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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INSOLVÊNCIA
PESSOA SINGULAR
ACÇÃO EXECUTIVA
EXCUSSÃO DOS BENS DO DEVEDOR
PRESSUPOSTOS
PASSIVO
Sumário
I – O facto de o crédito do requerente beneficiar de garantias reais e de penhoras sobre imóveis não o impede de requerer a insolvência do devedor, ainda que os bens objeto daquelas garantias e penhoras tenham valor de mercado ou de liquidação superior ao valor do seu crédito. II – A legitimidade que pelo art. 20º do CIRE é reconhecida a qualquer credor, ainda que condicional, e qualquer que seja a natureza do seu crédito para pedir a declaração da insolvência dos seus devedores que se encontrem nessa situação, cumpre o interesse de natureza particular do credor e, simultaneamente, tutela interesses de natureza pública, de ordem social e económica, sem que imponha ao credor a excussão da ação executiva singular. III - A demonstração da situação de insolvência não exige nem passa pela efetiva demonstração da impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a totalidade das suas obrigações; basta a demonstração de factos indiciadores que, de acordo com a valoração do legislador, constituem manifestação daquela impossibilidade. IV - A presunção de situação de insolvência prevista pela al. a) do nº 1 do art. 20º do CIRE pressupõe uma paralisação no cumprimento que abrange a generalidade das obrigações vencidas do devedor, o que ocorre quando abrange a diversidade das relações jurídicas estabelecidas pelo devedor. V - A presunção de insolvência prevista pela al. b) pode bastar-se com o incumprimento/mora no cumprimento de uma só obrigação vencida, desde que acompanhado de concretas circunstâncias que revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas. VI - Os factos índices da insolvabilidade não resultam infirmados pela existência de bens na titularidade do devedor, ainda que o seu valor seja superior ao passivo pois, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, esse facto só releva se ilustrar uma situação de viabilidade financeira, o que passa pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento. VII - Como tem vindo a ser sobejamente afirmado, a existência de ativo superior ao passivo não constitui pressuposto legal de solvabilidade pois, ainda que assim suceda, o devedor está insolvente se, por ausência de liquidez, estiver impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. (Da responsabilidade da relatora, cfr. art. 663º, nº 7 do CPC.)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
1. Ares Lusitani - STC, SA instaurou ação especial de insolvência contra A., pedindo seja declarado insolvente. Alegou em fundamento que: o requerido é fundador e gestor do Grupo B. do qual fazem parte as sociedades C., SA por ele detida em 99,94% e da qual é presidente do conselho de administração desde a sua constituição (em 1992), e D., SA, da qual o requerido é beneficiário efetivo e presidente do Conselho de administração; por contrato de cessão de créditos que em 02.04.2020 celebrou com o Novo Banco a requerente adquiriu os créditos por este detidos sobre a C., SA então nos montantes de €2.175059,15 de capital e €95.954,64 de juros, emergentes de contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 29.10.2014 pelo montante de €2.100.000,00 com hipoteca constituída sobre imóveis de D., SA (aparthotel sito em Albufeira designado Hotel…, integrado por 12 frações), e livrança em branco subscrita pela mutuária e avalizada pelo requerido, a reembolsar em prestações no prazo de 60 meses, mas das quais até 2018 esta apenas pagou 9, tendo então sido objeto de acordo de reestruturação celebrado em fevereiro de 2018 entre o Novo Banco, C, SA, D, SA e o requerido, com constituição de hipotecas adicionais sobre outras frações daquele aparthotel da D., SA, cifrando-se o valor então em dívida em €2.198.392,47 (capital, juros remuneratórios, juros de mora, e imposto), acordado reembolsar em prestações com início em janeiro de 2020 e fim em 2029, mas das quais a C, SA apenas pagou duas (vencidas em janeiro e fevereiro de 2020); findo o período da moratória legal prevista pelo Dec. Lei nº10-J/2020 de 26.03, a partir de abril de 2021 e apesar das várias interpelações da C., SA, da D., SA e o requerido para pagamento das prestações de juros mensais, apenas foi paga a vencida em maio, e no final de junho de 2021, nada mais tendo pago; em abril de 2021 instaurou procedimento cautelar de arresto contra o requerido, que foi decretado por sentença de 06.10.2021 sobre os prédios urbanos designados ‘Quinta da Manobra’ e ‘Terras Novas’, e em 01.10.2021 interpelou-o para proceder ao pagamento das quantias em dívida por C., SA sob pena do vencimento antecipado de todas as prestações, que a requerente veio a declarar por carta de 11.10.2021, com nova interpelação daquela, do requerido na qualidade de avalista, e da D., SA para procederem ao pagamento integral da dívida; em 17.12.2021 celebrou acordo de reconhecimento de dívida e reembolso com C., SA, o requerido, a D., SA, e a E., SA, sociedade do Grupo B, pelo qual para garantia do crédito da requerente foram constituídas hipotecas adicionais em primeiro grau, pelo requerido, em primeiro grau sobre os prédios Quinta da Manobra, Terras Novas, e Quinta da Marinha, por E., SA, sobre o prédio designado ‘Carvoeiro’, por D., SA sobre terreno para construção (em Olhão), e a C., SA e o requerido reconheceram ser devedores à requerente do montante de €2.246.559,28 e acordaram no seu pagamento até ao dia 15.11.2022 acrescido de juros à taxa Euribor e de 4% ao ano até integral pagamento; até essa data (15.11.2022) só foram pagas prestações no montante total de €226.000,00 e feito o pagamento de €171.000,00 emergente da venda do imóvel ‘Carvoeiro’ da E., SA; por aditamento de 16.01.2023, as partes daquele acordo alteraram para 15.05.2023 a data para reembolso final e acordaram que a falta de conclusão definitiva da venda de imóvel Quinta da Manobra até ao dia 17.01.2023 – data para a qual estava designada a celebração de escritura de compra e venda do mesmo e que determinou que a requerente aceitasse o aditamento ao acordo de 15.11.2022 - constituiria situação de incumprimento e de vencimento antecipado da totalidade das obrigações decorrentes do acordo; aquele imóvel não foi vendido, e C., SA liquidou prestações de capital no montante total de €51.000,00; em 23.03.2023 a Polícia Judiciária comunicou a detenção de várias pessoas por suspeitas de crimes relacionados com o Grupo B ali descritos como plano para, além do mais, ocultar a dissipação de património em prejuízo de credores, num montante total de cerca de €100M, e no âmbito do correspetivo inquérito foi decretado o arresto preventivo dos bens do requerido, o que compromete a venda dos imóveis hipotecados a favor do crédito da requerente e inviabiliza a recuperação do seu crédito por essa via; por carta de 24.03.2023 a requerente declarou o vencimento antecipado da totalidade das obrigações decorrentes do acordo e em 06.04.2023 instaurou processo de insolvência contra o requerido e outro contra a C., SA, e ação executiva contra a D., SA para execução das hipotecas e, na pendência destes processos e com vista à desistência dos processos de insolvência pela requerente, sob proposta da C., SA em 13.07.2023 foi celebrado novo acordo de reconhecimento de dívida, reembolso e pagamento em prestações entre a requerente e D., SA, pelo qual esta se confessou devedora e assumiu como principal pagadora dos créditos da requerente sobre C., SA, à data no montante total de €1.982.405,63, a pagar até ao dia 31.12.2024 em 18 prestações mensais e sucessivas de €40.000,00, a par com o reembolso antecipado dos montantes em dívida logo que obtido o produto da venda, no âmbito da execução, das frações do Hotel… objeto da hipoteca, tendo a requerente desistido dos processos de insolvência; no âmbito deste acordo a requerente recebeu prestações mensais de capital até janeiro de 2024 no montante total de €280.000,00 e o pagamento de €498.750,00 obtido pela venda, em execução, do imóvel de ‘Olhão’ da D., SA em setembro de 2023; em 13.02.2024 a D., SA não cumpriu a prestação mensal de €40.000,00 vencida nessa data e, volvido mais de um ano sobre a pendência da execução, não conseguiu vender qualquer uma das 18 frações do Hotel… - cujo valor é insuficiente para garantia dos créditos da requerente e não desperta o interesse de compradores -, com consequente vencimento antecipado da totalidade da obrigação nos termos acordados, no montante global então de €1.203.655,64 a título de capital, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento. Mais alegou que a C., SA e a maioria das sociedades nas quais esta detém participações sociais e integram o Grupo B não têm atividade nem património suscetível de cumprir os respetivos passivos, e que os dois imóveis do requerido se encontram onerados com hipoteca registada a favor do Banco BPI, S.A. para garantia do montante de €3.587.717,50 (cfr. Ap. de 22.01.2013) e, um deles, com uma penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia de €755.000,00.
Concluiu que os factos alegados - montante da dívida à requerente, as suas sucessivas reestruturações por incumprimento desde pelo menos o ano de 2018, a ausência de proposta pelo requerido de pagamento de qualquer quantia em dinheiro de imediato ou a curto prazo, a proposta do mesmo de satisfazer uma pequena parte da dívida através da dação em pagamento de um imóvel, e o acordo de pagamento com a D., SA como situação limite para impedir a sua declaração de insolvência - são reveladores da ausência de liquidez do requerido e de meios para a obter, e de ausência de condições para obtenção de crédito junto de terceiros e, assim, da situação de insolvência em que o requerido se encontra nos termos previstos pelas als. a) e b) do nº 1 do art. 20º do CIRE[1]. Arrolou 2 testemunhas e juntou documentos.
2. Citado o requerido deduziu oposição ao pedido:
Por exceção, alegou que o processo de insolvência não é o meio processual para a requerente ser ressarcida do seu crédito porque este beneficia de garantias constituídas sobre imóveis que permitem a sua satisfação e penhoras sobre 18 frações no valor total de €4.082.712,90 em execução pendente contra a sociedade D., SA, que deverá prosseguir para venda o património penhorado, sendo a dita ação executiva o meio processual adequado para satisfazer o seu crédito.
Por impugnação, alegou que a situação de incumprimento do crédito da requerente não o coloca em situação de insolvência atual; tem a sua situação tributária regularizada; deduziu oposição à reversão da dívida da sociedade F., SA à Segurança Social, SA; conforme informação do Banco de Portugal não está em incumprimento no pagamento de obrigações vencidas; a penhora inscrita pela Fazenda Nacional sobre o imóvel Quinta da Marinha extinguiu-se; não tem dívidas emergentes de contrato de trabalho nem de contratos de locação ou empréstimos garantidos por hipoteca; o seu único credor com dívida vencida é a requerente; não é verdade que não tenha condições para obter crédito junto de instituições bancárias; apresentou propostas à requerente e deu de garantia o seu património pessoal, o que revela boa fé e intenção de querer cumprir com as suas obrigações; sendo liquidados, os bens imóveis dados de garantia e penhorados são suficientes para satisfazer o pagamento das suas obrigações; no âmbito dos acordos celebrados com a requerente, em setembro de 2022 e em setembro de 2023 esta recebeu produto da venda de dois imóveis objeto de hipoteca nos montantes de €171.000,00 (‘Carvoeiro’) e €498.750,00 (‘Olhão’) e entre junho 2021 e janeiro de 2024 recebeu prestações mensais no valor total de €741.126,58; apresentou propostas de pagamento em dinheiro à requerente mas esta não aceitou nenhuma, e em janeiro de 2022 celebrou contrato promessa de compra e venda do imóvel ‘Quinta da Manobra’ mas foi incumprido pelo promitente comprador; não alcança a relevância das alegações a respeito das sociedades do Grupo B dado que o pedido de insolvência foi apresentado contra o requerido e este não se confunde com aquelas; não é verdade, e a requerente não prova, que não tem montantes suficientes para cumprir as suas obrigações; a hipoteca sobre os seus imóveis ‘Terras Novas’ e ‘ Quinta da Marinha’ data de 2013 e o valor atualmente em dívida ascende a €576.000,00; afigura-se ilegal valorar o arresto preventivo no âmbito de processo de inquérito que ainda não tem acusação ou condenação; os imóveis de que é proprietário, ‘Quinta da Marinha’ e ‘ Terras Novas’ estão avaliados pelo Banco BPI em €7.000.000,00 e €1.157.400,00, e a estes acresce a ‘Quinta da Manobra’, pelo que tem um ativo superior ao passivo e por isso não pode ser considerado insolvente; as als. c) e d) do art. 20º do CIRE invocadas pela requerente referem-se a pessoas coletivas; a requerente não prova o valor dos bens dados em garantia e os da D., SA objeto de penhora na execução só não foram vendidos porque o acordo estava a ser cumprido e a requerente não deu impulso à execução; o arresto preventivo não prejudica a recuperação dos créditos da requerente porque esta tem hipoteca sobre outros bens, foram liquidadas prestações mensais e, apesar das diligências que realizou, o requerido não logrou vender o património dado de garantia. Mais requereu o benefício da exoneração do passivo restante, para instrução do qual juntou os documentos nº30 a 71.
Concluiu pela improcedência do pedido ou, caso assim não se entenda, pela concessão da exoneração do passivo restante. Arrolou duas testemunhas e juntou documentos.
3. Notificada por despacho para, querendo, exercer o contraditório relativamente à matéria da exceção alegada na oposição, a requerente respondeu e mais se pronunciou sobre o alegado na oposição, e concluiu pedindo o imediato conhecimento de mérito da causa e, assim não se entendendo, a improcedência das exceções invocadas na oposição e o prosseguimento dos ulteriores termos dos autos com a consequente declaração da insolvência do requerido.
4. Os autos prosseguiram para audiência de julgamento, no âmbito do qual o tribunal proferiu despacho a indicar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, e prosseguiu com inquirição das testemunhas.
5. Após vicissitudes atinentes com a junção de prova documental, em 25.11.2024 foi proferida sentença que concluiu pela improcedência do pedido e absolveu o requerido.
6. Inconformada, a requerente recorreu da sentença e requereu a sua revogação e substituição por outra que julgue procedente a insolvência do requerido. Apresentou conclusões que, não obstante como tal epigrafadas, longe de o serem, apresentam-se prolixas, não cumprindo minimamente o ónus de sintetização imposto pelo art. 639º, nº 1 do CPC pois correspondem à reprodução da motivação do recurso. Porém, não se profere despacho de convite ao aperfeiçoamento nos termos do art. 639º, nº 3 do CPC por ausência de efeito preclusivo para a eventual falta de cabal resposta da recorrente[2] e porque, não obstante o acrescido esforço de depuramento, permitem identificar as questões pretendidas submeter a apreciação que, suprindo a deficiente prestação processual da recorrente no cumprimento do ónus de sintetização das alegações em sede de conclusões, se resumem às seguintes:
i) A decisão recorrida padece do vício de erro de julgamento, quer no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, quer no que tange à interpretação e aplicação do direito aos factos subjacentes ao caso dos autos.
ii) Relativamente à decisão sobre a matéria de facto, entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, em face da factualidade provada nos autos e de elementos probatórios juntos aos autos, ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 60), 61), 62), 63), 76) e 80) e ao dar como não provados os factos vertidos nos pontos g) e h) dos factos não provados.
iii) Em concreto – da alteração da decisão sobre a matéria de facto:
a) Facto provado 60) – (O Requerido não está em incumprimento no pagamento de obrigações vencidas.)
Da conjugação dos factos dados como provados e de documentos juntos aos autos, impunha-se ao Tribunal a quo que proferisse decisão em sentido diverso do que decidiu, requerendo-se se dignem alterar a decisão sobre o facto provado 60) passando do mesmo a constar que:
“O Requerido está em incumprimento no pagamento de obrigações vencidas”.
b) Facto provado 61) (A penhora registada pela Fazenda Nacional no imóvel da Quinta da Marinha, propriedade do Requerido encontra-se extinta, conforme documento 19 junto com a contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.)
Da conjugação dos factos dados como provados e de documentos juntos aos autos – designadamente certidões do registo predial -, impunha-se ao Tribunal a quo que proferisse decisão em sentido diverso do que decidiu, requerendo-se se dignem alterar a decisão sobre o facto provado 61) passando do mesmo a constar que:
“Encontra-se registada sobre o imóvel da Quinta da Marinha, propriedade do Requerido, uma penhora a favor da Fazenda Nacional, no âmbito do processo de execução fiscal 156… do Serviço de Finanças de Sintra 1 para cobrança de quantia exequenda no montante de € 755.000,00”
c) Facto provado 62) - (“O Requerido não tem dívidas de contrato de trabalho, quaisquer rendas de contratos de locação financeira ou empréstimos garantidos por hipoteca.”)
Da conjugação dos factos dados como provados e de documentos juntos aos autos, impunha-se ao Tribunal a quo que proferisse decisão em sentido diverso do que decidiu, requerendo-se se dignem alterar a decisão sobre o facto provado 62) passando do mesmo a constar que:
“O Requerido não tem dívidas de contrato de trabalho, quaisquer rendas de contratos de locação financeira”.
Mais se requer seja aditado um ponto à matéria de facto provada do qual conste que:
“O Requerido tem dívidas de empréstimo garantido por hipoteca, no montante de € 1.203.655,64”.
d) Facto provado 63) – “O único credor do Requerido com dívida vencida é a Requerente”.
Salvo melhor opinião, trata-se de um facto conclusivo, pelo que deve ser expurgado da matéria de facto dada como provada nos autos.
No entanto, a entender-se de modo diverso, ante a documentação junta aos autos, jamais poderia o Tribunal a quo decidir como decidiu.
Da conjugação dos factos dados como provados e de documentos juntos aos autos, impunha-se ao Tribunal a quo que proferisse decisão em sentido diverso do que decidiu, requerendo-se se dignem alterar a decisão sobre o facto provado 63) passando do mesmo a constar que:
“O Requerido, além da dívida vencida à Requerente, tem dívidas vencidas à Quinta da Marinha – Serviços, S.A. e à Behome Cascais, relativas a condomínio”
e) Facto provado 76) – (“O Requerido aufere o valor mensal líquido de € 7.496,01, a título de pensão por velhice.”)
É inequívoco que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado que o Requerido aufere um valor mensal líquido de € 7.496,01 a título de pensão de velhice, mas antes que o Requerido aufere um valor mensal líquido de € 4.611,01 a título de pensão de velhice, requerendo-se se dignem alterar a decisão sobre o facto provado 76) passando do mesmo a constar que:
“O Requerido aufere o valor mensal líquido de € 4.611,01, a título de pensão por velhice”
f) Facto provado 80) - “O Requerido aufere ainda o valor mensal ilíquido de €15 000,00, valor este pago pela sociedade G., Lda., referente à gestão e exploração dos títulos das revistas de que é proprietário e à qual entregou para exploração dos mesmos”.)
Da conjugação dos factos dados como provados e de documentos juntos aos autos, impunha-se ao Tribunal a quo que proferisse decisão em sentido diverso do que decidiu, requerendo-se se dignem alterar a decisão sobre o facto provado 80) passando do mesmo a constar que:
“Nos meses de Janeiro, Abril, Agosto, Setembro e Outubro de 2024, o Requerido auferiu o montante global ilíquido de € 135.000,00, a título de royalties, pagos pela G., Lda.”
g) Facto não provado g) – (“O Requerido não tem condições para obter crédito junto de instituições bancárias”).
Da conjugação dos factos dados como provados e de documentos juntos aos autos, impunha-se ao Tribunal a quo que proferisse decisão em sentido diverso do que decidiu, requerendo-se se dignem aditar um ponto à matéria de facto provada do qual conste que:
“O Requerido não tem condições para obter crédito junto de instituições bancárias.”
h) Facto não provado h) – (“O Recorrido não possui disponibilidade financeira para liquidar os créditos vencidos.”)
Termos em que se requer se dignem aditar um ponto à matéria de facto provada nos autos do qual conste que:
“O Requerido não possui disponibilidade financeira para liquidar os créditos vencidos”
iv) A decisão recorrida padece do vício de erro de julgamento, violando o disposto nos artigos 3.º, 20.º, n.º1, alíneas a) e, Independentemente da alteração da decisão sobre a matéria de facto, a al. b) e 30.º, n.º 3 do CIRE.
v) Não se suscitam dúvidas sobre a qualidade de credora da Recorrente, a responsabilidade do Recorrido pelo pagamento do crédito da Recorrente, o montante do crédito da Recorrente de € 1.203.655,64, a título de capital, e que o crédito se encontra vencido desde março de 2024, após sucessivas reestruturações/moratórias, (cfr. os factos provados 11), 12), 52) e 53).
vi) Não impende sobre a Recorrente, na qualidade de credora, a obrigação de se socorrer previamente do processo executivo ou de outros meios prévios alternativos.
vii) O facto de o crédito da Recorrente se encontrar garantido por hipotecas sobre imóveis propriedade de terceiras entidades em nada releva para asseverar da situação de insolvência do Recorrido – o que importa ao caso dos autos é se o Recorrido dispõe ou não de liquidez para honrar pontualmente as suas obrigações de pagamento e/ ou de gerar liquidez no imediato para efeito, seja pela venda do seu património seja por via do recurso ao crédito.
viii) O Recorrido incumpre há largos anos as obrigações de pagamento para com a Recorrente, integralmente vencidas, por montante superior a € 1.200.000,00, não cumpre pontualmente as obrigações de pagamento para com outros credores como a Fazenda Nacional, a Quinta da Marinha Serviços, S.A. e a Behome Cascais, e os montantes em dívida a título de condomínio à Behome Cascais desde Dezembro de 2023, francamente reduzidos, permitem presumir que o Recorrido não dispõe de liquidez para pagar pontualmente a generalidade das suas obrigações. Trata-se de incumprimento de diversas obrigações periódicas perante credores distintos, do que se conclui pela suspensão generalizada dos débitos e obrigações vencidas do devedor, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 20º do CIRE.
ix) O Recorrido não tem condições para aceder ao crédito bancário e não tem rendimentos que lhe permitam cumprir com a generalidade das suas obrigações, tanto vencidas como vincendas, que incluem dívida à Segurança Social de quase 1 milhão de euros resultante de reversão fiscal, que não se encontra vencida por se encontrar pendente recurso, dívidas potenciais a instituições bancárias por si garantidas (pessoalmente ou através do seu património), por montante superior a € 850.000,00, o seu património imobiliário encontra-se onerado por hipotecas, penhoras e arresto preventivo no âmbito de processo crime pendente contra o Recorrido, este em garantia do montante de € 68.000.000,00, e as participações sociais que o Recorrido detém são em sociedades insolventes ou detidas por meio de sociedades, entretanto, declaradas insolventes, nunca daí tendo advindo ou poder advir qualquer rendimento/liquidez para o Recorrido, quer pela venda das participações, quer pela distribuição de dividendos.
x) Para efeitos de aferição da situação de insolvência do Recorrido importa apenas a respetiva liquidez/meios de obtenção, no curto prazo, de liquidez, sendo irrelevante a superioridade do ativo sobre o passivo (critério que apenas se aplica às pessoas coletivas) – cfr. artigo 3.º do CIRE.
xi) O histórico de incumprimento do crédito da Recorrente por montante superior a € 1.200.000,00 desde 2018 e após sucessivas reestruturações/moratórias, pelas quais o recorrido se limitou a constituir garantias hipotecárias e a negociar sucessivos adiamentos de pagamentos ao longo dos tempos, mas não tendo cumprido o pagamento das prestações devidas nos termos dos planos sucessivamente aprovados, nem quando para o efeito interpelado, configura falta de cumprimento de uma obrigação que, quer pelo seu montante quer pelas circunstâncias do incumprimento, e é revelador da falta de liquidez e de meios para a obter.
7. O recorrido apresentou contra-alegações dando conta do lapso da recorrente na indicação do número de ordem dos factos que impugna e opondo, além do mais, que a recorrente impugna a decisão de facto com fundamento em factos que não alegou e em documentos que o recorrido juntou no âmbito do incidente da exoneração do passivo restante e que, por isso, não podem ser considerados em sede de recurso; que apenas tem a dívida vencida para com a recorrente e a execução do património penhorado constitui o meio correto para esta ser ressarcida do seu créditos; que por força dos pagamentos realizados no âmbito dos acordos celebrados com a recorrente e respetivos aditamentos, no ano de 2023 a recorrente recebeu cerca de 40% do seu crédito; que o recorrido possui património imobiliário de valor superior ao passivo[3]. Concluiu pedindo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.
II - Objeto do recurso:
Sem perder de vista que o objeto do recurso é antes de mais o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida – recurso reponderação -, é consensual que o recurso se destina a reapreciar e, se for o caso, a revogar, a modificar ou a anular decisões proferidas, sendo o seu objeto delimitado pelo objeto do processo e definido pelas conclusões das alegações de recurso, e sem que o tribunal esteja adstrito à apreciação de todos os argumentos alegados pelas partes mas apenas das questões de facto ou de direito por elas suscitadas e que, contidas nos elementos essenciais da causa, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo o tribunal livre na determinação e interpretação das normas jurídicas aplicáveis (cfr. art. 5º, nº 3 do CPC).
Em conformidade, pelo presente recurso vêm submetidas a apreciação as seguintes questões:
A) Erro do julgamento de facto tendo como objeto os factos descritos sob os pontos 60), 61), 62), 63), 76) e 80) dos factos provados e os descritos sob as als. g) e h) dos factos não provados.
B) Erro de julgamento de direito na valoração jurídica dos factos provados por referência aos pressupostos da situação de insolvência previstos pelas als. a) e b) do art. 20º do CIRE.
III - Fundamentos do recurso
A) Impugnação da decisão de facto
1. Dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que, pretendendo o recorrente a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso, sob pena de rejeição sobre ele recai o ónus de delimitar o objeto e o sentido da sua pretensão recursiva especificando: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…).
A estes requisitos, específicos da impugnação da decisão de facto, acresce o ónus de sintetização previsto pelo art. 639º, nº 1 do CPC, através da indicação, em sede de conclusões de recurso, dos pontos de facto cuja alteração o recorrente requer ao tribunal da Relação.
Revertendo ao teor das alegações constata-se que a recorrente delimitou o objeto da impugnação e o resultado por ela pretendido através da indicação dos pontos de facto aos quais aponta erro de julgamento, e indicou os meios probatórios e factos provados que, na valoração que deles faz, entende imporem a sua alteração. Mostram-se assim cumpridos todos os requisitos processuais da impugnação à matéria de facto, sendo que a impugnação vem fundada apenas em prova documental e em outros factos julgados provados, pelo que nada obsta ao seu conhecimento, atividade a que se procede pautada pelas regras e critérios que infra se expõem.
2. A impugnação à decisão de facto tem como objeto a convicção ou juízo fáctico que o tribunal recorrido formou sobre os factos que descreveu na decisão de facto, e/ou a violação de regra de direito probatório material, e só releva quando a matéria dela objeto seja essencial, relevante ou pertinente à decisão de mérito na qualidade de factos concretizadores dos pressupostos constitutivos do pedido, da defesa excetiva, ou da impugnação motivada (quando esta seja suscetível de conferir distinta valoração aos factos fundamento do pedido). A alteração à decisão de facto apenas pode recair sobre os factos reais e concretos descritos nos articulados das partes e, no processo de insolvência e por força da amplitude do princípio do inquisitório previsto pelo art. 11º do CIRE, sobre todos os factos que tenham resultado da discussão e instrução da causa. Não abrange o juízo de direito com que o tribunal operou o enquadramento legal dos factos provados e fundamentou o sentido da decisão recorrida, que enquadra no erro de julgamento de direito. O erro na aplicação de regras vinculativas de direito material probatório, como decorrência do art. 5º, nº 3 do CPC, cabe no poder-dever de conhecimento oficioso da Relação, portanto independentemente de impugnação do recorrente, desde que e na medida em que possa interferir no resultado do recurso interposto.
3. Prevê-se no nº 4 do art. 607º do CPC que o juiz compatibiliza toda a matéria de facto adquirida e extrai dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, e acrescenta o nº 5 que O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. O princípio da livre apreciação da prova (sistema da prova livre) corresponde a convicção motivada e formada na apreciação crítica e analítica da prova produzida e nas regras da lógica e da experiência comum, deles extraindo juízos valorativos e/ou conclusivos de facto - face à impossibilidade de reconstituição natural da realidade -, com indicação dos fundamentos condutores e determinantes dos raciocínios lógico-indutivos e dedutivos subjacentes a cada julgamento de facto, correspondendo o resultado deste a realidades que, pela sua habitualidade, definem um “standard” de prova de natureza objetiva passível de sindicância (ainda que sem prejuízo da abertura do julgador para a exceção que, para além dos quadros mentais que a regra tende a definir/padronizar, resulte demonstrada no caso concreto).
Para além do que é expressamente declarado pelas testemunhas, partes ou peritos e dos elementos que empiricamente se observam e extraem de elementos documentais, no julgamento da matéria de facto mais relevam as presunções, que o art. 349º do Código Civil define como as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. As presunções de que aqui se tratam – judiciais, naturais ou de facto – não são meios de prova nem regras legais de decisão, mas sim raciocínios a que o juiz recorre para apreciar os factos que não são objeto de prova direta (ou cuja presunção não se encontra legalmente prevista), de forma a sobre eles formular a sua convicção; consistem em inferências lógicas ou declarações – partindo do facto conhecido para o desconhecido - baseadas nas máximas da experiência, no conhecimento do decurso das coisas ou como elas naturalmente sucedem. Em suma, são conclusões sobre a realidade dos factos principais, reconstruções indiretas por extraídas de factos instrumentais. Enquanto elementos integrantes do processo mental de raciocínio lógico-dedutivo da decisão/julgamento de factos controvertidos essenciais à decisão da causa (e objeto de prova não vinculada), as presunções enquadram-se no princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, tal como se encontra previsto no artigo 351º do Código Civil.
Mais surge pertinente relembrar o poder-dever previsto pelo art. 662º, nº 1 do CPC que, em conformidade com o disposto no art. 607º, nº 4, 2ª parte (ex vi art. 663º, nº2 do CPC), impõe à Relação alterar adecisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Como salienta Abrantes Geraldes[4], a modificação oficiosa da decisão de facto impõe-se também para eliminar vícios ou erros de direito na sua elaboração.
4. Feita esta contextualização cumpre a esta instância verificar se existem fundamentos que alicercem a censura que a recorrente dirige à decisão de facto da sentença recorrida, “reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado”, o que inclui sanar deficiente ou lacunosa descrição da matéria de facto “a partir dos elementos que constem do processo ou da gravação.”[5] Tarefa que no caso se cumpre por recurso à valoração da prova documental produzida nos autos e relevante para a apreciação da impugnação posto que a Relação “não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (…).[6]”.
5. A recorrente restringiu a imputação de erro de julgamento ao descrito sob os pontos 60), 61), 62), 63), 76) e 80) dos factos provados, e als. g) e h) dos factos não provados. Como foi apreendido pelo recorrido, resulta manifesto o lapso da recorrente na indicação dos pontos 60) a 63) na medida em que da transcrição que fez nas alegações resulta que pretendia reportar-se aos factos descritos sob os n.s de ordem de 61) a 64).
No que aqui releva, o tribunal recorrido justificou o julgamento e o resultado ali descrito nos seguintes termos:
“Os factos vertidos em 59), 60) a 62) e 65), 69) a 72) foram considerados provados com base na análise dos documentos juntos com a contestação como os documentos 1 a 5 a 7, 19, 11 e certidões prediais juntas aos autos que não foram colocados em causa por qualquer outro meio de prova. Os factos 63) a 64), 66) e 73) a 76) foram considerados provados com base nas certidões prediais juntas com ambos os articulados, nas avaliações juntas com a contestação, na análise do documento 21) e com o requerimento junto em 07-11-2024 (no que concerne à dívida ao Banco BPI), documentos 28 e 29, com a informação junta aos autos pelo processo de inquérito n.º quanto ao arresto preventivo, com base no acordo das partes quanto aos mesmos e por fim no depoimento da testemunha …. Os factos vertidos em 76) a 80) consideram-se provados com base no acordo das partes e, ainda, na análise dos documentos 34 a 70 juntos com a contestação. Por fim, os factos vertidos em 81) e 82) resultam da análise dos documentos juntos com os requerimentos de 11-10-2024, 04-11- 2024, 07-11-2024 (documentos 1 a 83). No que concerne aos factos não provados vertidos em a) a j) os mesmos resultaram da insuficiência de prova quanto à impossibilidade do requerido suportar as suas obrigações e pagar as suas dívidas. Assim, como nada se demonstrou quanto à impossibilidade de o crédito da requerente ser satisfeito pelo património das sociedades devedoras mesmo no âmbito do processo de insolvência. Também não foi produzida prova no sentido de ser possível concluir que o património pessoal do requerido responderá pela divida da sociedade F., SA., no âmbito do processo de insolvência porquanto a insolvência foi qualificada como fortuita. Também, nenhuma prova foi produzida no sentido que o requerido não tem crédito junto das instituições bancárias. Por fim, nenhuma prova foi produzida quanto à situação financeira da totalidade das empresas do Grupo de que o Requerido é administrador.”
5.a) Sob os ponto 61), 63) e 64), que reproduzem artigos da contestação por impugnação deduzida pelo recorrido, o tribunal considerou como facto provado que “O Requerido não está em incumprimento no pagamento de obrigações vencidas.”[7], “O Requerido não tem dívidas de contrato de trabalho, quaisquer rendas de contratos de locação financeira ou empréstimos garantidos por hipoteca.”[8], e “O único credor do Requerido com dívida vencida é a Requerente.”[9]
A recorrente opõe que:
- O descrito em 61) está em contradição com os factos provados sob os pontos 52), 53) e 64 que, precisamente, descrevem a existência e o vencimento dos créditos da recorrente sobre o recorrido pelo montante de €1.203.655,64, e dos documentos 68 e 69 juntos com a contestação do recorrido resulta que este mantém outras dívidas vencidas não cumpridas aos credores ‘Quinta da Marinha-Serviços, SA’ e a ‘Behome Cascais’, algumas delas desde dezembro 2023, sem que o recorrido tenha junto comprovativo do seu pagamento, para o que não releva prova testemunhal que genericamente o afirme. Requer seja alterado para passar a constar que “O requerido está em incumprimento no pagamento de obrigações vencidas.
- O descrito em 63) está em contradição com os pontos 14), 15), 19), 20), 33) e 35), dos quais resulta que o crédito da recorrente emerge de empréstimo bancário que é também garantido por hipotecas constituídas pelo recorrido. Requer seja alterado para passar a constar que “O Requerido não tem dívidas de contrato de trabalho, quaisquer rendas de contratos de locação financeira.” e seja aditado que “O Requerido tem dívidas de empréstimo garantido por hipoteca, no montante de € 1.203.655,64”.
- O descrito em 64) constitui facto conclusivo que deve ser expurgado da matéria de facto dada como provada nos autos e, para o caso de assim não se entender, reiterou o que alegou a respeito dos documentos 68 e 69 juntos com a contestação. Requer seja alterado para passar a constar que “O Requerido, além da dívida vencida à Requerente, tem dívidas vencidas à Quinta da Marinha – Serviços, S.A. e à Behome Cascais, relativas a condomínio.”
À impugnação aos pontos 61) e 64) o recorrido contrapôs que os documentos invocados pela recorrente respeitam à prova das suas despesas no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante e a decisão de facto não pode ser reapreciada com fundamento em factos novos alegados pela recorrente apenas em sede de recurso, que da prova produzida nos autos resulta que o único credor do recorrido com dívida vencida é a recorrente, e mais acrescentou que o incumprimento de uma só obrigação não é bastante para se concluir pela verificação de insolvência atual.
Apreciando, para além das apontadas contradições jurídicas entre o teor do ponto 61) e o último segmento do ponto 64, mais se aponta e adianta a incorreção jurídico-processual da inserção do teor dos pontos em questão na decisão de facto que, numa assentada, concretizam vários vícios ou patologias de que esta pode padecer, desde a descrição da impugnação/versão negativa de facto jurídico constitutivo dos pressupostos ou fundamentos do pedido, passando pelo carácter conclusivo e genérico (sem qualquer concretização ou especificação factual) do que afirma, até à assunção e integração, como matéria de facto, de “pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto”[10], como o são a conclusão sobre a existência ou inexistência de dívidas vencidas e a sua situação de incumprimento que, para além de corresponderem a conceitos normativos, integram a previsão ou hipótese normativa abstrata dos preceitos legais que a apreciação do pedido de declaração da insolvência convoca – arts. 3º e 20º, nº1, als. a), b), f), e g) do CIRE –, mas cuja verificação cumpre aferir em cada caso no confronto com a espécie concreta, individualizada, em que se devem traduzir os factos assentes e/ou apurados.
Com efeito, é irrelevante para a decisão de mérito e processualmente descabido o julgamento e descrição na decisão de facto da versão negativa de factos que integram os pressupostos normativos constitutivos do pedido de insolvência (por princípio alegada em sede de impugnação que a este é deduzida), como bem decorre das conhecidas regras do ónus da prova e da contraprova previstas nos arts. 342º, nº 1 do Código Civil - 1. Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.//2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. – e 346º do CC (…), à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova. No dizer do professor Alberto dos Reis, o ónus da prova “(…) conduz-nos a averiguar que factos hão-de ser provados para que a decisão apresente determinado conteúdo”[11] (modalidade do ónus objetivo, em contraposição com o ónus subjetivo), correspondendo assim a questão e critério de decisão de direito, inerente ou inseparável da previsão ou dos elementos integrantes da norma jurídica a aplicar para resolução da lide - cada uma das partes tem o ónus de alegar e provar os factos correspondentes à fattispecie geral e abstratada norma que é favorável à sua pretensão ou à sua exceção, atendendo à posição das partes na relação material e independentemente da sua posição no processo. “O ónus da prova passa antes a significar a situação da parte contra quem o tribunal dará como inexistente um facto, sempre que, em face dos elementos carreados para os autos (seja pela parte interessada na verificação do facto, seja pela parte contrária, seja pelo próprio tribunal), o juiz se não convença da realidade dele.”[12] Nas palavras de Anselmo de Castro, “Em caso de dúvida terão, pois, esses factos de haver-se por inexistentes, tal qual como quanto aos factos que constituem os elementos da norma fundamentadora (…) O problema da distribuição do ónus da prova entre as partes, reconduz-se, assim, a um problema de aplicação da lei.//(…)//Quandoexigida prova principal ela se malogre ou seja anulada pela contraprova, o facto tem-se por inexistente com a consequência de não poder ser aplicada a norma de cuja hipótese constituía pressuposto da sua aplicação. A causa terá pois de ser decidida contra a parte a quem a sua invocação aproveitava”.[13] Ou seja, recaindo sobre o demandado o ónus de impugnar os factos constitutivos do direito ou pretensão contra ele invocado (sob pena de os mesmos se terem admitidos por acordo) – no caso, os que a recorrente invocou para fundamentar o pedido de reconhecimento da situação de insolvência do recorrido, designadamente, os correspondentes à origem do seu crédito sobre o recorrido e vicissitudes atinentes com os acordos celebrados sobre os termos do seu pagamento, por quem e em que prazos -, já sobre ele não recai o ónus de provar que os mesmos não existem, o que seria ilógico e absurdo[14]. Assim, se ao autor/requerente incumbe a alegação e prova do facto constitutivo da situação jurídica que alega, sobre a outra parte só recai o ónus da contraprova apta a tornar duvidosa a verificação desse facto, prejudicando a formação de convicção positiva sobre o mesmo e impondo a resposta de não provado e a sua desconsideração em sede de enquadramento de direito dos factos, por processualmente inexistente. Não resultando provado o facto constitutivo do pedido, a ação é julgada improcedente mesmo que o réu não prove a versão contrária ou qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão do requerente[15].
Numa outra vertente, e conforme palavras legadas pelo mestre Alberto dos Reis, na elaboração da sentença pede-se ao juiz a) Que fixe, em primeiro lugar, os factos da causa (premissa menor); b) Que interprete e aplique depois a lei aos factos (premissa maior); c) Que enuncie, por fim, a decisão (conclusão).[16] Nos mesmos moldes dos ensinamentos do Conselheiro Abrantes Geraldes, (…) não obstante a atual concentração da decisão de facto e da decisão de direito em sede de sentença, a separação entre o que constitui matéria de facto e o que integra matéria de direito é questão que percorre toda a instância processual, desde os articulados, passando pela sentença, até aos recursos, maxime ao recurso de revista.[17]Com efeito, o direito não é suscetível de ser objeto de prova, antes cabe ao juiz proceder à sua determinação, interpretação e aplicação em sede de enquadramento jurídico dos factos (cfr. art. 5º, nº 3 do CPC). Nas palavras de Anselmo de Castro, “No processo não se provam direitos mas apenas factos, pois a existência do direito é simples consequência dos elementos fácticos típicos da norma fundamentadora do direito; (…).”[18]. E nas palavras de Alberto dos Reis «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.” Ainda que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos que integram a causa de pedir (do pedido ou da exceção) se qualifiquem como factos jurídicos - na medida em que só relevam enquanto concretizam elementos das normas aplicáveis ao caso -, nem por isso se confundem com os efeitos jurídicos que deles se impõe extrair e que ao tribunal cumpre declarar em função do resultado da aplicação do direito aos factos. Assim, não são passíveis de prova (ou de confissão) os elementos normativos das normas que preveem a definição e os pressupostos da situação da insolvência, nos termos dos arts. 3º e 20º do CIRE, cuja verificação cumpre aferir judicialmente por referência à matéria de facto relevante disponível nos autos.
Ora, o teor dos pontos em questão – assim como a versão que a recorrente requereu em sua substituição - ao invés de descreverem factos materiais, correspondem a juízos conclusivos sobre questões que integram o objeto do litígio ou são por ele pressupostos, e cuja apreciação envolve um juízo de direito para aferição dos requisitos legais de que depende e à qual o julgador não pode pretender dar resposta em sede de matéria de facto e, muito menos, sem a descrição de um quadro fáctico que a suporte e que permita ao interessado contraditá-lo e ao tribunal superior sindicar a bondade dos pressupostos – de facto e de direito - em que assenta. Apreciação que tem o seu lugar próprio em sede de aplicação do direito aos factos, e não em sede de decisão de facto – esta não comporta o resultado da sua apreciação e enquadramento normativo, mas tão só o resultado da valoração da prova da qual resulte o substrato factual a considerar. O julgamento e a decisão de facto não são o momento processualmente próprio para a resolução de questões de direito, máxime das que integram o objeto da ação e se impõe resolver em sede de apreciação do mérito do pedido por recurso às normas legais aplicáveis.
Padece deste mesmo vício o teor das als. c) e h) dos factos não provados ao afirmarem (como facto não provado) que o recorrido não tem montantes suficientes nem tem disponibilidade financeira para liquidar as suas dívidas vencidas (à requerente ou demais credores), nem capacidade financeira para gerar liquidez de forma a cumpri-la no futuro. Para além da abstração dos conceitos que emprega (disponibilidade e capacidade financeira) e da irrelevância da futurologia que convoca, ao julgamento de facto do ali descrito obsta a circunstância de corresponder, precisamente, ao quid a que importa dar resposta através da aplicação do direito aos factos – impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas. Tratam-se por isso de elementos genéricos que integram conceitos normativos abstratos que, como tal, carecem de ser suportados e concretizados em factos e cujo conhecimento, como questão de direito que é, tem o seu lugar próprio em sede de enquadramento jurídico do quadro fáctico assente e/ou demonstrado nos autos e descrito na decisão de facto, e que permita sindicar a bondade dos pressupostos – de facto e de direito - em que assentam.
Vícios que se detetam na decisão da causa com a virtualidade de influir na decisão de mérito, e que terão como causa o pressuposto do qual o tribunal recorrido partiu para justificar o resultado de não provado que, em sede de julgamento de facto, fez incidir sobre alegações conclusivas contidas nos articulados, pressuposto que assumiu nos seguintes termos: “No que concerne aos factos não provados vertidos em a) a j) os mesmos resultaram da insuficiência de prova quanto à impossibilidade do requerido suportar as suas obrigações e pagar as suas dívidas.” Ou seja, partiu de um pressuposto errado na medida em que o ónus que recai sobre o requerente da insolvência não é o da alegação e prova da impossibilidade ou da ausência de liquidez no património do devedor para pagar as suas obrigações vencidas – que constitui o objeto da apreciação de direito e resposta que é pedida ao tribunal -, mas sim o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos/preenchedores dos pressupostos normativos dos factos-índice de situação de insolvência aos quais o legislador associa ou atribuiu o valor de presunção legal de verificação da situação de insolvência, correspondentes aos previstos no art. 20º do CIRE, o que se vai justificar no local próprio, em sede de apreciação do erro de julgamento de direito imputado à sentença recorrida.
Termos em que se impõe a eliminação do teor dos pontos 61), 63 e 64) dos factos provados e das als. c) e h) dos factos não provados, e se indefere a inclusão das versões que dos mesmos ou em sua substituição foi requerida pela recorrente (sem prejuízo da descrição que na decisão de facto consta a respeito da situação do seu crédito).
5.b) Sob o ponto 62), que novamente reproduz o alegado na impugnação articulada pelo recorrido, o tribunal considerou como facto provado que “A penhora registada pela Fazenda Nacional no imóvel da Quinta da Marinha, propriedade do Requerido encontra-se extinta, conforme documento 19 junto com a contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.”[19]
A recorrente opõe que o doc. 19 junto com a contestação corresponde a cópia da escritura de constituição de hipoteca sobre frações da D., SA em benefício da Segurança Social, que o doc. 19 junto com a petição e o doc. 4 junto com a resposta à contestação demonstram o contrário do que o tribunal ali julgou como provado, e que dos autos não consta qualquer documento que evidencie a ausência de dívida fiscal a cargo do recorrido nem o cancelamento da penhora, ao que não equivale a situação tributária regularizada certificada no doc. 3 junto com a contestação. Requer seja alterado para passar a constar que: “Encontra-se registada sobre o imóvel da Quinta da Marinha, propriedade do Requerido, uma penhora a favor da Fazenda Nacional, no âmbito do processo de execução fiscal 156… do Serviço de Finanças de Sintra 1 para cobrança de quantia exequenda no montante de € 755.000,00.”
Adianta-se a ausência de prova (necessariamente) documental que sustente o resultado conduzido ao ponto 62 dos factos provados. O documento 19 para o qual o tribunal recorrido remeteu para justificar o julgamento positivo, o não consente. O referido documento, junto com a contestação, constitui cópia de uma escritura pública de constituição de hipoteca sobre frações autónomas propriedade da sociedade D., S.A. a favor da Segurança Social e do seu teor não consta o que seja a respeito da dívida do recorrido à Autoridade Tributária e/ou da penhora inscrita sobre um dos imóveis do recorrido em benefício desta. Acresce referir que a certificação de situação tributária regularizada que o recorrido juntou com a oposição (doc. 3) também não tem como necessário pressuposto a extinção da dívida e/ou da penhora realizada no âmbito da sua execução posto que, para o estar (regularizada), não se impõe a inexistência de dívidas, basta que estas sejam objeto de um plano de pagamentos em cumprimento, e basta a leitura do art. 177º-A[20] do CPPT referido naquela certidão para assim se concluir[21]. Da mesma forma que o doc. 7 junto pelo recorrido também nada revela a este respeito posto corresponder a informação da central de responsabilidades do Banco de Portugal que, como é evidente, reporta apenas a créditos de instituições de crédito/financeiras. Uma última referência para consignar que o doc. 23 junto com a contestação corresponde a print extraído de consulta no portal das finanças de dívidas em execução fiscal realizada em 06.08.2024 – “consulta de processos executivos e pagamentos efetuados nos últimos 30 dias” -, e dele consta que “não foram encontrados resultados”, mas dele também não consta identificação do contribuinte (nome ou número) a que respeita a dita informação.
Para além da ausência de elementos documentais idóneos a sustentar o facto firmado sob o ponto 62), da certidão predial permanente atualizada junta pela recorrente com o requerimento de 20.06.2024[22] resulta precisamente o contrário, pelo que cumpre alterar e substituir o teor do ponto 62) em conformidade.
No uso do poder dever previsto pelo art. 662º, nº 1 do CPC, e por relevante ao mérito da ação e do recurso, mais se descrevem as inscrições que constam das certidões prediais atualizadas referentes aos imóveis do recorrido e juntas com aquele requerimento pela recorrente e, em sequência lógica com a descrição da hipoteca em beneficio do BPI, o teor do documento que em resposta a despacho nesse sentido foi junto pelo recorrido em 07.11.2024, correspondente a declaração do BPI datada de 06.11.2024 emitida a pedido de H., SL referente ao financiamento garantido por hipoteca constituída pelo recorrido sobre os prédios sitos em Albufeira e em Quinta da Marinha (Cascais), com consequente eliminação do ponto 73) que lhe faz referência, mas sem qualquer sequência ou conexão com os factos descritos nos pontos que o precede e sucede.
Assim: 62) Sob a ficha 3…/19881214 da Conservatória do Registo Predial de Cascais consta descrito prédio urbano denominado Lote… sito em Quinta da Marinha, correspondente a moradia, inscrito em 08.10.1991 em benefício do requerido A., divorciado, por compra, e sobre o qual mais incidem as seguintes inscrições: - ap. 1670 de 22.01.2013, hipoteca voluntária inscrita em benefício do Banco BPI para garantia de empréstimo do capital de €2.549.000,00 e até ao montante máximo de €3.587.717,50; - ap. 2246 de 05.08.2013, penhora realizada em benefício da Fazenda Nacional no processo execução fiscal nº156… do serviço de finanças de Sintra 1, para ‘garantia’ da quantia exequenda de €755.000,00, sendo sujeito passivo o recorrido A; - ap. 4372 de 23.08.2022, hipoteca inscrita em benefício da recorrente para garantia do capital de €1.500.000 e até ao montante máximo de €2.010.000,00; - ap. 5180/ de 28.03.2023, arresto preventivo para ‘garantia’ da quantia de €68.000.000,00, ordenado no âmbito do proc. 1628/21.0TSNT do juízo de instrução criminal de Sintra da Comarca de Lisboa Oeste, sendo sujeito ativo o Ministério Público e sujeito passivo o requerido A.. 62a) Sob a ficha 6…/19901126 da Conservatória do Registo Predial de Albufeira consta descrito prédio urbano denominado ‘Terras Novas’ sito em Albufeira, correspondente a edifício de 2 pisos e outros equipamentos, inscrito em 16.03.1993 em benefício do requerido A., divorciado, por compra, e sobre o qual mais incidem as seguintes inscrições: - ap. 1670 de 22.01.2013, hipoteca voluntária inscrita em benefício do Banco BPI para garantia de empréstimo do capital de €2.549.000,00 e até ao montante máximo de €3.587.717,50; - ap. 6162 de 22.09.2022, arresto realizado em benefício da requerente, para ‘garantia’ do crédito de 2.295.863,34, sendo sujeito passivo o recorrido A.; - ap. 2052 de 20.12.2021, hipoteca inscrita em benefício da recorrente para garantia do capital de €2.246.559,28 até ao montante máximo de €3.010.389,44; - ap. 5180/ de 28.03.2023, arresto preventivo para ‘garantia’ da quantia de €68.000.000,00, ordenado no âmbito do proc. 1628/21.0TSNT do juízo de instrução criminal de Sintra da Comarca de Lisboa Oeste, sendo sujeito ativo o Ministério Público e sujeito passivo o requerido A.. 62b) Sob a ficha 112/19871012 da Conservatória do Registo Predial de Santarém consta descrito prédio misto sito em Quinta da Manobra, correspondente a casa para habitação e terreno a mato, cultura arvense, e outros, inscrito em 23.09.1992 em benefício do requerido A., divorciado, por compra, e sobre o qual mais incidem as seguintes inscrições: - ap. 2052 de 20.12.2021, hipoteca inscrita em benefício da recorrente para garantia do capital de €2.246.559,28 até ao montante máximo de €3.010.389,44; - ap. 5180/ de 28.03.2023, arresto preventivo para ‘garantia’ da quantia de €68.000.000,00, ordenado no âmbito do proc. 1628/21.0TSNT do juízo de instrução criminal de Sintra da Comarca de Lisboa Oeste, sendo sujeito ativo o Ministério Público e sujeito passivo o requerido A. 62c) Em 06.11.2024 o Banco BPI, beneficiário de hipoteca acima descrita, a pedido de H., SL Sucursal em Portugal, declarou que o financiamento nº4221807-830-004 é garantido por hipoteca constituída por A sobre prédio urbano localizado em Albufeira e prédio localizado na Quinta da Marinha, em Cascais, e que o valor em dívida é de €538.500,00.
Para além do teor do ponto 73) mais cumpre eliminar o teor da al. d)[23] dos factos não provados já que, como resulta das alterações supra, consta documentado pelas certidões prediais dos imóveis a que aquele reporta, e o teor do ponto 69)[24] por corresponder a repetição dos factos descritos em 35) e 62) a 62b).
5.c) Sob os pontos 76) e 80) o tribunal considerou como facto provado queO Requerido aufere o valor mensalmente o valor líquido de €7.496,01, a título de pensão por velhice., e que O Requerido aufere ainda o valor mensal ilíquido de €15.000,00, valor este pago pela sociedade G., Lda., referente à gestão e exploração dos títulos das revistas de que é proprietário e à qual entregou para exploração dos mesmos.
A recorrente opõe que do doc. 31 junto com a contestação e no qual o tribunal fundamentou aquele facto consta que o valor de € 7.496,01, corresponde ao montante ilíquido da pensão auferida pelo recorrido, em consonância com o doc. 33 com a contestação, correspondente a declaração de IRS referente ao ano de 2023, do qual constam declarados rendimentos no montante anual ilíquido de € 104.944,14 (correspondente a 14 prestações), sujeito a € 40.390,00 de retenção na fonte a título de IRS, apurando-se um montante anual líquido de € 64.554,14, correspondente a € 4.611,01 mensais (14 meses). Quanto ao teor do ponto 80) a recorrente opõe que os documentos não permitem concluir pela periodicidade mensal de outros rendimentos no montante de €15.000,00. Alega que os recibos ‘verdes’ emitidos pelo recorrente à sociedade G., Ldª por conta do recebimento de royalties somam o total ilíquido de € 135.000,00, o que, repartido por 10 meses (de janeiro a outubro de 2024), corresponde à média mensal ilíquida de €13.500,00, e que da declaração de IRS referente a 2023, para além da pensão por velhice, os rendimentos auferidos de G., Lda. ascendem ao total de €46.235,84 ilíquido, a que corresponde a média mensal líquida de €2.889,74). Requer que o teor daqueles pontos seja alterado para passar a constar que “O Requerido aufere o valor mensal líquido de € 4.611,01, a título de pensão por velhice” e “Nos meses de Janeiro, Abril, Agosto, Setembro e Outubro de 2024, o Requerido auferiu o montante global ilíquido de € 135.000,00, a título de royalties, pagos pela G., Lda.”
Com o conforto do que consta dos documentos para que remete a motivação do tribunal recorrido e os demais invocados pela recorrente, cujo teor corresponde ao que invoca[25], e porque per si ou conjugados entre si deles não resulta que os rendimentos que o recorrido aufere a recibo verde têm periodicidade mensal e pelo valor de €15.000,00, deferindo ao requerido pela recorrente altera-se o teor dos pontos 76) e 80) para passarem a constar nos seguintes termos: 76) O Requerido aufere o valor mensal líquido de € 4.611,01, a título de pensão por velhice. 80) Nos meses de Janeiro, Abril, Agosto, Setembro e Outubro de 2024, o Requerido auferiu o montante global ilíquido de € 135.000,00 a título de ‘royalties’ por ‘outras atividades consultoria para os negócios e a gestão’ e no ano de 2023 auferiu o montante global ilíquido de € 46.235,84, pagos pela G., Lda.”
6d) Reproduzindo alegação da petição inicial, sob a al. g) o tribunal recorrido julgou não provado “Que o Requerido não tem condições para obter crédito junto de instituições bancárias.”
Opõe a recorrente que a mera circunstância de o recorrido contar atualmente com 84 anos torna altamente improvável que qualquer instituição financeira lhe conceda crédito, e muito menos por montante superior a €1.200.000,00, necessário ao pagamento do crédito da recorrente, ao que acresce o valor dos rendimentos fixos que aufere que, pela sua idade, lhe imporia um prazo (de reembolso) necessariamente muito reduzido que levaria a ultrapassar a taxa de esforço exigida pelos bancos; e ainda o facto de o seu património imobiliário se encontrar onerado com hipotecas e arresto preventivo, este para garantia do montante de €68M e figurar como arguido em processo crime, conforme descrito nos pontos 35, 56, 73 e 74 dos factos provados.
Conforme consta dos arts. 99º e 100º[26] da petição inicial, o que o tribunal recorrido conduziu à decisão de facto corresponde a juízo conclusivo que a recorrente formou com base nos factos que alegou e que, no raciocínio lógico-indutivo àquele subjacente, consubstanciam as circunstâncias ou condições de facto que, no seu entender, não permitirão ao recorrido obter crédito. Com efeito, a recorrente não alegou que o recorrido apresentou um pedido de crédito junto de uma qualquer instituição financeira e que não lhe foi concedido, apenas que a probabilidade é a de que o mesmo não lhe seja concedido, pelo que essa questão de facto deverá ser oportunamente tratada e valorada tal como vem alegada e invocada, como juízo conclusivo de facto a extrair (ou não) dos factos provados em sede de valoração e enquadramento jurídico dos mesmos.
Nesse desiderato, considerando a evidente relevância da idade do recorrido, com suporte no assento de nascimento (junto com a petição) para a qual o tribunal recorrido remeteu e deu por reproduzido[27], complementa-se o teor o ponto 2) com a data de nascimento do recorrido, passando a constar nos seguintes termos: 2) O Requerido nasceu no dia 02 de abril de 1940 e o seu estado civil é divorciado.
IV – Fundamentação de Facto
Os factos a considerar na apreciação do recurso correspondem aos descritos na decisão de facto da sentença recorrida, que se transcrevem nos termos que desta constam, com as alterações acima determinadas (em itálico), a que acresce alteração aos pontos 57) e 58) para, em substituição da menção à ausência de trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência de cada uma das sociedades ali mencionadas (D., SA e C., S.A.) passar a constar o resultado da apelação relativamente à primeira e a data do trânsito quanto à segunda, do conhecimento oficioso desta Relação[28].
Assim:
a) Factos Provados:
Da petição inicial:
1) A Requerente é uma sociedade anónima que tem como objeto a “realização de operações de titularização de créditos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos adquiridos”, (conforme comercial certidão permanente junta como documento 1 com a petição inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido). 2) O Requerido nasceu no dia 02 de abril de 1940 e o seu estado civil é divorciado.
3) O Requerido é empresário.
4) Fazem parte do Grupo B, além de outras, as sociedades, C., S.A. (Zona Franca da Madeira) (doravante “C.”), F., S.A. (doravante “F.”), e E., Lda. (doravante “E.”).
5) O Grupo B actua no sector da edição de revistas, tais como a …, a …, a … e a ….
6) A sociedade C., anteriormente designada por CC., SA., cujo capital social é deito em 99,994% pelo Requerido.
7) O Requerido é presidente do Conselho de Administração da sociedade supra referida desde a data da respetiva constituição em 14 de dezembro de 1992 (cfr. certidão comercial com o código de acesso 5004-5602-1160, junto como documento 4 com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
8) Faz, também, parte do Grupo B, a D., SA. (cfr. certidão comercial com o código de acesso 6413-2558-5843, junto como documento 5 com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
9) O Requerido é presidente do Conselho de Administração da sociedade D., SA desde a data da respetiva constituição em 14-12-1992, bem como, titular de participação representativa do capital social da mesma de 98,59%, através de outras sociedades do grupo.
10) Por contrato de cessão de créditos e escritura pública de cessão de créditos hipotecários, ambos celebrados em 02.04.2020, a Requerente adquiriu ao Novo Banco, S.A. (doravante “Novo Banco”), um conjunto de créditos de que este era titular acompanhado dos respetivos juros, garantias e acessórios, entre os quais os créditos que este detinha, sobre a C..
11) O Requerido foi notificado da cessão de créditos referida, na qualidade de avalista, a par da mutuária C. e da sociedade D: como garante, por cartas registadas e datadas de 08-05-2020.
12) A Requerente é a actual titular dos créditos sobre o Requerido e, bem assim, sobre a C. e D., anteriormente detidos pelo Novo Banco.
13) Os referidos créditos da Requerente são geridos pela sociedade Reviva Capital, S.A., que actua, designadamente, enquanto sua representante em todos os contactos mantidos e que se mostrem necessários com a Requerida e garantes, facto do qual a requerida foi oportunamente informada.
14) Em 29-10-2014, o Novo Banco, S.A., na qualidade de mutuante, celebrou com a C., na qualidade de mutuária, com o Requerido, na qualidade de avalista, e com a sociedade D. na qualidade de prestadora de garantia hipotecária, o contrato de financiamento n.°001614000027582, no montante inicial de capital de €2.100.000,00.
15) Para garantia das obrigações decorrentes Contrato de Financiamento foram prestadas / constituídas as seguintes garantias:
a) Livrança em branco subscrita pela Impalagest e avalizada pelo requerido A:.
b) Hipoteca específica de primeiro grau sobre 12 frações autónomas - AF, AT, AG, BJ, CO, CP, CQ, CR, DC, DE, DF, DG - que integram um aparthotel localizado em Albufeira, designado por Hotel…, propriedade da sociedade D..
16) Nos termos do Contrato de Financiamento, o capital mutuado seria reembolsado mediante o pagamento de prestações mensais e sucessivas de capital, acrescidas de juros, durante um período de 60 meses.
17) A C. incumpriu as suas obrigações de pagamento ao abrigo do Contrato de Financiamento, tendo pago apenas nove prestações mensais de capital entre 2014 e 2018.
18) A pedido da C., em Fevereiro de 2018, o Contrato de Financiamento foi objeto de uma reestruturação, atenta a incapacidade revelada pela C. para cumprir o plano de reembolso previamente contratado.
19) A reestruturação foi formalizada por meio de um contrato de reestruturação do financiamento, ao qual foi atribuído o número ROC06042/17, no dia 28.02.2018, ali intervindo o Novo Banco, a C. e, bem assim, o requerido A., na qualidade de avalista, e a sociedade D., na qualidade de prestadora de garantia hipotecária.
20) O Contrato de Reestruturação importou a constituição pela D. de hipotecas adicionais sobre outras frações — BO, BZ, CA, CF, CG e CJ — integradas no aparthotel situado em Albufeira, comummente e doravante designado por Hotel….
21) Conforme consta do Contrato de Reestruturação do financiamento, a dívida decorrente do financiamento ascendia, à data de 28-02-2018, ao valor de € 2.198.392,47, incluindo as seguintes quantias:
- € 2.001.300,00 a título de capital vencido e não reembolsado;
- € 108.292,57 a título de juros remuneratórios vencidos e não pagos;
- € 81.219,43 a título de juros de mora e;
- € 7.580,47 a título de imposto.
22) A reestruturação acordada entre as partes previa um período de carência de capital de aproximadamente dois anos, devendo o valor mutuado ser reembolsado em prestações mensais de capital, com início em janeiro de 2020 e fim em 2029.
23) Findo o referido período de carência, apenas foi efetuado o pagamento das duas primeiras prestações de capital que se venceram em janeiro e fevereiro de 2020, no valor total combinado de € 23.333,32, uma vez que a mutuária beneficiou da moratória legal ao abrigo do Decreto-Lei n.° 10-J/2020, de 26 de Março, vendo suspensas as obrigações de pagamento de capital e juros ao abrigo do Contrato de Financiamento entre março de 2020 e abril de 2021.
24) Na data da cessão de créditos supra referida, ou seja, em 02.04.2020, os créditos adquiridos pela Requerente perfaziam o valor total de € 2.271.013,79, a saber:
- € 2.175.059,15 a título de capital;
- € 95.954,64 a título de juros capitalizados durante o período da moratória de capital e juros, i.e., correspondente ao período de 29.02.2020 a 02.04.2020.
25) Findo o período da moratória legal, a partir abril de 2021 a Requerente interpelou, por diversas vezes, a C. e a Requerida para proceder ao pagamento das prestações de juros que se venciam mensalmente, sendo que apenas foi paga a prestação que se venceu em maio, no final de junho de 2021.
26) As diversas fracções autónomas hipotecadas correspondem a partes dispersas do Hotel…, incluindo a ‘boite’, o restaurante, a zona de lazer e um escritório.
27) Na acção executiva intentada pela Requerente contra a D., que corre termos junto do Juiz 1 do Juízo de Execução de Silves sob o n.° 600/23.0T8SLV, não se logrou vender qualquer uma das fracções hipotecadas do Hotel… e ali penhoradas.
28) Em abril de 2021, a Requerente instaurou o Procedimento Cautelar de Arresto contra o requerido A., o qual sob o n.° 2285/21.0T8STR correu termos junto do Juiz 4 do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.
29) No âmbito do referido processo foi determinado, por sentença proferida a 06-10-2021, o arresto de um bem imóvel Quinta da Manobra propriedade do requerido.
30) Mantendo-se o incumprimento das obrigações de pagamento, em 01-10-2021, a Requerente, por cartas registadas e datadas de 01-10-2021, interpelou a C., a D. e o requerido para proceder ao pagamento das quantias em dívida, sob pena de declarar o vencimento antecipado de todas as prestações e proceder ao preenchimento da livrança.
31) Na ausência de qualquer pagamento, em 11-10-2021, mediante cartas registadas, a Requerente declarou o vencimento antecipado das quantias devidas ao abrigo do Contrato de Financiamento e interpelou a C., a D. e, bem assim, o Requerido, para procederem ao pagamento da integralidade dos valores em dívida.
32) Neste seguimento, foram iniciadas negociações entre as partes com vista a alcançar um acordo quanto aos termos e modo de pagamento dos montantes em dívida, o qual só veio a concretizar-se em dezembro de 2021.
33) Nesse contexto, em 17-12-2021, foi celebrado um Acordo de Reconhecimento de Dívida e Reembolso (doravante, “Acordo”), de que são partes a Requerente, a C., o requerido A., a D. e a E., Lda., nos termos do qual foi acordado um Plano de Pagamentos e constituídas novas hipotecas para garantia do crédito da Requerente.
34) Nos termos do Acordo, a C. e o Requerido declaram e reconhecem expressamente:
(i) serem devedores da Requerente do montante de EUR 2.246.559,28 (dois milhões, duzentos e quarenta e seis mil, quinhentos e cinquenta e nove euros e vinte e oito cêntimos), acrescido de juros à taxa Euribor a doze meses, acrescida de 4% ao ano até integral e efetivo pagamento; bem como,
(ii) as restantes obrigações contratualmente previstas, que a D. e a E. declaram expressamente conhecer e aceitar.
35) Para garantia do cumprimento das obrigações previstas ao abrigo do Acordo, foram constituídas, por escritura pública, novas hipotecas a favor da Requerente:
Pelo requerido - avalista:
- uma hipoteca de primeiro grau sobre o Imóvel Quinta da Manobra, (doravante “Imóvel Quinta da Manobra”), no Casal de São Domingos, freguesia de União das Freguesias de Casével e Vaqueiros, concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o número 1.., da freguesia de Casével, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1.. e na matriz predial rústica sob o artigo 32, secção B, que tem atualmente o valor patrimonial tributário conjuntado de €133.889,92, conforme resulta da certidão predial que se junta com a petição inicial como documento 12, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
- uma hipoteca de segundo grau sobre o Imóvel Terras Novas, (doravante “Imóvel Terras Novas”), freguesia de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o número 6…, da mesma freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 9…, que tem atualmente o valor patrimonial tributário de €395.180,10, conforme resulta da certidão predial que se junta com a petição inicial como documento 13, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
- uma hipoteca de segundo grau sobre o prédio urbano, denominado lote 4…, situado na Quinta da Marinha (doravante “Imóvel Quinta da Marinha”), Freguesia e Concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número 3…, da freguesia de Cascais e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 14…, tendo a hipoteca a favor da ora Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 4372 de 2022/08/23, conforme resulta da certidão predial que se junta com a petição inicial como documento 14, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
Pela E.:
- Uma hipoteca de primeiro grau sobre prédio rústico que está situado em Travessados (doravante “Imóvel Carvoeiro”), freguesia de União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro, concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o número 4…, da freguesia de Carvoeiro e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1.., secção AA, que tem atualmente o valor patrimonial tributário de EUR 47,27, tendo a hipoteca a favor da ora Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 3333 de 2022/02/161. (O Imóvel Carvoeiro, propriedade da Monte Vista, foi vendido mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 28-09-2022, pelo que a referida hipoteca constituída a favor da Requerente foi devidamente cancelada).
Pela D.:
- uma hipoteca de primeiro grau sobre o prédio urbano correspondente a terreno para construção situado em Marim (doravante “Imóvel Olhão”), freguesia de Quelfes, conselho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número 2…, da freguesia de Quelfes, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1…, Secção U, que tem atualmente o valor patrimonial tributário de EUR 1.020,00, tendo a hipoteca a favor da ora Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 4713 de 2022/06/242. 36.
36) O referido Acordo não constituiu qualquer novação parcial ou total das respectivas obrigações e responsabilidades, mantendo-se as garantias anteriormente prestadas, nomeadamente o aval pessoal do requerido A. e a hipoteca sobre as 18 frações autónomas que integram o Hotel…, constituídas por D..
37) O Acordo previa o reembolso da totalidade da dívida até ao dia 15-11-2022, nos termos do plano de reembolso acordado e com recurso ao produto da venda de determinados imóveis hipotecados a favor da Requerente.
38) Sucede que, chegados a 15-11-2022, a dívida não foi integralmente reembolsada.
39) Após negociações, o Acordo foi objeto de aditamento celebrado pelas mesmas partes, em 16-01-2023, nos termos do qual foi acordado alterar a data de Reembolso Final bem como alguns termos e condições.
40) Nos termos do Aditamento, a C. e o requerido A. declararam e reconheceram expressamente:
(i) ser devedores da Requerente do montante de EUR 1.946.794,08 (um milhão, novecentos e quarenta e seis mil, setecentos e quarenta e seis euros e oito cêntimos), acrescido de juros à taxa Euribor a doze meses, acrescida de 6.5% ao ano até integral e efetivo pagamento; bem como
(ii) as restantes obrigações contratualmente previstas, que a D. e a E. declararam expressamente conhecer e aceitar, devendo a integralidade da dívida ser paga à Requerente até 15-05-2023.
41) O aditamento foi apenas celebrado porquanto, a fazer fé no transmitido pela C., a venda do imóvel Quinta da Manobra estaria prevista para janeiro de 2023, o que permitiria o reembolso de parte dos créditos.
42) Sem prejuízo, no âmbito do referido Aditamento a C. liquidou prestações de capital que perfazem o valor de €51.000,00.
43) Decorrente da falta de conclusão da venda do Imóvel Quinta da Manobra no prazo definido, a Requerente, ao abrigo da Cláusula 10.1 alínea i) do referido Acordo, conforme alterado pelo Aditamento, declarou o vencimento antecipado da totalidade das obrigações decorrentes do Acordo, as quais se tornaram, por este efeito, imediatamente devidas e exigíveis, mediante carta registada e datada de 24-03-2023.
44) Nessa sequência foi proposto pelos Devedores à Requerente a celebração de um acordo que permitisse impedir a declaração de insolvência da C..
45) Porque a C. não reunia condições para proceder ao pagamento dos créditos da Requerente, o pagamento dos montantes em dívida seria efetuado através de fundos provenientes da venda de fracções do Hotel…, propriedade da D., e do pagamento de prestações mensais com os fluxos gerados pela operação do referido Aparthotel, gerida pela I…hotel que, por sua vez, é controlada pela D. e pela acionista desta (a C.).
46) Em 13-07-2023 foi celebrado o referido Acordo de Reconhecimento de Dívida, Reembolso e Pagamento em Prestações (doravante, “Acordo D.”), nos termos do qual a D., expressamente reconheceu, se confessou devedora e se assumiu como principal pagadora dos créditos da Requerente sobre a C., à data, no montante de €1.982.405,63.
47) A D. comprometeu-se a reembolsar os montantes em dívida à Requerente através de 18 pagamentos mensais, iguais e sucessivos, no valor de €40.000,00 (quarenta mil euros), cada um, entre 13 de julho de 2023 e 13 de dezembro de 2024.
48) E comprometeu-se, ainda, a reembolsar antecipadamente os montantes em dívida logo que fosse recebido o preço da venda dos imóveis dados em garantia, nomeadamente o “Imóvel de Olhão” e as frações hipotecadas do Hotel…, que se encontravam penhorados no âmbito do processo executivo melhor identificado supra, sendo o eventual montante em dívida remanescente a liquidar integralmente até à Data de Final de Reembolso, ou seja, até ao dia 31 de dezembro de 2024.
49) Porém a sociedade D., em 13-02-2024, incumpriu as obrigações a que se encontrava adstrita, não tendo procedido ao pagamento da prestação mensal de €40.000,00 (quarenta mil euros) vencida na referida data.
50) Adicionalmente, no âmbito do processo executivo, a D. logrou apenas vender o “Imóvel de Olhão”, tendo a Requerente recebido a este título o montante de EUR 498.750,00 em 21 de setembro de 2023, não tendo, até à data, logrado vender qualquer das Frações do Hotel….
51) Apesar de a tal estar obrigada nos termos do disposto na Cláusula 5.1 b) do Acordo.
52) Os Requeridos foram devidamente interpelados para o efeito, nem a D., nem a C. e/ ou o Requerido A., sanaram o incumprimento, na sequência do que, findo o prazo concedido, se venceram antecipadamente todas as obrigações ao abrigo do Acordo D., o qual foi considerado definitivamente incumprido.
53) O crédito titulado pela Requerente sobre a D., o requerido A e a C. cifra-se, na presente data, no montante global de € 1.203.655,64 a título de capital, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento.
54) A sociedade C. integra um grupo de sociedades, designado Grupo B, sendo a empresa “mãe controladora final”, detentora, directa ou indirectamente, das participações sociais das sociedades que o integram qual fazem parte, entre outras, a D. e a E..
55) A sociedade F., S.A., que pertence ao grupo, foi declarada insolvente, em 04-10-2022, por sentença proferida no âmbito do processo que, sob o nº 7458/20.0T8SNT, corre termos no Juiz 3, do Juízo de Comércio de Sintra, e, apresentava uma lista provisória de créditos no âmbito do (terceiro) Processo Especial de Revitalização que correu termos sob o n.° 11803/21.2T8SNT no Juiz 4 do Juízo de Comércio de Sintra, com um valor total de créditos reclamados que ascendia a €67.344.993,90, incluindo créditos reclamados pela Segurança Social no montante de €11.983.689,19 bem como pela Autoridade Tributária, no valor de € 1.212.153,96, os quais se encontram garantidos por hipoteca sobre as restantes fracções autónomas do Hotel… localizado em Albufeira, constituídas pela D., cujo património se resume ao referido aparthotel, e no qual existem fracções hipotecadas a favor da Requerente.
56) Encontra-se registado arresto preventivo sobre os bens imóveis descritos em 35), no ponto a), hipotecados a favor da Requerente, designadamente, Imóvel Quinta da Manobra, Imóvel Terras Novas e Imóvel Quinta da Marinha, encontrando-se registado como montante a garantir por meio do preventivo €68.000.000,00, conforme certidão predial junta pela requerente cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
57) A sociedade D. foi declarada insolvente por sentença proferida, no âmbito do processo 9267/24.8T8SNT, que se encontra pendente no Juízo de Comércio de Sintra, Juiz 4, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste), no dia 02-08-2024, confirmada por acórdão desta Relação de 11.03.2024, a esta data ainda não transitado.
58) A sociedade C. foi declarada insolvente em 29-07-2024, no âmbito do processo 2305/24.6T8FNC que se encontra pendente no Juízo de Comércio do Funchal — Juiz 1, Tribunal Judicial da Comarca da Madeira), confirmada por acórdão desta Relação de 26.11.2024, já transitado.
Da contestação:
59) O Requerido tem a sua situação tributária regularizada.
60) O Requerido tem uma dívida junto da Segurança Social, no valor total de €928 020,45, sendo que esta dívida tem origem na sociedade F., SA., não sendo o Requerido o devedor originário da mesma, o Requerido apresentou oposição à reversão efectuada pela Segurança Social, estando pendente o recurso apresentado. 61) (Eliminado) 62) Sob a ficha 3…/19881214 da Conservatória do Registo Predial de Cascais consta descrito prédio urbano denominado Lote… sito em Quinta da Marinha, correspondente a moradia, inscrito em 08.10.1991 em benefício do requerido A., divorciado, por compra, e sobre o qual mais incidem as seguintes inscrições: - ap. 1670 de 22.01.2013, hipoteca voluntária inscrita em benefício do Banco BPI para garantia de empréstimo do capital de €2.549.000,00 e até ao montante máximo de €3.587.717,50; - ap. 2246 de 05.08.2013, penhora realizada em benefício da Fazenda Nacional no processo execução fiscal nº156220301010913 do serviço de finanças de Sintra 1, para ‘garantia’ da quantia exequenda de €755.000,00, sendo sujeito passivo o recorrido A.; - ap. 4372 de 23.08.2022, hipoteca inscrita em benefício da recorrente para garantia do capital de €1.500.000 e até ao montante máximo de €2.010.000,00; - ap. 5180/ de 28.03.2023, arresto preventivo para ‘garantia’ da quantia de €68.000.000,00, ordenado no âmbito do proc. 1628/21.0TSNT do juízo de instrução criminal de Sintra da Comarca de Lisboa Oeste, sendo sujeito ativo o Ministério Público e sujeito passivo o requerido A. 62a) Sob a ficha 6…/19901126 da Conservatória do Registo Predial de Albufeira consta descrito prédio urbano denominado ‘Terras Novas’ sito em Albufeira, correspondente a edifício de 2 pisos e outros equipamentos, inscrito em 16.03.1993 em benefício do requerido A, divorciado, por compra, e sobre o qual mais incidem as seguintes inscrições: - ap. 1670 de 22.01.2013, hipoteca voluntária inscrita em benefício do Banco BPI para garantia de empréstimo do capital de €2.549.000,00 e até ao montante máximo de €3.587.717,50; - ap. 6162 de 22.09.2022, arresto realizado em benefício da requerente, para ‘garantia’ do crédito de 2.295.863,34, sendo sujeito passivo o recorrido A; - ap. 2052 de 20.12.2021, hipoteca inscrita em benefício da recorrente para garantia do capital de €2.246.559,28 até ao montante máximo de €3.010.389,44; - ap. 5180/ de 28.03.2023, arresto preventivo para ‘garantia’ da quantia de €68.000.000,00, ordenado no âmbito do proc. 1628/21.0TSNT do juízo de instrução criminal de Sintra da Comarca de Lisboa Oeste, sendo sujeito ativo o Ministério Público e sujeito passivo o requerido A; 62b) Sob a ficha 112/19871012 da Conservatória do Registo Predial de Santarém consta descrito prédio misto sito em Quinta da Manobra, correspondente a casa para habitação e terreno a mato, cultura arvense, e outros, inscrito em 23.09.1992 em benefício do requerido A, divorciado, por compra, e sobre o qual mais incidem as seguintes inscrições: - ap. 2052 de 20.12.2021, hipoteca inscrita em benefício da recorrente para garantia do capital de €2.246.559,28 até ao montante máximo de €3.010.389,44; - ap. 5180/ de 28.03.2023, arresto preventivo para ‘garantia’ da quantia de €68.000.000,00, ordenado no âmbito do proc. 1628/21.0TSNT do juízo de instrução criminal de Sintra da Comarca de Lisboa Oeste, sendo sujeito ativo o Ministério Público e sujeito passivo o requerido A. 62c) Em 06.11.2024 o Banco BPI, beneficiário de hipoteca acima descrita, a pedido de H., SL Sucursal em Portugal, declarou que o financiamento nº4221807-830-004 é garantido por hipoteca constituída por A sobre prédio urbano localizado em Albufeira e prédio localizado na Quinta da Marinha, em Cascais, e que o valor em dívida é de €538.500,00. 63) (Eliminado). 64)(Eliminado).
65) O Requerido também diligenciou pela venda do seu imóvel pessoal, denominado de Quinta da Manobra, tendo sido assinado o respectivo contrato promessa de compra e venda em Janeiro de 2022, pelo qual se fixou o valor do preço de venda em €600.000,00, o que se frustrou.
66) Por carta enviada a 16 de Fevereiro de 2023, o Requerido comunicou ao promitente comprador o incumprimento definitivo do contrato promessa e a sua resolução, com a perda do sinal a seu favor, no valor de € 60 000,00, O referido sinal foi pago através do cheque identificado com o n.° 4…, do Banco Caixa de Crédito Agrícola de Porto de Mós, que ficou entregue à mediadora imobiliária,
67) Sendo que, o referido cheque quando levado à compensação foi devolvido por motivo de falta de provisão.
68) O Hotel… é composto por 99 frações, das quais 55 estão hipotecadas à Segurança Social, conforme documento 19 junto com a contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. 69) (Eliminado).
70) A Requerente recebeu de garantia e tem penhorado a seu favor fracções autónomas do prédio urbano, denominado de “Hotel…”, sito em Areias de S. João, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.° 2…, propriedade da sociedade D., SA, cujas penhoras ascendem ao valor de €4.082.712,90.
71) O empreendimento turístico referido em 70) foi avaliado em €11.166.700,00.
72) Não obstante a Segurança Social ter a seu favor a constituição de hipoteca sob 55 frações, a Segurança Social também tem constituído a seu favor a hipoteca sobre o Edifício B, Edifício B está avaliado em €11.180.000,00 (conforme documento 21 junto com a contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 73) (Eliminado).[29]
74) O arresto foi decretado no âmbito de um processo de inquérito que está a correr os seus termos, não tendo sido proferida a acusação, conforme informação junta aos autos em 24-10-2024 que se dá por integralmente reproduzida.
75) A insolvência da sociedade F., SA, foi julgada como fortuita, cfr. documentos 28 e 29 juntos com a contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzida. 76) O Requerido aufere o valor mensal líquido de € 4.611,01, a título de pensão por velhice.
77) O Requerido tem o filho menor AA.
78) O agregado familiar do Requerido é composto pelo seu filho menor AA e pela sua companheira AAA com quem vive em união de facto, os quais entregam a declaração de IRS em conjunto.
79) O Requerido, para além de todas as normais despesas de alimentação e vestuário, tem as seguintes despesas mensais:
• A quantia mensal de € 590,00 a título de pagamento da escola do filho menor;
• A quantia média mensal de € 200,00, a título de explicações do filho menor;
• A quantia média mensal de cerca de € 150,00, a título de despesas com medicação própria do Requerido;
• A quantia média anual de cerca de € 612,00, a título de consultas médicas e exames do Requerido;
• As quantias pagas anualmente a título de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) dos imóveis de que é proprietário, no valor total de € 6.694,16, referente aos valores liquidados da 1a prestação de IMI;
• A quantia média mensal de cerca de € 1.077,00, a título despesas com o fornecimento de água, electricidade e gás da sua casa de morada de família, sita na Rua…, Quinta da Marinha, Cascais;
• A quantia mensal de €101,95, a título despesas com o fornecimento de televisão e internet;
• A quantia média mensal de cerca de € 290,00, a título despesas com o fornecimento de electricidade do imóvel, sito em Terras Novas, Albufeira;
• O prémio anual de €4.084,94, referente ao pagamento do seguro de saúde do Requerido;
• A quantia mensal de €110,00, referente a acompanhamento psicológico do filho menor AA;
• A quantia anual de €6.051,60, referente ao pagamento do condomínio da casa de morada de família;
• A quantia anual de € 600,00, referente ao pagamento do condomínio da casa de que é proprietário o seu filho menor AA, sita na Rua…, Lisboa;
• A quantia média mensal de cerca de €74,21, a título despesas com o fornecimento de água, da sua casa, sita em Quinta da Manobra; 80) Nos meses de Janeiro, Abril, Agosto, Setembro e Outubro de 2024 o Requerido auferiu o montante global ilíquido de € 135.000,00 a título de ‘royalties’ por ‘outras atividades consultoria para os negócios e a gestão’, e no ano de 2023 auferiu o montante global ilíquido de € 46.235,84, todos pagos pela G., Lda.”
81) O Requerido é dono e legitimo proprietário das seguintes marcas registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, conforme documentos 1 a 83 juntos com o requerimento de 04-11-2024 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido:
(…)
82) O Requerido é dono e legitimo proprietário das seguintes quotas e acções societárias:
(…)
b) Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa resultaram os seguintes factos não provados:
a) Os imóveis sobre os quais foi constituída hipoteca não são líquidos[30] e não têm valor suficiente para fazer face às responsabilidades que lhes estão associadas.
b) Que o encerramento e liquidação das sociedades do grupo em processo de insolvência inviabilizará os eventuais reembolsos dos valores em dívida e bem assim impossibilitar a eventual geração futura de rendimentos que integrariam a esfera do Requerido. c) (Eliminado). d)(Eliminado).
e) Que o património do requerido irá a ser afecto ao pagamento dos referidos créditos da sociedade F., S.A. (editora das revistas como a …, a …ou a … e parte integrante do Grupo B), uma vez que no âmbito da referida insolvência já declarada da sociedade F., os seus trabalhadores e credores, vieram requerer a qualificação da insolvência como culposa e atento o elevado montante dos créditos em causa (alegadamente de valor aproximado de €100.000.00).
f) Que o património do Requerido tem ausência total de liquidez. g) (Eliminado). h)(Eliminado).
V – Fundamentos do recurso
B) Erro de julgamento de direito - Da verificação dos pressupostos da situação de insolvência
1. Vem o presente recurso da sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu o recorrido do pedido de declaração da insolvência, suportada em apreciação/enquadramento jurídico que, para além da referência ao teor e alcance jurídico dos arts. 1º, 3º, 23º, 25º, 20º e 30º, nº 3 e 4, e da justificação da qualidade de credor da recorrente e da sua legitimidade para o pedido, afastou as alíneas c) e d) do nº 1 do art. 20º por ausência de alegação de factos suscetíveis de preencher os respetivos pressupostos, afastou a al. a) por não estar demonstrado que o recorrido tem outra dívida vencida para além do crédito da recorrente e, ao que releva, afastou a al. b) com a seguinte fundamentação:
“Resulta da matéria de facto provada que o Requerido prestou garantias pessoais em favor das sociedades. C. e D. relativamente a operações de crédito que se encontram em situação de incumprimento que foi objecto de vários acordos ao longo de mais de 10 anos, existindo uma dívida que ascende, pelo menos, a €1.203.655,64, valor que não é despiciendo. Também se demonstrou que o património imobiliário do requerido que garante o crédito da requerente (três imóveis com hipotecas registadas a favor do requerente), encontrando-se dois dos imóveis avaliados no total de €8.157.400,00, encontram-se arrestados preventivamente à ordem de um inquérito criminal para garantia de €68.000.000,00, sendo que poderia esta situação, assim equacionada, ser suscetível, em tese, de integrar a previsão da citada alínea b). No entanto, não podemos deixar de ponderar que o Requerido é responsável por esta dívida a título de garante pessoal de duas sociedades e que se provou, que a requerente é titular de garantias hipotecárias sobre imóveis pertencentes a essas sociedades nomeadamente 18 fracções autónomas do prédio urbano, denominado de “Hotel…”, sito em Areias de S. João, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.° 2…, propriedade da sociedade D., SA, que ascendem ao valor de €4.082.712,90. Acresce, por outro lado que a requerente não demonstrou que o requerido se encontre impedido de aceder ao crédito bancário (o requerido não tem dívidas bancárias vencidas) e sobretudo resultou provado que o requerido aufere rendimentos mensais no total de €22.496,01, montante muito superior às despesas que demonstrou, para além de ser proprietário de diversas marcas e de quotas em várias sociedades que não se encontram insolventes, o que não permite concluir pela situação de penúria ou de impossibilidade de o requerido cumprir com a generalidade das suas obrigações. Em suma, para além da questão do activo é igualmente a falta de liquidez, que não se afigura ser meramente transitória, que origina a situação de insolvência (…). (…).// Sendo que quanto ao imóvel da Quinta da Marinha o crédito garantido pela hipoteca registada a favor do Banco BPI, SA anterior à do requerente encontra-se em cumprimento, a penhora registada a favor da fazenda nacional encontra-se extinta, sendo que a única hipoteca registada no imóvel Quinta da Manobra é a hipoteca que garante o crédito da requerente. A Requerente não demonstrou que apesar do arresto preventivo dos imóveis do requerido, aquela se encontre impedida de executar o património propriedade do requerido que para além de imobiliário que garante o seu crédito tem outro património. Ora, os imóveis mantêm-se na propriedade do requerido e tendo a requerente direito real de garantia sobre os mesmos, não demonstrou encontrar-se impedida de recorrer aos meios alternativos à insolvência, como a acção executiva relativamente aos mesmos. Quanto aos efeitos do arresto preventivo em sede de execução pode ler-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.° 7418/21.3T8LSB-E.L1-8, de 23-03-2023 (…). Apurou-se ainda que, não obstante os valores vencidos, o requerido vem cumprindo ainda outro tipo de obrigações, incluindo junto da Fazenda Nacional, e aufere mensalmente rendimentos de valor relevante. Pelo que, a factualidade apurada não é suficiente para se concluir quer pela existência de uma suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas, quer pela falta de cumprimento de obrigações que, pelo montante ou circunstâncias do incumprimento, revelem a impossibilidade de o requerido satisfazer pontualmente a generalidade das suas dívidas. Pelo exposto, na falta de uma demonstração inequívoca de que o Requerido está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas através da verificação de algum dos fatores-índice previstos no n.° 1 do art.° 20.°, do CIRE, importa julgar a acção improcedente.
2. Como supra se relatou, e a recorrente realçou nas alegações, a insolvência do recorrido foi requerida com fundamento (apenas) nas als. a) e b) do nº 1 do art. 20º[31] e, por isso, são “desnecessárias quaisquer considerações relativamente às demais alíneas do referido preceito legal.”[32]
Para contextualização da valoração jurídica operada pela sentença recorrida procede-se a breve referência à definição e critérios legais de verificação da situação de insolvência e dos legitimados a pedir a sua declaração.
Conforme critérios legais de aferição e definição da situação de insolvência previstos pelo art. 3º, nos termos do seu nº 1 “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” – e não meramente em situação de incumprimento[33] e, nos termos do nº 2, tratando-se de pessoas coletivas, quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis, excluindo-se da valorização do ativo a rubrica do trespasse do estabelecimento; este ultimo critério - do balanço -, como expressamente ali consta, tem a sua aplicação legalmente restringida às pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos. Ainda assim refira-se que tem subjacente o seguinte raciocínio: não existindo, nestes casos, grande possibilidade de “crédito pessoal”, a superioridade manifesta do passivo sobre o activo coincide, em regra, com a impossibilidade de estas entidades cumprirem as suas dívidas.”[34]
De acordo com o primeiro e principal critério, o que essencialmente releva na caracterização da insolvência é a impossibilidade de cumprimento pontual das dívidas vencidas por falta de liquidez do devedor, impossibilidade essa que é apreciada objetivamente, independentemente da causa ou do conjunto das causas que a determinaram - a situação de insolvência do devedor é ditada pela ausência de liquidez suficiente para pagar as suas dívidas no momento em que se vencem. A lei consagrou assim o critério do fluxo de caixa – cash flow - para avaliação da incapacidade/impossibilidade de cumprimento com que define a insolvência: em insolvência estão as entidades com fundo de maneio e tesouraria negativos, mesmo que possuam ativos valiosos mas não geradores de fluxos de caixa para honrar as suas obrigações contraídas. “De acordo com o critério do fluxo de caixa, o devedor é insolvente logo que se torne incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem. Para esse critério, o facto de o seu activo ser superior ao passivo é irrelevante, já que a insolvência ocorre logo que se verifica a impossibilidade de pagar as dívidas que surgem regularmente na sua actividade.”[35]Efetivamente, ainda que no CIRE o legislador tenha omitido a referência à pontualidade como característica essencial do cumprimento das obrigações vencidas[36], tal não pode ser entendido com o alcance de implicar o abandono do entendimento inerente à ideia de cumprimento, de realização atempada das obrigações a cumprir. “É que só dessa forma se satisfaz, na plenitude, o interesse do credor, e se concretiza integralmente o plano vinculativo a que o devedor está adstrito. Neste sentido não interessa somente que ainda se possa cumprir num momento futuro qualquer, importando igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente.”[37] Dito de outro modo, a lei não exige que o montante em dívida ou as circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade, definitiva e em absoluto, de o devedor satisfazer a totalidade da suas obrigações. É suficiente que os factos indiciadores revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer tais obrigações ‘ponto por ponto’ nos termos acordados com os credores, isto é, a lei basta-se com uma situação de mora/atraso no cumprimento desde que, pelo seu montante, no conjunto do passivo do devedor ou de quaisquer outras circunstâncias, tal evidencie a impossibilidade de satisfazer os seus compromissos por ausência de liquidez. Não exige também que tal situação se verifique com todas as obrigações assumidas/contraídas pelo devedor, nem tão pouco exige a demonstração de pluralidade de dívidas vencidas e não pagas.[38] Na síntese de Manuel Requicha Ferreira, “É insolvente o que não está em situação de satisfazer regularmente as suas obrigações, e regularmente significa em conformidade com a regra, portanto prestando a «res debita» e no tempo devido. É insolvente não só o que pode pagar a alguns, deixando insatisfeitos os outros credores, mas também que pode pagar as suas obrigações só parcialmente, ou então pode pagar integralmente, mas em data posterior ao vencimento.”[39]
Por sua vez, o legislador estabeleceu que qualquer credor pode requerer em juízo que o devedor seja declarado insolvente desde que se verifique pelo menos um dos factos índices ou de presunção de insolvência previstos pelo art. 20º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Nesta tarefa, tratando-se de insolvência requerida por credor ou outro interessado, é sobre o requerente da insolvência que recai o ónus de alegar e demonstrar algum ou alguns dos factos indiciadores da situação de insolvência enunciados nas diversas alíneas do art. 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dos quais resultam presunção legal de insolvência. É consensual na doutrina e na jurisprudência que “o legislador, através da enumeração desses factos-índice, pretendeu enunciar os critérios indispensáveis à identificação da insolvência e, por isso, o credor interessado na declaração da insolvência tem que demonstrar que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações, provando que tal impossibilidade se manifesta através de sintomas inequívocos que o legislador descreve.”[40]Os factos índice da situação de insolvência são assim designados, não por referência a um qualquer juízo probatório sumário dos factos em que se suporta a verificação da situação da insolvência, mas por referência ao valor presuntivo da situação de insolvência que o legislador atribuiu e/ou reconheceu a factos que a esse título expressamente previu, e o que é unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência, “tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto.[41][42]
Técnica legislativa que se justifica para obviar à grave dificuldade que os terceiros com legitimidade para requerer a insolvência do devedor teriam em demonstrar a efetiva ausência ou insuficiência de meios do devedor para satisfazer as suas obrigações, a efetiva impossibilidade de cumprimento das dívidas vencidas por falta de liquidez. Como defendem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação ao art. 20º do CIRE[43], O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir daí, fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (…). Caberá então ao devedor (…) trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do “facto-índice”, solução esta aliás expressamente consagrada no nº 3 do art.º 30º. Conforme alerta Soveral Martins[44], Não se trata, na verdade, de outras tantas situações de insolvência que devam ser somadas às previstas no art. 3.º, mas sim de meros requisitos de legitimidade e de «factos-índices» ou presuntivos da insolvência (…). O que bem se compreende pois, conforme refere Catarina Serra, “existem casos de incumprimento sem impossibilidade de cumprimento (o devedor não cumpre porque não quer ou porque discorda da exigibilidade da dívida).[45]
Factos que, como resulta do proémio do art. 20º nº 1 (Outros legitimados), o legislador previu simultaneamente como legitimadores do pedido de declaração de insolvência apresentado por terceiro, no pressuposto de a este ser praticamente impossível demonstrar quer a ausência/insuficiência de recursos do devedor (próprios ou de terceiros) para satisfazer as suas dívidas vencidas, quer os valores do ativo e do passivo do devedor. Conforme acórdão desta Relação e secção de 20.06.2020, [c]iente desta dificuldade, a lei basta-se, nos casos de requerimento de declaração de devedor por outros legitimados, com a prova de um dos factos enunciados no art. 20º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, que permitem presumir a insolvência do devedor.[46]
Assim, por um lado a legitimidade ativa do credor é condicionada pela verificação de certas situações - o credor tem legitimidade para requerer em juízo que o devedor seja declarado insolvente desde que, para além da justificação da qualidade de credor, invoque como fundamento da situação de insolvência algum dos factos previstos pelo art. 20º, nº 1 do CIRE que, conforme se referiu, para além da natureza de factos-índice e condição suficiente da declaração de insolvência (pelo valor de presunção de situação de insolvência que a lei lhes reconhece)[47], surgem como factos legitimadores do pedido de declaração de insolvência apresentado por credor[48]. No mesmo sentido refere Soveral Martins[49]: O art. 20.º, 1, do CIRE enumera um conjunto de factos cuja verificação deve ter lugar para que os sujeitos ali referidos possam requerer a declaração de insolvência do devedor. Não se trata, na verdade, de outras tantas situações de insolvência que devam ser somadas às previstas no art. 3.º, mas sim de meros requisitos de legitimidade e de «factos-índices» ou presuntivos da insolvência (…).”Por outro lado, a demonstração da situação de insolvência não exige a demonstração da ausência de liquidez do devedor para pagamento pontual das suas dívidas vencidas; ‘basta-se’ com a prova de factos constitutivos da presunção legal de estado de insolvência, e só permite que esta seja afastada pela prova da solvência do devedor.
3. Para além da impugnação de alguns dos factos alegados pela recorrente e da distinta valoração que para eles apresentou, o recorrido invocou a inadequação do processo de insolvência para aquela obter a satisfação do seu crédito, que fundamentou com o facto de o crédito desta beneficiar de garantias constituídas e de penhoras inscritas sobre imóveis no âmbito de execução que tem pendente que, no seu entender, constitui o meio adequado para a recorrente obter o ressarcimento do seu crédito e que para tanto deverá prosseguir para venda do património penhorado. Defesa que se vislumbra implicitamente acolhida na fundamentação da sentença recorrida e que o recorrido reiterou em sede de resposta ao recurso, mas que aqui não se acolhe, em síntese, porque o processo executivo não constitui pressuposto de excussão prévia ao processo de insolvência e esta deve ser decretada desde que se demonstrem os respetivos pressupostos, independentemente da pendência ou não de processo de execução e da existência de penhoras suscetíveis em abstrato de garantir o crédito do requerente.
Como se expôs, para legitimar o recurso ao processo de insolvência a lei apenas impõe que o requerente seja credor (ou responsável legal pelas dívidas do devedor) e justifique o pedido através da alegação de factos suscetíveis de integrar qualquer um dos pressupostos da situação de insolvência. Requisitos que a recorrente cumpriu, inexistindo qualquer fundamento de facto ou de direito que suporte a desconformidade formal e material do exercício do direito de instauração da presente ação com o disposto no art. 20º, nº 1 do CIRE, norma que reconhece legitimidade a qualquer credor, ainda quecondicional, e qualquer que seja a natureza do seu crédito e que, simultaneamente, cumpre os interesses de natureza pública, de ordem social e económica, que o legislador visa tutelar com a atribuição ao credor do direito de requerer a insolvência dos seus devedores, sem que lhes imponha a excussão da ação executiva singular; sendo que o que a lei não exceciona não cabe ao julgador excecionar.
O que o recorrido defende não encontra suporte na ratio legis, características e finalidades, público-privadas, do processo de insolvência. Ao invés, colide com o interesse publico subjacente a este processo, de expurgação do giro económico-empresarial de quem não cumpre todas as suas dívidas por ausência de recursos financeiros para o efeito e para assim atalhar ao contágio do incumprimento a outros agentes económicos – “(…) o interesse da colectividade, ou melhor, do comércio jurídico, é mais prejudicado pela importância económica do débito do que a multiplicidade de credores, sobretudo porque um incumprimento se for relativo a uma quantia avultada pode despoletar várias falências em cadeia que não se verificam nos casos em que, apesar de existirem vários credores, os montantes em dívida são relativamente insignificantes. (…). Ora, para o interesse público do “combate” à insolvência é absolutamente irrelevante se há ou não pluralidade de credores, o que releva é que haja uma situação de insolvência.”[50] Preocupação logo manifestada na relevância que o legislador atribuiu à oportunidade temporal da instauração do processo de insolvência e aos efeitos da sua inobservância (cfr. arts. 18º e 186º, nº 3, al. b) para as pessoas coletivas, e art. 238º, nº 1, al. d) para as pessoas singulares) para, a partir desse momento, acautelar os interesses do coletivo dos credores do devedor insolvente por referência ao ativo e passivo então existentes, prevenindo a degradação do primeiro e o agravamento do segundo e, no essencial, estabilizar e otimizar a situação patrimonial do devedor em ordem à máxima satisfação do universo dos credores, seja pela via da liquidação, seja pela via da recuperação (esta se legalmente admissível, seja viável, e os credores assim o entendam).
Características e finalidade que contrastam com as da execução singular, exclusivamente vocacionada para dar satisfação aos créditos do credor que a instaura e, eventualmente, dos credores com garantia real sobre os bens penhorados, que é feito com o sacrifício ou preterição dos demais credores por excluídos da afetação distributiva do produto dos bens ali penhorados e liquidados. A ação de insolvência não é uma ação de cobrança de dívida posto que não tem como finalidade a satisfação do credor que a requer – qualidade que a lei elegeu apenas a requisito de legitimidade processual e a condição de procedência da ação mas que, em abstrato, e em função dos bens que integram o património do devedor e da natureza e valor dos demais créditos que integram o passivo do devedor, pode nem vir a obter qualquer pagamento no âmbito da insolvência –, mas sim a satisfação do coletivo dos credores na medida das forças do património do devedor através de uma lógica distributiva do produto da totalidade dos bens e direitos penhoráveis de que seja titular, em função da natureza dos créditos, das preferências de pagamento que a lei consagra, e das regras concursais especialmente previstas no regime falimentar. Nesta matéria, salientam-se as normas que preveem a extinção dos privilégios creditórios dos créditos do Estado vencidos ou constituídos para além dos 12 meses que antecedem o início do processo de insolvência (art. 97º), medida que resulta em benefício dos demais credores que concorrem ao produto dos bens do devedor, desde logo dos credores comuns, mas também dos garantidos por hipoteca, que são beneficiados por esta regra especial falimentar comparativamente com o regime geral do concurso de credores da execução singular, judicial ou fiscal.
Acresce que os factos alegados não permitem sequer equacionar a possibilidade do exercício abusivo do direito de ação da recorrente por recurso ao processo de insolvência em detrimento da ação executiva posto que não viola - antes cumpre - o fim social ou económico do direito de requerer a insolvência de devedor em alegada situação de insolvência com vista ao exercício (e eventual satisfação) do interesse particular que sobre a mesma detém.
No caso, quer para sustentar a sua legitimidade, quer para fundamentar o pedido, a recorrente invocou e justificou a proveniência do seu crédito sobre o recorrido no valor de cerca de €1.200.000,00 emergente de aval por este prestado no âmbito de contrato de financiamento celebrado em 2014 com o Novo Banco pelo montante de €2,1M e pelo prazo de 60 meses, créditos que em abril de 2020 aquela entidade bancária cedeu à recorrente, assegurando assim o pressuposto processual da sua legitimidade ad causam para a ação. Conforme, de resto, concluiu o tribunal recorrido, julgamento que não foi impugnado nem, por isso, a qualidade de credora da recorrente. Ao que sempre acresceria o facto de na oposição que deduziu ao pedido de insolvência o recorrido não ter questionado o crédito que para a recorrente emerge da relação subjacente à subscrição da livrança, nem a atual situação do seu incumprimento pela mutuária, nem tão pouco a declaração de aval que lhe é imputada nos termos descritos nos factos assentes. Não há dúvida quanto à certeza da obrigação - pois que, independentemente do respetivo quantitativo, corresponde a prestação pecuniária - e dos factos assentes resultam líquidos os valores em que aquela se concretiza. Dúvida também não há quanto à exigibilidade ou à possibilidade de a recorrente obter satisfação desse crédito por recurso ao património do recorrido independentemente da prévia ou da concomitante execução do património da devedora principal. Assim decorre do regime legal das livranças, designadamente, dos arts. 30º e 32º, ex vi art. 77º da LULL, de acordo com os quais o pagamento da livrança pode ser garantido por aval, o qual representa uma garantia cambiária porque destinado a garantir o pagamento da obrigação cambiária, e que responsabiliza o seu dador da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada, sendo que “A obrigação do subscritor e do seu avalista torna-se exigível desde a data do vencimento, independentemente de outra formalidade.”[51] Assim sendo, na falta de pagamento na data de vencimento, o portador tem contra o subscritor e contra o respetivo avalista um direito de ação direta resultante da livrança em relação a tudo o que possa ser exigido nos termos do art. 48º da LULL, e sem que o portador da livrança careça de fazer o protesto desse mesmo título por falta de pagamento para fazer valer os seus direitos contra o avalista, pois que as razões que levam a dispensar o protesto contra o subscritor da livrança levam a dispensá-lo contra o seu avalista[52]. Nos termos do art. 47º da LULL, aplicáveis ex vi art. 77º, os avalistas são solidariamente responsáveis com o subscritor pelo cumprimento da obrigação cartular e, na falta de pagamento do título na data do respetivo vencimento (art. 43º LULL), o portador tem o direito de acionar todos os obrigados, individual ou coletivamente, independentemente de formalidades e sem que esteja limitado ou vinculado à ordem pela qual se obrigaram, ou à prévia excussão do património do devedor garantido. O que mais não corresponde do que ao regime legal das obrigações solidárias que, nos termos dos arts. 512º e 519º, nº 1 do Código Civil (CC), prevê que cada um dos devedores responde pela prestação integral e o credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, sem que o avalista possa opor a prévia excussão do património dos devedores principais ou de outros bens que tenham sido objeto de garantias reais constituídas por terceiros. É esse o regime legal que para a fiança consta previsto nos arts. 639º, nº 1 e 640º, nº 1, al. a) do CC e que, por maioria de razão ou por aplicação analógica, se estende ao aval que, conforme se referiu, corresponde a assunção da obrigação de principal pagador. Assim, “Se, para segurança da mesma dívida, houver garantia real constituída por terceiro, contemporânea da fiança ou anterior a ela, tem o fiador o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia real”, mas “O fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores: Se houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador.”
Factos e enquadramento legal que, para além de asseguraram o pressuposto da legitimidade da recorrente para o pedido de declaração da insolvência na sua dupla dimensão – processual e material -, mais preenchem o primeiro e essencial pressuposto constitutivo da situação de insolvência atual – existência de obrigação vencida e não paga.
Mas porque a ação de insolvência não se confunde com uma ação de cobrança de dívida e a situação de insolvência não se confunde com a constatação de incumprimento de dívidas vencidas, resta apurar da verificação do pressuposto da impossibilidade de o recorrido cumprir as suas obrigações vencidas, conforme critério de insolvência previsto pelo art. 3º, nº 1 e acima caracterizado, de impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas, o único aplicável a pessoas singulares. Assim, a par com a alegação e demonstração da qualidade de credor, a insolvência requerida por credor impõe que venha suportada em factos suscetíveis de concretizar qualquer um dos factos índice de insolvência previstos pelo art. 20º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Em fundamento da situação de insolvência do recorrido a recorrente mais alegou e demonstrou que, na sequência do incumprimento daquele contrato pela mutuária (desde a data da sua celebração até 2018 foram pagas apenas 9 das prestações mensais sucessivas contratualmente previstas), foram sucessivamente celebrados e incumpridos acordos de reestruturação dos créditos emergentes daquele contrato, traduzidos na concessão de novos prazos para pagamento, acompanhados de constituição de novas hipotecas e da cumulativa assunção da obrigação de pagamento da dívida em prestações e pelo produto da venda de imóveis de sociedades do Grupo da sociedade mutuária, celebrados:
- o primeiro, em 2018, ainda com o Novo Banco (com termos inicial e final previstos em 2020 e 2029), mas ao abrigo do qual até outubro de 2021 foram pagas apenas três das prestações mensais sucessivas previstas (as vencidas em janeiro e fevereiro 2020, e a vencida em maio 2021) e interpelado o recorrido em 01.10.2021 para, na qualidade de avalista, proceder ao pagamento das quantias em dívida sob pena do vencimento antecipado de todas as prestações, o que, na ausência de qualquer pagamento, a recorrente veio a declarar em 11.10.2021, interpelando de novo a mutuária, o recorrido e a garante hipotecária (D.) para procederem ao pagamento integral da dívida;
- o segundo, em 17.12.2021, pelo qual acordaram a constituição de hipotecas sobre os (3) imóveis do recorrido e sobre (2) imóveis de sociedades do Grupo (um da D. e outro da E.), e o reembolso do montante de €2.246.559,28, acrescido de juros, até ao dia 15.11.2022, através do pagamento em prestações e pela entrega o produto da venda de imóveis das sociedades D. e E. objeto de hipoteca, plano de reembolso que não foi cumprido;
- o terceiro, em 16.01.2023, correspondente a aditamento ao acordo de 17.12.2021, pelo qual alteraram para 15.05.2023 a data para reembolso final e acordaram que a falta de conclusão definitiva da venda do imóvel do recorrido ‘Quinta da Manobra’ até ao dia 17.01.2023 constituiria situação de incumprimento e de vencimento antecipado da totalidade das obrigações decorrentes do acordo, o que a recorrente veio a declarar depois da não concretização da venda na data projetada de 17.01.2023, e de a mutuária C. ter pago prestações de capital no montante total de apenas €51.000,00;
- o quarto, em 13.07.2023, proposto por C. e celebrado na pendência dos processos de insolvência que a recorrente instaurou contra esta e contra o recorrido, pelo qual a sociedade D. se confessou devedora e assumiu como principal pagadora dos créditos da requerente, que então reconheceram pelo montante total de €1.982.405,63 e aquela acordou pagar em 18 prestações mensais e sucessivas de €40.000,00, a par com o reembolso antecipado pelo produto da venda das frações do Hotel… e do outro imóvel também sua propriedade e objeto da hipoteca, até ao dia 31.12.2024, sendo que até essa data a recorrente só recebeu €498.750,00 do produto da venda do imóvel (de ‘Olhão’) e D. deixou de pagar as prestações em 13.02.2024, tendo a recorrente interpelado a mutuária e o recorrido para pagamento dos valores em falta e, na ausência do seu pagamento, declarou-os vencidos na sua totalidade, que neste processo reclamou pelo montante de cerca de €1.200.000,00.
Mais alegou e demonstrou que:
- no âmbito de processo de inquérito no qual o recorrido foi constituído arguido, em 2023 foi decretado arresto preventivo sobre os seus imóveis, que foi inscrito no registo predial para garantia da quantia de €68M;
- os dois imóveis do requerido (Quinta da Marinha e Terras Novas) encontram-se onerados com hipoteca registada a favor do Banco BPI, S.A. para garantia do montante máximo de €3.587.717,50 (cfr. Ap. de 22.01.2013) – crédito que o recorrido demonstrou estar atualmente reduzido a cerca de €538.000,00 - e, um deles, com uma penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia de €755.000,00;
- até à data, e não obstante a execução contra a D. ter sido instaurada em 2023, não se alcançou vender qualquer uma das 18 frações desta (do Hotel…) objeto da hipoteca em benefício do seu crédito, sendo que sobre as demais frações incide hipoteca em benefício de crédito da Segurança Social no montante de cerca de €9.000.000,00 a título de contribuições devidas pela F.;
- F. foi declarada insolvente em outubro de 2022, e a mutuária C. por sentença de 29.07.2024, ambas já transitadas, e D. foi declarada insolvente por sentença de agosto de 2024 confirmada por acórdão da Relação de 11.03.2025.
Na oposição que deduziu ao pedido de insolvência o recorrido não questionou a existência e o valor do crédito invocado pela recorrente, os acordos sucessivamente celebrados desde o incumprimento do plano prestacional de reembolso/pagamento previsto no contrato de financiamento, o sucessivo incumprimento desses acordos e consequente declaração de vencimento do montante total em dívida pela recorrente e interpelação do recorrido para o seu pagamento, e a persistência do seu incumprimento até à data nos termos e vicissitudes alegadas pela recorrente e supra descritas. Nessas circunstâncias, e na ausência de pagamento voluntário da dívida a partir de fevereiro de 2024, o processo de insolvência surge como o recurso processual mais célere para a recorrente diligenciar proativamente pelo exercício coercivo do seu crédito através do produto dos bens e direitos patrimoniais do recorrido e, se for o caso e na medida em que o for, estancar e substituir a situação de mora por definitiva situação de cumprimento (total ou parcial) e/ou situação de crédito incobrável (total ou parcial). “[O] devedor que esteja incapacitado de cumprir uma ou mais obrigações perante um credor, deverá ser considerado em situação de insolvência para efeitos do art. 3º, nº 1 do CIRE e permitir-se a abertura do respectivo processo e prosseguimento do mesmo, sem que a isso obste a falta de pluralidade de credores. O que a lei nunca poderia permitir é afastar a tutela jurídica adequada ao credor e, indirectamente, ao próprio comércio jurídico, face às potenciais repercussões que esse incumprimento pode ter na situação económica financeira deste.”[53]
Com o que se confirma a natureza do objeto do presente recurso, que é de mérito, e passa por apreciar se ocorre erro de julgamento na valoração e subsunção do acervo factual adquirido nos autos na fattispecie pressuposta pelo critério legal previsto pelo art. 3º, nº 1, de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas por ausência de liquidez por referência aos factos-índice presuntivos previstos pelas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 20º. Sem prejuízo de desde já se adiantar que os factos assentes e provados permitem concluir pela verificação dos pressupostos da presunção de insolvência previstas na al. b), que não são infirmados nem contrariados pelos factos alegados pelo recorrido em sede de oposição, em síntese, que o seu único credor com dívida vencida é a requerente, não é verdade que não tenha condições para obter crédito junto de instituições bancárias, apresentou propostas à requerente e deu de garantia o seu património pessoal e tanto revela boa fé e intenção de querer cumprir com as suas obrigações, sendo liquidados os bens imóveis dados de garantia e penhorados são suficientes para satisfazer o pagamento das suas obrigações, e, apesar das diligências que realizou, não logrou vender o património dado de garantia; seta última, circunstância que, para além de resultar presumida, permite dar como efetivamente demonstrado que o recorrido não dispõe de liquidez – dinheiro – que lhe permita satisfazer o crédito vencido da recorrente
5. Da “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” (al. a):
A presunção de insolvência prevista pela al. a) do nº 1 do art. 20º pressupõe a demonstração de uma paralisação no cumprimento que abrange a generalidade das obrigações vencidas do devedor, sendo que estas refletem a diversidade de relações jurídicas que uma pessoa jurídica estabelece, independentemente da natureza desta e da atividade económica ou profissional que exerce. Como consta do sumário do acórdão de 16.12.2021 desta secção[54] “O preenchimento da al. a) do nº1 do art. 20º do CIRE exige a prova de que a devedora suspendeu o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas.” Cenário que sequer foi alegado na petição inicial, sendo que, como é referido pela sentença recorrida, o único crédito que dos factos assentes resulta estar em situação de incumprimento pelo recorrido corresponde ao da recorrente. Do facto de um dos imóveis do recorrido estar onerado com penhora para garantia de quantia em execução fiscal, daí não decorre que atualmente esta coexista com uma situação de incumprimento que, no caso, é afastada pela declaração fiscal de situação tributária regularizada emitida relativamente ao recorrido que, no mínimo pressupõe um acordo de pagamento prestacional dos valores em dívida ao fisco e o seu cumprimento. Como é referido no acórdão desta secção de 30.06.2020[55] “A suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas é de grande dificuldade probatória, por outrem que não o próprio devedor. Sendo este uma pessoa física singular essa dificuldade agrava-se: não há registos contabilísticos e todas as pessoas físicas celebram dezenas de negócios jurídicos por dia, que geram obrigações vencidas, até para assegurar a respetiva sobrevivência. Provar que nenhuma destas obrigações está a ser cumprida é o necessário para o preenchimento desta alínea que, de todo, no caso concreto se apurou.”
Termos em que, nesta parte, se confirma o acerto do julgamento do tribunal a quo.
6. Da “Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (al b).
Como acima se referiu, sendo a insolvência requerida por credor, a par com a alegação de pelo menos uma obrigação vencida, exige cumulativamente a alegação de factos suscetíveis de concretizar um ou mais factos índice de insolvência previstos no nº1 do art. 20º do CIRE que, demonstrados, e de acordo com a presunção que estes encerram, permitam concluir pela impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas. O facto índice previsto pela al. b) pode bastar-se com o incumprimento de uma só obrigação vencida, mas impõe seja acompanhado de circunstâncias que revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas. Como é referido por Menezes Leitão, “[N]este caso, a insolvência não necessita de uma cessação generalizada de pagamentos, podendo resultar apenas de algumas faltas de pagamento ou mesmo de uma só, desde que feitas em circunstâncias ou acompanhadas de actos de onde se possa inferir a impossibilidade de incumprimento das obrigações vencidas.”[56] Como igualmente se referiu, para além de a lei não exigir que o montante em dívida ou as circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade, definitiva e em absoluto de o devedor satisfazer a totalidade da suas obrigações - pois é suficiente que os factos indiciadores revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer tais obrigações pontualmente, isto é, ponto por ponto, conforme o acordado com os credores, no tempo e lugar próprios (art. 406º do Código Civil) -, a lei basta-se com uma situação de mora/atraso no cumprimento desde que, pelo seu montante, no conjunto do passivo do devedor ou de quaisquer outras circunstâncias (atinentes com a concreta atividade exercida, rendimentos auferidos, e despesas a cargo), tal evidencie a impossibilidade de continuar a satisfazer os seus compromissos, ou que só com o ‘sacrifício’ de uns consegue manter o cumprimento de outros. Por isso também não se exige que tal situação se verifique com todas as obrigações assumidas/contraídas pelo devedor, nem tão pouco exige a demonstração de pluralidade de dívidas vencidas e não pagas. Nas palavras de Catarina Serra, “a pluralidade de credores não é um requisito [para a abertura] do processo de insolvência nem uma condição para a sua procedência”,e “[e]mbora [a insolvência] possa manifestar-se e, geralmente, se manifeste, através de uma multiplicidade de incumprimentos, pode haver insolvência quando há apenas um incumprimento e até quando não há incumprimento algum. (…) Com efeito, a única exigência legal para que se verifique a insolvência é que haja uma ou mais obrigações vencidas. Pode, portanto, tal impossibilidade revelar-se quando o devedor está meramente constituído em mora e não havendo incumprimento em sentido próprio (incumprimento definitivo).” [57]
Ora, a persistência e longevidade da situação de incumprimento de crédito superior a €1.200.000,00 e reconhecido dever pelo recorrido desde pelo menos 2018 e até ao presente, associado aos sucessivos acordos de reestruturação para pagamento com sucessiva dilação dos prazos de pagamento sucessivamente acordados na sequência dos sucessivos incumprimentos do prazo anterior concedido, o facto de o grosso dos pagamentos realizados a partir de 2021 terem ocorrido por recurso a bens do ativo imobiliário e a rendimentos de sociedades participadas da mutuária e que integram o mesmo grupo de sociedades e, ainda assim, e decorridos cerca de seis anos sobre a primeira reestruturação desse crédito, o facto de permanecer em dívida mais de metade do seu valor (crédito que, de acordo com o prazo inicial, deveria ter sido saldado até finais de 2019, em 60 meses), constituem circunstâncias claramente concretizadoras do facto índice da situação de insolvência do recorrente previsto pelo art. 20º, nº 1, al. b) do CIRE por revelarem falta de cumprimento de dívida vencida por ausência de liquidez para o fazer no prazo e/ou termo para o efeito acordados. No caso, enquanto elemento de presunção da situação de insolvência, os referidos acordos, os reiterados incumprimentos, a persistência atual dessa situação, e o montante da dívida, concretizam a presunção de impossibilidade do seu cumprimento pelo recorrido por falta de liquidez, que surge evidente no confronto entre o valor do crédito da recorrente, superior a €1.000.000,00, e o valor dos rendimentos mensais por aquele auferidos, independentemente de se cifrarem em cerca de €4.000,00, €7.000,00, €15.000,00, ou €20.000,00 na medida em que, reiterando o acima citado, “não interessa somente que ainda se possa cumprir num momento futuro qualquer, importando igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente.”
Ausência de liquidez que, contrariamente ao pressuposto assumido pela sentença recorrida, não é colmatada ou anulada pelo facto de o recorrido ser titular de imóveis e de o crédito da recorrente beneficiar de hipoteca sobre estes e sobre prédios de terceiros posto que a recorrente pode reclamar o pagamento da totalidade da dívida ao recorrido, e os imóveis e qualquer outro bem ou direito deste só permitirão cumprir o pagamento do crédito da recorrente se e quando convertidos em quantias monetárias. Conforme é realçado por Carolina Cunha, “Já se o título cambiário se encontrar preenchido e a dívida cambiária se houver tornado exigível (adquirindo o portador o título o estatuto de credor actual), assume relevo a sua falta de cumprimento pelo avalista (…).//Neste contexto, de nada vale ao avalista pretender “que primeiro têm de responder os bens da sociedade avalizada (…). Os avalistas cuja insolvência foi requerida esgrimem ainda outros argumentos, igualmente insubsistentes, como o de que o avalizado ainda possui bens penhoráveis ou o de que existem outros co-avalistas – o que, mais uma vez, de nada adianta em face do regime da solidariedade cambiária: existe uma obrigação, actual e exigível, emergente do aval inscrito no título completo, de cujo incumprimento é legítimo retirar as devidas consequências em sede insolvencial.”[58] Nesse sentido, e valorando positivamente a disparidade entre o montante do passivo em incumprimento e o montante dos rendimentos mensais auferidos, e não obstante a titularidade de património imobiliário, acórdãos desta secção de 27.05.2021: “3 - Um devedor cujo único património se encontra onerado com hipoteca que garante um crédito à habitação, ainda que em cumprimento, e tem como única fonte de rendimentos um salário entre € 700 a € 800 euros, apresentando um passivo vencido e exigível de cerca de € 18.000, encontra-se em situação de insolvência atual.”[59] -, e de 30.06.2020 - “Ponderando o montante vencido e a liquidez apurada – € 2.000,00 mensais de salário, não tendo sido adiantadas quaisquer despesas regulares, claramente existentes, a que se poderão somar € 1.500,00 mensais da companheira – estamos ante o incumprimento de obrigações cujo montante e longevidade do incumprimento demonstram claramente a impossibilidade do cumprimento da generalidade das obrigações vencidas. (…). Temos, assim, com clareza, verificada situação fáctica subsumível ao disposto na alínea b) do nº1 do art. 20º do CIRE.”[60]
Acresce que o facto de o recorrido não constar inscrito na Central de Responsabilidades do Banco de Portugal como devedor em incumprimento não significa que atualmente dispõe de crédito bancário, isto é, que tem condições para beneficiar da concessão de novos créditos, máxime bancários, que lhe permitem obter liquidez ou outros recursos financeiros para pagamento do crédito em dívida à recorrente. Acresce que, conforme acórdão desta secção de 30.06.2020 acima citado: “(…) formada a presunção de situação de insolvência, a prova da solvência cabe por inteiro ao devedor, pelo que não era ao banco requerente que cabia demonstrar que o requerido não podia recorrer ao crédito para proceder ao pagamento, mas antes ao requerido que cabia demonstrar o contrário, com base na situação fáctica concreta apurada.”. Mas ainda que resultasse demonstrado que, caso o requeresse, lhe seria concedido, tanto não teria a virtualidade de influir e alterar o resultado da apreciação supra exposta já que, se assim fosse, estando na sua exclusiva disponibilidade cumprir o crédito da recorrente por recurso a capital de terceiros, confrontado com um pedido de insolvência e aqui chegados impunha-se também concluir pela determinação do recorrido em assim não proceder, com consequente manutenção da sua situação, de ausência de liquidez para pagamento do crédito da recorrente.
Cenário que surge agravado pela oneração de dois dos imóveis do recorrido com hipoteca para garantia de financiamento bancário a sociedade e com valor atual em falta reembolsar de cerca de €500.000,00, e penhora para garantia da quantia exequenda de €755.000,00 em benefício da Autoridade Tributária relativamente à qual, e diversamente do que sucedeu com o montante garantido pela hipoteca inscrita em beneficio do Banco BPI, o recorrido não documentou a extinção ou qualquer redução do crédito fiscal que lhe corresponde, uma e outra anteriores às hipotecas e arresto inscritos para garantia do crédito da recorrente. Sobre todos os imóveis do recorrido mais acresce arresto preventivo decretado em 2023 para garantia da quantia de €68.000.000,00 que, ainda que sem a virtualidade jurídica de preferir às garantias da recorrente (posto serem cronologicamente anteriores ao registo do arresto) ou de impedir a execução dos imóveis por credores, constituirá circunstância suscetível de dissuadir ou desmotivar interessados na sua aquisição. Acresce que, de acordo com o alegado pelo recorrido, mais resultou demonstrado que diligenciou pela venda de um dos seus imóveis (o designado ‘Quinta da Manobra’) pelo preço de €600.000,00 com vista ao pagamento (parcial) do crédito da recorrente, venda que estava contratualmente prevista para janeiro de 2023 mas que, apesar das diligências (insistências) do recorrente, se frustrou, sem que haja notícia de o ter vendido entretanto, por aquele ou outro preço.
Nessas circunstâncias, e na ausência de pagamento voluntário da dívida a partir de fevereiro de 2024, o processo de insolvência surge como o recurso processual mais célere para a recorrente diligenciar proativamente pelo exercício coercivo do seu crédito através do produto dos bens e direitos patrimoniais do recorrido e, se for o caso e na medida em que o for, estancar e substituir a situação de mora por definitiva situação de cumprimento (total ou parcial) e/ou situação de crédito incobrável (total ou parcial). “[O] devedor que esteja incapacitado de cumprir uma ou mais obrigações perante um credor, deverá ser considerado em situação de insolvência para efeitos do art. 3º, nº 1 do CIRE e permitir-se a abertura do respectivo processo e prosseguimento do mesmo, sem que a isso obste a falta de pluralidade de credores. O que a lei nunca poderia permitir é afastar a tutela jurídica adequada ao credor e, indirectamente, ao próprio comércio jurídico, face às potenciais repercussões que esse incumprimento pode ter na situação económica financeira deste.”[61]
Ainda que sem relevo na valoração jurídica dos factos atinentes com a situação patrimonial do recorrido – a única que releva para aferir se este se encontra ou não em estado de insolvência -, mais se anota que dos imóveis oferecidos em garantia do crédito da recorrente e que integravam o ativo de duas participadas da mutuária, dois já foram vendidos (pelo valor total de cerca de €670.000,00), as 18 frações de empreendimento turístico (Hotel…) pertencente a uma daquelas sociedades (D.) ainda não foram vendidas/convertidas em liquidez apesar de penhoradas desde 2023 e, entretanto, esta, a mutuária C. e uma outra sociedade do Grupo Impala (F.) foram declaradas insolvente por sentenças já transitadas em julgado, permanecendo a recorrente sem o pagamento do seu crédito há muito vencido e que atualmente se cifra em cerca de €1.200.000,00.
O que tudo permite concluir nos termos alegados pela recorrente e acima sintetizados: o histórico de incumprimento do crédito da Recorrente por montante superior a € 1.200.000,00 desde 2018 e após sucessivas reestruturações/moratórias, pelas quais o recorrido se limitou a constituir garantias hipotecárias e a negociar sucessivos adiamentos de pagamentos ao longo de mais de cinco anos, mas sem que tenha cumprido o pagamento das prestações devidas nos termos dos planos sucessivamente aprovados, nem quando para o efeito interpelado, configura falta de cumprimento de uma obrigação que, quer pelo seu montante quer pelas circunstâncias do incumprimento, é revelador da falta de liquidez e de meios para a obter.
Termos em que se conclui pela verificação do facto índice de insolvência previsto pela al. b) do nº1 do art. 20º.
7. Ao pedido da declaração da sua insolvência o recorrido mais opôs o facto de ser titular de bens de valor superior ao crédito da recorrente.
Como se referiu, perante a prova positiva dos pressupostos de facto concretizadores de qualquer um dos critérios legais de aferição da situação de insolvência o devedor fica onerado com o ónus de ilidir a presunção de situação de insolvência que dos factos-índice decorre através da prova da sua solvência. Nos termos do art. 30º, nº 4 do CIRE, apenas é permitido exercer esse ónus por recurso à escrituração obrigatória a que o devedor esteja legalmente sujeito, “devidamente organizada e arrumada.”[62], pelo que a possibilidade da prova da solvência está exclusivamente reservada aos devedores obrigados a deter contabilidade organizada; de resto, em linha com o critério de insolvência previsto pelo art. 3º, nº 2 e 3 – critério do balanço, do passivo manifestamente superior ao ativo –, que a lei restringiu às pessoas coletivas e patrimónios autónomos, portanto, com exclusão de pessoas singulares não obrigadas a manter contabilidade organizada, como é o caso do recorrido.
Mas, independentemente de tratar-se de pessoa coletiva (e obrigada ou não a manter contabilidade organizada) ou pessoa singular não empresária, como vem sendo reafirmado pela jurisprudência, os factos índices da insolvabilidade não resultam infirmados pela existência de bens na titularidade do devedor ainda que o seu valor seja superior ao passivo pois, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, tal fator (relação ativo/passivo) só releva se ilustrar uma situação de viabilidade financeira, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento, o que já resultou afastado. Com efeito, a existência de ativo inferior ao passivo é legalmente apta a indiciar a situação de insolvência do devedor (pessoa coletiva) nos termos dos arts. 3º, nº 2 e 20º, nº 2, al. h) – o designado critério do balanço. Porém, o contrário já não sucede. Nas palavras de Maria do Rosário Epifânio, “Portanto, pode acontecer que o passivo seja superior ao ativo mas não exista situação de insolvência, porque há facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias. E, por outro lado, pode acontecer que o ativo seja superior ao passivo vencido, mas o devedor se encontre em situação de insolvência falta de liquidez do seu ativo (é dificilmente convertido em dinheiro)”[63]. Ou ainda, conforme acórdão desta secção de 12.11.2019 relatado pela ora relatora, “A existência de ativo inferior ao passivo é legalmente apta a indiciar a situação de insolvência (cfr. art. 3º, nº 2 e 3 e 20º, nº2, al. h), porém, o contrário já não sucede, ou seja, a existência de ativo superior ao passivo não constitui pressuposto legal de solvabilidade nem sequer indício como tal legalmente previsto pois que, ainda que assim suceda, a devedora é insolvente se, não obstante, estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas”[64], como urge ser o caso. Acresce que, por essa via, é o próprio recorrido quem admite que só pela via da liquidação do seu património tem possibilidade de liquidar o seu passivo, sendo que essa é a finalidade legal do processo de insolvência, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, de acordo com as preferências legais de pagamento de que cada um deles beneficia (cfr. artº 1º do CIRE), desde logo, para salvaguarda dos interesses dos credores que, através do processo de insolvência, passam a ‘controlar’ ou, ao menos, a fiscalizar a atividade de liquidação e, mais importante, o destino do produto com ela obtido e os termos em que o mesmo é distribuído, retirando-o assim da disponibilidade do devedor insolvente.
De todo o exposto resulta que, nas circunstâncias de facto apuradas – de resto, confirmadas pelo recorrido - este encontra-se em situação de insolvência atual por ausência de liquidez suficiente e necessária para honrar pontualmente as obrigações que contraiu, designadamente, perante a recorrente, requerente da insolvência.
Em conformidade com o exposto, procedem as conclusões de recurso e pedido por ele deduzido, de revogação da sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra, de declaração da insolvência da recorrida.
VI - Decisão:
Por todo o exposto, acordam as juízas desta secção em julgar procedente a apelação, com consequente revogação da sentença recorrida, que deve ser substituída por outra, de declaração da insolvência do recorrido.
Vencido na apelação, as custas nesta instância são a cargo do recorrido (cfr. arts. 527º, nº 1 e 2 do CPC).
Lisboa, 25.03.2025
Amélia Sofia Rebelo
Susana Santos Silva
Renata Linhares de Castro
_______________________________________________________ [1] Diploma a que pertencem todas as normas aqui citadas, salvo indicação de outro. [2] Cfr. acórdão do STJ de 30.11.2023. [3] Consigna-se que não se transcreve o que nas alegações de recurso consta sob a epígrafe de conclusões por corresponder à reprodução do alegado na motivação do recurso. [4] Ob. cit., p. 333-334, e 348. [5] Nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019, disponível na pág. da dgsi. [6] Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 339. [7] Sob o art. 20º da oposição o recorrido alegou que “O Requerido não está em incumprimento no pagamento de obrigações vencidas, cfr. informação recolhida junto do Banco de Portugal, que se junta como Doc. 7 e que se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.” Sem prejuízo do que se vai expor, desta alegação resulta que o requerido alegou ausência de incumprimento de obrigações vencidas apenas por referência a dívidas de natureza bancária (e que mantenham essa qualidade), e não com o carater geral ou universal que objetivamente resulta do teor do ponto 61). [8] Sob os arts. 24º e 25º o recorrido alegou que “O Requerido também não tem dívidas emergentes de contrato de trabalho, quer pela sua violação, quer pela cessação dos mesmos.”, “E, também não é devedor de quaisquer rendas de contratos de locação financeira ou empréstimos garantidos por hipoteca, cfr. Doc. 7 ora junto.” [9] Sob o art. 26º o recorrido alegou que “Na realidade, o único credor do Requerido com dívida vencida é a Requerente.” [10] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed., p. 350-351. [11] in Código de Processo Civil anotado, Vol. III, p. 272 [12] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, ed. 1985, p. 456 e s. [13] In Direito Processual Civil Declaratório, vol. III p. 349-352. [14] Vd. Antunes Varela, ob. cit. p. 453 (nota de rodapé). [15] Vd. Teixeira de Sousa, As partes, O objeto e a Prova na Acção Declarativa, pp. 259-260 [16] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, vol. V, p. 25. [17] Em texto-base da intervenção nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de janeiro de 2014. [18] Direito Processual Civil Declaratório, vol. III p. 351 e 352. [19] Sob o art. 21º alegou que “A penhora registada pela Fazenda Nacional no imóvel da Quinta da Marinha, propriedade do Requerido, cfr. Doc. 19 junto com a petição inicial, também se extinguiu, cfr. Doc. 3 ora junto, não sendo verdade o alegado a artigo 118.º da petição inicial.” [20] Prevê nos seguintes termos: 1 - Considera-se que o contribuinte tem a situação tributária regularizada quando se verifique um dos seguintes requisitos: a) Não seja devedor de quaisquer impostos ou outras prestações tributárias e respetivos juros; b) Esteja autorizado ao pagamento da dívida em prestações, desde que exista garantia constituída, nos termos legais; c) Tenha pendente meio de contencioso adequado à discussão da legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda e o processo de execução fiscal tenha garantia constituída, nos termos legais; d) Tenha a execução fiscal suspensa, nos termos do n.º 2 do artigo 169.º, havendo garantia constituída, nos termos legais. [21] O documento 3 oposição corresponde a certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Cascais1 e datada de 31.07.2024, declarando que face aos elementos disponíveis no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) o recorrido tem a sua situação tributária regularizada nos termos do artigo 177º-A e/ou nºs 5 e 12 do artigo 169º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). A presente certidão e válida por três meses e não constitui documento de quitação, nos termos dos nºs 4 e 6 do artigo 24º CPPT, respetivamente. [22] Documentos apresentados nos autos em resposta a convite à junção de certidões prediais atualizadas, posto que as que acompanharam a petição como docs. 14, 15 e 19 só tinham validade até 27.09.2023, sendo que a petição foi apresentada em 17.06.2024. [23] Contrariando o que consta das certidões prediais atualizadas que, a convite do tribunal, foram juntas pela recorrente, sob a al. d) foi descrito como não provado “Que do património registado e conhecido do Requerido, constam o Imóvel Terras Novas e o Imóvel Quinta da Marinha, sobre os quais incide hipoteca registada a favor do Banco BPI, S.A. para garantia do montante de €3.587.717,50. [24] Com o seguinte teor: “A Requerente recebeu de garantia os seguintes bens imóveis: (i) Prédio misto, designado de Quinta da Manobra, sito em Casal de São Domingos, Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.° 1…, (ii) Prédio urbano, sito em Terras Novas, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.° 6.., avaliado em €1.157.400,00, (iii) Prédio urbano, sito na Rua Pinhal Raposo, Lote…, Quinta da Marinha, Cascais,descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 3…, avaliado em cerca de €7.000.000,00. [25] O doc. 31 corresponde a recibo do centro nacional de pensões da Seg. Social referente ao mês de julho 2024 e dele consta pensão mensal no valor ilíquido de €7.496,01 e líquido de €4.642,51; o doc. 33 corresponde ao IRS referente ao ano de 2023, e dele constam declarados rendimentos auferidos pelo recorrido a título de pensões no montante ilíquido de €104.944,14, e retenções na fonte no montante de €40.390,00. Do anexo B dessa declaração (para declaração de rendimentos auferidas ao abrigo do regime simplificado de tributação ou por profissionais, comerciais e industriais), constam declarados pelo recorrido rendimento de atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art.º 151.º do CIRS no montante de € 46.235,84 e retenções na fonte no montante de €11.558,96 pela entidade com o NIF 504892061. [26] Na conjugação dos dois artigos alegou que “Em face da factualidade acima articulada, resulta manifesto que (…) o Requerido não reúne condições para poder obter crédito junto de qualquer terceiro, designadamente de qualquer instituição bancária.” [27] Sob o ponto 2) dos factos provados consta que “2) O Requerido é maior e divorciado (cfr. assento de nascimento que junto como 2 com a petição inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).” [28] O recurso da sentença de insolvência da D. foi apreciado por acórdão desta secção de 11.03.2025, e o da C. por acórdão desta secção de 26.11.2024 relatado pela aqui relatora, já transitado, e com baixa definitiva à 1ª instância. [29] Constava com o seguinte teor: “A hipoteca data de 2013 e, actualmente, o valor do montante financiado pelo Banco BPI, SA é muito menor é actualmente de €538.500,00 conforme documento junto pela requerente em 07-11-2024 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.” [30] Consigna-se que, apesar de não se vislumbrar que realidade factual o tribunal recorrido pretendeu referir com a expressão “Os imóveis (…) não são líquidos” - posto constituir verdade inexorável que os imóveis não correspondem a quantias monetárias – não se determina a sua supressão por constar dos factos não provados e não ter a virtualidade de relevar na apreciação de mérito ou conflituar com o seu resultado. [31] No art. 115º da petição inicial concluiu que “Os factos-índice da insolvência estão previstos no citado artigo 20.º do CIRE, aplicando-se no caso em apreço os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1.” [32] Efetivamente, ainda que desacompanhada da alegação de fundamentos de facto, constata-se que no art. 157º da petição a recorrente mais concluiu “Sendo que, por outro lado, da investigação criminal em curso, resulta também a situação de insolvência pelos factos constantes das alíneas c) e d) do artigo 20.º CIRE.”, o que alegou por referência à pendência de processo de investigação criminal no âmbito do qual foi ordenado o arresto sobre os imóveis do recorrido e este terá sido constituído arguido, e à apresentação de pedido de qualificação da insolvência de F. como culposa, mas sem que tenha alegado os factos que naquele processo e/ou pedido tenham sido imputados ao recorrido (arts. 147º a 153º da petição). [33] Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, p. 56. [34] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma introdução, Almedina, 4ª ed., p. 26. [35] Luis Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2009, p. 77. [36] Do art. 3º, nº 1 do CPEREF constava expressa referência à impossibilidade de cumprir pontualmente. [37] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, Quid Juris, 2005, pág. 69, nota 3; no mesmo sentido vd. Ac. RL de 19.06.2008, disponível no site da dgsi. [38] Nesse sentido, Alberto dos Reis, citando acórdão do STJ de 29.10.1918, pelo qual se [d]ecidiu que pode ser declarada a falência ainda que seja uma só a obrigação que o comerciante deixou de pagar; e acórdão do STJ de 11.10.1927, que [d]eclarou que não pode a priori estabelecer-se se basta a falta de pagamento duma obrigação, se é necessária a falta de pagamento de várias; há que atender às circunstâncias. (Processos Especiais, vol. II, pág 323). [39] Em “Estado de Insolvência”, Direito da Insolvência-Estudos, Coordenação Rui Pinto, Coimbra Editora, 2011, p. 223. [40] Acórdão da Relação de Coimbra de 14.12.2005, proc.nº 2956/05, disponível no site da dgsi. [41] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, vol. I, Lisboa, 2006, p. 131. [42] Nesse sentido, Acórdãos da Relação de Coimbra de 20.11.2007, relatado por Teles Pereira, e da Relação de Lisboa, de 22.04.2010. [43] Obra citada. [44] Ob. cit., p. 67. [45] Lições de Direito da Insolvência, Almedina, p. 56. [46] Acórdão, não publicado, proferido no proc. nº 33/20.0T8FNC.L1, relatado por Fátima Reis Silva e subscrito como adjunta pela aqui relatora. [47] Nesse sentido, entre outros, Catarina Serra, O Novo Regime Português do Direito da Insolvência, Uma introdução, 4ª ed., p. 104, nota 169. [48] Afirmação que resulta demonstrada pelo disposto no art. 30º, nº 5 do CIRE, nos termos do qual “Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.(subl. nosso), e pelo art. 35º, nº 4, que dispõe em termos semelhantes. [49] Ob. cit., p. 67. [50] Manuel Requicha Ferreira, ob. cit., p. 251. [51] Acórdão do STJ de 11.02.1993, Revista nº 082867. [52] Nesse sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 11.02.1993, Revista nº 082867, e de 11.11.2004, Revista nº 04B3453, acórdão da RC de 25.03.2010, proc. 82/09.0TBNLS.C1, da RP de 19.01.2012, proc. 6892/10.8YYPRT-A.P1, e da RE de 20.12.2018, proc. nº 7633/15.9T8STB-A.E1. [53] Manuel Requicha Ferreira, ob. cit., p 257. [54] Relatado por Fátima Reis Silva no processo 25243/19.0T8LSB-A.L1 e subscrito como adjunta pela aqui relatora, desconhecendo-se que tenha sido objeto de publicação. [55] Relatado por Fátima Reis Silva no processo nº 33/20.0T8FNC.L1 e subscrito como adjunta pela aqui relatora, desconhecendo-se que tenha sido objeto de publicação. [56] Ob. cit., p. 131. [57] Ob. cit. p. 43, e 56 e s. [58] Aval e Insolvência, Almedina, 2018, Reimpressão, p. 65-66. [59] Processo nº 145/21.3T8BRR.L1, não publicado. [60] Processo nº 33/20.0T8FNC.L1, não publicado. [61] Manuel Requicha Ferreira, ob. cit., p 257. [62] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., em anotação ao art. 20º do CIRE. [63] Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, Almedina, janeiro de 2019, pg. 28. [64] Disponível na página da dgsi. No mesmo sentido, acórdão (não publicado) desta Relação de 10.11.2020, processo nº 597/20.90T8BRR-A.L1, relatado por Fátima Reis Silva e subscrito pela aqui relatora na qualidade de adjunta.