assim, a mera invocação da qualidade de funcionário judicial de um sujeito processual inviabilizaria, sem mais, a intervenção de qualquer magistrado que estivesse ou tivesse estado em funções em concomitância com a pessoa em causa”.
Assim, consideramos que os motivos constantes do articulado do pedido de escusa, aqui em apreciação, não revestem a seriedade e gravidade, exigidas por lei, nos termos e para os efeitos previstos no art. 43º do CPP, e o seu deferimento constituiria um grave atropelo às regras da competência e ao princípio do juiz natural, não se reconhecendo, por isso, a existência de fundamento para a escusa da Sra. Juíza.
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-Decisão:
Em conformidade, com o exposto, indefere-se a requerida escusa da Senhora Juíza de Direito AA.
Sem custas.
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Évora, aos 25 de Março de 2025
As Juízas Desembargadoras
Anabela Simões Cardoso
Mafalda Sequinho dos Santos
Carla Francisco