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AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AÇÃO DE DEMARCAÇÃO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Sumário
I - Nas acções de reivindicação ─ acções reais ─ a causa de pedir é complexa, integrada pelos factos inerentes à aquisição da propriedade (originária ou derivada) pelo autor e os factos donde resulta violação desse direito pelo réu. II - Nas acções de demarcação ─ acções pessoais ─ a causa de pedir também é complexa, sendo composta pelos factos dos quais decorra a confinância entre dois ou mais prédios pertencentes a donos diferentes e a indefinição ou a dúvida quanto à localização da respetiva linha divisória. III - Embora exista alguma fungibilidade entre as duas acções, por que em algumas situações podem ser utilizadas indistintamente relativamente ao litígio quanto a uma parcela de terreno, constituem acções distintas. IV - A decisão de improcedência proferida numa acção de reivindicação relativamente a uma dada parcela de terreno não impede o autor de propor uma acção de demarcação em que litiga a mesma parcela de terreno. V - Para que uma decisão projecte a sua autoridade de caso julgado em posterior acção, é necessário que se verifique uma situação de prejudicialidade entre os respectivos objectos, ou seja, que a decisão proferida na acção anterior, em cujo objecto se inscreve, se configure como pressuposto indiscutível relativamente ao objecto da acção posterior. VI - O que não sucede relativamente à decisão proferida na acção de reivindicação no confronto com a acção de demarcação.
Texto Integral
Apelação n.º 940/23.9T8PFR.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Relatora: Marcia Portela
1.ª Adjunta: Maria Eiró
2.ª Adjunta: Lina Batista 1. Relatório
AA e marido BB intentaram de acção declarativa com processo comum contra CC e esposa DD, pedindo que, de acordo com o disposto no artigo 1353.º e ss. CC, sejam os RR. condenados a reconhecer o limite do prédio da A., na parte em que ambos confinam pelo lado sul do prédio desta, pela linha assinalada a cor vermelha da planta topográfica junta como documento n.º 7.
Alegaram, para tanto, e em síntese,
─ A A. mulher dona e legítima possuidora de um prédio rústico, sito no Lugar ..., da freguesia ..., do concelho de Paços de Ferreira, composto de terreno a mato, eucaliptal e pinhal o qual confronta a norte e nascente com herdeiros de EE, do poente atualmente com FF e com os RR.., do sul com os RR. e Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º ...- ... e inscrito na respectiva matriz no artigo ...;
─ O prédio veio à titularidade e posse da A. mulher por ter sucedido a seus mãe e pai GG e HH;
─ O identificado prédio era bem próprio da sua mãe, já que lhe fora adjudicado no
contrato de partilha extrajudicial, realizada por óbito dos pais daquela, II e JJ, através de escritura celebrada no dia 17 de fevereiro de 1981, do cartório notarial de Paços de Ferreira, correspondendo o prédio descrito no antecedente artigo 1º, ao prédio da verba número 15 da relação de bens organizada nos termos do artigo 78 do código do notariado e que integra a citada escritura;
─ Os referidos II e JJ por sua vez tinham adquirido o referido prédio também por sucessão, pelo que, o mesmo se encontra na família da A. há mais de quatro gerações;
─ A A. registou a aquisição do prédio a seu favor pela apresentação 1120 de 2010/07/07;
─ Independentemente da aquisição derivada resultante da sucessão hereditária invocada, sempre a A, por si e antecessores que há mais de 15 ou 20 anos que do dito prédio retira todas as utilidades que o mesmo lhe pode propiciar, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta, porque dia a dia e ano a ano, na convicção de que a prática daqueles atos e o exercício dos correspondentes poderes eram, poderes sobre coisa que lhes pertence e de que não lesam nem nunca lesaram direitos ou interesses alheios;
─ Os avós da A., II e KK, e antes os seus pais, durante mais de 20 ou 30 anos possuíram a parcelara de terreno supra referida, quer directamente ou por intermédio de terceiros, procedem nela ao corte de matos e demais vegetação espontânea que nasce no prédio, procedem ao abate de arvores, á recolha de lenha ou permitem que outros assim procedam em seu nome, como parte integrante do prédio referido no artigo 1º, ininterruptamente, sem oposição de quem quer que seja, como quem exerce poderes ou direitos sobre coisa que lhes pertence e nessa convicção e
na ignorância de lesarem direitos ou interesses alheios;
─ Posse essa que se transmitiu aos pais da A. e destes a esta;
─ Os RR. são os actuais donos e possuidores do prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e logradouro sito na Rua ..., da freguesia ..., do concelho de Paços de Ferreira o qual confronta do norte e nascente com a A., do poente com LL, e do Sul com Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob artigo ...;
─ Os RR. adquiriram o descrito prédio por contrato de compra e venda que o R. marido celebrou, enquanto comprador, por escritura exarada em 11 de Agosto de 2011 no Cartório da Notária MM a folhas 47 do livro ...-A sendo vendedores NN e LL;
─ Os RR., em 2021, procederam à colocação de uma rede entretanto removida a norte do seu prédio supra referido, mas fora do seu limite e à construção de um barraco em chapa, passando a ocupar assim uma parcela do prédio da A. esposa, na parte sul do mesmo, com uma configuração triangular com cerca de 70m2 a qual confina do norte com a parte restante do prédio referido no artigo 1º, do nascente termina em ponta aguda, do sul com o prédio dos RR., do poente com FF, melhor identificada no desenho anexo que constitui o documento n.º 7;
─ A A. mulher e seu marido, intentaram a acção que correu termos por essa instância local com o nº 1184/21.0T8PFR., onde revindicavam a propriedade da referida parcela que é parte integrante do seu descrito prédio;
─ Pediram nessa ação, e para o que aqui interessa, o reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico supra identificado, e ainda que integrava o mesmo prédio a parcela de terreno com a área de cerca de 50 metros quadrados, melhor
identificada supra;
─ Mais pediram nessa acção, a condenação dos RR. a restituir à A. a aludida parcela, livre de pessoas e coisas, repondo-a no estado anterior aos atos por si praticados e a absterem-se por qualquer forma de perturbar a posse e direito da A. sobre o seu prédio e sobre a parcela de terreno supra identificada.
─ Os RR. alegaram, em sede de contestação, que a parcela de terreno triangular lhes pertencia, que sempre estiveram na posse da mesma, sem, no entanto, deduzirem pedido reconvencional;
─ Realizado o julgamento foi proferida sentença, já transitada em julgado, donde decorre que nem os RR. nem a A. fizeram prova de que a parcela em questão pertence ao seu respectivo prédio e a demarcação que os RR. tentaram fazer em 2021 não teve o consentimento dos AA. não tem valor jurídico;
─ O prédio da A. mulher sempre teve a configuração que resulta da planta topográfica junta como documento 7, encontrando-se o prédio delimitado pela linha de cor vermelha.
Contestaram os RR,, excepcionando o caso julgado, alegando, em síntese, que:
─ Os AA., com a presente acção e sob a pretensa finalidade de demarcação do seu prédio, mais não pretendem que o tribunal reaprecie em nova acção, o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno, com a área aproximada de 70m2 que em anterior acção não lhes foi reconhecido;
─ Foi definitivamente julgado, por aquela sentença que já transitou em julgado, que essa parcela não faz parte do prédio dos AA.;
─- Os AA. estão a repetir nesta acção, o mesmo que alegaram naquela outra, constituindo o decidido naquela acção 1184/21.0T8PFR caso julgado quanto ao que
pretendem os AA na presente acção.
─ Por sentença já transitada em julgado, proferida no processo que correu termos sob o n.º 1184/21.0T8PFR, deste mesmo juízo cível e Tribunal, foram julgados improcedentes todos os pedidos por si aí formulados;
─ Nessa acção, pretendiam os AA. que lhes fosse reconhecida a propriedade do prédio rústico melhor identificado no artigo 1 da P.I dessa ação, e mais propriamente, que lhes fosse reconhecido que integrava o seu prédio uma parcela de terreno com a área de cerca de 70m2;
─ Aí descreveram essa parcela de terreno como tendo uma configuração triangular, confina do norte com o prédio dos AA. onde se integra, do nascente termina em ponta aguda, do sul com o prédio dos RR, do poente confina com herdeiros de EE;
─ Nesta acção alegam que os RR., em 2021, procederam à colocação de uma rede, entretanto removida, a norte do seu prédio, mas fora do seu limite e à construção de um barraco em chapa, passando a ocupar assim uma parcela do prédio da A. e mulher, na parte sul do mesmo, com uma configuração triangular com cerca de 70m2 a qual confina do norte com a parte restante do prédio referido em 1º, do nascente termina em ponta aguda, do sul com o prédio dos RR, do poente com FF;
─ Trata-se da mesma realidade física, ou seja, da mesma parcela de terreno, cuja propriedade os AA. discutiram naquela acção, e que, pretendem novamente discutir, na presente acção.
Responderam os AA., pugnando pela improcedência da excepção.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida decisão que, julgando a acçção improcedente, absolveu os RR. do pedido.
Inconformados apelaram os AA., apresentado as seguintes conclusões:
I – Considerou o Tribunal recorrido, na sentença que a presente ação de demarcação encapsula a obtenção do reconhecimento (do direito de propriedade por partes dos Recorrentes) da faixa de terreno sobre a qual recaiu a decisão transitada em julgado no âmbito da ação de processo comum nº 1184/21.0T8PFR, que correu termos pelo mesmo tribunal e em consequência considerou verificada a exceção da autoridade de caso julgado e absolveu os RR. do pedido.
II- A ação de reivindicação e a ação de demarcação não se confundem. Na primeira há um pedido de reconhecimento do direito de propriedade por parte do demandante e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor da mesma. A segunda pressupõe uma incerteza objetiva ou subjetiva quanto aos limites materiais de determinado prédio e a contiguidade dos mesmos.
III – Dos factos não provados que resultam da ação de reivindicação que correu termos pela instância local cível de Paços de Ferreira com o nº 1184/21.0T8PFR é uma evidência a indefinição da linha limite de ambos os prédios no lado em que um confina com o outro.
IV - Basta atentar nos seguintes factos não provados:
b. O prédio da A., está delimitado na estrema sul e poente com o prédio dos réus, por muro de pedra.
c. Esse muro sustenta as terras do prédio da A. o qual está, relativamente ao prédio dos RR., a uma cota superior em cerca de um metro.
f. Nos extremos da linha hipotenusa da referida parcela triangular, quer do lado Nascente quer do lado Poente, existe e sempre existiu um marco feito de pedaço de granito, com altura de cerca de 40, 50 cm a contar do solo, aí colocado para definir a estrema entre o prédio dos AA. e o prédio dos RR.
g. Os RR utilizam a totalidade do prédio que compraram, incluindo a aludida parcela triangular, pelo menos, desde 1994.
V – Dos aludidos factos não provados a conclusão óbvia e única possível é a de que, os AA. não provaram que o prédio da A., (ora recorrente esposa) estivesse delimitado na estrema sul e poente com o prédio dos réus, (ora recorridos) por muro de pedra, assim como não resultou provado que esse muro sustenta as terras do prédio da A. (ora recorrente esposa) o qual está, relativamente ao prédio dos RR. (ora recorridos) a uma cota superior em cerca de um metro.
De igual modo os RR. (ora recorridos) na aludida ação (nº 1184/21.0T8PFR) não provaram que nos extremos da linha hipotenusa da referida parcela triangular, quer do lado Nascente quer do lado Poente, existe e sempre existiu um marco feito de pedaço de granito, com altura de cerca de 40, 50 cm a contar do solo, aí colocado para definir a estrema entre o prédio dos AA. e o prédio dos RR.
Bem assim não resultou provado que os RR. utilizassem a totalidade do prédio que compraram, incluindo a aludida parcela triangular, pelo menos, desde 1994.
VI - Assente a indefinição da linha limite entre ambos os prédios confinantes um com o outro, essa incerteza só se resolve ou com um acordo entre os litigantes ou com a ação de demarcação, impondo-se aos contendores a sua fixação, sendo que o conflito entre as partes não se pode ter por resolvido quando não resultou provada a linha de demarcação entre ambos os prédios.
VII – Se é verdade que o caso julgado material produz os seus efeitos através da sua vertente negativa, por via da exceção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e que também se impõe na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas, não deixa também de ser correto poder afirmar-se que só se verifica a autoridade de caso julgado na medida/limite do que foi apreciado e decidido, não obstando a que em novo processo seja decidido aquilo que não ficou definido no caso julgado anterior. (neste sentido acórdão do TRC de 6-03-2018 consultável em www.dsgi.pt)
VIII – O Tribunal na anterior decisão a que se faz referência o que transmitiu às partes foi que não conseguiu esclarecer/definir a linha divisória entre ambos os prédios no ponto em que confinavam um com o outro e consequentemente fechou a porta aos AA. (ora recorrentes) ao pedido formulado na ação de reivindicação, e não fechou essa mesma porta aos RR. porque estes como já se referiu não formularam pedido reconvencional, pois se o tivessem feito, com a resposta aos factos não provados já evidenciada, tinham a mesma sorte dos AA.
IX- O Tribunal perante o non liquet relativo à definição da linha divisória, transmitiu às partes se é vossa pretensão resolver o litígio determinem previamente a linha fronteira dos prédios no ponto onde ambos confrontam.
X - O direito a demarcar, depende da inexistência da demarcação em si e tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos de fixação da linha de demarcação, o critério principal e supletivo previsto no artigo 1354º do C.C.
XI - O título judicial formado na ação de reivindicação não resolveu o conflito entre AA. e RR, pois
que se é um facto que ocorreu a improcedência do pedido da Recorrente esposa, também é um facto que desse título resulta a indefinição da linha divisória entre ambos os prédios e consequentemente, nada impede que a questão se reverta para o domínio sobre os prédios, em ação de demarcação, de acordo com todos os critérios a que alude o disposto no artigo 1354º do C.C.
XII - Na situação em discussão, não pode operar a exceção da autoridade do caso julgado, como decidido pelo Tribunal a quo. Só assim seria se na anterior ação os RR. ora recorridos tivesse conseguido fazer prova dos factos que constam das alíneas f) e g) acima transcritas ou até se o tribunal omitisse esses factos e desse como não provados apenas o que resulta das alíneas b) e c) da matéria de facto não provada.
XIII - Ao decidir pela verificação da exceção da autoridade do caso julgado o Tribunal não atentou na indefinição da linha divisória entre o prédio da A. esposa e dos RR. e consequentemente violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 581º e 576º ambos do C.P.C.
Termos em que, deve revogar-se a sentença recorrida e proferido acórdão que decida pela não verificação da exceção perentória da autoridade de caso julgado, prosseguindo os autos para a fixação da linha de demarcação entre o prédio da A. esposa e dos RR., com o que se fará justiça.
Contra-alegaram os RR., assim concluindo:
1. Na ação n.º 1184/21.0T8PFR que os AA. intentaram contra os aqui RR., peticionaram que os RR. fossem condenados a reconhecer que a parcela de terreno por si melhor id. nessa ação, designadamente, no artigo 19º da P.I. e doc. n.º 6 junto com a Petição, faz parte do seu prédio melhor id. no artigo 1º dessa ação e, ainda, a restituir essa parcela, livre de pessoas e coisa, conforme al. B) e C) do pedido.
2. Pela douta sentença proferida em tal processo, cuja cópia se encontra junta a estes autos, foram os RR. absolvidos de todos os pedidos.
3. Tal decisão, não foi objeto de recurso e consequentemente, transitou em julgado.
4. A decisão, aí, proferida tem força obrigatória dentro e fora desse processo, obstando a que o mesmo ou outro Tribunal possa decidir de modo diferente sobre a mesma pretensão.
5. Da forma como peticionaram na presente ação a demarcação dessa parcela de terreno, os AA. de uma maneira finória, estão a pressupor que a parcela de terreno em causa, lhe pertence, o que é falso.
6. Com a presente ação, o que os AA., verdadeiramente, pretendiam era obter uma sentença que lhe desse aquilo que na outra ação não obtiveram, ou seja, ver declarado que essa parcela de terreno faz parte do seu prédio id. no artigo 1º da P.I..
7. Tal, é-lhe, sem qualquer dúvida, proibido, pela eficácia do caso julgado material, constituído pela decisão proferida naquela processo 1184/21.0T8PFR.
8. A douta sentença de que os AA. recorreram, mostra uma aplicação sábia do direito aos factos, não merecendo, por isso, qualquer reparo devendo, antes, ser mantida nos seus precisos termos.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V.E.Xª DOUTAMENTE SUPRIRÁ,
Deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado com as legais consequências, com que V.Ex.ª farão, como sempre, a costumada
JUSTIÇA!!!
2. Fundamentos de facto
Factos relevantes para a apreciação do recurso:
1. Os AA. intentaram contra os RR., acção declarativa, que correu termos sob o n.º 1184/21.0T8PFR, pedindo, para o que aqui releva:
─ o reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., com a área de 2.800 m2, composto de cultura e pinhal, que confronta, a Norte, com OO, a Sul, com PP, a Nascente, com QQ e, a Poente, com estrada, correspondente à matriz com o artigo ...;
─ o reconhecimento que integra esse prédio a parcela de terreno com a área de cerca de 70 m2;
─ a condenação dos RR. a absterem-se, por qualquer forma, de perturbar a posse e direito da A. sobre o prédio e sobre a parcela supra identificada.
2. Essa parcela é descrita como tendo uma configuração triangular, confinando do norte com o prédio dos AA., onde se integra, do nascente termina em ponta aguda, do sul com o prédio dos RR., do poente confina com herdeiros de EE e tem a área de 70m2.
3. Nessa acção resultaram provados os seguintes factos: 1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira o prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., com a área de 2.800 m2, composto de cultura e pinhal, que confronta, a Norte, com OO, a Sul, com PP, a Nascente, com QQ e, a Poente, com estrada, correspondente à matriz com o artigo .... 2. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira o prédio urbano situado no Lugar ..., freguesia ..., com a área de 300 metros quadrados, composto por casa de rés-do-chão e logradouro, correspondente à matriz com o artigo .... O prédio da A. descrito em 1 confina, além do mais, do lado sul numa parte com o prédio dos RR. e noutra com a Rua ..... 5. A. e antecessores, durante pelo menos 15, 20 anos, directamente ou por intermédio de terceiros, procederam ao corte de matos, e demais vegetação espontânea, que nasce no prédio identificado em 1, procedem ao abate de árvores, a recolha de lenha, ou permitem que outros assim procedam em seu nome. 6. A vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, na convicção de que a prática daqueles actos e o exercício dos correspondentes poderes eram poderes sobre coisas que lhes pertence e de que não lesam nem nunca lesaram direitos ou interesses alheios. . 11. Os RR. ocupam uma parcela de terreno de forma de triangular com a área de cerca 72 metros quadrados, situada a sul do prédio dos AA. e a Norte do prédio dos RR.. 12. A referida parcela de terreno triangular, a nascente, termina em ponta aguda, e a poente confina com herdeiros de EE.
4. Nessa acção, não se provou:
a) A actuação da A. e seus antecessores, descrita em 5 e 6, incluiu, nos mesmos termos, a referida parcela de terreno triangular.
5. Essa decisão transitou em julgado. 3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber se a decisão proferida no Processo n.º 1184/21.0T8PFR (acção de reivindicação) projecta autoridade de caso julgado sobre a pretensão que os apelantes pretendiam exercer nestes autos (acção de demarcação).
Recorde-se que, na primeira acção, os apelantes pretendiam o reconhecimento da propriedade sobre uma parcela triangular com 70 m2, pretensão que foi julgada improcedente, por decisão transitada em julgado. Nesta acção pretendem que os apelados fossem condenados a reconhecer o limite do prédio da A., na parte em que ambos confinam pelo lado sul do prédio desta, pela linha assinalada a cor vermelha da planta topográfica junta como documento n.º 7, correspondente a parcela triangular de 70 m2 reivindicada, sem sucesso, na acção anterior.
A sentença recorrida julgou a acção improcedente, ponderando: porque a pretensão de demarcação dos autores, encapsula a obtenção do reconhecimento da faixa de terreno sobre a qual recaiu decisão transitada em julgado no âmbito da ação de processo comum nº. 1184/21.0T8PFR, que correu termos neste Juízo Local Cível, verifica-se a exceção de autoridade de caso julgado, e, em consequência, absolvem-se os Réus do pedido.
Contra esta decisão se insurgem os apelantes, afirmando que a acção de reivindicação e a acção de demarcação não se confundem: na primeira há um pedido de reconhecimento do direito de propriedade por parte do demandante e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor da mesma; já a segunda pressupõe uma incerteza objectiva ou subjectiva quanto aos limites materiais de determinado prédio e a contiguidade dos mesmos.
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. IV, 2.ª edição revista e actualizada, pg. 199, após referirem que este problema tem tido diversas soluções na doutrina, escrevem:
De todas, que não é possível discutir aqui, parece-nos ser correcta a que apresenta como critério para distinguir entre as duas acções a diferença entre um conflito acerca do título e um conflito de prédios. Se as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa ou sobre uma parte dela, porque a adquiriu por usucapião, por sucessão, por compra, por doação, etc, a acção é de reivindicação. Está em causa o próprio título da aquisição. Se, pelo contrário, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, como, por exemplo, se o autor afirma que o título se refere a varas e não a metros ou discute os termos em que deve ser feita a medição, ou, mesmo em relação à usucapião, se não discute o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a acção é já de demarcação. (…) Esta é, pois, como dizem alguns autores, uma acção de acertamento ou de declaração da extensão da propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição. É por isso que, segundo a tradição justinianeia, esse acertamento pode ter lugar por uma repartição equitativa do terreno em causa (cfr. art. 1354.º, n.º 8 2 e 3).
Nas palavras do acórdão do STJ, de 25.05.2023, Nuno Ataíde das Neves, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 3346/16.2T8GMR.G1.S1:
Sobre esta matéria, este Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a propugnar o entendimento, absolutamente unânime, de que a demarcação dos prédios configura um direito potestativo, pressupondo a acção a confinância entre os prédios em confronto e uma incerteza do lugar onde se situa a estrema ou linha divisória entre os mesmos prédios.
A ação de demarcação distingue-se, assim, da ação de reivindicação, na medida em que nesta não se discute a localização da referida linha divisória.
Como sintetiza o acórdão do STJ, de 20-11-2019 (processo n.º 841/13.9TJVNF.G2.S1), “A demarcação é um dos poderes inerentes à propriedade imóvel, sendo configurado no art. 1353.º do CC como um direito potestativo e pressupõe o reconhecimento do domínio sobre os prédios confinantes e a indefinição da linha divisória entre eles.
As acções de demarcação não têm por objecto o reconhecimento do domínio, embora o pressuponham; o seu fim específico é o de fazer funcionar o direito reconhecido ao proprietário pelo art. 1353.º do CC, de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas respectivas.”
Neste sentido, vejam-se, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 24-05-2022 (proc. n.º 882/12.3TBSJM.P3.S1), de 29-01-2019 (proc. n.º 518/14.9TJVNF.G1.S1), de 03-05-2018 (proc. n.º 1164/13.9TBPFR.P1.S1), de 30-05-2017 (proc. n.º 2244/14.9T8ALM.L1.S1, e de 19-02-2015 (proc. n.º 403/08.2TBFAF.G2.S1).
Ora, a causa de pedir nas ações de demarcação é complexa e é composta pelos factos dos quais decorra a confinância entre dois ou mais prédios pertencentes a donos diferentes e a indefinição ou a dúvida quanto à localização da respetiva linha divisória.
No mesmo sentido:
─ Acórdão do STJ, de 24.05.2022, Isaías Pádua, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 882/12.3TBSJM.P3.S1:
XII - A demarcação dos prédios consubstancia um direito potestativo, pressupondo a ação destinada a efetuá-la uma incerteza quanto ao lugar em que se situa a estrema ou linha divisória entre dois ou mais prédios confinantes, porque inexistem ou porque são duvidosas.
XIII - Distingue-se da ação de reivindicação, pois enquanto nesta já se conhece exatamente a linha divisória, consistindo a pretensão nela formulada no reconhecimento e/ou na recuperação de uma certa área do prédio, já na ação demarcação visa-se definir a linha de separação, surgindo, depois, a eventual restituição do terreno eventualmente ocupado pelo vizinho confinante como consequência natural da demarcação efetuada, havendo, nesse caso, como que uma ficção legal de que nada se alterou, após a demarcação e a fixação da linha divisória, em substância em relação ao conteúdo do direito de propriedade.
XIV - Daí que ação de demarcação não tenha, pelo menos em primeira linha, por objeto o reconhecimento do domínio, embora o pressuponha, sendo que o seu fim específico é pôr fim à situação de incerteza quanto as extremas ou linhas que dividem/separam os prédios confinantes.
XV - A causa de pedir na ação de demarcação é, assim, complexa, consubstanciando-se na confinância entre dois ou mais prédios pertencentes a donos diferentes e na indefinição ou na dúvida (consistente) da respetiva linha divisória, que tanto pode resultar do desconhecimento dos limites, como do desacordo dos proprietários confinantes acerca de tais limites.
XVI - Como facto constitutivo do seu direito (de demarcação) o autor terá que alegar e provar (1) que é proprietário de um prédio confinante com outro do demandado e (2) que não está definida a linha divisória entre esses prédios ou que existem consistentes dúvidas sobre elas, enquanto que o último se a tal quiser obstar terá de alegar e provar que a demarcação existe e está concretizada, não existindo indefinição ou dúvidas quando à linha divisória dos prédios.
─ Acórdão da Relação do Porto, de 08.03.2022, Anabela Dias da Silva, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 1008/20.5T8PVZ.P1:
4- A acção de reivindicação é uma acção real, petitória e condenatória, destinada à defesa da
propriedade, sendo a respectiva causa de pedir integrada pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito pelo reivindicado (que detém a posse ou a mera detenção desta). O pedido é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele.
5- A acção de demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas definir as estremas entre dois prédios contíguos, propriedade de donos distintos, perante o estado de indefinição/incerteza das respectivas estremas. O direito de propriedade de autor e réu sobre os respectivos prédios, a demarcar, não integra a causa de pedir da acção de demarcação, mas funciona como mera condição de legitimidade activa (autor) e passiva (réu) para a acção de demarcação.
6- A causa de pedir na acção de demarcação é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são duvidosas ou se tornaram duvidosas. O pedido é a fixação da linha divisória entre os prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos.
7- A distinção entre acção de reivindicação e de demarcação passa por verificar se perante o (s) pedido (s) e causa (s) de pedir invocadas pelo autor em sede de petição – a relação jurídica material por ele delineada – se invoca um conflito de títulos de aquisição dos prédios ou um conflito de prédios. Se na acção se discute o título de aquisição dos prédios, então a acção é de reivindicação (conflito de títulos). Se na acção não se discute o título de aquisição dos prédios, mas a relevância deles em relação ao prédio, no sentido de se saber onde acaba um e começa o outro (conflito de prédios), a acção é de demarcação.
─ Acórdão da Relação de Guimarães, de 01.06.2005, Carvalho Martins, www.dgsi.jtrg.pt., proc. n.º 980/05-2:
1. Nas acções de demarcação, a causa de pedir é complexa e constituída pelas circunstâncias da existência de propriedade confinante, e de estremas incertas ou discutidas. Embora conexa com um direito das coisas, a ação de demarcação não é uma ação real, mas pessoal.
2. A qualidade de proprietário de um terreno, invocado pelo autor numa ação em que pede a fixação das respetivas estremas, é apenas condição da sua legitimidade para tal ação, da qual não é causa de pedir o facto que originou o invocado direito de propriedade.
Contudo, na prática, a distinção não será tão linear, a ponto de Miguel Teixeira de Sousa
afirmar, em post de 11.07.2023, no Blog do IPPC, apud acórdão da Relação de Guimarães, de 04.04.2024, Anizabel Sousa Pereira, www.dgsi.jtrg.pt., proc. n.º 958/23.1T8VCT.G1:
No fundo, toda a acção de reivindicação é uma acção de demarcação, porque se reivindica algo com uma certa demarcação, e toda a acção de demarcação é uma acção de reivindicação, porque se reivindica uma dada parcela como pertencente a um prédio. Atente-se, além do mais, no seguinte:
─ A reivindicação pode incidir sobre uma parcela que, segundo o reivindicante, pertence a um prédio que lhe pertence; quer dizer: o reivindicante pode alegar que o seu terreno não tem a área x, mas a área x+y e reivindicar apenas y;
─ Na acção de reivindicação pode não se discutir o título de aquisição alegado pelo reivindicante, mas precisamente o que, em termos de extensão do prédio, está abrangido por esse título;
─ Na acção de demarcação, pode-se discutir o título de aquisição alegado pelo autor que requer a demarcação e, mesmo quando não se discuta esse título, não deixa de se discutir o que está abrangido por esse título; efectivamente, não se imagina que o autor demarcante não invoque um qualquer título para justificar a demarcação que requer.
Segundo o acórdão da Relação de Lisboa, de 12.02.2009, Pereira Rodrigues, www.dgsi.jtrl.pt., proc. n.º 288/2009-6:
I. A acção de demarcação não pode confundir-se com a acção de reivindicação, apresentando-se, em termos gerais, como critério de distinção entre as duas acções a existência de um conflito entre prédios ou a existência de um conflito acerca do título, ainda que, em determinadas situações, o recurso a uma ou a outra das acções possa conduzir ao mesmo resultado;
II. O recurso à acção de demarcação deverá sempre ter lugar nos casos em que nenhum dos proprietários sabe quais são os limites dos prédios confinantes;
III. Também poderá ter lugar se cada um dos proprietários pensa saber quais os limites dos prédios, mas se aqueles estão em divergência quanto a esses limites. Porém, na mesma hipótese também qualquer deles poderá recorrer, antes, à acção de reivindicação, se invocar que o outro está a lesar o seu direito de propriedade.
IV. Igualmente poderá recorre-se à acção de demarcação se um dos proprietários não tem dúvidas e veda o seu prédio ou coloca marcos, contra vontade do proprietário vizinho que não aceita a marcação, por nessa situação resultarem dúvidas quanto aos limites dos prédios. Mas, da parte do proprietário que não manifestou dúvidas também poderá recorrer à acção de reivindicação.
V. Muito embora sejam distintas as acções de demarcação e de reivindicação poderão cada uma delas em determinadas situações ser utilizadas indistintamente na prossecução do mesmo objectivo de circunscrever determinada propriedade aos seus justos e claros limites.
Na mesma linha de pensamento, J. P. Remédio Marques, Reivindicação versus demarcação ─ violação de caso julgado (“contrário contraditório”) JURISMAT, Portimão, n.º 19, pgs. 159 e ss., fala em fungibilidade entre a acção de reivindicação e a acção de demarcação, porquanto, para obter o reconhecimento da propriedade de uma concreta parcela de terreno tanto se usa a acção de reivindicação, como a acção de demarcação, muitas vezes se recorrendo a esta para contornar a improcedência da acção de reivindicação da mesma parcela. É, aliás, o que sucede no caso vertente, em que, após o insucesso da reivindicação de uma parcela de terreno com a forma triangular e a área aproximada de 70 m2, recorreu acção de demarcação, para aqui obter o que ali lhe foi negado.
O que convoca a questão do caso julgado.
A sentença recorrida absolveu os apelados do pedido de demarcação recorrendo ao instituto da autoridade do caso julgado. Escreveu-se na sentença recorrida:
De acordo com o preceituado no artigo 580º., nº. 1 do Código de Processo Civil, “as exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa”. Se a repetição se verificar depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado.
Nos termos do nº 2 do citado preceito legal, “tanto a exceção da litispendência com do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
O artigo 581º., nº. 1 do Código de Processo Civil, estabelece que “repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
No nº. 2 dispõe que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”.
O nº. 3 preceitua que “há identidade de pedido quando numa ou noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”.
O nº. 4 estabelece que “há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”.
A doutrina e jurisprudência, são unânimes em reconhecer que o caso julgado material pode funcionar, em teoria, como exceção ou como autoridade.
O caso julgado é uma exceção dilatória, nos termos do disposto no artigo 577º, al. i) do Código de Processo Civil, cujo objetivo é evitar a reprodução ou contradição de uma dada decisão transitada em julgado, conforme disposto no n° 2 do art.º 580 do Código de Processo Civil.
Deste modo, a exceção de caso julgado implica uma não decisão sobre a nova ação e pressupõe uma total identidade entre as duas. A autoridade do caso julgado implica uma aceitação de uma decisão proferida numa ação anterior, decisão que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda ação, enquanto prejudicial.
“Os efeitos do caso julgado material projectam-se em processo subsequente necessariamente como autoridade do caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objecto posterior, ou como exceção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui posterior impedimento à decisão do idêntico objeto”.
Constitui pressuposto formal básico da exceção do caso julgado a chamada tríplice identidade entre as causas – no que concerne aos sujeitos, ao pedido (efeito jurídico visado) e à causa de pedir (facto jurídico fundamento) - como vem referido no art.º 581º. do Código de Processo Civil.
Diferentemente se passam as coisas, porém, na referida figura da autoridade do caso julgado.
Nas palavras do Acórdão do STJ, de 28-03-2019:
“(…) A autoridade do caso julgado não depende da verificação integral ou completa da tríplice identidade prescrita no artigo 581.º do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. Já no respeitante à identidade de sujeitos, esse efeito de caso julgado só vinculará quem tenha sido parte na respetiva ação ou quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa, consoante os casos (…)».
A verificação da exceção de caso julgado é mais exigente em termos de pressupostos, dependendo da tríplice identidade prevista no art.º 581º do CPC. A autoridade do caso julgado apenas pressupõe a identidade subjetiva nas duas ações: os pedidos e as causas de pedir podem ser diferentes. Esta figura, cujo efeito preclusivo é em tudo similar ao de uma exceção perentória impeditiva subsumível ao conceito vertido no nº 3 do artigo 576º do CPC, tem como consequência, a absolvição do pedido.
Vejamos agora os pedidos formulados nas duas ações:
Nos presentes autos o pedido formulado é o seguinte:
A) Deve a presente ação ser julgada procedente por provada e por via dela os RR. condenados a reconhecer o limite do prédio da A. na parte em que ambos confinam pelo lado sul do prédio desta pela linha assinalada a cor vermelha da planta topográfica que se junta como documento 7º.
Na Ação de Processo Comum nº. 1184/21.0T8PFR os pedidos formulados foram os seguintes:
A) Reconhecido o direito de propriedade do prédio rústico identificado no artigo 1º. da Petição Inicial.
B) Reconhecido que integra o prédio da Autora a parcela de terreno com a área de 70 metros quadrados, melhor identificada no artigo 19º. da petição inicial.
C) Condenados os Réus a restituir à Autora a referida parcela livre de pessoas e coisas, repondo-a no estado anterior aos actos por si praticados.
D) Condenados os Réus a absterem-se por qualquer forma de perturbar a posse e direito da Autora sobre seu prédio e sobre a parcela de terreno supra identificada.
E) Condenados ainda os Réus a pagar à Autora a quantia de 1.000,00 Euros, a título de
indemnização pelos danos patrimoniais que a defesa do seu direito de propriedade implica e bem assim 1.500,00 Euros pelos danos morais supra referidos.
F) Condenados os Réus com o fundamento no artigo 829-A do Código Civil, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória cujo quantum deve ser fixado pelo Tribunal, segundo critérios de equidade, por cada ano de infracção ou turbação da posse da Autora sobre o seu prédio e sobre a parcela de terreno do mesmo identificada no artigo 19º.
A decisão proferida naqueles autos, julgou inteiramente improcedente a ação e absolveu os Réus dos pedidos.
Ora, nas duas ações há identidade de sujeitos, uma vez que, as as partes são as mesmas em ambas as ações.
Já quanto á identidade do pedido e da causa de pedir há divergência entre a presente ação e a ação de processo comum nº. 1184/21.0T8PFR.
Assim, nessa anterior decisão estava essencialmente em causa a divergência sobre a propriedade de um prédio- não podendo o respetivo conflito ser reconhecido através da via da ação de demarcação que não tem por objeto o reconhecimento do direito de propriedade sobre determinado prédio, antes pressupondo o reconhecimento do domínio ou da propriedade.
A causa de pedir na ação de reivindicação é o direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa (móvel ou imóvel) reivindicada e a lesão desse seu direito de propriedade pelo demandado (possuidor ou detentor da mesma). Já na ação de demarcação, a causa de pedir é a existência de dois prédios confinantes, propriedade de dois proprietários distintos e o estado de incerteza dos limites concretos desses prédios».
São diversas a natureza e finalidade- mormente por reporte ao objeto substantivo, as questões a tratar e aos objetivos a atingir da ação de reivindicação e da ação de demarcação.
Desde logo, a acção de reivindicação de propriedade tem por objecto o reconhecimento deste direito e a consequente restituição da coisa por parte do seu possuidor ou detentor, já a acção de demarcação tem por objectivo a marcação da linha divisória de prédios pertencentes a donos diferentes.
Verifica-se, assim, que não há identidade do pedido e da causa de pedir em ambas as acções,
não se verificando, assim, a exceção do caso julgado.
Vejamos então, no vertente caso, o que resulta quanto à autoridade do caso julgado.
O caso julgado assume uma vertente negativa de exceção e uma vertente positiva de autoridade.
“I- O caso julgado assume uma vertente negativa de exceção e uma vertente positiva de autoridade.
A autoridade de caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
II - É no campo da ação de demarcação seguida à reivindicação insucedida que a vertente da autoridade do caso julgado se revela exponencialmente. Visa-se, muitas vezes, por esta via alcançar a dominialidade antes não conseguida, sendo o remédio jurídico que obsta à pretensão (já antes apreciada e decidida), precisamente, a autoridade de caso julgado.
III – Tendo em anterior ação judicial sido decidido que determinada parcela de terreno não pertence ao autor e que a vedação posta pelo réu é de manter, não pode a mesma parte em ação de demarcação querer demarcar o prédio, onde enviesadamente inclui a parcela - por esta não lhe pertencer e estar demarcada (vedada)-, por violação do caso julgado.
Neste sentido, Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07.12.2023, Proc. nº. 5816/22.4T8GMR.G1, disponível in www.dgsi.pt.
“A ação de demarcação não pode ser utilizada para, a pretexto de definir confrontações, constituir um meio hábil de obter o reconhecimento da propriedade sobre qualquer parcela de terreno, bem definida, que está na titularidade de outra pessoa, cm desrespeito pelos respectivos títulos e posse escondendo o objecto de uma verdadeira reivindicação por parte do seu autor”.
Neste sentido, Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.08.2022, Proc.108/20.5T8PVZ.P1, disponível in www.dgsi.pt.
Pelo exposto, e porque a pretensão de demarcação dos autores, encapsula a obtenção do reconhecimento da faixa de terreno sobre a qual recaiu decisão transitada em julgado no âmbito da ação de processo comum nº. 1184/21.0T8PFR, que correu termos neste Juízo Local Cível, verifica-se a exceção de autoridade de caso julgado, e, em consequência, absolvem-se os Réus do pedido.
Contra esta decisão se insurgem os apelantes, sustentando que, dos factos não provados na prévia acção de reivindicação, resulta evidente a indefinição da linha limite de ambos os prédios no lado em que um confina com o outro, pois na anterior acção o Tribunal não conseguiu definir a linha divisória entre os dois prédios. E que só se verifica a autoridade de caso julgado na medida/limite do que foi apreciado e decidido, não obstando a que em novo processo seja decidido aquilo que não ficou definido no caso julgado anterior. Apreciando:
A questão do efeito do caso julgado da decisão proferida em acção de reivindicação na posterior acção de demarcação não tem tido resposta uniforme por parte da jurisprudência.
Nos Tribunais da Relação têm-se consolidado o entendimento de que a decisão proferida na acção de reivindicação projecta a autoridade de caso julgado em posterior acção de demarcação.
A autoridade do caso julgado não é tão exigente quanto a excepção de caso julgado por não pressupor a tríplice identidade, bastando a identidade de partes, e que exista, naturalmente, alguma relação entre os pedidos, que justifique a projecção da autoridade do caso julgado.
Pergunta-se: tendo a parte decaído, em acção de reivindicação anterior, na prova do direito a certa faixa de terreno, pode propor uma acção de demarcação onde está em causa a mesma faixa de terreno? Ou, por outras palavras, a decisão a proferir na acção de demarcação é susceptível de atentar contra a decisão tomada na acção de reivindicação? Não pretenderá a parte na acção de demarcação obter o que lhe foi negado na acção de reivindicação?
Remédio Marques, op. cit., pg. 164-5, sustenta que os AA. não podem obter posteriormente uma delimitação das áreas contíguas entre o seu prédio e o dos RR. que seja contrária ou contradiga a decisão tomada na acção de reivindicação, onde os RR. tenham sido absolvidos do pedido contra eles deduzidos de determinada parcela.
A função positiva do caso julgado ─ autoridade do caso julgado ─ impõe, segundo ele, o resultado de um litígio anterior na nova acção (demarcação) em que, afinal, se discute, ainda que sob roupagens diversas, o destino da mesma parcela de terreno cuja propriedade não foi reconhecida a parte na anterior acção (reivindicação).
Nas suas palavras, loc. cit., pg. 168-9, que
esta proibição de contradição não opera somente quando numa ação posterior é invocado um caso julgado sobre uma questão prejudicial, como poderá ser o caso sub iudice. Na verdade, a proibição de contradição também pode atuar quando se pretenda evitar que o caso julgado seja contrariado por uma decisão posterior,15 ou seja, quando se faz necessário obstar a uma nova pronúncia do tribunal contraditória com a pronúncia anterior (“contrário contraditório”). A realidade dos casos da vida litigiosos é mais multifacetada e complexa do que aquela que se reconduz à aplicação da proibição de contradição apenas nas situações de prejudicialidade de um objeto processual perante um outro objeto processual.
No mais, a autoridade do caso julgado é menos exigente em termos de pressupostos de cuja verificação depende a sua afirmação na ação posterior. Nesta medida, representa como que um menos em relação à exceção (de caso julgado), podendo verificar-se quando falhe a identidade objetiva de que esta depende.
Seja como for – atente-se, em homenagem ao princípio do contraditório e à garantia de tutela jurisdicional efetiva –, exige-se sempre a identidade subjetiva das partes na primeira e na ação subsequente. É que, nestas eventualidades, está essencialmente em causa a força vinculante da decisão anterior transitada em julgado, que se impõe em termos absolutos, impedindo a repetição (exceção),
ou em termos relativos, impedindo apenas a contradição (autoridade).
Na síntese deste autor, op. cit., pg. 185,
Atenta a aludida fungibilidade parcial entre as ações de reivindicação e as ações de demarcação, deverá, nos casos que estamos a apresentar, reparar-se no seguinte: perante os objetos processuais em causa, na primeira ação – a de reivindicação – terá sido já delimitada, por exclusão, mas de forma expressa, uma parte da faixa de terreno que não pertence ao prédio do demandante.
Qualquer demarcação que, quanto à extensão do título possuído, inclua estas parcelas ou faixas de terreno viola a proibição de contradição inerente àquela outra dimensão do alcance objetivo do caso julgado precisamente constante da anterior ação de reivindicação.
Isto porque, alerta o mesmo autor, pg. 190,
A posterior ação [de demarcação] entre as mesmas partes não pode ser utilizada abusiva e emulativamente para, a pretexto de definir confrontações, constituir um meio hábil de obter o reconhecimento da propriedade sobre qualquer parcela de terreno bem definida (dentro de uma área mais vasta cujos contornos ou confrontações não estão definidos), cuja propriedade na ação anterior [de reivindicação] não foi atribuída ao autor da (posterior) ação de demarcação, ainda quando, nessa ação anterior, o tribunal se tenha expressamente debruçado na ponderação e formação da convicção sobre a prova produzida acerca dessa área definida de terreno.
Este entendimento tem sido acolhido em diversas decisões. Para além das decisões citadas na decisão recorrida, e a título meramente exemplificativo:
─ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.07.2010, Hélder Roque, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 854-B/1997.L1.S1:
IV - Quando as dúvidas ultrapassam a zona de fronteira entre os dois prédios contíguos para atingirem uma parcela bem definida de terreno, na posse do vizinho, sai-se da esfera da acção de demarcação para se entrar no âmbito da acção de reivindicação, sendo certo que naquela se respeitam os títulos existentes, não se admitindo prova contra os mesmos, apenas se definindo a linha divisória que ofereça dúvidas, face aos títulos existentes.
V - A acção de demarcação não pode ser utilizada para, a pretexto de definir confrontações, constituir um meio hábil de obter o reconhecimento da propriedade sobre a parcela de terreno bem definida, que está na titularidade de outra pessoa, com desrespeito dos respectivos títulos e posse, escondendo o objecto de uma verdadeira reivindicação, por parte do seu autor.
─ Acórdão da Relação do Porto, de 09.04.2013, Maria Cecília Agante, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 3864/09.9T2OVR.P1:
III - Ainda que os autores tivessem movido uma primeira acção declarativa para reconhecimento da propriedade de certo prédio identificado por limites precisos, ficariam impedidos de, nesta acção, pretender a demarcação com outros limites, procurando alcançar a definição que, naquela, lhes foi recusada.
IV - A extensão do caso julgado refere-se não apenas à indiscutibilidade da subsistência
de certa afirmação, mas abrange também a sua extensão inversa, de modo a que, tendo a primeira sentença, transitada em julgado, deixado indiscutível que aos autores não assiste o direito a que se arrogam para a extensão do seu prédio e para a definição das suas estremas, é-lhes vedado reintroduzir a discussão dessa matéria com a adução de nuances que não alteram a essência da questão.
─ Acórdão da Relação do Porto, de 19.06.2000, Fonseca Ramos, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 0050799:
I - O caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para apreciação do objecto processual posterior.
II - A autoridade do caso julgado, formado quanto aos limites e extensão do prédio do Autor, decidida na acção de reivindicação, impõe-se na acção de demarcação, não sendo necessária para a existência de identidade do pedido e da causa de pedir uma rigorosa identificação formal, apenas se exigindo que entre elas haja uma relação de coincidência, de modo a que o pedido formulado na segunda acção suponha já a resolução definitiva de uma questão anteriormente decidida com trânsito em julgado.
─ Acórdão da Relação de Coimbra, de 06.03.2012, Francisco Caetano, www.dgsi.jtrc.pt.,
proc. n.º 3170/09.9TBVIS.C1:
I – Porque o direito de propriedade é pressuposto do direito de demarcação, não reconhecido aquele em acção de reivindicação de certa parcela de terreno por sentença transitada em julgado, a força e autoridade do caso julgado impede seja proposta nova acção, agora com a pretensa finalidade de demarcação da parcela.
─ Acórdão da Relação de Guimarães, de 15.03.2011, Manso Raínho, www.dgsi.jtrg.pt., proc. n.º 1292/10.2TBGMR.G1:
I.O caso julgado não vale apenas como excepção impeditiva do re-escrutínio da mesma questão entre as mesmas partes (efeito negativo do caso julgado)., mas também como autoridade (efeito positivo do caso julgado).
II. Deste modo, o já decidido não pode mais ser contraditado ou afrontado por alguma das partes em acção posterior.
III. Tendo a parte decaído, em acção de reivindicação anterior, no direito a certa faixa de terreno, não pode depois vir propor uma acção de demarcação onde está implícito que tal faixa integra o seu prédio.
Outra corrente, a que aderimos, sustenta que a decisão formada na acção de reivindicação não faz caso julgado na subsequente acção de demarcação.
Assim, o acórdão do STJ, de 09.10.2006, Alves Velho, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 06A2504:
I - Para averiguação da existência de caso julgado não é indiferente o objecto do processo e a apreciação que dele se faça na sentença, como o não é a natureza das acções em confronto.
II - No caso, perante uma acção de reivindicação e outra de demarcação, é natural que haja coincidência ou sobreposição de vários elementos da situação de facto que estão na origem dos pedidos.
III - Mas, os pedidos e os resultados jurídico e prático visados não são confundíveis: - na reivindicação, se o autor prova os limites que alega vê reconhecido o direito sobre a parcela na sua totalidade (ganha tudo), se não prova, o litígio mantém-se, pois fica sem saber quais são os limites (não ganha nem perde); - na demarcação, diferentemente, o autor indica os limites que entende mas sujeita-se a um resultado que pode ou não coincidir com a linha proposta, podendo obter total ou parcial ganho da causa ou nenhum.
IV - Reivindica-se para pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma coisa ou parte dela e a respectiva restituição, mas intenta-se acção de demarcação para obrigar o dono do prédio confinante a concorrer para a definição e fixação da linha divisória, não definida (arts. 1311.º e 1353.º do CC).
V - Diversos, pois, os pedidos e a causa de pedir, como, de resto, é postulado pela própria natureza das acções e respectivo objecto, tal afasta a pretendida ofensa de caso julgado formado na anterior acção de reivindicação lidada entre as mesmas partes.
VI - Pretendendo os autores ver as estremas fixadas “nos termos constantes da planta que instruiu o processo de loteamento”, o que está em causa na acção é a transposição para o solo e respectiva tradução e concretização no terreno da linha traçada na planta, mediante interpretação e transposição desta.
VII - A sentença que definiu a linha divisória entre os lotes, tal como resultou da interpretação da planta de loteamento e, em termos físicos, no terreno, da correspondência estabelecida entre tal linha e a face exterior do muro de vedação há muito construído pelos réus-recorrentes, não viola o disposto nos arts. 1353.º e 1354.º, n.º 1, do CC.
Explica-se no texto do acórdão:
Mas, mais claramente, os pedidos e os resultados jurídico e prático visados – sem prejuízo de se reconhecer que pode haver coincidência prática de resultado - não são confundíveis: - Na reivindicação, se o autor prova os limites que alega vê reconhecido o direito sobre a parcela na sua totalidade (ganha tudo). Se não prova, o litígio mantém-se, pois fica sem se saber quais são os limites (não ganha nem perde); - na demarcação, diferentemente, o autor indica os limites que entende mas sujeita-se a um resultado que pode ou não coincidir com a linha proposta, podendo obter total ou parcial ganho da causa ou nenhum.
A demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas pôr fim a estado de incerteza sobre o traçado da linha divisória entre dois prédios, incerteza que bem pode resultar do anterior insucesso, por falência da prova, da reivindicação de uma faixa de um deles por um dos confinantes.
É também o que decorre dos pedidos que, segundo a lei, integram e caracterizam cada uma das acções. Reivindica-se para pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma coisa ou parte dela e a respectiva restituição, mas intenta-se acção de demarcação para obrigar o dono de prédio confinante a concorrer para a definição e fixação da linha divisória, não definida (arts. 1311º e 1353º C. Civil).
Diversos, pois, os pedidos e causas de pedir, como, de resto, é postulado pela própria natureza das acções e respectivo objecto, o que afasta a pretendida ofensa de caso julgado formado na anterior acção de reivindicação lidada entre as mesmas Partes (no mesmo sentido, acs. STJ de 27/7/82(proc. 070114), 12/12/02(proc. 02A3688) e 21/01/03(proc. 02A3029).
Numa situação similar, em que o A., na acção de reivindicação prévia, decaíra na prova de que determinada parcela lhe pertencia, o acórdão do STJ, de 25.05.2023, Nuno Ataíde das Neves, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 3346/16.2T8GMR.G1.S1, reverteu a decisão do Tribunal da Relação, que entendera que, tendo os AA. decaído na acção de reivindicação de uma determinada parcela, não poderiam prevalecer-se novamente das mesmas áreas para fundar o pedido de demarcação.
Sublinhando a fluidez da fronteira entre a accão de reivindicação e a acção de demarcação, ponderou o STJ:
Como explica Mariana Cruz, “A ação de demarcação é suscetível de causar dúvidas relativamente à sua diferenciação da ação de reivindicação consagrada no artigo 1311.º dado que em qualquer dos casos se discute uma questão de domínio relativamente a uma faixa de terra e muitas vezes o recurso a uma ou a outra ação materializa-se no mesmo objetivo. No entanto, como sumariza Henrique Sousa Antunes (Sousa Antunes, Henrique, 2017: 211) na ação de reivindicação está em causa o próprio título de aquisição; na ação de demarcação está em causa apenas a extensão do título possuído [v. distinção em Ac RL 12.02.2009 (10789/2007-6)]. Daí que a ação de demarcação não constitua caso julgado relativamente à ação de revindicação, nem esta em relação àquela [neste sentido Ac, RP 30.05.2011 (376.09.4TBCDR.P1) e Ac. RL 20.11.2003 (7610/2003-2)].” (In Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, UCP, 2021, p. 273 – realces e sublinhados nossos.
Assim, “feita a determinação, tal fica a passar por onde se provou que sempre passou, nada se alterando em termos de propriedade: nada se constituiu, nada se modificou, nada se extinguiu”. (António Carvalho Martins, A Ação de Demarcação, Coimbra Editora, 1988, p. 24).
(…)
Ora, a “sobreposição” a que alude, a determinado passo, o Tribunal da Relação resulta, a nosso ver, da circunstância de autores e ré se arrogarem proprietários de uma faixa de terreno que situa entre os respetivos terrenos, que se situa no limiar de contiguidade entre os mesmos, esse sim indefinido, o que resulta numa incerteza quanto à localização da linha divisória entre a propriedade dos autores e da ré.
Como é evidente, a existência de dúvida quanto à localização da linha divisória entre os prédios reconduz-se a uma dúvida quanto aos limites dos prédios dos autores e da ré, entre si contíguos, e não quanto à titularidade do direito de propriedade dos prédios em confronto, que, de resto, se mostra resolvida por decisão transitada em julgado.
Por outro lado, a dúvida sobre o limite ou sobre a linha divisória entre os prédios traz sempre consigo uma dúvida sobre o limite/conteúdo do direito de propriedade de uns e outros, o que não se pode confundir com a dúvida sobre a titularidade do direito de propriedade dos prédios em confronto.
Assim, na ação de demarcação, como na ação de reivindicação, existem dúvidas sobre a quem pertence uma determinada faixa de terreno, que se situa no limiar de contiguidade entre os mesmos, apenas se desconhecendo com rigor este mesmo limiar, não tendo tal circunstância a virtualidade de tornar inviável o pedido de demarcação, que visa apenas definir, com clareza, a linha divisória e, por inerência, a mais rigorosa extensão do prédio.
Ora, no caso que nos ocupa, os autores, não colocando em causa a titularidade do direito de propriedade do seu prédio, resolvida no âmbito do processo n.º 2035/07.3TJVNF com decisão transitada em julgado, invocaram, em sede de petição inicial, as confrontações que consideravam corretas, as áreas do seu prédio e bem assim a confinância entre o seu prédio e o da ré, juntando uma planta com indicação da linha divisória pretendida e pedindo, expressamente, para se proceder à demarcação.
Sendo esta a configuração do objeto do processo que releva para efeitos de determinação do tipo de ação em causa.
Como é evidente, apenas com a demarcação é possível determinar, com a exigida clareza, qual a rigorosa linha que contigua e divide os prédios dos autores e da ré, de onde advirá a exacta extensão da propriedade dos autores e a exacta extensão da propriedade da ré, bem como, consequentemente, determinar que a ré se encontra a ocupar terreno alheio sem título de ocupação.
Como lucidamente se disse no acórdão do STJ, de 24-05-2022 (proc. n.º 882/12.3TBSJM.P3.S1), na ação demarcação visa-se definir a linha de separação, surgindo, depois, a eventual restituição do terreno eventualmente ocupado pelo vizinho confinante como consequência natural da demarcação efetuada, havendo, nesse caso, como que uma ficção legal de que nada se alterou, após a demarcação e a fixação da linha divisória, em substância em relação ao conteúdo do direito de propriedade.”
Finalmente, e na mesma linha, o acórdão do STJ, de 12.12.2023, Maria dos Prazeres Beleza, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 2369/21.4T8PNF.P1-A.S1, incidiu sobre uma acção de demarcação subsequente a uma acção de reivindicação em que o A. não lograra provar que adquirira por usucapião a parcela que reivindicara. Segundo o acórdão,
Esta decisão não significa, naturalmente, que sejam proprietárias as rés; nem impede a vocação de diferente causa de pedir em acção posterior. Todavia, fica precludida, por parte das rés, a invocação, em acções posteriores, de excepções que poderiam ter sido alegadas na acção, em virtude do princípio da concentração da defesa (artigo 573.,º do Código de Processo Civil) e, por parte dos autores, a alegação de factos que possam ser reconduzidos à(s) causa(s) de pedir invocada(s), em virtude do ónus de alegação na petição inicial, ónus que se deduz da inadmissibilidade da alegação de factos que excedam a resposta às excepções deduzidas – cfr. n.º 1 do artigo 584.º e n.º 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, desde que, em ambos os casos, possa vir a ser posta em causa a função da excepção de caso julgado: evitar que, nessa acção posterior, o tribunal seja colocado na alternativa de contrariar ou repetir (porque seria inútil, artigo 625.º do mesmo Código) uma decisão anterior (n.º 2 do artigo 580.º do Código de Processo Civil). Assim se respeita o que Antunes Varela, J.M. Bezerra e Sampaio e Nora (Manual cit., pág. 302), chamam a “directriz substancial traçada no [então] n.º 2 do artigo 497.º” do Código de Processo Civil.
Recorde-se que, uma vez decidida uma questão com força de caso julgado, não mais pode a mesma voltar a ser apreciada em acção posterior, quer surja a título principal, caso em que funcionará a excepção de caso julgado, quer surja a título prejudicial ou seja suscitada pelo réu, casos em que a força e autoridade do caso julgado obrigará a ter essa mesma questão como assente.
Aludindo às diferenças teóricas entre os dois tipos de acção, sublinha que tais diferenças não são decisivas para saber se existe violação de caso julgado, embora sejam relevantes no entendimento dos pedidos e das causas de pedir formulados, bem como das decisões proferidas nas duas acções agora em confronto, para concluir que o que é decisivo para saber se uma acção repete a outra é apurar se o julgamento desta segunda acção implica o risco de contradição prática, não meramente teórica, da decisão tomada na primeira. (sublinhado nosso).
Deixando de lado a questão da identidade subjetiva, que aqui não se coloca, releva determinar se deve ou não entender-se que o pedido e a causa de pedir das duas acções são os mesmos, ou se identificam uma questão decidida com força de caso julgado na primeira acção e prejudicial na segunda.
O pedido é o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor de uma acção (cfr. n.º 2 do artigo 581.º do Código de Processo Civil e, como exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016, www.dgsi.pt, proc. n.º 219/14.7TVPRT-C.P1.S1, no qual, citando o acórdão também do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2013, www.dgsi.pt, proc.n.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1, se escreveu “A questão da definição da identidade do pedido ou da pretensão material deduzida nas duas acções, sucessivamente propostas, passa essencialmente pela exacta delimitação do efeito jurídico pretendido pelo demandante, pela definição da forma de tutela que pretende obter, tendo-se, para tal, em conta, não propriamente a mera qualificação jurídica de tal pretensão, num plano puramente normativo, mas o efeito prático jurídico a alcançar”).
Ora, ao formular um pedido de demarcação do prédio de que se dizem proprietários – e há
caso julgado material quanto a que não são proprietários por usucapião da parcela reivindicada na primeira acção e, portanto, não é admissível, na acção presente, contrariar essa decisão –, e por muito que identifiquem com precisão a linha que entendem dever ser considerada como demarcação, a verdade é que um pedido de demarcação, substantivamente, implica a possibilidade de tal demarcação vir a ser efectuada nos termos previstos no artigo 1354.º do Código Civil e, portanto, de forma não coincidente com a que tiver sido definida pelos autores e, nomeadamente, dividindo-se o terreno em litígio por partes iguais (n.º 2). Cfr., assim interpretando os critérios de demarcação, o a acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Maio de 2012, www.dgsi.pt, proc. n.º 725/04.1TBSSB.L1.S1.
No que respeita à causa de pedir invocada na presente acção, é complexa, composta pela alegação de existirem prédios confinantes, de os autores serem proprietários de um deles, e de haver incerteza quanto à delimitação recíproca. Com efeito, a causa de pedir define-se por referência do facto ou complexo de factos a uma previsão normativa – no caso, ao artigo 1353.º do Código Civil. Dir-se-á, com todo o fundamento, que ser proprietário é um conceito de direito e não de facto; trata-se, todavia, de uma forma abreviada de dizer que o autor, numa acção de demarcação, tem o ónus de alegar factos dos quais resulte o seu direito de propriedade; recorde-se que, substantivamente, o direito de demarcação relativamente a prédios confinantes é um direito do proprietário (não interessa agora saber se a acção pode ou não ser instaurada pelo titular de um direito real menor, eventualmente provocando intervenção do proprietário).
Não há assim coincidência com a causa de pedir invocada na acção n.º 839/19.3...; na verdade, o que sucede é que, nessa mesma acção, foi reconhecida a propriedade dos autores sobre o prédio, tal como descrito no registo – com o valor que se referiu já e, portanto, sem que isso implique que o prédio abranja a parcela então reivindicada, naturalmente.
Mas também se não pode dizer que exista uma relação de prejudicialidade entre as duas acções, em termos de justificar que, improcedente a acção de reivindicação da parcela por não provada a aquisição originária do direito de propriedade, por usucapião, a acção de demarcação tenha de improceder por ilegitimidade (substantiva) dos autores.
E, assim, conclui o STJ pela inexistência de violação do caso julgado.
Parece-nos ser este o entendimento mais consentâneo com a figura da autoridade do caso julgado.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. II, 3.ª edição, pg. 599, caracterizam a autoridade do caso julgado nos seguintes termos:
… a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, 0 objecto da sentença e o caso julgado, BMJ325.º/172,
… o caso julgado material só se torna autoridade de caso julgado nas eventualidades de consunção prejudicial entre objectos processuais. A consumpção prejudicial exige a pressuposição da decisão do objecto posterior pela decisão do objecto anterior, o que torna a decisão sobre o objecto antecedente uma premissa da decisão do objecto subsequente: existe sempre prejudicialidade entre a consequência jurídica decidida e as consequências jurídicas dela dependentes.
Numa versão simplificada, o mesmo autor, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, versão do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, afirma:
A relação de prejudicialidade entre objectos processuais verifica-se quando a apreciação de um objecto (que é o prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objecto (que é o dependente). Também nesta situação tem relevância o caso julgado: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na acção em que é apreciado o objecto dependente.
Na jurisprudência, o acórdão do STJ, de 22.02.2018, Tomé Gomes, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 3747/13.8T2SNT.L1.S1, sintetiza assim o alcance da autoridade do caso julgado:
A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior
cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
Ora, é precisamente essa relação de prejudicialidade entre os objectos da acção de reivindicação e a de demarcação que falha. A fungibilidade das duas acções a que se aludiu anteriormente não cumpre esse pressuposto de prejudicialidade.
São acções estruturalmente distintas: a acção de reivindicação tem natureza real, enquanto a acção de demarcação é uma acção pessoal. Na primeira discute-se a propriedade e na segunda os limites da propriedade.
Atente-se que o decaimento dos apelantes na prova da propriedade não significa que a parcela disputada pertença aos apelados. Não ficou demonstrado que pertença aos apelantes, mas também não está demonstrado que pertença aos apelado. Impõe-se, por isso, que se proceda à demarcação, seguindo o percurso do artigo 1354.º CC. 4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pelos apelados (artigo 527.º CPC).
Porto, 25 de Março de 2025
Márcia Portela
Maria Eiró
Lina Baptista