CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA
CRIME DE CORRUPÇÃO ACTIVA
PRESIDENTE DO TRIBUNAL COLECTIVO
COMPETÊNCIA
REGULARIDADE DA GRAVAÇÃO DA PROVA
PRESCRIÇÃO - CONTAGEM DO PRAZO
DEPOIMENTO DE ADVOGADO COMO TESTEMUNHA
SIGILO PROFISSIONAL
Sumário

1 - A nulidade do despacho datado de 03-05-2022 que conheceu da arguição de nulidade por violação das regras de competência não foi tempestivamente arguida junto do Tribunal de primeira instância, pelo que não pode ser objeto do presente recurso.
2 - Tendo o despacho proferido em 22/04/2022 pela Presidente do Tribunal Colectivo versado unicamente sobre a regularidade ou não da forma de documentação de uma das sessões de julgamento (gravação), tratando-se de questão que se insere no âmbito dos poderes de disciplina e direcção a que alude o art. 323.º do Código de Processo Penal, tal despacho foi prolatado por quem tinha competência para o efeito.
3 - Nos crimes de corrupção o termo inicial de contagem do prazo de prescrição é a data -, ocorrendo efetiva entrega de vantagem, - da entrega que foi feita por último - e não a data em que se consumou o pacto corruptivo.
4 - Com efeito, nos casos em que as entregas de vantagem se prolongam, muitas vezes por anos, assentes num mesmo pacto corruptivo inicial, não faria sentido que o prazo se contasse com início na data do referido pacto, sob pena de o “corruptor de longa data” ver o procedimento criminal prescrever ainda em plena execução do pacto corruptivo.
5 - Não se trata de prova inválida, o depoimento da testemunha que exerce advocacia pois ainda que deponha sobre factos que vieram ao seu conhecimento em virtude do exercício da actividade profissional, estava desvinculado do sigilo profissional, por ter sido indicado, por quem apresentou queixa pelos factos abrangidos por esse segredo, - estabelecido em seu favor - como testemunha para prova de tais factos.
6 - O n.º 1 do art.º 373º do Código Penal, prevê o crime de corrupção passiva para ato ilícito, consistente na prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo do funcionário.
7 - A vantagem solicitada foi a de que o arguido prestasse informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar por ocasião da acção de inspecção tributária, dessa forma minimizando, em termos de consequências legais, as infracções verificadas, faltando à verdade daquilo que havia apurado e o co-arguido (corruptor) aceitou entregar essa vantagem.
8 - A consumação do crime não está dependente da prática de qualquer ato ou omissão contrária aos seus deveres funcionais, não sendo sequer necessário que o “funcionário tenha a intenção de efetivamente vir a cometer o ato contrário aos seus deveres”.
9 - A omissão ou a efetiva realização da atividade prometida pelo funcionário, bem como o seu caráter lícito ou ilícito, mais não representam do que circunstâncias que aumentam ou diminuem a gravidade da infração. O núcleo desta esgota-se no mercadejar com o cargo, na pura e simples «solicitação» ou «aceitação» de suborno.”

Texto Integral

            Acordam os Juízes da 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. RELATÓRIO

            1. No processo comum coletivo, com o NUIPC29/20.2KRCBR, foi proferido acórdão, em 01-03-2024 [referência94925584], com o seguinte dispositivo (transcrição):

            «Pelo exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo em julgar procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência:

1. Condenar o arguido AA., pela prática, em autoria material, do crime de corrupção activa, p. e p. pelo art. 374.º, n.º 1 do Código Penal [praticado até ao final de 2010], na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;

Mais se decide suspender na sua execução da pena de prisão pelo período de 2 (dois) anos.

2. Condenar o arguido BB pela prática, em autoria material, do crime de corrupção passiva, p. e p. pelo art. 373.º, n.º 1 do Código Penal [praticado até ao final de 2010], na pena de 3 (três) anos de prisão.

Mais se decide suspender na sua execução da pena de prisão pelo período de 4 (quatro) anos, mediante a condição de, no prazo de 2 (dois) anos, proceder ao pagamento ao Estado da quantia infra estabelecida a título de perda de vantagem, comprovando semestralmente nos autos o pagamento de valor equivalente a, pelo menos, ¼ daquele valor.

3. Declarar a perda a favor do Estado da quantia de € 9.338,08 (nove mil trezentos e trinta e oito euros e oito cêntimos) correspondente à recompensa obtida e, por ser insusceptível de apropriação em espécie, condenar o arguido BB no respectivo pagamento ao Estado.

4. Julgar improcedente por não provado o incidente de perda ampliada de bens a favor do Estado e, em consequência, absolver o arguido BB do pedido.»
       
        2. Em 07-04-2022 [referência5243098], o Arguido BB, dirigiu aos autos requerimento em que argui a nulidade da gravação da audiência de julgamento, concretamente, da sessão ocorrida no dia 04-04-2022, invocando o disposto no artigo 155º, nº4 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 3º do Código de Processo Penal.
        Com data de 22-04-2022 [referência 90413844], pela Mma. Juiz Presidente do Tribunal Coletivo, foi proferido o seguinte despacho, julgando improcedente a arguida nulidade (transcrição):
           «Vem o arguido BB arguir a nulidade da gravação da audiência de julgamento, invocando que ouvida a gravação da sessão de dia 04/04/2022, a mesma contém vários hiatos imperceptíveis, que não permitem a compreensão das palavras que são proferidas; que existe um ruído de fundo que dificulta o entendimento do que efectivamente foi dito em audiência; e que não constam da gravação as trocas de impressões que tiveram lugar entre os elementos do Colectivo.
Cumpre apreciar.
Consigno, desde logo, que procedi à audição da larga maioria (quase totalidade) da gravação da sessão de 04/04/2022 da audiência de julgamento.
E mais consigno que, conforme invocado, existe um ruído de fundo permanente na gravação, por razões técnicas que se desconhecem.
Contudo, o certo é que tal ruído não impede, de forma alguma, a percepção do teor das declarações prestadas pelos arguidos, que se nos afigura cristalinamente audível, sem quaisquer hiatos de relevo que coloquem em crise a compreensão do sentido das declarações dos arguidos ou das questões que lhes foram colocadas.
Daí que nenhum acto praticado na referida sessão de julgamento tenha ficado por documentar devidamente mediante gravação.
Pelo menos nos termos em que a documentação se mostra prevista no art. 364.º do Código de Processo Penal.
Sendo certo que conforme também resulta de tal normativo, em lado algum se prevê a obrigatoriedade de gravação dos comentários/diálogos/troca de impressões mantidos entre os juízes que compõem o Colectivo no decurso da audiência, nem poderia prever-se, sem colocar em crise o funcionamento do Tribunal Colectivo e, em última análise, o segredo da deliberação.
Nessa medida (e sem prejuízo de o requerente vir ainda a identificar os concretos minutos/segundos da prova gravada que reputa imperceptíveis), por carecida de fundamento, indefiro a arguida nulidade da gravação da sessão de julgamento de 04/04/2022.
Notifique.»
          
           3. Em 28-04-2022 [referência5273768], o Arguido BB, dirigiu aos autos requerimento em que argui a nulidade do precedente despacho por violação das regras de competência, nulidade que rotula de insanável por se reconduzir ao previsto no artigo 119º alínea e) do Código de Processo Penal.
        Com data de 03-05-2022 [referência90511628], pela Mma. Juiz Presidente do Tribunal Coletivo, foi proferido o seguinte despacho, julgando improcedente a arguida nulidade (transcrição):
           «Vem o arguido BB arguir a nulidade do despacho proferido em 22/04/2022.
Invoca, para o efeito, que o conhecimento da arguida nulidade da gravação da sessão de 04/04/2022 não cabia à presidente do Tribunal Colectivo, mas antes devia ter sido objecto de deliberação do Tribunal Colectivo, por não caber nas competências do presidente (art.os 311.º a 313.º, 314.º, n.º 3, 319.º, n.º 1, 321.º n.º 1, 322.º e 348.º do Código de Processo Penal), na medida que trata questão incidental a apreciar nos termos do art. 327.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Conclui ocorrer a nulidade insanável prevista no art. 119.º al. e) do Código de Processo Penal, que torna inválido o acto em causa e os que dele dependerem ou que puderem afectar.
Cumpre apreciar.
Resulta claro dos autos que o despacho proferido em 22/04/2022 não foi submetido a deliberação do Tribunal Colectivo. Assim como também decorre dos autos que o foi já após ter sido dado início à audiência de julgamento nos presentes autos.
Contudo, nem todos os despachos proferidos após o início da audiência cabem na competência do Tribunal Colectivo, estando subtraídos àquela, todos os que se enquadrem nos poderes de disciplina e direcção a que alude o art. 323.º do Código de Processo Penal.
E é o caso do despacho em apreço, que versou unicamente sobre a regularidade ou não da gravação de uma das sessões de julgamento.
No que a esta matéria respeita, tal como no que toca a quaisquer outras formas de documentação dos actos processuais, designadamente ao teor dos autos lavrados no processo, conforme decorre do disposto no art. 101.º do Código de Processo Penal, a apreciação da observância ou não do formalismo legal correspondente, cabe unicamente à entidade que preside ao acto.
E também no referente às gravações, a existir alguma irregularidade, é ao juiz presidente que cabe o conhecimento e decisão a esse respeito – cfr., a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 11/09/2014 (proc 4464/12.1TBGMR.G1; Rel. Heitor Gonçalves), acessível em www.dgsi.pt.
Aliás, no mesmo sentido concorre o Acórdão da Relação do Porto de 24/09/2020 (proc 1412/11.0JAPRT.P1; Rel. Jorge Langweg) também acessível em www.dgsi.pt, que o requerente parece ter seguido de perto no requerimento em análise, cujas considerações respeitam, não a matéria que cai no âmbito dos poderes de disciplina e direcção da audiência, mas antes a questões que se prendem verdadeiramente com o acto de julgar, designadamente as inerentes à prova tida por necessária para a cabal apreciação do mérito da causa.
Apreciação que não é colocada em crise na questão apreciada pelo despacho proferido em 22/04/2022, que incidiu unicamente sobre a regularidade ou não da forma de documentação da sessão de julgamento onde os demais elementos do Tribunal Colectivo estiveram presentes.
Conclui-se, pois, que por recair sobre questão que cai no âmbito dos poderes de disciplina e direcção a que alude o art. 323.º do Código de Processo Penal, o despacho proferido em 22/04/2022 foi proferido por quem tinha competência para tal, razão pela qual indefiro a arguida nulidade.
Notifique.»

           4. Inconformado, o arguido BB, interpôs recurso interlocutório dos despachos acima mencionados, rematando com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
               «1. No decurso da audição da prova gravada em sede de audiência de julgamento realizada no dia 04/04/2022 no âmbito do processo em apreço, constatou-se que a gravação tem vários hiatos impercetíveis, ruido fundo permanente e conversações entre a Juiz-Presidente e os restantes juízes que não ficaram gravadas.
2. Após tal constatação, através de requerimento ao processo, o Recorrente invocou a nulidade da gravação, requerendo a repetição da audiência de julgamento.
3. Por despacho de 22/04/2022, a Juiz-Presidente do Tribunal Coletivo indeferiu a arguida nulidade.
4. Proferido este despacho, veio o Recorrente arguir nova nulidade, porquanto a Juiz-Presidente ao proferir despacho singular sobre a admissibilidade/necessidade dos meios de prova, extrapolou a sua competência.
5. Tal requerimento mereceu novo despacho proferido em 03/05/2022 também assinado somente pela Juiz-Presidente, a qual indeferiu a arguida nulidade por violação de regras de competência.
6. Ora, as competências da Juiz-Presidente do Tribunal Coletivo estão elencadas nos arts. 311.º, 312.º, 313.º, 314.º n.º 3, 319.º, n.º 1, 321.º, n.º 1, 322.º e 348.º do CPP.
7. Nenhum destes preceitos inclui a apreciação de nulidades invocadas como sendo uma competência própria da Juiz-Presidente.
8. Por outro lado, no artigo 327.º, n.º 1 do CPP é dito que compete ao Tribunal Coletivo decidir sobre “questões incidentais sobrevindas no decurso da audiência”, onde se entende enquadrar        a invocada nulidade pela impercetibilidade da gravação.
9. Mas ainda que se entendesse que o ato em questão não caberia nesta alínea, não se poderá descurar que o funcionamento da audiência de julgamento, bem como a decisão sobre aspetos atinentes à produção de prova são da competência do Tribunal Coletivo nos termos do art. 14.º e 340.º do CPP.
10. Com efeito, estando o processo afeto ao Tribunal Coletivo, a decisão sobre aspetos da produção de prova nunca poderia ser tomada singularmente pela Juiz-Presidente.
11. E ainda menos poderia a Juiz-Presidente decidir singularmente sobre a sua própria competência.
12. Nestes termos, os despachos proferidos sem a previa deliberação do Coletivo que se impunha estão inquinados por nulidade insanável, ao abrigo dos arts. 119.º, n.º 1, e) e 122.º do CPP.
13. Pelo que deverá a questão suscitada pelo Recorrente sobre a impercetibilidade da gravação da audiência ser levada a deliberação do Tribunal Coletivo para decisão.
Caso assim não se entenda, sempre deverá este Tribunal da Relação apreciar a arguida nulidade resultante da impercetibilidade da gravação da audiência;
14.Quanto à impercetibilidade da prova gravada, tratando-se a gravação da audiência um ato legalmente prescrito, a sua impercetibilidade ou deficiência configura uma omissão desse ato.
15.Veja-se que a referida omissão tem influência no exame e decisão da causa, na medida em que impede o recurso sobre a impugnação da matéria de facto e condiciona até a apreciação dos factos vertidos na acusação pelo Tribunal Coletivo.
16.Termos em que, para alem de constituir uma nulidade, nos termos do art. 120.º, n.º 1 e 121.º do CPP, coloca em causa os direitos e garantias de defesa do arguido, como é o exemplo do direito ao recurso, traduzindo-se numa violação de preceitos constitucionais, designadamente o art. 20.º, n.º 4 e 5 do CPP e o art. 32.º, n.º 1 do CPP.
17. Os despachos recorridos violaram o disposto nos arts. 364.º, 327.º, n.º 1, 340.º, 119.º e 122.º do CPP, art. 135.º da LOSJ e art. 20.º, n.º 4 e 5 e 32.º da CRP.
Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência:
a) Declarar-se a nulidade por violação das regras de competência, revogando-se o despacho recorrido, devendo ser o Tribunal Coletivo a deliberar sobre a impercetibilidade da gravação da audiência de julgamento invocada;
Caso o Tribunal da Relação não entenda pela violação das regras de competência:
b) Deverá declarar-se a nulidade resultante da impercetibilidade da gravação da audiência de julgamento realizada em 04/04/2022.»

           5. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu a este recurso pugnando pela sua improcedência, posição que assente, em síntese, nos seguintes argumentos:
           - Relativamente à questão da competência, remete para os fundamentos do despacho recorrido, que subscreve, acrescentando que, os acórdãos citados pelo Recorrente em abono da sua pretensão não são aplicáveis, na medida em que as matérias que versam são distintas (o acórdão da Relação do Porto de 24-09-2020, versa sobre a  admissibilidade, necessidade e desnecessidade de meios concretos de prova, depois do julgamento se ter iniciado e o acórdão da mesma Relação de 08-07-2015 versa sobre a apreciação de requerimento para produção de prova, ao abrigo do disposto no artigo 340º do CPP).
           - Relativamente à questão da nulidade da gravação, tendo por referência os concretos momentos da mesma a que o Recorrente se refere como impercetíveis (no recurso, que não no requerimento em que argui a nulidade e sobre o qual recaiu o despacho recorrido), afirma que se trata de momentos em que nada é dito ou o que é dito é perfeitamente compreensível.
           Portanto, a documentação da audiência não se mostra deficiente, pois não compromete a captação do sentido daquilo que ali foi dito.

           6. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo aos argumentos constantes da resposta aludida supra.
          
           7. Igualmente inconformado com a condenação de que foi objeto, o arguido BB interpôs recurso do acórdão, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões[1] e petitório, requerendo igualmente, ao abrigo do disposto no artigo 411º nº5 do Código de Processo Penal, a realização de audiência (transcrição):

            «1. Nos presentes autos, vinham os arguidos AA e o BB (este ora recorrente), acusados da prática, em autoria material, o primeiro de um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo art. 374.º, n.º 1 do Código Penal, e o segundo de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo art. 373.º n.º 1 do Código Penal, incorrendo ainda na pena acessória de proibição do exercício de função, prevista no art. 66.º, n.º 1 als. a), b) e c) e n.º 5 do Código Penal.

2. No âmbito da acusação deduzida, requereu o Ministério Público a condenação solidária dos arguidos no pagamento ao Estado do valor de € 9.338,08, correspondente à vantagem da atividade criminosa desenvolvida pelo arguido BB.

3. E ainda, deduziu o Ministério Público incidente de perda ampliada de bens a favor do Estado, contra o arguido BB, requerendo que seja declarado perdido a favor do Estado o montante de € 10.975,30, correspondente ao património incongruente apurado entre os anos de 2015 e 2020.

4. O Ora recorrente foi inspetor tributário durante xxxx anos, e no exercício das suas funções, foi em 2010 incumbido de uma inspeção às empresas A..., Lda. e B..., Lda. (empresas do coarguido AA).

5. No âmbito de tal inspeção, o ora recorrente desenvolveu um trabalho exaustivo e moroso, o qual resultou na instauração de um processo-crime (processo n.º 72/11....) ao coarguido AA e no âmbito do qual este veio a ser condenado a uma pena de prisão efetiva de 4 anos.

6. No âmbito desse processo, e no seguimento do depoimento do ora recorrente prestado enquanto testemunha, foi ainda extraída certidão para investigação do crime de branqueamento de capitais que deu origem ao processo n.º 916/14.... e no qual foi deduzida acusação contra o coarguido AA.

7. O relatório elaborado pelo recorrente no exercício das suas funções e o seu depoimento enquanto testemunha contribuíram veemente para a condenação do coarguido no processo n.º 72/11.....

8. Designadamente, do relatório elaborado pelo ora recorrente relativamente às suprareferidas empresas do coarguido resultaram várias irregularidades, como a correção às compras da firma B... num valor total de € 6.651.090,85, correção ao IVA deduzido pela B..., Lda., correção ao IVA deduzido pela A..., Lda. num total de € 207.508,07, penalidades tipificadas como crime fiscal, entre outras.

9. Neste seguimento, o coarguido AA, efetuou uma denúncia contra o ora recorrente que veio a dar origem aos presentes autos.

10. Ora, a referida denuncia, datada de 17/03/2020, foi efetuada cerca de 10 anos após a alegada ocorrência dos factos denunciados e somente após o coarguido ter sido condenado naquele processo e depois absolvido no âmbito de um outro processo de natureza semelhante que correu termos no Tribunal de Santo Tirso, constitui uma atitude vingativa por parte do coarguido que não merece a tutela do Direito.

11. Tanto é que na referida denuncia o coarguido se propõe a “contar toda a verdade” caso lhe seja concedida imunidade (folhas 3 e 3. Verso, volume 1 do processo), desculpabilizando os seus próprios atos pelos factos pelos quais foi condenado.

12. Ora, o Sr. Procurador promoveu, relativamente a fatura e cheque que o coarguido anexou à denuncia, que se apurasse se os mesmos teriam sido ou não contabilizados, o que não sucedeu.

13. Mais promoveu que se apurasse se “por ocasião dos factos foi feito algum levantamento no valor de €5.000,00 em dinheiro ou noutro valor que englobe esse valor”.

14. Embora o Ministério Publico tenha tido acesso aos extratos bancários de contas que o coarguido estava autorizado a movimentar, não foi localizado qualquer movimento no valor de € 5.000,00 ou superior à data dos alegados factos.

15. Ainda assim, a denúncia desprovida de fundamento efetuada pelo coarguido AA, numa clara utilização do sistema penal português para executar a sua própria vingança contra o inspetor tributário que contribuiu para a sua condenação, resultou não só na acusação deste, como na sua condenação nos presentes autos.

16. O acórdão recorrido padece de crassos erros de julgamento, de natureza, fáctica, probatória e jurídica, como passaremos a expor.

17. Desde logo, releva comentar que logo na primeira sessão da audiência de julgamento, foi notória a imparcialidade por parte dos Senhores Juízes do coletivo (Dra. CC e Dr. DD) que exteriorizaram uma clara preferência pelo coarguido AA, em prejuízo do ora recorrente que foi por diversas vezes interrompido, descredibilizado e impedido de exercer convenientemente a sua defesa.

18. Tal discriminação acaba por ser confirmada na própria motivação do Tribunal, designadamente, na valoração que atribui às declarações de cada um dos arguidos e que vai manifestamente contra as regras da logica e da experiência comum.

19. O que é manifesto, por exemplo, na pagina 33 do acórdão em que o Tribunal diz que “ofende frontalmente as regras da logica que um inspetor tributário decida, no decurso de ação inspetiva (…) encetar negociações para aquisição de materiais comercializados pelo inspecionado em valor superior a €4.000”.

20. Ora, o negócio não foi feito entre o recorrente e o coarguido, mas entre o recorrente e um terceiro.

21. Por outro lado, não existe no art.20.º do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira), qualquer impedimento a que um inspetor faça compras numa sociedade inspecionada antes, durante ou depois dessa inspeção.

22. O mesmo confirmou a testemunha EE (coordenador) – cujo depoimento se transcreve - que embora tenha referido que pessoalmente não o faria, revelou que não existe qualquer impedimento.

23. Tanto é que não existe sequer no referido diploma a possibilidade de pedir escusa de efetuar a inspeção.

24. Sendo ainda certo que, embora o depoimento do coordenador EE se tenha verificado confuso (o que se justificada por terem passado mais de 10 anos sob a data da inspeção), o envio dos resultados da mesma foi enviada à DCIAP em estrito cumprimento da lei, uma vez que tinha sido esta entidade a solicitar a inspeção (ponto 2.2 do relatório da IT, volume 2, folha 308 v.)

25. Por outro lado, fundamenta o Tribunal, ainda para descredibilizar as declarações do ora recorrente que “embora o arguido BB viesse invocar estar então convencido de que lidava com pessoas honestas, tal alegada credulidade cai por terra quando também reconhece que na origem da ação inspetiva estava comunicação do DCIAP após comunicação da unidade de informação financeira da PJ de movimentações superiores ao estipulado” (…) Improcede por isso a afirmação do arguido BB no sentido de que ate setembro/outubro de 2010, nenhuma suspeita recaia sobre a conduta do arguido AA”.

26. Contudo, quando o ora recorrente iniciou a inspeção, apenas sabia que existiam depósitos e levantamentos que levantaram suspeitas na respetiva entidade bancaria, tendo ate resultado que tais movimentos não estavam diretamente ligados a nenhuma das empresas do coarguido AA, mas sim à funcionaria FF.

27. E só no final de 2010 é que o ora recorrente soube que a documentação fornecida era falsa.

28. Não mereceram igualmente credibilidade as declarações do ora recorrente na parte em que refere que “o arguido BB foi apenas intermediário na aquisição dos ditos painéis e que fez questão de não fazer negócio com a pessoa que estava a inspecionar”.

29. Ora, em 35 anos de carreira, nunca o ora recorrente fez qualquer negócio com um contribuinte que estivesse a fiscalizar, não por estar impedido (já vimos que não estava), mas por opção pessoal.

30. Conforme o próprio revelou em sede de declarações, o ora recorrente adquiriu os painéis, mediante o pagamento de €3.000,00, a um cliente do coarguido que queria resolver o negócio que havia feito com este.

31. Tendo o coarguido atuado enquanto mero intermediário do recorrente e do seu antigo cliente, proporcionando entre eles dois encontros, ambos no café C...: o primeiro para discutirem o preço e o segundo para pagamento dos painéis.

32. Já quanto à acusação de que o ora recorrente, enquanto inspetor tributário, não pediu fatura, o Tribunal, mais uma vez, altera a verdade dos factos e das declarações prestadas pelo recorrente.

33. Pois que, o que este afirmou foi que nunca recebeu a fatura pelo correio e não que a não solicitou.

34. A verdade é que nunca a recebeu, sendo certo que o único ato que se lhe poderá imputar é o facto de a não ter exigido posteriormente.

35. Já quanto ao seguinte segmento da motivação, comete o Tribunal, mais uma vez, crassos erros de raciocino: “nenhuma explicação se encontra para que o arguido AA soubesse que desempenhava funções nas Finanças uma pessoa de nome GG. Note-se que nenhum dos documentos juntos na acção inspectiva se mostra assinado por esta, e a própria afirma que não teve qualquer intervenção com estas sociedades, pelo que se desconhece como saberia o arguido AA da sua existência (sendo certo que aquela já desempenhava, à data, funções no Núcleo de Averiguações Criminais) a não ser por ter sido invocado o seu nome pelo co-arguido BB”

36. Conforme alegou a própria, à data dos factos, a Dra. GG não pertencia sequer aos quadros da Inspeção Tributaria, mas sim ao Núcleo de Averiguações Criminais, pelo que, mais uma vez o Tribunal dá relevo a mais uma invenção do coarguido AA.

37. E se o nome da Dra. GG não consta no processo, tal só se deve ao Tribunal, pois que em sede de contestação, o ora recorrente requereu que fosse feito ofício à Direção de Finanças de ... solicitando a remessa da copia integral dos processos da ação inspetiva que recaíram sobre as sociedades do coarguido, e após várias insistências, o Tribunal só veio autorizar a respetiva junção em janeiro de 2022 (despachos de 13/01/2022 e 25/01/2022) e apenas quanto ao ano de 2008.

38. Sendo certo que nos processos em que não foi autorizada pelo Tribunal a junção, consta a inquirição e constituição de arguido de AA pela Dra. GG, ao serviço do Núcleo de Averiguações Criminais.

39. Por outro lado, não podia o Tribunal concluir que esta testemunha tenha dito que não teve qualquer intervenção nas sociedades de AA, quando do seu depoimento resulta claramente que o que disse foi não se lembrar, o que é compreensível tendo em conta o hiato temporal decorrido.

40. Por último, quando ao segmento da motivação que ora se transcreve, só se pode concluir que os Senhores Juízes não têm o mínimo conhecimento da forma como são realizadas as inspeções tributarias “só a partir de outubro é que o arguido BB começou a notificar terceiros para juntarem documentos aos autos. Sendo certo que a inspecção, como decorre das propostas de relatório de fls. 8 (2.º processo) e 5 (3.º processo) teria tido início em Maio de 2010 e que o prazo normal para conclusão da inspecção é de 6 meses (neste sentido, o depoimento de EE). Circunstância que torna plausível a conclusão de que o andamento das averiguações (e conforme o arguido BB afirmou estas eram as únicas que lhe estavam distribuídas à data) foi condicionado pela forma como o arguido AA acedia ou não às propostas do co-arguido”

41. Ora, o prazo habitual para uma inspeção é de 6 meses, sendo prorrogável em casos de especial complexidade por 2 períodos de 3 meses, o que sucedeu na inspeção levada a cabo pelo recorrente (em conformidade com o art.36.º do RCPITA).

42. Sendo de relevar que, em ambas as sociedades vieram a descobrir-se faturas falsas: no valor total de € 6.651.090,85, quanto à sociedade B..., Lda. e no valor de e 1.031.162,50 quanto à A..., Lda.

43. A inspeção decorreu conforme o plano de auditoria estipulado pelo superior hierárquico do recorrente, com a celeridade possível, considerando os elementos internos e externos que ia apurando.

44. Assim, nenhum segmento da motivação do Tribunal para descredibilizar a versão do ora recorrente faz qualquer sentido logico, sendo certo que a sua versão é a única que encontra sustento nos demais elementos de prova.

45. Pelo contrário, as declarações do coarguido AA são veementemente contrariadas pelos demais elementos probatórios, muito embora o Tribunal a quo, por alguma razão, assim não entenda.

46. A verdade é que o Tribunal a quo desvenda uma redação deveras infeliz ao justificar que a versão do arguido AA é a que melhor se enquadra na acusação. Ou seja, a versão que melhor se enquadra na acusação é a que vence!

47. Contudo, a versão do arguido AA não tem sustento nas regras da logica e da experiência comum, bem como nos restantes elementos probatórios.

48. Ora, o Tribunal defende que as declarações deste arguido são corroboradas pelo depoimento das testemunhas HH e II, contudo, não só os respetivos depoimentos não corroboram nada do que é dito pelo arguido AA, como ainda o contradizem (conforme depoimentos que se transcrevem supra).

49. O que o Dr. II refere no seu depoimento é que quando o arguido AA lhe falou do suposto acordo que tinha tido com o recorrente, o desconsiderou por completo, porque tal tese não fazia qualquer sentido (conforme depoimento transcrito).

50. Do mesmo modo, o Dr. HH contraria igualmente o que é dito pelo arguido AA relativamente a uma suposta conversa que houve entre ambos, ao afirmar que é “completamente falso” (conforme depoimento transcrito).

51. Assim, é manifesto que os fundamentos de que o próprio Tribunal se socorre para atribuir credibilidade às declarações do arguido AA são aqueles que as contrariam!

52. Ora, o arguido AA é aquele que tem antecedentes criminais, foi acusado e condenado em processos-crime anteriores da mesma natureza, encontra-se preso, tem fortes motivos para prejudicar o ora recorrente, mas ainda assim, veja-se, são as suas declarações que merecem a credibilidade do Tribunal!!

53. Este é o arguido que mente e assume postura duvidosa desde o início: desde o momento em que se propõe a falar mediante a garantia de imunidade até ao momento em que diz que fez várias denuncias contra o ora recorrente que nunca deram em nada (quando se apurou que não foi efetuada qualquer comunicação/denuncia pelo coarguido neste sentido antes dos presentes autos).

54. Mente mais uma vez nas próprias versões que traz aos factos porque (1) na denuncia diz que passada 1h de o recorrente começar a inspeção começa a falar de coisas pessoais (2) em sede de audiência de julgamento afirma que é só ao final do dia (conforme declarações transcritas).

55. Sendo certo que ultrapassa o senso comum que um inspetor tributário no primeiro dia de inspeção tente aliciar o inspecionado para a prática de um crime, mas como não pode deixar de ser, o Tribunal também não justifica esta conclusão.

56. O absurdo das declarações do coarguido AA continua quando refere que logo no segundo dia de inspeção, o ora recorrente já levava um desenho com medidas de painéis que pretendia e que novamente o tentou aliciar, tudo na frente da sua funcionaria FF.

57. Sendo certo que a testemunha FF, no seu depoimento, diz que nunca conheceu o ora recorrente, não viu qualquer desenho e ainda que só com aquele desenho nunca conseguiria fazer a encomenda dos painéis (depoimento transcrito).

58. Mas embora esta testemunha contrarie tudo o que é dito pelo coarguido AA, o Tribunal descortina um fundamento para a descredibilizar, afirmando que teve uma postura claramente comprometida e esquiva.

59. Por fim, já quanto à suposta entrega da quantia de €5.000,00 ao ora recorrente, que o coarguido não sabe precisar o dia, hora ou mês, nem logra juntar qualquer prova documental e testemunhal, ainda se aguarda que o Tribunal a quo venha desvendar a razão de ciência para atribuir credibilidade a esta versão (conforme transcrição).

60. Quando o coarguido AA, alegando que fez um levantamento antes de entregar a quantia ao recorrente, não consegue comprovar esse movimento bancário após ser notificado pelo Tribunal para o efeito.

61. Ou seja, o Tribunal notificou o coarguido para vir juntar prova documental dos levantamentos (prova esta que se revela de fácil acesso, porque bastava solicitar tal informação ao Banco), o coarguido não junta qualquer documento, e mesmo assim, o Tribunal dá como provado o pagamento dos € 5.000,00 por este ao ora recorrente.

62. Ora, não é por demais manifesto que não houve qualquer levantamento e muito menor, qualquer pagamento ao recorrente?

63. Aliás, se o coarguido alega que durante anos teve como missão denunciar o ora recorrente, como é que perde uma oportunidade de juntar elementos que comprovem a sua tese? Só se tais elementos não existirem, de falsa que é a referida tese.

64. Pelo exposto, a relevância e credibilidade que o Tribunal atribui às declarações do arguido AA, ainda que se enquadrem na acusação como o próprio Tribunal não se coíbe de afirmar, não são corroboradas por quaisquer outros elementos probatórios, pelo contrário, são ate contrariadas.

65. Ora, é consabido que o CPP atribuiu à confissão (art. 344º), nos casos da pequena e média criminalidade, em função do critério categorial da medida da pena, como emanação do meio de prova “por declarações do arguido”, um valor indiscutivelmente diverso do que ocorria no âmbito do CPP29.

66. Contudo, esta valoração das declarações confessórias dos arguidos só conhece aplicação, nas condições do mencionado artigo 344º (sendo certo que o n.º 2, al. a), ressalva a hipótese de, havendo co-arguidos, não se verificar a confissão integral e sem reservas de todos eles.

67. Ou seja, daqui se intuem as cautelas com o que o legislador manuseia a “confissão” maxime quando se está na presença de uma tomada de posição de um só arguido, em cujas declarações confessórias se incrimina(m) outro(s) arguidos.

68. Cuidados, de resto, recuperados noutros lugares legais – p. ex., o art. 345º, 2 do CPP que apenas abre a possibilidade de formulação de questões ao arguido, ao MP, mandatário do assistente e defensor do arguido e já não aos defensores dos outros arguidos, bem como o artigo 133º, 1, al. a) do mesmo diploma que impede os arguidos e co-arguidos dos mesmos processos de deporem como testemunhas.

69. De resto, o n.º 4 do artigo 345º, ainda e sempre do CPPenal, na redacção dada pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, veio esclarecer que “não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”, o que não deixa de potenciar ainda uma outra inequívoca fragilidade deste putativo e peculiar “meio de prova”.

70. Todavia, não pode olvidar-se o princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 127º (sempre do CPP) e as suas múltiplas repercussões, a implicarem que tais declarações serão examinadas e apreciadas de acordo com os ditames do sobredito princípio.

71. No entanto, é sempre inolvidável a fragilidade deste meio de prova, a reclamar especiais cuidados no seu exame, nomeadamente a imporem que a valoração das mesmas exija uma corroboração externa a tal momento probatório.

72. Ou seja, ocorre uma absoluta necessidade da decisão condenatória conter referências a elementos exógenos às declarações do co-arguido que as sustentem e credibilizem.

73. Importaria, pois, indagar quer a existência, relativamente ao recorrente, de um qualquer meio probatório exógeno ao depoimento do co-arguido que sustente a factualidade dada como provada e se tais declarações se afirmaram com o grau de sinceridade que o Tribunal lhes atribui, exornando o detalhe, a riqueza e densidade peculiares ao relato de quem refere realidades de facto vividas.

74. Ora, como se viu, tais elementos exógenos ao depoimento do coarguido não só o não confirmam, como o contrariam!

75. De facto, a narrativa efectuada não se mostra enriquecida com particularidades que dêem a espessura dos factos.

76. Pelo que tal suposto meio de prova é manifestamente insuficiente para credibilizar a versão dos factos que denuncia, mais a mais veementemente negados pelo recorrente e contrariados pela restante prova produzida.

77. Por fim, importa referir que a testemunha II que depôs em sede de julgamento foi advogado do coarguido na altura dos factos em discussão, sendo que o conhecimento que obteve decorre do exercício da sua profissão.

78. Assim, não podia ter sido testemunha, salvo se tivesse requerido a sua dispensa de sigilo, o que não sucedeu.

79. Assim, o seu depoimento constitui prova materialmente proibida e por isso ilícita, nos termos do art.92.º, n.º 5 do EOA.

80. Já quanto à matéria de facto dada como provada, a verdade é que a sua maioria assenta unicamente na credibilidade atribuída às declarações do coarguido AA, que por todos os motivos de facto e Direito já expostos (e que não são poucos) carece de fundamento.

81. Quanto ao facto 10) dado como provado, a respetiva prova assenta unicamente nas declarações do coarguido AA.

82. Contudo, tal segmento não faz qualquer sentido, desde logo porque é impossível omitir informação recolhida em sede de inspeçao da PGR – DCIAP.

83. Por outro lado, o recorrente só teve conhecimento da faturação falsa no fim de 2010, pelo que não havia forma de o recorrente fazer alusão aos problemas que poderiam decorrer da inspeção, quando este iniciou.

84. Para tal, basta atentar no relatório de inspeção tributaria junto aos autos em que se antevê a cronologia dos atos da inspeção, concluindo-se que quando surgiram os primeiros indícios de faturação falsa/irregularidades, já tinha ocorrido a compra das chapas.

85. Assim, impõe-se que este facto seja dado como não provado.

86. Já quanto ao facto 11), mais uma vez, assenta unicamente nas declarações do coarguido AA, revelando a pouca profundidade com que o Tribunal a quo estudou o processo, pois que, a casa referenciada não é dos pais do recorrente.

87. Sendo certo que a autocaravana nunca esteve na casa dos pais do recorrente.

88. Assim, quanto ao facto 11) devera somente dar-me como provado: “Passando a conversar igualmente sobre outros assuntos, não estritamente ligados à inspeção que decorria”.

89. Quanto ao facto 12), é falso, desde logo, que os painéis adquiridos o tenham sido em conformidade com o desenho e medidas especificas dadas pelo recorrente.

90. Aliás, esta versão do desenho traçada pelo coarguido AA foi veemente contrariada pela sua própria funcionaria.

91. Mais ainda que assim não fosse, veja-se que o desenho mostra uma área a cobrir de 160m2 e os painéis fornecidos chegam para cobrir 282,10m2, ou seja;

92. Seriam necessários apenas 17 painéis para fazer toda a cobertura que o desenho mostra, mas a verdade é que foram fornecidos 26 painéis.

93. Assim, o material que o coarguido AA diz ter sido produzido ao milímetro de acordo com o desenho, afinal não tem nada a ver com esse desenho.

94. O que comprova que, afinal, os painéis nunca se destinaram especificamente às necessidades do recorrente, porque não foram “encomendados e feitos com medidas exatas e preparadas para o efeito”.

95. Assim, por ser contrário a toda a prova produzida, este facto deve ser dado como não provado.

96. Quanto aos factos 13) a 22) e sob pena de nos repetirmos, mais uma vez, tais factos foram apenas sustentados (e mal) pelo coarguido AA, sem a corroboração de qualquer outro elemento probatório.

97. Ora, o relatório levado a cabo pelo recorrente no âmbito da inspeção foi validado pelo coordenador EE (como o próprio confirmou no seu depoimento), sem que fosse apontada qualquer irregularidade ou omissão.

98. A aquisição das chapas a um anterior cliente do coarguido nem sequer ocorreu na data de início das inspeções, mas a meio.

99. Tal aquisição só aconteceu porque o coarguido AA conversou com o recorrente sobre o seu antigo cliente que tinha encomendado uns painéis que já estavam prontos para entrega e queria desvincular-se do negócio, em virtude da alteração do projeto.

100. O que coincidiu com a necessidade, por parte do recorrente, de construir uma arrecadação para a sua caravana, admitindo ao coarguido a possibilidade de adquirir os referidos painéis ao seu cliente.

101. Tendo, aliás, o coarguido intervindo na questão apenas para promover o encontro entre o seu cliente e o ora recorrente no café C....

102. E pelo facto de os referidos painéis não terem as medidas pretendidas pelo recorrente (eram superiores), o cliente, a fim de se desfazer do negócio, fez um preço mais baixo ao recorrente (de € 3.000,00).

103. Ora, resulta por demais evidente que os referidos factos não encontram sustento em qualquer elemento probatório, razão pela qual deverão ser dados como não provados.

104. Quanto aos pontos 23, 24 e 25) que se referem à alegada entrega de € 5.000,00, reiteram- se as conclusões tecidas nas conclusões 59 a 64.

105. Ainda hoje aguardarmos a prova quanto a esta entrega pelo Ministério Publico ou pelo coarguido AA, mas a verdade é que o Tribunal da como provado o referido pagamento.

106. Efetivamente, o Tribunal basta-se com a palavra de um coarguido (com antecedentes criminais e com manifesta falta de isenção) para condenar outro arguido.

107. Mais uma vez, para alem das declarações do coarguido (bastantes convenientes ao não referirem hora, dia ou mês ou até nenhuma testemunha), não existe qualquer meio de prova que venha corroborar que o coarguido AA pagou de facto € 5.000,00 ao recorrente.

108. Precisamente por não existir qualquer prova, para alem das declarações do coarguido, o recorrente requereu ao Tribunal que o notificasse para juntar aos autos documentação bancaria que sustentasse os levantamentos em numerário que o próprio disse ter feito para pagar os €5.000,00.

109. Passara, os 60 dias e o coarguido não juntou nada.

110. Voltamos a questionar: como é que um Tribunal, seja em instancia civil ou criminal, dá como provado um pagamento de €5.000,00 sem qualquer base documental e baseando-se somente na palavra de um coarguido condenado e com motivos para prejudicar outro?

111. Mais, questiona-se onde ficou o princípio in dúbio pro reu quando o Tribunal dá como provado este pagamento?

112. Na verdade, a assunção probatória eleita pelo Tribunal a quo ocorre, toda, em contravenção ao aludido princípio, decorrente do n.º 2 do artigo 32º da Constituição.

113. Imanente à construção efectuada pelo Tribunal está sempre a ideia de que era ao recorrente quem cabia demonstrar a sua inocência, ignorando olimpicamente que do referido corolário decorre outra evidência:

114. Justamente a de que o arguido se considera inocente não lhe cabendo provar essa condição,

115. E que toda a prova produzida deve ser aferida sob esse prisma!

116. Como não pode deixar de ser, terão estes três factos de ser dados como não provados.

117. Por último quanto ao facto 26), resta dizer eu o mesmo em nada contribui para a decisão de mérito, contudo, resta esclarecer que, tendo o recorrente sido constituído arguido em 5 de junho de 2020 é fácil de perceber que 5 meses depois tenha na sua mesa de cabeceira os documentos relativos ao processo.

118. Sendo certo que se os painéis foram entregues, é claro que foram entregues as guias de transporte e a descrição da carga.

Sem prescindir,

119. O recorrente foi condenado como autor material, do crime de corrupção passiva, p. e p. pelo art. 373.º, n.º 1 do Código Penal, supostamente na redacção deste preceito introduzida pela Lei 32/2010 de 2 de Setembro.

120. Todavia, salvo o devido respeito, erradamente.

121. Com efeito, resulta da factualidade dada por provada – maxime pontos de facto inscritos sob os n.ºs 11, 13, 16 e 17 – que o putativo pacto criminoso (promessa e aceitação de dádiva) ocorreu entre 24 de Maio de 2010 e seguramente em data anterior a 6 de Agosto desse ano.

122. Ora, sendo o bem jurídico que ilumina o tipo de corrupção a autonomia intencional do Estado, o mesmo é violado nesse exacto momento, em que a prossecução do interesse público é trocado pelos interesses privados do particular e do funcionário que, para os servir e servir o seu interesse próprio, mercadejou com o cargo.

123. Assim sendo, como manifestamente é, o acto criminoso ocorreu em momento anterior à entrada em vigor da referida lei 32/2010 de 2 de Setembro.

124. Sendo certo, pois, que a redacção do artigo 373º do CP, dimanada desse instrumento legal, não é aplicável ao arguido.

125. Pelo que a norma punitiva considerável é a do n.º 1, do artigo 372º, do CP, na versão da Lei 108/2001 de 28 de Novembro.

126. Relevante é, ainda, considerar que o regime da prescrição aplicável ao crime do n.º 1, do artigo 372º, do CP é o definido pela redacção do artigo 118º desse diploma legal na versão da Lei 59/2007 de 4 de Setembro.

127. Assim, sendo o limite máximo da moldura abstracta do tipo a de 8 anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 (dez) anos, nos termos da al. b), do n.º 1, do artigo 118º.

128. Ora, o artigo 119º desse diploma refere que o prazo de contagem da prescrição do procedimento criminal se inicia no dia em que o facto se tiver consumado.

129. In casu, contudo, o Tribunal não logrou apurar em que data se consumou o pacto alegadamente criminoso, situando-o em uma janela de 74 dias (entre 24 de Maio e 6 de Agosto de 2010).

130. No entanto, tal assunção factual propugnada no douto Acórdão tem de passar pelo crivo do já invocado princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado no n.º 2 do artigo 32º da CRP.

131. Com efeito, o referido matricial princípio impõe que as lacunas probatórias jamais possam ser valoradas em desfavor da posição processual do(s) arguido(s).

132. Ou seja, qualquer dúvida insanável – como é aquela que não permite ao Tribunal assentar a data em que determinado facto foi perpetrado, deixando-o num limbo de 74 dias – tem de ser necessariamente resolvida privilegiando a posição do arguido.

133. Na hipótese dos autos, na verdade, tal indefinição factual tem um peso de extraordinária relevância.

134. Isto porque a única causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal que se descortina no exame do processo é a constituição de arguido, ocorrida a 5 de Junho de 2020 – cfr. fls. 37 dos autos.

135. Ou seja, a causa de interrupção ocorreu no período de 74 dias em que poderá ter-se consumado o crime.

136. Nessa confluência, face ao princípio-garantia dimanado do artigo 32, 3 da CRP, a dúvida existente na fixação da data não pode prejudicar o arguido.

137. Ou seja, impreterivelmente que o facto criminoso tem que se ter como consumado antes de 5 de Junho de 2010, sob pena da imolação absoluta do referido comando constitucional,

138. Dado que a interpretação do aludido princípio que permita que num intervalo de datas de 74 dias em que poderá ter acontecido um determinado evento não se opte pelas datas que favorecem o arguido é de molde a violar a norma constitucional supra convocada,

139. Na exacta medida em que esquece que em caso de dúvida insanável sobre a apreciação da prova a mesma deve ser sempre valorada em benefício do arguido.

140. Por outro lado, a prescrição do procedimento criminal ocorre quando passar o prazo de (10) dez anos.

141. Na hipótese vertente, inexiste qualquer causa de suspensão.

142. Logo, em 5 de Junho de 2020, data em que se encontravam volvidos 10 anos sobre o início da contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, extinguiu-se este procedimento.

143. Ao assim não decidir, o Douto Acórdão violou os sobreditos incisos constitucional e legais,

144. Por outro lado, a factualidade em causa – com o recorte que lhe é emprestado pelo Acórdão recorrido – é subsumível ao tipo de crime previsto e punível pelo artigo 373º, 1 do CP (na versão da Lei 108/2001).

145. E já não ao artigo 372º, 1 (ou 373º, 1, como errando na aplicação da lei no tempo, o Douto Acórdão recorrido preconiza), violando assim, ambas as normas.

146. Na verdade, para emergir como intocável a solução defendida no Acórdão em recurso decisivo seria necessário que o recorrente (i.é, o “funcionário”), por força da vantagem recebida, usasse o respectivo conteúdo funcional que a lei lhe atribui promovendo interesses particulares e já não o interesse público.

147. De facto, adquire paradigmática importância repristinar o raciocínio expendido almejando o estabelecimento da fronteira entre os crimes de corrupção passiva própria e imprópria.

148. Nessa confluência, importará relembrar, salientando, que verdadeiramente relevante é a forma como o funcionário mercadeja com o cargo.

149. Na corrupção para acto ilícito, o preenchimento do tipo exige um certo grau de prova do acto concreto em que se traduz o mercadejar com o cargo. De facto, a corrupção passiva continua a exigir que a solicitação ou aceitação da vantagem seja “para um qualquer acto ou omissão”, contrários aos deveres do cargo (corrupção própria) ou não contrários aos deveres do cargo (corrupção imprópria).

150. Na verdade, se a eliminação da expressão “como contrapartida” traduz a desnecessidade da existência de um verdadeiro sinalagma, não afasta a necessidade de que se demonstre de que o pedido ou aceitação da vantagem emergem “para um qualquer acto ou omissão”.

151. Assim, a prova do acto ou omissão alvo de tráfico é fundamental para que se opere a subsunção no tipo do n.º 1 do artigo 372º ou no tipo do n.º 1 do artigo 373º.

152. Com efeito, sem se concretizar a tipologia da acção – ou inacção – em causa não será possível aferir da conformidade (ou falta dela) com os deveres do cargo.

153. Por isso a indemonstração do acto ou omissão que foram mercadejados torna dispensável a indagação sobre a hipotética desconformidade com os deveres do cargo, já que excluída está a possibilidade de subsunção da conduta aos tipos da corrupção passiva para acto ilícito ou para acto lícito, sobrando, apenas, a possibilidade de aplicar a norma do n.º 2 do artigo 373.º.

154. Com efeito, para o preenchimento do tipo de corrupção passiva (para acto ilícito e ou lícito), é imprescindível o nexo entre vantagem e o acto ou omissão do funcionário para assim caracterizar a interdependência entre as duas prestações e o próprio conteúdo do acto ou omissão. É, pois, o conteúdo do acto que se erigirá como charneira entre os tipos de crime referenciados.

155. A subsunção ao n.º 1 do artigo 372.º ou ao n.º 1 do artigo 373.º dependerá da resposta à questão de saber se essa concreta atuação do agente foi contrária aos deveres do seu cargo ou se, pelo contrário, não colidiu com os preditos deveres.

156. Ou seja, e em síntese conclusiva, para que se possa falar de corrupção para ato ilícito terá de se verificar a receção ilegítima de uma qualquer vantagem – patrimonial ou não – e que intercorra entre ela e o ato concreto ilícito uma qualquer relação de imbricação vinculativa.

157. Assim, desde logo, segmento essencial da verificação do crime em causa é a prática de um concreto ato ilícito.

158. Ora, vinque-se salientando, é essa ausência que ressalta absolutamente incontornável do Acórdão examinado:

159. Não existe qualquer referência a concreto(s) acto(s) ilícito(s) alegadamente perpetrado(s) pelo recorrente que inexistiu.

160. Com efeito, o recorrente realizou, de acordo com Lei, as diligências de que estava incumbido, relatando e documentando as “anomalias” que detectou,

161. Vendo o seu trabalho caucionado pelo superior hierárquico e comunicado às instâncias formais de controlo penal!

162. E a alusão a um tal ou qual “clima de permeabilidade” que o levaria a beneficiar o coarguido não passa de referência genérica, destituída de lastro factual que a densifique e lhe confira a necessária espessura.

163. Ou seja, a factualidade em causa é insuscetível de traduzir a prática do crime de corrupção própria ou passiva para acto ilícito, apenas preenchendo o tipo da corrupção passiva imprópria (para acto lícito) que, atenta a punição aplicável, face às referidas regras de aplicação das leis no tempo, está prescrito.

164. De facto, a existir qualquer delito – o que só se admite por hipótese de raciocínio – seria aquele p. p. pelo artigo 373/1 do CP na mesma versão – punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

165. Assim, o respetivo prazo de prescrição do seria de cinco anos – cfr. 118,1, al. c) do CP.

166. Sendo apodítica a extinção do procedimento por prescrição.

167. De facto, esta corre desde a data da prática do facto (119/1) e ocorrendo a suposta promessa/aceitação até 5 de Junho de 2010, é patente que o prazo se perfectibilizou em 5 de Junho de 2015,

168. Dado que até aí não tinha ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição.

169. A decisão recorrida viola o disposto nos arts. 127.º, 344.º do CPP, 92.º, n.º 5 do EOA, art.118.º, n.º 1, alínea c), 372.º e 373.º, n.º 1 do CP na versão da lei 59/2007 de 4 de setembro, art.32., n.º 2 e 3 da CRP.

170. Nos presentes autos, foi ainda admitido o recurso interlocutório com a referência 5299176, pelo que, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 5 do CPP, declara que mantém interesse na apreciação do referido recurso interposto.

O recorrente requer, ao abrigo do disposto nos arts.411.º, n.º 5 do CPP a realização de audiência para discussão dos pontos C.3 (não concordância com a motivação do Tribunal), C.4 (apreciação da matéria de facto) e D (impugnação da matéria de direito) da motivação de recurso.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado provido, com a revogação do Acórdão recorrido, devendo extrair-se os corolários das conclusões apresentadas, com a absolvição do recorrente do crime por que foi condenado ou a declaração de prescrição do procedimento criminal.»

           8. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu a este recurso, extraindo as seguintes conclusões (transcrição):
           «1ª – As suspeições que o recorrente levanta acerca da imparcialidade da Srª Juiz Presidente do Tribunal e do Srº Juiz adjunto Dr. DD, são abusivas e merecedoras de clara reprovação.
2ª- Não ocorre prescrição do procedimento criminal do arguido.
3ª- A factualidade dada como provada integra o crime de corrupção para ato ilícito pelo qual o arguido recorrente foi condenado e nunca o crime de corrupção para ato licito, como pretende.
4ª- A apreciação da prova efetuada pelo Tribunal recorrido obedeceu aos critérios legais, não existindo quaisquer razões para a sua alteração.
5ª- Aliás, a versão dos factos que o arguido recorrente pretende ver acolhida é manifestamente implausível, tal como o Tribunal recorrido bem demonstra na fundamentação do douto acórdão.
6ª- Em suma, deve manter-se o douto acórdão recorrido.
7ª- Nos termos e com as razões expostas em II A), parte final, o MP desde já consigna que mantém o interesse na apreciação da resposta apresentada em 3/3/2024, ao recurso interlocutório interposto pelo arguido recorrente em 11/5/2022, face às disposições conjugadas dos artigos 412, nº5 e 413, nº4 ambas do CPP.»

            9. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, tendo sido requerida a realização de audiência, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 416º do Código de Processo Penal, não se pronunciou.
          
           10. Neste Tribunal da Relação, efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se audiência (conforme havia sido requerido pelo arguido/recorrente), nos termos conjugados dos artigos 411º, nº5 e 423º, ambos do Código de Processo Penal, cumprindo, pois, conhecer e decidir.

            II – Questão prévia.
           O Recorrente, em sede de motivação do recurso do acórdão prolatado nos autos fez constar aquilo que designou de “Nota prévia essencial com as preocupações que o Recorrente não pode deixar de expressar e que constituem matéria de relevo para o suporte do presente recurso”, afirmando que (transcrição):
           “No primeiro dia de julgamento, que teve lugar em 4 de abril de2022, foram-se avolumando uma série de intervenções, comentários e a prática de outros atos, os quais denotaram claramente que os Srs. Juízes visados, revelaram, de forma fundada, a suspeita quanto à sua imparcialidade.
Assim, foi arguida a recusa da Sr.ª Juiz Presidente, Dr.ª CC, e do Sr. Juiz Adjunto, Dr. DD, ao abrigo do disposto no artigo 43º do Código de Processo Penal.
De facto, começaram por permitir que o arguido AA expusesse, sem qualquer restrição ou limite, a versão que julgou por bem desenvolver, não só quanto à matéria dos presentes autos, mas também para criticar a decisão proferida no Tribunal de ... e que o condenou por crime de fraude fiscal.
Por outro lado e em contrapartida, o Recorrente era constantemente interrompido e descredibilizado, manifestando os Srs. Juízes em questão terem assumido desde o início do julgamento uma decisão prévia da sua condenação, o que se veio a comprovar ser verdade, como é patente ao longo da leitura deste acórdão, daí, também, o presente recurso.
Para evidenciar o que se deixou exposto, procedeu-se à audição integral daquela primeira sessão, onde na maioria dos diálogos é manifesto um tratamento completamente desigual daquele que foi dado ao coarguido AA, e que em vários momentos foi ao ponto de ser achincalhante e ofensivo da pessoa do Recorrente.
Esta situação foi absolutamente intolerável e revelou uma intencionalidade evidente, apesar do Tribunal da Relação não ter dado provimento ao pedido de recusa.”
           Em sede de conclusões, concretamente, nas conclusões 17. e 18., o Recorrente afirma: “17.           Desde logo, releva comentar que logo na primeira sessão da audiência de julgamento, foi notória a imparcialidade por parte dos Senhores Juízes do coletivo (Dra. CC e Dr. DD) que exteriorizaram uma clara preferência pelo coarguido AA, em prejuízo do ora recorrente que foi por diversas vezes interrompido, descredibilizado e impedido de exercer convenientemente a sua defesa. 18. Tal discriminação acaba por ser confirmada na própria motivação do Tribunal, designadamente, na valoração que atribui às declarações de cada um dos arguidos e que vai manifestamente contra as regras da logica e da experiência comum.”
           A tal propósito cabe somente referir que os recursos não devem servir para “desabafos”, para mais quando suscetíveis de encerrarem jaez ofensivo para um órgão jurisdicional, devendo antes ater-se à alegação das razões da discordância face à decisão recorrida, e sempre fundamentadas aquelas, de facto e de direito, como impõe o disposto no art. 412º do Código de Processo Penal.
No caso, constata-se que as sobreditas alegações produzidas pelo Recorrente são inidóneas e inconsequentes para o desiderato visado pelo douto recurso, porquanto, para além se mostrarem descarnadas dos respetivos fundamentos fácticos e de direito, nenhuma consequência jurídica se peticiona seja extraída do invocado, tanto mais que, em momento próprio foi suscitado o incidente de recusa de Juiz, o qual foi julgado improcedente pelo Tribunal da Relação.             
Assim sendo, cumpre concluir que se entende excluído do âmbito objetivo do recurso, das questões a resolver, o contido nas sobreditas conclusões.

           II. FUNDAMENTAÇÃO

            1. Delimitação do objeto dos recursos.

            Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal[2], e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior.

            Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

            A) Recurso interlocutório interposto pelo arguido dos despachos datados de 22-04-2022 [referência 90413844] e de 03-05-2022 [referência90511628].

            1ª - Nulidade insanável dos despachos datados de 03-05-2022 e de 22-04-2022 nos termos do disposto no artigo 119º alínea e) do Código de Processo Penal, por violação das regras de competência do tribunal [conclusões 1. a 13.].

            2ª – Nulidade da documentação da sessão da audiência de julgamento ocorrida em 04-04-2022, por impercetibilidade da respetiva gravação correspondente a omissão de documentação [conclusões 14. a 17.]

           

            B) Recurso do acórdão, interposto pelo arguido.

            - Erro de julgamento, devendo os factos descritos nos pontos 10. a 26. dos factos provados integrar o elenco dos factos não provados [conclusões 19. a 118.].

            - Errada qualificação jurídica dos factos [conclusões 119. a 125. e 144. a 163.]

            - Prescrição do procedimento criminal [conclusões 126. a 143. e 164. a 168.].

            2. Apreciação.
          A) - Recurso intercalar [referência 5299176]. 
          1. Sequência processual relevante.
          - A primeira sessão da audiência de julgamento teve lugar em 04-04-2022 [referência90345295], tendo sido ouvidos em declarações os arguidos AA e BB, declarações que, conforme documenta a respetiva ata, ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, das 10:13:30 horas às 11:21:14 horas (arguido AA) e das 11:21:18 horas às 12:43:10 horas (arguido BB)
        - Datado de 07-04-2022 [referência5243098], o Arguido BB, dirigiu aos autos requerimento com o seguinte teor (transcrição):
“Ouvida a prova produzida na audiência de julgamento, que teve lugar no passado dia 04/04/2022, verifica-se que não reproduz integralmente o que aconteceu na mesma. Com efeito,
• A gravação contém vários hiatos impercetíveis, que não permitem a compreensão das palavras que são proferidas.
• Por outro lado, existe um ruido de fundo, que por mais repetida que seja feita a audição, dificulta o entendimento do que efetivamente foi dito em audiência.
• Por fim, durante a audiência houve várias trocas de impressões por parte do Tribunal, designadamente entre um dos Meritíssimos Juízes e a Senhora Presidente do Coletivo que não constam sequer na gravação.
Nesta conformidade, vem nos termos do disposto no artigo 155.º, n.º4 do CPC, ex vi artigo 3.º do Código do Processo Penal, arguir a nulidade da gravação da audiência de julgamento.”
          - Datado de 22-04-2022 [referência 90413844], pela Mma. Juiz Presidente do Tribunal Coletivo, foi proferido despacho, julgando improcedente a arguida nulidade, despacho que se mostra transcrito supra.
           - Em 28-04-2022 [referência5273768], o Arguido BB, dirigiu aos autos requerimento com o seguinte teor (transcrição):
           “BB, arguido nos presentes autos, vem arguir a nulidade do despacho proferido pela Sr.ª Juiz Presidente, com a ref.ª 90413844, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. O presidente do Tribunal Coletivo tem as suas competências para atos próprios definidas na lei (a título de exemplo citam-se os artigos 311º, 312º, 313º, 314º, nº 3, 319º, nº 1, 321º, nº 1, 322º, 348º, e outras intervenções que se compreendem no âmbito da direção da audiência).
2. No entanto, compete àqueles que têm de apreciar a prova e julgar a causa, por competência própria, decidir sobre eventuais nulidades invocadas,a partir do momento em que o julgamento se inicia com a primeira sessão da audiência.
3. E, nomeadamente, compete ao Tribunal, in casu, ao Tribunal Coletivo, em conformidade com o disposto no artigo 327º, nº 1 do CPP, decidir sobre “questões incidentais sobrevindas no decurso da audiência”, como é, aliás, a questão suscitada pelo arguido quanto à nulidade da gravação da sessão do dia 04/04/2022. Pelo que,
4. O despacho proferido pela juiz-presidente do Tribunal Coletivo integra o âmbito da competência do Tribunal Coletivo e, por isso, deveria ter sido decidido por meio de deliberação.
5. Em função do supra exposto, o referido despacho é nulo [nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. e), do Código de Processo Penal], por violação de uma regra de competência, legalmente qualificada de nulidade insanável.
Nos termos expostos, deve declarar-se a nulidade do despacho proferido pela Sr.ª Presidente do Tribunal Coletivo, por violação de uma regra de competência, com as consequências estatuídas no artigo 122º, nº 1, do Código de Processo Penal: “As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar.”
          - Com data de 03-05-2022 [referência90511628], pela Mma. Juiz Presidente do Tribunal Coletivo, foi proferido despacho julgando improcedente a arguida nulidade, despacho que se mostra transcrito supra.

            O recurso que ora se aprecia vem interposto destes dois despachos.


          2. Cumpre, então, apreciar.
          2.1. – Do despacho datado de 03-05-2022 [referência90511628], a que se reportam as conclusões 1. a 10.
          Impõe-se uma prévia clarificação.
          O Recorrente pugna pela declaração de nulidade do despacho proferido pela Mma. Juiz Presidente do Tribunal Coletivo que apreciou o seu requerimento de arguição de nulidade da gravação da prova produzida numa sessão da audiência de julgamento, em virtude de terem sido violadas as regras de competência, tudo nos termos do disposto nos artigos 119º alínea e) e 122º do Código de Processo Penal.
          Tal nulidade foi tempestivamente arguida junto do Tribunal de primeira instância, que dela conheceu e é, agora, objeto de recurso.
          Se bem percebemos, resulta das conclusões 11. e 12. que o Recorrente pretende que em sede do presente recurso seja, também, apreciada a nulidade do despacho que, conheceu da arguição de nulidade por violação das regras de competência, uma vez que, afirma que, também neste segundo despacho foram violadas aquelas regras, já que a Mma. Juiz presidente não podia decidir singularmente sobre a sua própria competência.
          Ora, esta nulidade do segundo despacho mencionado não foi tempestivamente arguida junto do Tribunal de primeira instância, pelo que, não existem hoje dúvidas de que não pode ser objeto do presente recurso.
          Em suma, a questão na nulidade por violação das regras de competência será apreciada tendo por objeto a decisão prolatada em 22-04-2022 [referência 90413844], conhecida pelo Tribunal a quo no despacho datado de 03-05-2022 [referência90511628].
          Está em causa, como alegado pelo Recorrente, saber se, invocada a nulidade da gravação da audiência deveria ter sido decidida pelo Tribunal Coletivo e não pelo seu presidente, como foi.
          Na perspetiva do Recorrente, a decisão singular proferida viola as regras da competência, na medida em que a competência do Juiz Presidente do Tribunal Coletivo está definida nos artigos 311º, 312º, 313º, 314º nº3, 319º nº1, 321º nº1, 322º e 348º do Código de Processo penal, não contemplando os mencionados preceitos, a competência para apreciar nulidades invocadas na fase do julgamento, sendo competente para o efeito o Tribunal Coletivo, nos termos estabelecidos nos artigos 327º nº1, 14º e 340º do Código de Processo Penal.
          A Mma. Juiz decidiu julgar improcedente a mencionada arguição de nulidade, fundamentando a sua decisão, em síntese, no seguinte, dando por adquirido que a decisão em causa foi, efetivamente, singular e que foi proferida depois de declarada aberta a audiência de julgamento: a) as decisões proferidas nestas circunstâncias e no uso dos poderes de disciplina da audiência que cabem ao Juiz Presidente não cabem na competência do Tribunal Coletivo; b) o despacho em causa foi proferido no uso desses poderes, pois que se limita a verificar a qualidade da gravação da audiência relativamente a uma determinada sessão da mesma.
          Adiantamos, desde já, que se reconhece razão à Mma Juiz.
          Vejamos.
          Fundamental para aferir da competência do Presidente do Tribunal neste caso é atentar na natureza do despacho proferido pelo mesmo, pois só assim se poderá aferir se a decisão cabe nos poderes de direção que lhe estão atribuídos.
          Remetendo para a transcrição supra do mesmo despacho, resulta que, nele apenas se apreciou e decidiu o seguinte:
          - Perante a invocação por parte do Arguido de que a gravação da sessão da audiência ocorrida em 04-04-2022 era nula por conter hiatos impercetíveis, um ruído de fundo que dificulta a perceção do que é dito e não registou as trocas de impressões entre os membros do Tribunal Coletivo, fez consignar que ouviu a quase totalidade da gravação;
          - Fez consignar que existe efetivamente um ruído de fundo, mas que o mesmo não impede, de forma alguma, a perceção daquilo que é dito sendo a gravação das declarações prestadas pelos arguidos cristalinamente audível
          - Conclui que nenhum ato da sessão em causa ficou por documentar, sendo certo que, não existe qualquer imposição legal de gravação daquilo que é dito pelos membros do coletivo, sendo a arguição de nulidade carecida de fundamento;
          - Convida o Requerente a indicar os concretos pontos (minutos/segundos) da gravação que reputa de impercetíveis.
          Do exposto resulta claro que por via do despacho em causa a Juiz Presidente se limitou a proceder à verificação da qualidade da gravação e não detetando as deficiências apontadas pelo Requerente, ou quaisquer outras, afirma-o e considera, nessa medida, que a pretensão do requerente é destituída de fundamento.
          Em substância, a Mma. Juiz nem sequer aprecia se se está em presença da nulidade a que alude o artigo 364º nº 1 do Código de Processo Penal, a qual pressupõe que inexista gravação da audiência ou que a mesma seja de tal forma deficiente que se deva equiparar àquela, ou ainda, se as deficiências, embora parciais, põem em causa o direito ao recurso em matéria de facto.
          No despacho em causa apenas se informa que, ouvida a gravação, a mesma não apresenta qualquer deficiência, a não ser um ruído de fundo que não impede a compreensão do que é dito e, por isso, a alegação de que a gravação é deficiente é infundada.
          Ora, sedo assim, como é, o despacho em causa foi proferido no âmbito dos poderes de direção da audiência conferidos ao Juiz Presidente, nos termos previstos nos artigos 322º e 323º do Código de Processo Penal, que são do seguinte teor:
          Artigo 322.º
Disciplina da audiência e direcção dos trabalhos
1 - A disciplina da audiência e a direcção dos trabalhos competem ao presidente. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 85.º
2 - As decisões relativas à disciplina da audiência e à direcção dos trabalhos são tomadas sem formalidades, podem ser ditadas para a acta e precedidas de audição contraditória, se o presidente entender que isso não põe em causa a tempestividade e a eficácia das medidas a tomar.


Artigo 323.º
Poderes de disciplina e de direcção
Para disciplina e direcção dos trabalhos cabe ao presidente, sem prejuízo de outros poderes e deveres que por lei lhe forem atribuídos:
a) Proceder a interrogatórios, inquirições, exames e quaisquer outros actos de produção da prova, mesmo que com prejuízo da ordem legalmente fixada para eles, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade;
b) Ordenar, pelos meios adequados, a comparência de quaisquer pessoas e a reprodução de quaisquer declarações legalmente admissíveis, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade;
c) Ordenar a leitura de documentos, ou de autos de inquérito ou de instrução, nos casos em que aquela leitura seja legalmente admissível;
d) Receber os juramentos e os compromissos;
e) Tomar todas as medidas preventivas, disciplinares e coactivas, legalmente admissíveis, que se mostrarem necessárias ou adequadas a fazer cessar os actos de perturbação da audiência e a garantir a segurança de todos os participantes processuais;
f) Garantir o contraditório e impedir a formulação de perguntas legalmente inadmissíveis;
g) Dirigir e moderar a discussão, proibindo, em especial, todos os expedientes manifestamente impertinentes ou dilatórios.

          Assim, para além dos poderes descritos, o presidente, tem ainda outros “que por lei lhe forem atribuídos”, nomeadamente, e no que agora nos interessa os resultantes do disposto no artigo 364º e no artigo 101º do CPP, que é “correspondentemente aplicável”, nos termos do nº6 do primeiro.
          Ora, da conjugação dos dois preceitos resulta que, no caso da audiência, a documentação dos atos nela praticados (declarações orais, informações, os esclarecimentos, os requerimentos e as promoções, bem como as respetivas respostas, os despachos e as alegações orais) é obrigatória, sob pena de nulidade, cabendo à entidade que preside à mesma certificar-se da conformidade e qualidade da gravação, tal como lhe cabe, nos termos do artigo 101º, certificar-se da conformidade das transcrições e da redação da ata respetiva (artigo 100º do Código de processo penal, para o qual remete o artigo 101º do mesmo código).
           No despacho recorrido, a Juiz Presidente do Tribunal Coletivo limitou-se a verificar a qualidade da gravação, ouvindo-a e, nessa sequência, a certificar que a mesma, para além de um ruído de fundo que não impede a perceção do que é dito, não apresenta as deficiências apontadas pelo Requerente, pelo que, tal despacho foi proferido no âmbito dos poderes que lhe estão atribuídos por lei.
          Uma nota apenas para realçar que os arestos citados pelo Recorrente em abono da sua pretensão, não têm aplicação no caso dos autos.
          Com efeito, no caso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-09-2020[3]
decide-se pela nulidade de despacho proferido pelo Presidente do Coletivo por violação das regras de competência, mas o que estava em causa era um juízo de necessidade ou desnecessidade de produção de determinadas provas requeridas pelo Recorrente, o que, manifestamente, nada tem a ver com o caso dos autos.
          Também o acórdão do mesmo tribunal da Relação de 08-07-2015 decidiu, com os mesmos fundamentos, declarar nulos despachos proferidos pelo Juiz Presidente do coletivo nos quais se rejeitou um requerimento de prova feito ao abrigo do disposto no artigo 340º do Código de Processo Civil e se apreciou a arguição de nulidade do mesmo despacho. Como é bom de ver, também aqui está em causa uma situação que nada tem a ver com a dos autos.
          O despacho em causa nos autos não envolveu qualquer juízo sobre a prova a produzir, não entrando sequer na ponderação relativa a apurar se a gravação estava ferida de nulidade, pois que, o pressuposto da mesma (deficiente gravação ou ausência de gravação) pura e simplesmente, não se verificava.
          Assim, e sem necessidade de outras considerações, por inúteis, improcede o recurso nesta parte.          

2.1. – Do despacho datado de 22-04-2022 [referência90413844], a que se reportam as conclusões 14. a 17.
          O Recorrente considera que a gravação da sessão da audiência de julgamento que teve lugar em 04-04-2022 é impercetível o que configura omissão de gravação. Considera, também, que essa omissão tem influência no exame da decisão da causa, na medida em que impede o recurso sobre a impugnação da matéria de facto.
          Retira dessas premissas que ocorre nulidade nos termos do disposto nos artigos 120º nº1 e 121º do código de Processo Penal e violação dos preceitos constitucionais ínsitos nos artigos 20º nºs 4 e 5 e 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa.
          Embora não o tendo feito quando arguiu a nulidade perante o Tribunal a quo, agora indica as concretas passagens da gravação que são impercetíveis, a saber:
          - Da gravação das declarações prestadas pelo arguido AA, as passagens da gravação aos minutos 24:53:3 a 25:50:1; 26:17:6 a 26:32:1; 26:31:3 a 26:54:4; 49:23:8 a 50:21:6; 1:02:21:9 a 1:02:26:4.
           - Da gravação das declarações prestadas pelo arguido BB, as passagens da gravação aos minutos 0:00:23.5 a 00:00:46.3; 0:30:37.4 a 0:31:21.6; 0:41:49.6 a 0:41:57.0; 0:51:46.6 a 0:51:55.1; 0:52:09.7 a 0:52:12.7; 0:52:18.9 a 0:52:22.0; 0:59:56.8 a 1:00:05.1; 1:00:18.5 a 1:00:24.4; 1:00:26.0 a 1:00:35.2; 1:00:48.9 a 1:00:54.5; 1:06:06.7 a 1:06:31.4; 1:07:32.5 a 1:07:38.1.
          Ouvimos a gravação em causa e não podemos deixar de concordar com o despacho recorrido quando garante que a gravação não padece de quaisquer anomalias que comprometam a compreensão do que é dito, não se colocando, sequer qualquer questão de nulidade nos termos previstos no artigo 364º nº1 do Código de Processo Penal.
          Subscrevemos o teor da douta resposta do Ministério Público, para a qual remetemos, na parte em que, passo a passo, analisa os segmentos da gravação indicados pelo Recorrente como impercetíveis, afirmando que, ou não o são, ou se trata de hiatos da gravação em que nada está gravado porque nada é dito.
          Assim sendo, como é, não cabe sequer entrar na análise da questão da nulidade consagrada no artigo 364º nº1 do Código de Processo Penal, na sua redação atual (dada pela Lei nº94/2021 de 21-12).
          É que, não ocorrendo qualquer deficiência da gravação, não se coloca sequer a questão da nulidade ali prevista, a qual pressupõe que a gravação seja, pelo menos, deficiente.
          Conforme se afirma no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº13/2014[4] que se debruça sobre o prazo e forma de arguição da nulidade em causa (antes da redação atual do artigo 364º do CPP):
 “Tem-se entendido que à omissão da documentação em acta das declarações oralmente prestadas em audiência deve ser equiparada a documentação de tal forma deficiente que impeça a captação do sentido das declarações gravadas, pois, em tal caso, é como se não tivesse havido registo do depoimento. É deficiente a documentação que não permita ou impossibilite a captação do sentido das palavras dos declarantes. Deve, pois, considerar-se que também constitui a nulidade prevista no artigo 363.º uma documentação que não satisfaça a finalidade visada pela norma que é, justamente, a de permitir impugnar perante um tribunal superior a decisão proferida sobre matéria de facto.
[nota de rodapé nº12] – Diferente será a situação em que se verificam deficiências menores, que não inviabilizam a percepção do significado das declarações contidas no depoimento gravado, caso em que não há verdadeiramente omissão de documentação mas apenas uma documentação deficiente que, por não comprometer a captação do sentido essencial desse depoimento, constitui uma mera irregularidade, como se sustentou no acórdão deste Tribunal, de 23/11/2011 (processo n.º 161/09....).”
Ora, como é bom de ver, não apresentando a gravação nenhuma destas deficiências, pois que o ruído de fundo não impede a perceção, nem sequer se colocaria a questão da irregularidade e muito menos a invocada nulidade por omissão de gravação.
Finalmente, é um facto que os comentários que os elementos que compõem o Tribunal Coletivo trocaram entre si na sessão em causa não constam da gravação. Porém, não existe qualquer obrigatoriedade do seu registo, em face do teor do artigo 364º do Código de Processo Penal - que apenas prevê como obrigatória, sob pena de nulidade, a gravação de declarações prestadas oralmente em audiência, as informações, os esclarecimentos, os requerimentos e as promoções, bem como as respetivas respostas, os despachos e as alegações orais
 Pelo que, carece de qualquer sentido a pretensão recursória nesta parte.
Atento o exposto, por manifestamente infundado, improcede o recurso, também nesta parte.

            Assim, os despachos recorridos não violam qualquer disposição legal, nomeadamente o previsto nos artigos 364.º, 327.º, n.º 1, 340.º, 119.º e 122.º do Código de Processo Penal; no artigo 135.º da LOSJ e nos artigos 20.º, n.º 4 e 5 e 32.º da Constituição da República Portuguesa, confirmando-se os mesmos, não ocorrendo, também, qualquer nulidade por violação das regras de competência.


          B) - Recurso do acórdão

II – Questão prévia.

Compulsado o texto do acórdão recorrido – concretamente os pontos 57., 58. e 59. dos factos provados - logo se percebe a existência de manifesto lapso de escrita.

Os pontos em caus são do seguinte teor:

57. O arguido AA foi condenado:

 nos autos com o n.º 72/11...., por acórdão de 25/02/2016 transitado em julgado em 19/12/2016, pela prática, em 01/01/2008, de 2 crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art. 103.º e 104.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal, na pena única de 4 anos de prisão;

 nos autos com o n.º ...61/2019 que correu termos em Espanha, por decisão de 11/02/2020, pela prática em 17/05/2016 do crime de violação de proibições, na pena de 6 meses de prisão;

 nos autos com o n.º AP...20 que correu termos em Espanha, por decisão de 11/03/2020 transitada em julgado em 28/10/2020, pela prática, em 02/05/2016, de um crime de homicídio qualificado, na pena de 11 anos e 4 meses de prisão e na pena acessória de 18 anos de proibição de contacto com a vítima;

 nos autos com o n.º 1994/16...., por sentença de 21/12/2020 transitada em julgado em 19/04/2021, pela prática, em Maio de 2016, do crime de coacção na forma tentada, p. e p. pelo art. 22.º, 23.º e 154.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, num total de € 770,00;

58. O arguido BB não tem antecedentes criminais registados.

59. Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais registados.

Com efeito, o ponto 59. contém afirmação que é manifesta e frontalmente, desmentida pelo teor do ponto 57.

O que resulta claro dos autos e do teor dos pontos 57. e 58. é que, o arguido AA tem antecedentes criminais, encontrando-se preso em cumprimento de pena e que o arguido BB não tem antecedentes criminais.

A inclusão na matéria de facto provada do ponto 59. (com a afirmação de que nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais) é certamente, um lapso decorrente do processador de texto.

O lapso de escrita em causa é suscetível de correção nos termos do disposto no artigo 380º do Código de Processo Penal.

Com efeito, estabelece o preceito em causa que:

“1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando:

a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;

b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º”

            Portanto, o legislador, por considerar não estarem em causa elementos essenciais da decisão, atribuiu ao Tribunal de recurso (nº2) a possibilidade de proceder à correção da sentença, quando estejam em causa omissões relativas aos requisitos da mesma descritos no artigo 374º (com exclusão das omissões que, nos termos do artigo 379º configuram nulidades da mesma) e bem assim, a correção de lapsos de escrita cuja eliminação não importe modificação essencial. 

            Assim, está este Tribunal de recurso legitimado a proceder à correção que se impõe, corrigindo o lapso manifesto de escrita nos termos assinalados.

            Atento tudo o exposto, e nos termos do disposto no artigo 380º do Código de Processo Penal, corrige-se esse lapso eliminando da matéria de facto provada o ponto 59.

            1. Da decisão recorrida.

            O acórdão proferido pelo Tribunal a quo é do seguinte teor (transcrição apenas da fundamentação de facto e da respetiva qualificação jurídica, atento o teor das conclusões):

«A matéria de facto provada é a seguinte:
1. A sociedade comercial B..., Lda., NIPC ...60, foi constituída em 23 de Julho de 1999, com sede na Avenida ..., ..., e tinha como objecto social o comércio, instalação e manutenção de materiais isotérmicos, isolamentos técnicos e construção civil.
2. Esta sociedade encontra-se dissolvida, tendo o encerramento da liquidação sido registado a 7 de Setembro de 2011.
3. O arguido AA, para além de outra – A..., Lda., com sede no mesmo local e também já dissolvida - foi sócio gerente da mencionada sociedade desde a respectiva constituição até à dissolução.
4. O arguido BB era, à data dos factos, inspector tributário de profissão exercendo, há vários anos, funções na Direcção de Finanças de ..., Serviços de Inspecção Tributária, tendo, em Julho de 2011, a categoria de Inspector Tributário Assessor, com o n.º ...42.
5. Conforme decorre do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, que aprova o Regulamento da Inspecção Tributária, o procedimento de inspecção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias, compreendendo, para além de outras definidas legalmente, as seguintes actuações da administração tributária:
- A confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários;
- A indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários;
- A inventariação e avaliação de bens, móveis ou imóveis, para fins de controlo do cumprimento das obrigações tributárias;
- A prestação de informações oficiais, em matéria de facto, nos processos de reclamação e impugnação judicial dos atos tributários ou de recurso contencioso de atos administrativos em questões tributárias;
- O esclarecimento e a orientação dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários sobre o cumprimento dos seus deveres perante a administração tributária;
- A promoção, nos termos da lei, do sancionamento das infracções tributárias;
6. No âmbito do PA 368/2009, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), foram solicitadas, em 06/04/2010, diversas informações relativas ao período/exercício de 2008, à Direcção de Finanças de ... acerca dos sujeitos passivos B..., Lda. A..., Lda. e FF, esta funcionária das sociedades e, por inerência, do arguido AA.
7. Na sequência de informação elaborada em resposta à solicitação do DCIAP, foi instaurado o processo com o número 72/11.... (ao qual se encontra apensado o processo n.º 2023/13....), no âmbito do qual AA foi condenado, por decisão transitada em julgado, pela prática de dois crimes de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previstos e punidos pelos artigos 103º e 104º, n.º 2 do RGIT, com referência ao artigo 30º, n.º 2 e 79º do Código Penal, na pena única de 4 anos de prisão efectiva.
8. Tendo ainda havido lugar à investigação de crimes de branqueamento, no inquérito n.º 916/14...., que correu termos no DIAP Regional, tendo sido deduzida acusação contra 34 arguidos, entre os quais o aqui arguido AA e FF, pela prática de crimes de branqueamento, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26º e 368.º-A, n.º 1, 2 e 3, ambos do Código Penal.
9. Conforme decorre da sua natureza, o procedimento de inspecção tributária implica, para além do mais, deslocações às sedes dos sujeitos passivos e análise de documentação, tal como facturação e movimentos financeiros, pelo que, no âmbito da acção inspectiva movida à B..., Lda. bem como à A..., Lda., o arguido BB, por diversas vezes e com início em data não concretamente apurada, mas situada entre 24/05/2010 e Agosto de 2010, compareceu junto da sede das aludidas sociedades, falando com o arguido AA por diversas ocasiões, por forma a poder elaborar informação a remeter ao DCIAP.
10. Nesse âmbito, o arguido BB e o arguido AA travaram conhecimento, tendo o arguido BB feito alusão aos problemas que poderiam decorrer da acção inspectiva, face ao que já tinha verificado acerca do funcionamento das sociedades e transferências de valores destas para contas pessoais de AA.
11. Passando a conversar igualmente sobre outros assuntos, não estritamente ligados à inspecção que decorria, tendo o arguido BB, em data não concretamente apurada, mas anterior a 6 de Agosto de 2010, mencionado ao arguido AA, ser proprietário de uma autocaravana, em casa dos seus pais, sita na Rua ..., ..., ..., ..., ..., comunicando ter aí intenção de construir uma cobertura em estrutura metálica, para a qual necessitaria de painéis sandwich, material no qual a B..., Lda. trabalhava e se havia especializado.
12. Entregando aí, para o efeito, o arguido BB ao arguido AA um desenho/esboço, efectuado por si, no qual era possível ver medidas e especificações da parte traseira da casa dos pais em ..., onde pretenderia construir a estrutura metálica e apor os painéis sandwich. (cfr. fls. 79)
13. Apercebendo-se que poderia auferir vantagem patrimonial pessoal no âmbito das suas funções de inspector tributário, o arguido BB elaborou, em data não concretamente apurada, mas anterior a 6 de Agosto de 2010, um plano que passaria por propor ao arguido AA que lhe oferecesse os painéis sandwich que necessitava para a aludida cobertura que pretendia construir, sendo que, em troca, diria a este que poderia prestar informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar por ocasião da acção de inspecção tributária, dessa forma minimizando, em termos de consequências legais, as infracções verificadas, faltando à verdade daquilo que havia apurado.
14. Informando AA ao arguido BB que os pretendidos painéis sandwich tinham um valor a rondar os 5.000€.
15. Simultaneamente, AA, sabendo das implicações que a inspecção tributária em curso poderia trazer para a sua vida pessoal e profissional, na medida em que existiam inúmeras ilegalidades, por volta da data referida, elaborou igualmente um plano que passava por oferecer os painéis sandwich que o inspector tributário BB necessitava para a aludida construção da cobertura, no valor de cerca de 5.000€, para, dessa forma, conseguir que BB prestasse informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar por ocasião da acção de inspecção tributária, dessa forma minimizando, em termos de consequências legais, as infracções verificadas, faltando à verdade.
16. Assim, em data não concretamente apurada, mas anterior a 6 de Agosto de 2010, o arguido BB abordou o arguido AA, propondo que, em troca da oferta dos painéis sandwich que necessitava para a aludida cobertura que pretendia construir, prestaria informações mais favoráveis relativas às sociedades de AA na informação técnica a elaborar por ocasião da acção de inspecção tributária que estava a realizar, dessa forma minimizando, em termos de consequências legais, as infracções verificadas e que sabia estarem em causa, faltando à verdade daquilo que se havia e poderia apurar nesse âmbito.
17. Na medida em que tal proposta ia ao encontro do seu plano, após o ter comunicado a BB, AA e BB acordaram que os painéis sandwich seriam oferecidos por aquele e, em troca, BB disponibilizava-se a ajudar AA, prestando as aludidas informações no circunstancialismo descrito.
18. Uma vez assente e aceite por ambos o acordo conjunto e a quantidade de painéis sandwich que o arguido BB necessitaria, o arguido AA efectuou, em data não concretamente apurada, mas anterior a 6 de Agosto de 2010, a encomenda/pedido à sociedade D..., com sede social no ..., Parcela ..., ...20 ..., ..., Espanha, sociedade com quem mantinha relações negociais há muito, do seguinte material, descrição, quantidades e unidades:.


19. Vindo a factura n.º ...87 a ser emitida pela sociedade D... à cliente B..., Lda., com data de 9 de Agosto de 2010, no valor total de 4.338,08€.
20. E tendo AA emitido, para pagamento dessa factura à D..., o cheque n.º ...07, sacado sobre a conta bancária ...20 (Banco 1...) da B..., Lda. e da qual era sócio gerente, no valor global de 4.338,08€, emitido em ..., a 20 de Setembro de 2010. (cfr. fls. 76 e conta corrente de fls. 182)
21. Na sequência da encomenda efectuada, a sociedade D... contratou o transporte à E... S.L. com sede na Rua ..., ... ..., a qual, por sua vez, contratou a sociedade F..., constando do documento de saída da mercadoria 4.412/A, a morada de entrega - Rua ..., ..., ... ..., Portugal - o n.º de telemóvel ...71, pertencente ao arguido BB, e ainda a  assinatura de recebimento da mercadoria por JJ, BI/CC n.º ...39, à data, mulher do arguido BB.
22. Tendo a mercadoria sido entregue no dia 6 de Agosto de 2010, na residência propriedade do arguido, mas onde vivia o seu pai, sita na Rua ..., ..., ..., ..., a mercadoria que o arguido BB fez sua, conforme acordado previamente entre os arguidos.
23. Não obstante, algum tempo depois da entrega da aludida mercadoria, o arguido BB abordou o arguido AA, solicitando-lhe a entrega de 5.000€, para assim acalmar a sua situação processual e o andamento da inspecção tributária, valor que AA aceitou entregar para esse efeito.
24. Assim, em data não concretamente apurada, mas ainda no ano de 2010, AA combinou encontrar-se com o arguido BB junto à Praça ... I, em ..., efectuando-lhe aí a entrega, em dinheiro, do valor de 5.000€, conforme solicitado e aceite por ambos, quantia que o arguido BB fez sua.
25. Mais tarde, mas ainda no mesmo ano de 2010, o arguido BB abordou novamente o arguido AA, e, fazendo alusão à gravidade da sua situação processual, solicitou a entrega de mais 5.000€, para efeitos semelhantes aos que fizera alusão anteriormente, pagamento que acabou por ser negado por parte de AA.
26. No dia 4 de Novembro de 2020, o arguido BB detinha:
§ Na sua residência, sita na Rua ... ..., ..., no seu quarto, no interior da gaveta do meio da mesinha de cabeceira do lado onde dorme, os seguintes documentos:
- duplicado da "Guia de Transporte n' ...28", da empresa espanhola D..., com a data de 6 de Agosto de 2010, com o lugar de entrega em ... – Portugal;
- documento emitido pela empresa espanhola D..., “Albarán de salida” com o n.º de 4.412/A, datado de 6 de Agosto de 2010, expedido ao transportador G..., S.L, com a descrição da carga e o lugar de entrega em ..., Portugal"; (cfr. auto de busca e apreensão, com reportagem fotográfica de fls. 191 a 195)
§ No anexo da residência sita na Rua ..., ..., ... ..., ..., foi apurado que se encontrava parqueada uma autocaravana, da marca e modelo " ...”, com a matricula ..-CD-.., sendo que a cobertura do aludido anexo era composta por painéis sandwich em quantidade de 12 placas, com as dimensões de cerca de 1,02 metros de largura, por 3,50 metros de comprimento;
- No terreno do arguido BB, que confina com o referido anexo, encontravam-se um total de 2l painéis sandwich empilhados, com as dimensões de 1,02 metros de largura, por 10,90 metros de comprimento. (cfr. auto de busca e apreensão, com reportagem fotográfica de fls. 198 a 203)
27. O arguido BB, enquanto funcionário da Autoridade Tributária, Direcção de Finanças de ..., solicitou e recebeu, pactuando para o efeito com o arguido AA, a aludida mercadoria descrita, no valor global de 4.338,08€, bem como o valor de 5.000€ em dinheiro, como contrapartidas de promessas de menor diligência no apuramento dos factos no âmbito da acção inspectiva que efectuava às sociedades do arguido AA, predispondo-se a prestar informações que não corresponderiam à verdade e ao que realmente seria apurado naquela acção inspectiva, dessa maneira como que aligeirando e minimizando os factos apurados.
28. Tendo ainda solicitado a AA, para os mesmos efeitos, após a entrega da mercadoria e do valor de 5.000€ em dinheiro, uma outra quantia de 5.000€ em dinheiro, sendo que esta última solicitação não obteve anuência daquele.
29. Por sua vez, o arguido AA, ofereceu, pactuando para o efeito com o arguido BB, a aludida mercadoria descrita, no valor global de 4.338,08€, bem como o valor de 5.000€ em dinheiro, como contrapartidas para  que aquele funcionário levasse a cabo uma menor diligência no apuramento dos factos no âmbito da acção inspectiva que a Autoridade Tributária efectuava às suas sociedades, para que BB prestasse informações que não corresponderiam à verdade e ao que realmente era e seria apurado naquela acção inspectiva, dessa maneira como que aligeirando e minimizando os factos apurados e apurar e a gravidade da sua situação tributária.
30. Violações de obrigações a que estava sujeito enquanto funcionário da Autoridade Tributária, bem sabendo BB que os bens e valores referidos e que lhe foram entregues, oferecidos e solicitados não lhe eram devidos pelo exercício das suas funções, extrapolando as suas actuações funcionais e conseguindo esses bens e valores pela promessa das acções descritas, que contrariavam os seus deveres de funcionário e conteúdo funcional.
31. O arguido BB, ao actuar da forma descrita, abusou dos poderes que detinha por força do exercício das funções e violou os deveres inerentes a um funcionário, actuando com a intenção de obter benefícios patrimoniais indevidos, prometendo favorecer AA e as suas sociedades, bem sabendo que tal não estava compreendido nas suas funções enquanto funcionário da Autoridade Tributária nem os aludidos bens e valores seriam conseguidos por meios lícitos decorrentes do normal andamento de uma acção de inspecção tributária e usos legais e administrativos que ali vigoravam.
32. Sabendo ambos os arguidos que essas pretendidas actuações levavam a que fossem deturpadas as regras existentes para a normal tramitação processual de uma acção de inspecção tributária, dessa forma afectando o interesse público inerente a esse funcionamento legalmente estabelecido, permitindo que AA, pelas contrapartidas efectuadas ao funcionário BB, quisesse ver a sua situação administrativa e legal resolvida de forma que lhe fosse mais benéfica do que seria caso não tivessem lugar a solicitação, oferta e aceitação dos painéis sandwich, no valor de 4.338,08€, dos 5.000€ em dinheiro e ainda a solicitação de mais 5.000€ em dinheiro por parte desse funcionário.
33. Colocando assim em causa, de forma efectiva, a autoridade e credibilidade da administração pública, com a inerente afectação da chamada objectividade decisória ou autonomia intencional do Estado.
34. Tendo AA a noção perfeita e o objectivo de, com as contrapartidas e entregas em dinheiro e bens que efectuou a BB, criar um clima de permeabilidade e simpatia para que as conclusões da acção de inspecção tributária que estava a ser levada a cabo por aquele funcionário e pela Autoridade Tributária fossem indevidamente relatadas como menos graves do que a situação fiscal e legal sua e das suas sociedades realmente configurava.
35. Sabiam ainda ambos os arguidos que, ao servir-se, da forma descrita, do seu estatuto de inspector tributário assessor e colocando essa função ao serviço dos seus próprios interesses, através das promessas efectuadas, bem como os interesses do arguido AA e das suas sociedades B..., Lda. e A..., Lda., BB actuava em grave e evidente violação dos deveres que sobre si impendiam enquanto funcionário público, de actuação conforme à lei, prossecução do interesse público, isenção e imparcialidade, tratando todos os sujeitos passivos por igual.
36. Assim pretendendo prejudicar o interesse público, que não veria as acções inspectivas reflectirem fielmente as realidades encontradas, pretendendo privilegiar, com o acordo efectuado, AA e as suas sociedades, quebrando a confiança depositada na Autoridade Tributária e Direcção de Finanças de ..., afectando gravemente o prestígio e credibilidade da administração pública corporizada nessa mesma Autoridade Tributária.
37. Actuando os arguidos em todas as acções levadas a cabo e descritas, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente.

Da perda ampliada
38. BB foi constituído arguido nos autos a 5 de Junho de 2020 (cfr. fls. 37).
39. Durante os cinco anos anteriores à constituição como arguido, obteve rendimentos de trabalho e mobiliários, em montante global superior a de 190.719,26€.
40. O arguido não declarou, durante o referido período, outros rendimentos lícitos, não desempenhando, nos últimos 5 anos a contar da constituição como arguido, qualquer outra actividade profissional remunerada que não a decorrente das suas funções na AT.
41. O arguido, entre 5 de Junho de 2015 e Dezembro de 2020, possuiu um património composto por bens móveis, imóveis, depósitos bancários e produtos financeiros.
42. Figurando como titular ou autorizado nas seguintes contas bancárias:

Base de Dados de Contas
NIF/ NIPC: ...38
BB
Banco 2..., SA
NúmeroTipo...AberturaEncerramentoRelação
Banco 3...-...82Abertura de créditoCartão2014-10-032014-10-03Titular
 Banco 4...
 ...28Abertura de créditoCartão2007-04-182012-09-05Titular
 Banco 5..., SA
20/CDA /...44Depósito bancárioDepósito a prazo2001-12-272011-04-07Titular
20/CDA /...53Depósito bancárioDepósito a prazo2012-03-022016-02-10Titular
 ...05Depósito bancárioDepósito à ordem2001-12-262018-05-16Titular
 ...05Depósito bancárioDepósito à ordem2012-02-14 Titular
Banco 6..., SA
...67Abertura de créditoCartão2007-04-032012-12-31Titular
...70Abertura de créditoCartão2012-04-042012-05-31Titular
...63Abertura de créditoCartão2013-01-172014-10-31Titular
...38Abertura de créditoCartão2017-09-05 Titular
...26Abertura de créditoCartão2020-10-22 Titular
 ...01Instrumentos financeirosConta de instrumento financeiro2000-09-302012-12-26Titular
...61EUR00000Depósito bancárioDepósito a prazo2012-08-03 Titular
...20EUR00001Depósito bancárioDepósito a prazo2012-08-032015-08-03Titular
...20EUR00002Depósito bancárioDepósito a prazo2014-08-282017-08-28Titular
 ...01Instrumentos financeirosConta de instrumento financeiro2000-09-302012-12-26Titular
...54EUR00000Depósito bancárioDepósito a prazo2008-12-262012-08-03Autorizado
 ...85Abertura de créditoOutros2005-08-23 Titular
 ...01Instrumentos financeirosConta de instrumento financeiro2009-04-13 Titular
...27EUR00000Depósito bancárioDepósito a prazo2001-05-152012-01-17Autorizado
...61EUR00000Depósito bancárioDepósito a prazo2007-11-26 Autorizado
 ...29Depósito bancárioDepósito à ordem1988-01-012013-01-08Titular
 ...12Depósito bancárioDepósito à ordem2012-08-03 Titular
 ...38Depósito bancárioDepósito à ordem1988-01-012013-01-08Titular
 ...27Depósito bancárioDepósito à ordem1990-08-172016-08-15Autorizado
 ...09Depósito bancárioDepósito à ordem2001-08-282020-10-26Autorizado
 ...05Depósito bancárioDepósito à ordem1999-12-06 Titular
 ...30Depósito bancárioDepósito à ordem2001-04-102015-09-25Autorizado
 ...43Depósito bancárioDepósito à ordem2001-05-15 Autorizado
 ...46Depósito bancárioDepósito à ordem2006-08-09 Autorizado
 Banco 7...
 ...12Depósito bancárioDepósito à ordem2008-09-09 Autorizado
Banco 8..., S.A.
129675938SIC48026761571100Abertura de créditoCartão2008-08-12 Titular
 Banco 9...
...03Abertura de créditoCartão2018-07-22 Titular
                                 
43. Na conta com o IBAN  ...05 detida pelo arguido, foram verificados, entre as datas referidas de 5 de Junho de 2015 e Dezembro de 2020, os seguintes movimentos/entradas a crédito no valor total de 201.694,56€, resultantes de depósitos de cheques, valores em numerário e transferências, tal como especificados a fls. 183 a 186 do apenso de recuperação de activos, que aqui damos por reproduzido, nos seguintes termos, datas e valores:



Banco
N.º da conta bancária
Relação

VALORES DE CRÉDITOS A CONSIDERAR POR ANO (€)
2015
2016
2017
2018
2019
2020
TOTAL
Banco 6...
...00
Titular
19.699,31 €
31.736,64 €
32.300,99 €
34.789,91 €
48.653,36 €
34.514,35 €
201.694,56 €
TOTAL
19.699,31 €
31.736,64 €
32.300,99 €
34.789,91 €
48.653,36 €
34.514,35 €
201.694,56 €

Da contestação
44. Os actos de inspecção externos levados a cabo pelo arguido à B..., Lda., ao exercício de 2008, iniciaram-se em 24/05/2010 e terminaram em 11/04/2011.
45. Os atos de inspecção externos à B..., Lda., exercícios de 2009 e 2010, iniciaram-se em 03/04/2013 e terminaram em 29/07/2013.
46. Os atos de inspecção externos à A..., Lda., ao exercício de 2008, iniciaram-se em 24/05/2010 e terminaram em 11/04/2011.
47. Relativamente à sociedade B..., Lda., do trabalho desenvolvido o contestante apurou, elaborou relatórios e subscreveu os documentos seguintes:
§ Relatório de inspecção, relativamente ao exercício de 2008, no total de 24 páginas, acrescido de 36 anexos. Nesse relatório:
- identificam-se facturas que não correspondem a transacções efectivamente realizadas, falsas, no total de 2 584 127,39, sendo o montante de IVA em falta no valor de 528 155,09 e a correcção ao lucro tributável de IRC de 100 251,64.
- foi proposta a instauração de inquérito por crime fiscal – negócio simulado, tipificado no artigo 103º nº 1 al. c) do Regime Geral das Infracções Tributárias, doravante RGIT, tendo sido levantada o respectivo Auto de Notícia.
§ Informação para o DCIAP, datada de 07/07/2011.
48. Relativamente à sociedade A..., Lda., na sequência do trabalho desenvolvido o arguido elaborou relatório e subscreveu os documentos seguintes:
§ Relatório de inspecção, relativamente ao exercício de 2008, no total de 18 páginas, acrescido de 18 anexos, Nesse relatório:
- identificam-se facturas que não correspondem a transacções  efectivamente realizadas, falsas, no total de 449 449,62, sendo o montante de IVA em falta no valor de 89 889,62.
- foi proposta a penalidade de crime fiscal – negócio simulado, tipificado no artigo 103º nº 1 al. c) do RGIT, tendo sido levantado o respectivo Auto de Notícia.
§ Informação para o DCIAP, datada de 07/07/2011.
49. Os atos inspectivos externos à B..., Lda. e A..., Lda., ano de 2008, decorreram nas instalações do sujeito passivo e no gabinete do contabilista certificado, pois era aí que estavam as pastas com os documentos que serviram de base aos registos contabilísticos.
50. Durante as inspecções ao ano de 2008, às duas sociedades, o contestante foi acompanhado, por diversas vezes, pelo seu coordenador ao tempo, EE.
51. A denúncia contra o arguido BB foi efectuada por documento datado de 17/03/2020;
52. Todos os relatórios produzidos foram validados pelo coordenador de equipa e pelo Director de Finanças e o arguido BB foi indicado como testemunha.
53. Só próximo do fim de 2010, é que a sociedade H..., foi questionada e notificada para prestar esclarecimentos sobre as facturas e cheques que constavam da escrita da B..., Lda.,
54. Pelo menos desde 2002, o arguido emprestou ao irmão AA diversas quantias monetárias e figurou como avalista em empréstimos contraídos por aquele, chegando, no âmbito de execuções contra si instauradas nessa qualidade, a sofrer descontos no vencimento, pelo menos até Novembro de 2010;
55. A dívida de AA para com o irmão encontra-se saldada desde data não concretamente apurada
56. O valor total das entradas a crédito na conta do contestante  ...05, foi superior a € 201 694,56, englobando, além dos vencimentos, do resgate do CaixaGest e dos reembolsos de IRS, reembolsos da seguradora I..., referente a um aparelho de ar condicionado; transferências referentes a comparticipação de despesas de saúde; e reembolso de valores pagos à Seguradora, referente a viatura automóvel

Mais se provou que:
57. O arguido AA foi condenado:
§ nos autos com o n.º 72/11...., por acórdão de 25/02/2016 transitado em julgado em 19/12/2016, pela prática, em 01/01/2008, de 2 crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art. 103.º e 104.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal, na pena única de 4 anos de prisão;
§ nos autos com o n.º ...61/2019 que correu termos em Espanha, por decisão de 11/02/2020, pela prática em 17/05/2016 do crime de violação de proibições, na pena de 6 meses de prisão;
§ nos autos com o n.º AP...20 que correu termos em Espanha, por decisão de 11/03/2020 transitada em julgado em 28/10/2020, pela prática, em 02/05/2016, de um crime de homicídio qualificado, na pena de 11 anos e 4 meses de prisão e na pena acessória de 18 anos de proibição de contacto com a vítima;
§ nos autos com o n.º 1994/16...., por sentença de 21/12/2020 transitada em julgado em 19/04/2021, pela prática, em Maio de 2016, do crime de coacção na forma tentada, p. e p. pelo art. 22.º, 23.º e 154.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, num total de € 770,00;
58. O arguido BB não tem antecedentes criminais registados.
59. Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais registados.
60. O arguido BB cresceu em ..., no agregado familiar de origem, constituído pelos pais, ele agricultor por conta própria (falecido em 2012), e ela doméstica, (actualmente com 90 anos de idade e institucionalizada em estrutura residencial para idosos, em ..., ...) e um irmão mais novo (que reside e trabalha como motorista TIR, desde 2003, em ..., Espanha);
61. Iniciou a escolaridade em idade própria e aos 10 anos de idade, após concluir a 4ª classe do ensino primário, foi estudar para .... Nos primeiros dois anos manteve residência junto dos pais, deslocando-se diariamente de comboio para aquela cidade. Depois passou a ficar hospedado em ..., ali vindo a concluir o bacharelato em Contabilidade e Administração no Instituto Superior de Contabilidade e Administração (ISCA).
62. Logo entrou no mundo do trabalho começando por exercer funções de contínuo no ISCA de ..., actividade profissional que viria a interromper para dar início ao cumprimento do serviço militar obrigatório (SMO) tinha então 21 anos de idade, durante dezasseis meses, regressando depois novamente às funções de contínuo no ISCA de .... Mais tarde pede desvinculação da função pública e passa a trabalhar como contabilista no sector privado, em ..., passando por diferentes empresas até que, em 1986, na altura com 30 anos de idade, ele e a sua primeira mulher, que conhecera no ISCA de ... e com quem viria a contrair matrimónio aos 25 anos de idade, concorrem para os serviços de Finanças onde vêm a ser admitidos em 1987. Foram colocados em ... de onde transitam seis meses depois para .... Em Dezembro de 1988, já vinculados à função pública após realizarem provas de ingresso, vão trabalhar para ... onde permanecem até Maio de 1990, altura em transitam para os serviços de Finanças de ..., localidade onde o arguido trabalha e vive desde então.
63. O agregado familiar reside inicialmente num apartamento, arrendado e depois numa moradia que, entretanto, adquiriram. Em 1999, após dezoito anos de matrimónio, o arguido divorcia-se da sua primeira mulher, decorrendo o divórcio de forma amigável. Acordaram que a casa de morada de família ficasse para a ex-mulher que ficou com a guarda das duas filhas nascidas na pendência desta relação (actualmente com 39 e 30 anos de idade), com quem mantém uma excelente relação.
64. Em 2004 inicia nova relação com a sua segunda mulher, também ela na altura divorciada, assistente administrativa em ..., e casa pela segunda vez, e com quem ainda vivia aquando dos factos, integrando ainda o agregado familiar os filhos desta. O agregado familiar residia numa moradia, propriedade do arguido, situado em ..., localidade de onde é originário. A trabalhar em ..., o arguido, permanecia nesta cidade durante os dias de trabalho, num apartamento, T1, que adquiriu com recurso a crédito bancário em 2005, situado na morada onde reside actualmente, regressando ao fim-de-semana a ..., sem prejuízo de ali se deslocar durante os dias de trabalho. Na altura trabalhava como inspector tributário assessor nos serviços de Finanças, em .... Entretanto, em Setembro de 2021, foi afastado, temporariamente, do exercício das funções de inspector tributário, na sequência dos factos em causa nos presentes autos. Encontra-se desde então a exercer outro tipo de funções dentro daqueles serviços.
65. Em 2013 viria a divorciar-se de forma amigável da sua segunda mulher. Em 2017 inicia nova relação com KK, também ela divorciada, actualmente com 61 anos de idade e a exercer funções de técnica superior no IEFP, em ..., relação que mantém actualmente, repartindo a sua vivência entre os espaços habitacionais de cada um deles.
66. Os rendimentos provinham da actividade profissional que exercia nos serviços de Finanças de ... (cerca de € 51.000,00 anuais brutos). Para além dos relativos à satisfação de necessidades básicas, como sejam as de alimentação e vestuário, os encargos mensais fixos com maior peso no seu orçamento, surgem associados à prestação paga para amortização do empréstimo bancário contraído aquando da aquisição do apartamento onde reside, em ..., cujo valor mensal se acercará actualmente a €360,00 (trezentos e sessenta euros) e aos consumos de electricidade, água e comunicações, cujo valor médio mensal se aproximará a €140,00 (cento e quarenta euros).
67. O arguido encontra-se reformado/aposentado desde Novembro de 2022, auferindo uma pensão processada pela Caixa Geral de Aposentações no valor de € 3.214,62.
68. Resulta do relatório social que: “Quando confrontado com os factos de que se encontra acusado considera-os “pura fantasia”, negando que ao longo da sua já longa carreira de inspetor tributário alguma vez tenha atuado com o propósito de obter vantagem patrimonial, até porque, justifica, na sequência da avaliação por si realizada aos negócios do também arguido AA, este viria a ser condenado numa pena de 4 anos de prisão efetiva, não esperando, por isso, qualquer outra decisão nos presentes autos que não seja a da sua absolvição”..


*

Factos não provados:
a) Que os actos de inspecção externos à A..., Lda., exercícios de 2009 e 2010, iniciaram-se em 08/04/2013 e terminaram em 07/08/2013.
b) Que numa das conversas informais que teve com o AA, este desabafou com o contestante, falando-lhe num problema de um seu cliente lhe ter encomendado uns painéis e no momento em que já estavam prontos para entrega pretendeu desvincular-se do negócio, por ter alterado o projecto da obra.
c) Que o AA, para o cliente não ficar prejudicado ainda terá procurado, segundo lhe disse, comprador para os painéis, o que não conseguiu.
d) Que por essa altura, o contestante pretendia construir uma arrecadação e resolveu admitir que poderia adquirir os painéis ao referido cliente, de harmonia com o projecto que tinha para a sua obra e as medidas e quantidade dos painéis.
e) Que o arguido AA proporcionou o encontro entre ambos, que se realizou no café C..., junto ao fórum desta cidade.
f) Que na conversa que tiveram dias depois, o contestante verificou que os painéis tinham que ser cortados para os adaptar à sua obra. E, por outro lado, os painéis cobriam uma área superior à cobertura da arrecadação que o contestante pretendia construir.
g) Que perante o desinteresse que estas objecções criaram, o comprador dos painéis ofereceu- se para lhos vender por menor preço do que aquele pelo qual os havia adquirido.
h) Que nessas circunstâncias, o contestante acabou por aceitar o negócio, mediante o pagamento de € 3.000,00.
i) Que cerca de uma semana depois de receber os painéis, o AA e o seu cliente encontraram-se novamente no C... com o contestante, que pagou o preço acordado pelos painéis.
j) Que o arguido BB obteve, nos cinco anos em análise, uma vantagem patrimonial total no valor de 10.975,30€, sem justificação.


Nenhuns outros factos foram levados à matéria de facto provada ou não provada, por nenhuns outros se prenderem com o objecto do processo (designadamente os resultados das inspecções aos exercícios de 2009 e 2010, por não terem as mesmas decorrido no período a que se reportam os factos; os alegados na contestação relativamente às contas bancárias indicadas nos pontos 82 a 84, 85 b) a i) e 86 a 88 ou aos bens aludidos no ponto 108 da contestação, por não assumirem relevância no apuramento dos incrementos patrimoniais.

Motivação:

A convicção do tribunal assentou no conjunto da prova produzida nos autos, criticamente analisada à luz de regras de experiência e segundo juízos de normalidade.

Em audiência, prestaram declarações ambos os arguidos, afirmando:

- AA, que teve muita dificuldade em denunciar o co-arguido. Ele apresentou-se para uma inspecção, começou com a contabilidade, tendo os serviços dado todos os elementos pedidos. Passado algum tempo apresentou-se no escritório, quis contrastar facturas de compra e venda, começou a dizer que “era muito complicado uma inspecção de finanças, que compreendia que estivéssemos contra, que ele próprio tinha tido uma serralharia”. Perguntou se tinham materiais disponíveis, ao que respondeu que não tinha stock. Começou a dizer que tinha uma coisa para fazer, uma cobertura para uma autocaravana, que ele próprio gostava de fazer uns trabalhos manuais. Conversas que ocorreram no escritório da empresa. Num dos dias seguintes, volta a apresentar-se lá, a fazer mais perguntas, a contrastar mais documentos, trouxe um desenho, disse que seria para a zona dos pais dele, acrescentando: “Eu posso te ajudar, apanhas uma multita. É muito complicado tu teres uma inspecção.”

Afirmou que o co-arguido não disse sequer do que o declarante era acusado. O declarante perguntou se ele tinha ideia de que aquilo eram quase € 5000 de material, ele disse que era melhor que fizesse isto, que podia levar uma pequena multa; que “podem verificar as tuas contas bancárias e as da tua família, ou ficar por aqui”, pelo que o declarante começou a sentir-se ameaçado, a sentir muita raiva, porque não queria pôr em causa a credibilidade da empresa. Andou com aquilo para a frente, tomou notas no próprio desenho de pormenores de acabamento e entregou a documentação à FF que metia na linha de fábrica. Esclareceu que a conversa ocorreu só entre os dois, mas levantaram-se e foram ao gabinete da FF para processar o pedido para o sr. BB. Mais tarde disse à FF que ele tinha pedido esses materiais e que não era para facturar ao cliente (como costumava fazer, com uma pequena margem). Contou-lhe  que ele lhe estava a fazer.

Reiterou que se sentiu-se ameaçado (a si e à sua família, já que ele disse que “podia parar as contas bancárias da minha família”) e chantageado, porque ele disse que podia parar as suas empresas e as suas contas.

Sabia que estava a ser inspeccionado o ano de 2008, e o ano de 2009/2010 em seguida, mas só soube o que estava em causa poucos dias antes de ser acusado. Foi falar com o seu advogado, Dr. II e pôs-lhe o caso. Por conselho dele, foram falar com o Dr. LL (pensa que foi director de finanças), que lhe disse que “esse senhor já era useiro e vezeiro nesse tema, não se surpreendeu, mas que era muito difícil acusar um fiscal das finanças, porque teria toda a instituição à perna”. O próprio II não tinha muita vontade de entrar em guerras. Entretanto veio o relatório, o pior que podia haver. “O benefício foram 4 anos de prisão”.

Esclareceu que decorreram dois processos, um processo em Santo Tirso que era sobre facturas que passava a outras empresas. E outro processo de ... que era de facturas que poria na sua empresa. Em Santo Tirso foi absolvido, porque os seus clientes recebiam os seus materiais.

Descreveu que o co-arguido aparecia a horas impróprias, chegou a ir almoçar consigo ao “...”, fazia-se amigo, até se tornava incómodo, tinha conversas, e até houve uma vez que o foi levar a casa.

A dada altura, ele disse que tinha uma nova directora, uma D. GG, que estava a colocar muitas questões, que precisava de lhe pagar € 5000, para calar a boca. Encontrou-se com ele ao lado dos bombeiros municipais para lhe pagar. Entregou tal quantia em dinheiro, num envelope, não esteve com ele 2 minutos.

Adiantou que chegou a gravar conversas, mas quando foi preso, a ex-mulher levou os computadores todos e ficou sem essa prova.

Passado uns tempos apareceu na empresa com um senhor que disse que também era fiscal, com mais idade que ele. Voltaram a fazer as mesmas perguntas. Chateou-se porque apareciam sem avisar e disse-lhes que a partir daí, quando quisessem falar comigo, que fizessem um contacto oficial. Nesse dia escreveu uma carta registada às Finanças, a dizer que não entregava mais documentos, que se quisessem, que fizessem um contacto oficial (carta que mais adiante nas declarações confirmou tratar-se da constante a fls. 132 do anexo.

A dada altura pediu mais € 5.000, mas como na altura tinha prova suficiente (tinha as gravações e imaginava que tinha de haver prova documental da entrega por parte da empresa em Espanha), negou entregar-lhe mais dinheiro.

Entre primeiro contacto e a última vez que falaram, passaram uns meses largos, 2, 3 meses, se a entrega dos painéis ocorreu em Agosto, não passou desse ano.

Confirmou que o desenho de fls. 79 foi o desenho entregue por ele e os manuscritos estão com a sua letra (pormenores de acabamento) excepto o que está dentro de um quadrado. E pensa que os painéis teriam demorado cerca de um mês até serem entregues

A FF teria pedido a morada e telefone de contacto, porque acompanhava sempre a descarga. Disse não estar “de mal” com a FF, mas “ela seguramente não está feliz comigo, porque eu compliquei-lhe a vida, porque usava a conta dela e ela está acusada de branqueamento de capitais. E também não deve estar contente de vir declarar contra um fiscal das finanças”.

Quanto aos € 5000, disse que levantou do banco, porque levantava sempre muito dinheiro para pagamentos, que paga muita coisa a dinheiro, para eliminar seguros de crédito. € 5.000 não era demasiado dinheiro no movimento...

Relativamente ao documento de fls. 77 referiu que são 19 painéis ou seja, 18 metros e tal. Quando diz que eram cortados “ao milímetro” era só no comprimento, porque na largura era medida standard. Foi mandado vir tudo pela dimensão maior (normalmente já mandam vir um a mais). Na análise do desenho, contou como necessários 18 painéis, mas normalmente mandam um a mais.

Acrescentou ainda que a carta de fls 132 foi escrita exactamente no dia em que o co-arguido lhe pediu os segundos € 5.000,00.

- BB, que disse que em 2010 foi recebida carta da PGR, do DCIAP com denúncia de movimentações que tinha por base uma comunicação obrigatória do Millennium à unidade de informação financeira da P.J. de movimentações superiores ao estipulado por lei, pelo que o DCIAP oficiou a DF de ... para investigar esta situação.

Foram emitidas credenciais que lhe foram entregues, para investigar empresas B... e A... no ano de 2008 e a D. FF.

Começou a fazer a inspecção em Maio de 2010 (apenas para o exercício de 2008), enviou uma carta à empresa a avisar que iam ser inspeccionados, e o período temporal e imposto que visavam (sem indicarem o motivo da inspecção)

No escritório das empresas, verificou que no portátil do co-arguido estava um programa de facturação e de gestão de stocks, e na J... estava o resto.

Com o contabilista reuniram logo no início de Maio. Verificou primeiro a movimentação de stocks começou a confrontar logo quantidades compradas com as vendidas. O co-arguido disse que não tinham stocks, que a única coisa que ficava na empresa era o desenho técnico. Confrontou-o com o facto de não haver encargos de transporte ao que ele disse que não tinham armazém. Começou pela escrita e só depois é que foram pedir esclarecimentos a terceiros. Só no fim de 2010, em Outubro/Novembro de 2010 é que começou a contactar os principais fornecedores. Até Setembro/Outubro, só fez análise de escrita (facturas de compra/facturas de venda) e de stocks, e não tinha ainda qualquer indício de facturação falsa.

Relativamente aos painéis, disse que não foram 19 painéis, mas 26, que têm 10,85mt, num total de 280m2, cada um tem 10 m2, são 26 painéis.

O que aconteceu foi que numa altura em que ainda tinha uma ideia diferente do arguido AA, que estava a falar com pessoas honestas, falavam de coisas pessoais, calhou em conversa “tenho aí um cliente que fez uma encomenda, veio com medidinhas certas, agora tenho de tirar aquilo da fábrica e o cliente alterou o projecto e quer medidas diferentes. Claro que ele vai ter de me pagar isso, mas se pudesse vender…”. Ouviu aquilo, e como na altura pensava que estaria para breve fazer uma arrecadação, disse-lhe: “ok, e será que ele quer vender?” é óbvio que se fosse ao preço normal não os comprava.

Não sabe como se chamava o cliente, só o viu duas vezes.

Ele pô-lo em contacto com o cliente. Perguntou por quanto vendia os painéis, porque só lhe interessava por um valor inferior, e não queria a totalidade dos painéis.

No desenho são mais ou menos 160 mt2, não são 280m2. Foi o declarante que fez o desenho, depois de falar com o cliente. O cliente disse que só vendia na totalidade, os painéis e os acessórios, que não ia andar a fazer o transporte de metade para um lado e metade para o outro. Dentro daquela medida, tentou aproveitar os painéis. Acabou por acordar comprar a quantidade total porque encontrou forma de os aproveitar.

Foi-lhe indicado que o cliente vendia por € 3.000. Foi o arguido AA que lhe disse que o cliente vendia por € 3000, mas o arguido AA foi apenas o intermediário.

Não lhe foi passada factura nenhuma, no acto de pagamento ele disse que não tinha maneira de lhe passar ali uma factura, que tinha o seu endereço, “vou-lhe mandar a factura e o recibo por correio”. Reiterou que fez questão de não fazer o negócio com a pessoa que estava a inspeccionar, ele foi só intermediário, o declarante fez o pagamento ao cliente. Entregou o dinheiro ao cliente no café C....

Os painéis foram entregues no sábado anterior ao pagamento. Foi o transportador do fornecedor que os foi entregar.

Reconhece ter sido imprudente, mas sempre confiou nas pessoas. O cliente era uma empresa, por isso ia facturar. Não ficou com comprovativo do pagamento, confiou que iam mandar factura.

Os € 3000 vieram do irmão. O irmão foi empresário agrícola, e em 2003 porque não correu bem o negócio, ele abandonou o país e só regressou em 2007. O declarante e a esposa tinham avalizado empréstimos do irmão na Banco 10..., Banco 6... e Banco 11..., que ele só tinha pago parcialmente. Dos 3 empréstimos pagou cerca de € 60.000, + € 15.000 dos 2 empréstimos pessoais. O pai vendeu 2 propriedades para emprestar dinheiro ao declarante, designadamente para pagar empréstimo do IFADAP, os outros 2 foram descontados do seu vencimento.

O irmão reembolsou € 22.000, pagou € 500/mês em 2008 e pensa que até 2012 (40 e tal meses). Mas também acabou por vender alfaias agrícolas e estufas e ele passou para o nome do declarante um tractor.

Do IFADAP e 3 processos judiciais foram descontados no seu vencimento 41.937,23, entre Outubro de 2006 e Dezembro de 2012.

Terá recebido da venda de alfaias e estufas € 9.500 e o irmão ainda passou um tractor e atrelado para o nome do declarante em 10/08/2011.

Como estimou que o irmão pagou € 500/mês, € 6.000/ano, terá considerado saldadas as contas talvez em 2012. O irmão pagava-lhe quando vinha a Portugal, pagava-lhe os valores das prestações entretanto vencidas.

A morada constante dos documentos foi o arguido AA que a forneceu, sendo que Rua ..., ..., ..., é a casa dos pais, que estava desabitada desde 2004.

A morada que deu foi Rua ..., ..., que foi onde foram entregues os painéis.

Confirmou que contactou com o transportador, mas acha que foi porque ele estava atrasado. O transportador tinha o seu contacto, mas não reconhece o n.º de contacto que está na guia de transporte.

Foi o arguido AA que lhe disse a data da entrega. Estava prevista entrega para 9:30, 10:00h, mas ele atrasou-se. Admitiu que pudesse ter dado morada dos pais, por ter pensado em descarregar lá, mas já não se lembra em concreto. Depois acabaram por ser descarregados na casa do declarante e JJ era a esposa do declarante à data. O declarante também estava presente, e foi a assinatura da mulher que ficou no documento de transporte porque calhou – era só uma formalidade.

Os documentos apreendidos na sua posse, guardou-os por guardar, não costuma deitar fora.

Questionado sobre para que é que o arguido AA precisava dos desenhos, disse que, como disse, andou a ver se arranjava aproveitamento para os painéis, e que o desenho ficou na posse do arguido AA por acaso, até porque os painéis não correspondem ao desenho.

Questionado, afirmou de forma peremptória que, à partida, a razão da denúncia, não indiciava coisa alguma.

Os painéis foram descarregados dia 7 de Agosto, manualmente, um a um depois de cortadas as cintas.

Até à entrega, decorreu cerca de uma semana. Durante esse tempo, houve conversas com o cliente e pagamento no sábado seguinte. Até Agosto continuava a ter a mesma ideia acerca do co-arguido.

Com a D- FF só falou uma vez (confirmou que FF também devia ser inspeccionada de acordo com pedido do DCIAP), porque ela tinha de assinar a credencial e tinha de fazer o relatório quanto a ela. Ela era empregada do arguido, ganhava €7000 ou € 8000/ano, a única coisa que lhe interessava dela eram as cópias dos cheques, a forma de movimentação e razão por que o fazia. Reiterou que não entregou o desenho à D. FF.

O chefe do declarante foi consigo uma vez em Fevereiro 2011 e uma ou duas vezes em 2010, mas não sabe quando. O declarante esteve lá cerca de meia-dúzia de vezes a conferir stocks no programa de facturação que estava no computador do arguido AA. O processo, que em princípio dura meio ano, no caso houve 2 prorrogações por 3 meses, durou um ano..

Em Abril de 2011 já tinha um projecto de relatório, relativamente ao qual o arguido AA não se pronunciou, onde concluiu pelo enquadramento no crime de fraude fiscal por negócio simulado.

Não insistiu posteriormente para lhe emitirem a factura e recibo, porque depois já não tinha importância. Se soubesse o que sabe hoje, só teria comprado depois de receber a factura. O cliente poderia ser identificado se tivessem tido acesso à escrita de 2010 das sociedades do arguido AA, o que não sucedeu.

Questionado, tem consciência de que não tinha documento comprovativo do pagamento para eventual accionamento de garantia.

Na altura em que fez esta inspecção não tinha outras inspecções a cargo.

Relativamente ao exercício de 2009/2010, confirma que inspecção durou muito menos tempo, porque como já suspeitava que os documentos podiam desaparecer, fotocopiou os documentos que suspeitou serem falsos.

Negou ter recebido € 5.000,00 do co-arguido AA.

A D. GG é uma das instrutoras do processo de uma destas empresas no Núcleo de Averiguações Criminais.

Foram ainda inquiridas as testemunhas:

- FF, empregada de escritório do arguido AA entre 2003 e 2011 que, numa postura claramente comprometida e esquiva, afirmou que relativamente a inspecções, quando começou a receber cartas para ir às Finanças, já tinha sido despedida por não haver trabalho.

Questionada sobre se o arguido AA não lhe deu conhecimento da inspecção, referiu que aquele passava muito pouco tempo no escritório.

A depoente era secretária, recebia os pedidos de chapa e painel sandwich, e enviava-os para Espanha.

Os pedidos já vinham dos clientes e iam daqui com as quantidades e medidas exactas. Os clientes, normalmente, eram empresas. As medidas vinham em fax, a depoente processava os pedidos e enviava-os para Espanha.

O desenho de fls. 79, a primeira vez que o viu foi na polícia, adiantando que este tipo de desenhos não lhe serve de nada, porque com isto não sabe quantas chapas, painéis e medidas.

Enviava os pedidos para Espanha e mantinha os clientes em Portugal a par de quando vinha a mercadoria. A D... mandava directamente os painéis para o cliente. Vinham de camião. Espanha entrava em contacto a dizer quando ia ser entregue e era a depoente que ligava para os clientes e informava. Normalmente no fax vinha o contacto dos clientes. Normalmente não enviava para Espanha os contactos telefónicos dos clientes. Não se recorda de ter feito qualquer contacto telefónico com o arguido BB.

Também nunca entregou nada ao arguido, nem teve contacto com ele. Confrontada com o teor de fls. 157 do anexo, referiu que acha estranho o que consta da carta.

Quanto ao descarregamento dos materiais, pensa que seria o cliente a providenciar por isso, que teriam funcionários e maquinaria para descarregar o material. Confirmou que se fosse a firma a providenciar, “pensa que saberia”, mas nunca fez isso.

Questionada sobre se a entrega aos clientes era pelo mesmo preço que a empresa pagava, referiu que não sabe, porque só eram representantes, pensa. Era Espanha que passava factura directamente ao cliente. A depoente não fazia facturação, era uma empresa de contabilidade. Não sabe como funcionava, a depoente só fazia o que o arguido AA lhe mandava (apesar de lá ter trabalhado durante 8 anos).

Reiterou não conhecer o arguido BB, e mesmo perante o teor da carta de fls 157 do anexo, disse que não sabe porque é que a assinou, não se recordando de qualquer inspecção das finanças..

Nunca entregou nada nas Finanças. Só depois de receber notificações e ter ido à polícia é que forneceu informações. O escritório é um sítio fechado e raramente lá ia alguém.

Nos pedidos apareciam os nomes dos clientes e contactos dos clientes. Não se recorda nunca de ter colocado o pedido em nome da B.... Se o sr. AA o fazia, a depoente não sabe.

- II, advogado (até aquele ser detido) e amigo do arguido AA, que afirmou que no âmbito de um processo fiscal, o arguido AA queria usar como estratégia de defesa umas situações que teriam ocorrido com o co-arguido. “Queria que metesse um processo crime contra este senhor”, mas o depoente demarcou-se dessa situação. Esclareceu que o depoente e AA eram amigos, faziam viagens, e ele desabafou com o depoente que o co-arguido o tinha aliciado com umas chapas, que se quisesse podia tramá-lo, que lhe tinha dado umas chapas, que ele não as tinha pago, com as quais o teria corrompido. E que queria apresentar queixa. Instado a esclarecer, afirmou não saber de quem seria a iniciativa das chapas, sabendo apenas que teria havido um negócio com chapas, e que AA queria apresentar uma queixa. Não deu importância porque achava que não fazia sentido.

Foram pedir assessoria técnica a MM, para preparação da defesa no âmbito do processo fiscal. Ter-se-á falado nisto, porque ele falava sempre sobre isso. Que isso foi falado, de certeza que foi, porque quando ele tinha oportunidade falava nisso, mas pensa que HH também não se meteu nisso.

- NN, motorista de pesados, que confrontado com fls. 183, confirmou que assinou a guia de transporte e factura e que tem número de bilhete identidade. Às vezes quando entrega em sítio diferente da factura, põem número de telefone para entrar em contacto com o cliente previamente.

Fls. 194 é a guia de transporte internacional, que é assinada pelo depoente e pela pessoa onde descarrega. Não confirmava se o número do bilhete de identidade correspondia, as pessoas não lhe mostravam documento nenhum..

Normalmente entregava os painéis em obras ou em firmas, e alguém (o cliente) tinha uma máquina ou empilhador para descarregar. Não se recorda desta situação em concreto, não sabe quem é AA, e não se lembra se alguma vez viu o arguido BB.

- OO, Inspectora da Polícia Judiciária, que descreveu que o processo teve origem num outro processo que correu termos por branqueamento.

Quando foi interrogado, o arguido AA denunciou a situação que deu origem a este inquérito, que foi entrega de uns painéis sandwich aquando da acção inspectiva. Foram feitas diligências de inquérito, buscas na casa do arguido, para verificar se havia algum fundo de verdade. As buscas foram efectuadas numa casa em ... e noutra em ..., .... Em ... tinha guardados desde 2010 a factura e guia de transporte referente aos painéis, que tinham sido pagos pela B..., uma das empresas que estava a ser inspeccionada. 

Na perícia financeira, sobre 2010 a 2020, apuraram-se entradas dinheiro em numerário que não se identificou origem, mas não se conseguiu verificar qualquer entrada de dinheiro relativamente aos € 5000 indicados pelo arguido. Não quer dizer que não tenha recebido de outra forma, mas não estava reflectido nas contas bancárias.

Os painéis estavam no local. Alguns a fazer a cobertura em cima de uma caravana e outros que nunca foram utilizadas, que estavam num terreno agrícola.

Confirmou ter ideia de que o arguido AA também teria afirmado que os próprios elementos da judiciária tinham agido ilegalmente.

Quanto ao facto de os painéis terem sido pagos por um cheque da Iso de Setembro de 2010, esclareceu que tal conclusão se retira do facto de o cheque constar como pago nas contas da D....

Relativamente a eventual saída dos € 50000 das contas de AA, referiu que é normal que não haja, porque ele fazia muitos pagamentos em dinheiro.

Disse ter ideia de que havia qualquer denúncia apresentada pelo arguido AA noutro processo.

Não sabe se contabilizaram esta factura na B....

- AA, irmão do arguido BB, que disse saber que este processo respeita a uma compra de umas placas que o irmão fez e que estão na casa da aldeia. Uns dias antes de vir para Portugal, o irmão perguntou se ia trazer dinheiro, isto porque já era costume trazer quantias, porque devia dinheiro ao irmão.

Esclareceu que teve dificuldades económicas, e pediu-lhe para ele ser avalista, em empréstimos seus antes de 2003.

Nessa altura trouxe € 1000 + € 2000 de um carro + € 300 do seguro, num total de € 3.300. contando com seguro. Quando chegou, deu-lhe o dinheiro, que ele deixou em cima da secretária. E no dia seguinte tinha tirado algum dinheiro.

Esteve presente aquando do pagamento, num café. O irmão disse que tinha um pagamento a fazer, foram a um café, sentaram-se, e minutos depois chegaram umas pessoas que se sentaram em frentes. O irmão levantou-se, dirigiu-se a eles e entregou o envelope a essas pessoas. Eram homens. Um mais baixo, magro de barba e outro mais forte e bem mais alto. Entregou o envelope à pessoa mais alta. O encontro durou 2, 3 minutos. Depois o depoente foi pagar o café e vieram embora para a aldeia.

Sabe que isto ocorreu em 2010, porque quando o irmão lhe falou, foi ver os papeis (onde tem apontados os pagamentos e quando o carro foi comprado). No fim de semana a seguir ao dia 11 de Agosto. Porque é aniversário da mãe e tradição juntarem-se todos.

Disse ainda que o irmão emprestou-lhe € 15.000 e ficou como avalista de € 60.000.

Não sabe quanto lhe pagou, tem apontado, mas não tem aqui. A dívida foi sendo abatida com alfaias que foram vendidas. Começou a pagar-lhe em 2004/2005. Tinha acordado pagar-lhe € 500/mês desde 2004/2005. Não sabe até quando.

Os primeiros pagamentos foram por transferência bancária, mas não foi muito tempo, porque o banco cobrava-lhe uma percentagem e obrigava-o a abrir conta. Pelo que passou a pagar-lhe em numerário.

O irmão só lhe falou deste caso em 2021 mas ainda assim, lembra-se do ano, do mês e do dia, porque sabe que foi na altura em que comprou o carro.

Ele disse que pagou € 3000, mas o depoente só sabe que ele tirou o dinheiro do envelope.

Quanto à dívida para com o irmão, referiu que está tudo pago, mas não totalmente em dinheiro, parte foi com alfaias, outra parte do pai. Não sabe quando a dívida foi saldada, só sabe que é há uns anos, seguramente há mais de 3 anos. O pai faleceu em 31/07/2012, crê que ainda não estava tudo pago.

Confirma que sempre honrou o compromisso de € 500/mês. Não pagava todos os meses, por causa das taxas das transferências, mas depois pagava junto quando vinha.

Durante não sei quanto tempo, estiveram a descontar do ordenado do irmão, mas não sabe se os descontos terão chegado ao valor total de € 60.000.

Não se lembra do valor que deram ao tractor nem do valor que o pai lhe emprestou para pagar, uma vez que as contas foram feitas há muito tempo.

- EE, inspector da AT, colega do arguido desde 1997.

Disse que foi coordenador do arguido, incluindo no período de 2010 a 2013. E incluindo inspecção a estas duas empresas (B... e A...).

Em 2 ou 3 situações foi à empresa com ele, noutras situações acompanhava a situação e coordenava com ele a melhor estratégia. Confirmou que o relatório é validado por si, que dá despacho e vai ao chefe de divisão.

Nunca lhe foi dado conhecimento de qualquer irregularidade.

Neste caso, como o processo teve origem no DCIAP, no final, ao mesmo tempo que foi elaborado relatório de inspecção, foi elaborado outro para o DCIAP, por cortesia, para conhecimento do resultado das diligências. “Aliás, são raros os casos em que o DCIAP é que nos alerta”

Nunca teve conhecimento de condutas menos correctas do arguido.

À D. FF nunca a viu.

A documentação foi toda recolhida pelo arguido.

Relativamente a uma D. GG, disse conhecer a pessoa, mas ela nunca foi dirigente. Depois foi trabalhar para o Núcleo de Averiguações Criminais, pensa que em 2010 já lá estava.

As inspecções têm prazos normais de 6 meses. Há casos excepcionais em que se ultrapassa isso, mas não acontece muitas vezes. Em 100 inspecções, talvez 2, 3, ou 4 ultrapassam este prazo.

Neste caso, o arguido BB dizia que os documentos eram fornecidos aos solavancos e após muita insistência. Quem oferecia essa resistência era o gabinete de contabilidade.  Pensa que houve notificação para apresentação de documentos, não sabe quando, mas pensa que mais perto do início.

Relativamente a inspecções com início em informação do DCIAP, disse que teve talvez 2 ou 3 na carreira inteira.

Afirmou ainda que o arguido BB está reformado há um ano.

Disse também que a duração da inspecção pode aumentar se aumentou o número de vendas ou se for mais difícil obter os documentos.

O depoente é inspector desde 1989. Questionado, disse que se tivesse comprado bens a uma empresa que devesse inspeccionar, sim, estava obrigado a comunicar ao superior hierárquico, dependendo do valor. “€ 5000 já é um valor significativo”. Obrigação que sentiria mesmo que fosse a sua mulher a comprar. O arguido BB não comunicou qualquer situação, e se tivesse comunicado, não teria ficado a seu cargo a inspecção.

Nunca compraria nada a um inspeccionado no decurso da inspecção. Legalmente nada o impede, mas nunca faria uma coisa dessas, por uma questão de ética. BB nunca lhe deu conta disso, mesmo depois da inspecção. Se desse teria que colocar questão ao chefe.

- LL, revisor oficial de contas, que disse conhecer o arguido BB das Finanças, onde trabalhou até 1992.

Disse que e falso que tenha dito que o BB era useiro e vezeiro nestas coisas de corrupção, “nem lido com ele”.

Confirmou que eles (o arguido AA e o Dr. II) foram ao seu escritório há cerca de 10 anos. Foi conversa breve e não ficou com serviço para fazer, por isso não se recorda de teor da conversa.

- PP que foi instrutor de processos do NAC até 2014.

Disse que constituído arguido o AA e que foi o arguido BB que elaborou o relatório de inspecção que deu origem ao inquérito.

Não detectou qualquer falha no relatório. Informações estavam correctas do ponto de vista da técnica fiscal.

GG era uma colega que tinha as mesmas funções que o depoente.

- GG, que trabalhou no NAC de ..., pensa que desde 2001 a 2013/2014.

Afirmou não conhecer o arguido AA, nem se lembrar de nada das empresas B... e A.... Confirmou que recebeu relatórios feitos pelo arguido e nunca deu conta de nenhuma desconformidade nos relatórios do colega BB.

Analisadas estas declarações e depoimentos em conjugação com a prova documental recolhida nos autos, temos que:

Quanto aos pontos 1. a 3., atendeu-se ao teor das certidões do registo comercial juntas a fls. 1025 a 1030, bem como ao teor dos projectos de relatórios de inspecção juntos a fls. 3 a 28 e 11 a 28 do Anexo e 306 a 321 destes autos, da informação de fls. 282 a 305 e da acusação cuja certidão consta a fls. 305 e ss., e declarações do arguido AA, que não negou assumir as funções de gerente destas sociedades.

Relativamente ao ponto 4. dos factos provados, considerou-se o teor da informação de fls. 282 a 305 assinada pelo arguido nessa qualidade, conjugada com a circunstância de o arguido não ter negado, nas suas declarações, assumir tal qualidade.

O descrito no ponto 5., em termos de enquadramento, é quanto decorre directamente da legislação citada.

Relativamente ao ponto 6., atendeu-se ao teor da informação de fls. 282 a 305, analisada à luz das declarações do arguido BB que, nesta parte, foram corroboradas pelo depoimento de EE, ambos aludindo à circunstância de, na origem do procedimento de inspecção, ter estado uma comunicação do DCIAP, a quem, no final do processo inspectivo, foi comunicado o resultado das diligências levadas a cabo. Quanto à data da comunicação do DCIAP atendeu-se ao parecer manuscrito a fls. 282, conjugado com a data de início da inspecção (24/05/2010) mencionada nos projectos de relatório de inspecção a fls. 3 (do 2.º processo) e 11 (do 3.º processo) constantes do anexo.

O descrito no ponto 7. é quanto se retira da análise conjugada do CRC do arguido AA, com as declarações pelo mesmo prestadas, onde refere que apesar dos materiais e quantia monetária entregues ao co-arguido BB, “o benefício” que retirou foram 4 anos de prisão.

O ponto 8. assenta no teor da acusação cuja certidão se mostra junta a fls. 439 e ss..

O descrito no ponto 9. dos factos provados resulta, de forma coincidente, das declarações de ambos os arguidos e ainda do depoimento de EE, que referiu ter chegado a acompanhar o arguido BB à empresa do arguido AA no âmbito da acção inspectiva que decorria.

Quanto ao descrito nos pontos 10. a 25. e 27. a 29. dos factos provados, opõem-se – como decorre da súmula acima efectuada – as declarações dos arguidos AA e BB.

Contudo, tem-se por certo, desde logo, porque assente em prova documental e parcialmente admitido pelo arguido BB, que:

- em data próxima de 6 de Agosto de 2010 (altura em que decorria a acção inspectiva a que se reportam os pontos 6 e 7 dos factos provados), o arguido AA, em nome da sociedade B..., encomendou à sociedade D..., painéis sandwich no valor de € 4.338,08, que foram facturados em nome daquela com data de 09/08/2010 – é o que resulta da factura de fls. 77, 184 e 185;

- no documento de saída daquela mercadoria, de Espanha para Portugal, foi feito constar como destinatário a identidade do arguido BB, sob a referência “Obra ...71 Sr. BB”, com morada na Rua ..., ..., ... – é o que resulta de fls. 183 e 193, este último, correspondente ao duplicado encontrado na residência do arguido BB, o qual admitiu que a morada indicada pertencia a uma antiga residência dos pais, já desabitada desde 2004, sendo que o número de telemóvel indicado é o mesmo fornecido pelo arguido no TIR de fls. 37, no auto de nomeação de fiel depositário a fls. 200 e no auto de interrogatório a fls. 240.

- a mercadoria composta pelos referidos painéis foi entregue no dia 06/08/2010 na Rua ..., ..., ..., ..., constando como assinatura de recebimento a da então mulher do arguido BB, JJ – conforme decorre, quanto à assinatura de recebimento do documento de saída de fls. 183 e da guia de transporte de fls. 194, quanto ao facto de estar ser, à data, mulher do arguido, das declarações do próprio e da identificação que chegou a ser feita desta testemunha audiência (antes de se recusar a depor nos termos do art. 134.º do Código de Processo Penal), e quanto à morada de entrega, das declarações do próprio arguido BB, que admitiu que estava presente na altura da entrega, conjugadas com o auto de diligência de fls. 174 a 177, auto de busca e apreensão de fls. 198 e 199 e reportagem fotográfica de fls. 202 e 203, dos quais decorre terem sido apreendidos nesta morada os painéis em causa.

- tal mercadoria foi paga à D..., por cheque sacado pelo arguido AA sobre conta bancária aberta no Banco 1... em nome da sociedade B..., com data de 20/09/2010 – é o que resulta da cópia do cheque junta a fls. 76 e conta corrente de fls. 182, esta última anexa ao e-mail de fls. 180, no qual a D... confirma que a factura esta correctamente paga nos termos da conta-corrente, onde é feita alusão a um cheque do Banco 1....

Tendo por assentes estes factos, com apoio documental, verifica-se que AA enquadra a entrega destes painéis no contexto descrito na acusação (ou seja, que durante a inspecção de que as suas empresas estavam a ser alvo, o co-arguido o avisou de que a situação era complicada, que face ao já detectado, poderiam investigar as contas da empresa e da família, e parar a actividade, e que caso acedesse a entregar-lhos sem contrapartida económica, poderia passar-lhe apenas uma multa), enquanto BB afirma que apenas acedeu a ficar com os painéis porque o cliente a quem seriam destinados teria mudado de ideias quanto ao pretendido e estaria disposto a vender-lhos por preço inferior, negócio em que o arguido AA surgiria apenas como intermediário.

Ora, afigura-se ao Tribunal evidente que a versão trazida aos autos pelo arguido BB não pode colher.

Desde logo, porque ofende frontalmente as regras da lógica que um inspector Tributário decida, no decurso de acção inspectiva que leva a cabo, encetar negociações para aquisição de materiais comercializados pelo inspeccionado em valor superior a € 4.000. E essa ofensa resultou patente no depoimento de EE, coordenador da Equipa de que o arguido fazia parte que, colocado perante essa hipótese, afirmou que tal violaria os princípios éticos no exercício da profissão e que se tivesse conhecimento de tal facto, ou não distribuiria a inspecção ao arguido, ou comunicaria a situação ao seu chefe.

E ofende ainda mais as regras da lógica, quanto é certo que a inspecção tinha tido início com base em comunicação do DCIAP. É que embora o arguido BB viesse invocar estar então convencido de que lidava com pessoas honestas, tal alegada credulidade cai por terra quando também reconhece que na origem da acção inspectiva estava comunicação do DCIAP após comunicação da unidade de informação financeira da P.J. de movimentações superiores ao estipulado. Ou seja, o que estaria em causa, de acordo com as próprias declarações do arguido, seria uma comunicação obrigatória de movimentos bancários suspeitos, que se mostra estabelecida legalmente para prevenção do crime de branqueamento. Razão alguma havia, por isso, para o arguido BB se convencer da seriedade do arguido AA. Aliás, conforme também admitido por EE, “são raros os casos em que o DCIAP é que nos alerta”, e em toda a sua carreira, disse ter tido apenas 2 ou 3 inspecções com início do DCIAP. Improcede por isso a afirmação do arguido BB, no sentido de que até Setembro/Outubro de 2010, nenhuma suspeita recaía sobre a conduta do arguido AA.

Afirma também o arguido BB que AA foi apenas intermediário na aquisição dos ditos painéis e que fez questão de não fazer negócio com a pessoa que estava a inspeccionar.

Contudo, não soube identificar o alegado cliente a quem teria adquirido os painéis, pessoa que teria visto apenas duas vezes e a quem entregou € 3.000 em numerário, num café, sem cuidar de ficar com qualquer comprovativo de pagamento. Ora, se uma tal actuação já seria de estranhar em qualquer cidadão, muito mais o é quando está em causa um inspector de finanças, que alegadamente se dispõe a adquirir materiais sem factura a indivíduo que não sabe onde localizar! Chegando ainda a afirmar que a impossibilidade de identificação do cliente se deve à conduta do co-arguido AA, que não apresentou a escrita de 2010!

E se tal não bastasse, diversas outras circunstâncias fazem ressaltar a falta de sustento lógico das declarações do arguido BB. Designadamente:

- nenhuma razão lógica apresenta para ter fornecido como morada (comunicada à D...) o endereço de uma antiga casa dos seus pais (Rua ..., ..., ...), já desabitada desde 2004. Sendo certo, por outro lado, que desta forma evitaria a ligação à sua pessoa, uma vez que propriedade da morada onde foi efectivamente feita a entrega (Rua ..., ..., ...), está registada em seu nome conforme informação do registo predial de fls. 96.

- nenhuma razão lógica apresenta para ter sido a sua então esposa a assinar o recebimento da mercadoria, sendo certo que afirmou estar presente no acto. Mais uma vez, as regras da experiência sustentam que seria mais uma manobra para evitar a ligação da sua pessoa ao recebimento dos aludido painéis;

- nenhuma razão haveria (à luz da sua versão), para que o arguido AA mencionasse a existência de uma autocaravana, ou sequer soubesse da sua existência. Efectivamente, se aquilo que o arguido pretendia era construir uma arrecadação, não se vê como chegaria ao conhecimento do arguido AA que o arguido BB era dono de uma autocaravana, como o próprio descreveu na denúncia escrita de fls. 3 (sendo certo que se confirmou, quer nas imagens do GoogleMaps de fls. 93 e ss. colhidas em Setembro de 2010, quer mediante a informação da Conservatória do Registo Automóvel de fls. 178 e a informação de fls. 163, que já à data dos factos o arguido era proprietário da mesma).

- nenhuma razão lógica apresentou para o arguido AA ter ficado na posse do desenho de fls. 79, referente à cobertura que pretendia efectuar. Diga-se, a este respeito, que se é certo que a testemunha FF não veio confirmar a versão do arguido AA, no sentido de que ambos entregaram àquela o desenho para processar a encomenda, não é menos certo que esta testemunha se apresentou nos autos com uma postura de evidente comprometimento, respondendo de forma esquiva às perguntas e negando até ter alguma vez contactado com o arguido BB, quando o próprio afirma que esteve com ela (inclusivamente teve também de a inspeccionar) e a carta junta a fls. 157 (2.º processo) do anexo também aponta nesse sentido. As próprias declarações do arguido AA e o teor da acusação cuja certidão se mostra junta a fls. 439 ajudam mesmo a compreender a postura desta testemunha, que se terá visto envolvida noutros ilícitos penais por força das funções que exercia. Ou seja, a mera negação por esta testemunha (de alguma vez ter recebido o desenho das mãos do arguido BB) não afasta a incoerência do confronto das declarações deste arguido com a posse pelo arguido AA do desenho que aquele admite ter feito. É que se os painéis já estavam cortados à medida pretendida pelo cliente, de nada valeria a AA ver o projecto que o arguido BB se propunha realizar.

- nenhuma explicação se encontra para que o arguido AA soubesse que desempenhava funções nas Finanças uma pessoa de nome GG. Note-se que nenhum dos documentos juntos na acção inspectiva se mostra assinado por esta, e a própria afirma que não teve qualquer intervenção com estas sociedades, pelo que se desconhece como saberia o arguido AA da sua existência (sendo certo que aquela já desempenhava, à data, funções no Núcleo de Averiguações Criminais) a não ser por ter sido invocado o seu nome pelo co-arguido BB.

Argumenta o arguido BB que a denúncia apresentada pelo arguido AA, 10 anos depois dos factos, mais não é do que uma vingança pelo resultado das averiguações por si levadas a cabo.

O que – diga-se – se admite. Mas que de modo algum coloca em crise a versão dos factos que este trouxe aos autos. Aliás, é o próprio arguido AA que admite que o benefício que retirou (da entrega gratuita dos materiais e do pagamento de € 5000) foram 4 anos de prisão efectiva. É humano e lógico que, acedendo a um acto corruptivo, o corruptor se sinta defraudado por não ter sido concretizada a promessa que justificou a entrega da recompensa. E é exactamente isso que se constata nestes autos, ou seja, tendo acedido às disposições patrimoniais que afirmou terem-lhe sido solicitadas pelo co-arguido, o arguido AA sentiu-se enganado ao perceber que, ainda assim, o co-arguido elaborou os relatórios que viriam a redundar na sua condenação pelos crimes fiscais que havia cometido, mas que tinha a expectativa que viessem a ser resolvidos no âmbito contra-ordenacional (com uma “multita”). E é neste contexto que apresenta a denúncia.

Invoca a Defesa do arguido BB – como argumento para os factos não se terem verificado – que o mesmo procedeu a exaustivas averiguações, as quais foram validadas pelos seus superiores hierárquicos e que conduziram à acusação e condenação do arguido por diversos crimes fiscais. O que, mais uma vez, não invalida a versão trazida aos autos pelo arguido AA. É que, de acordo com esta, a partir de uma determinada altura que situa ainda antes do final do ano de 2010, ciente de que a chantagem não acabaria, o declarante teria negado ao co-arguido a entrega de mais quantias monetárias. E o que se constata, da análise dos processos inspectivos constantes do anexo, é que só a partir de Outubro é que o arguido BB começou a notificar terceiros para juntarem documentos aos autos. Sendo certo que a inspecção, como decorre das propostas de relatório de fls. 8 (2.º processo) e 5 (3.º processo) teria tido início em Maio de 2010 e que o prazo normal para conclusão da inspecção é de 6 meses (neste sentido, o depoimento de EE). Circunstância que torna plausível a conclusão de que o andamento das averiguações (e conforme o arguido BB afirmou estas eram as únicas que lhe estavam distribuídas à data) foi condicionado pela forma como o arguido AA acedia ou não às propostas do co-arguido. Note-se que a consumação do crime de corrupção – como se verá adiante – não está dependente da prática do acto prometido.

Acresce que a versão trazida aos autos pelo arguido AA, para além de lógica e coerente, encontra ainda parcial corroboração no depoimento da testemunha II, que afirmou que já no âmbito do processo penal contra si instaurado o arguido AA lhe havia relatado os factos, o que até teria sido conversado com LL (este último, que confirma ter tido uma reunião com ambos, cujo teor disse não recordar, facto que não é de estranhar atenta a matéria em causa, as afirmações que AA diz terem sido produzidas por aquele, e a relação que mantinha com o arguido BB).

Importa que se diga que neste tipo de crimes, atenta a sua natureza, não é expectável que existam testemunhas, já que a comissão do crime assenta exactamente na negociação sigilosa de assuntos que importam a imputação de ilícitos a ambos os interlocutores. Daí que a prova directa seja muito difícil de reunir. A acrescer, várias das testemunhas que poderiam apresentar depoimentos mais conclusivos (v.g. as testemunhas FF e II) são elas próprias arguidos no processo com o n.º 916/14...., o que, como também afirmado pelo arguido AA, poderá condicionar a postura aqui assumida enquanto testemunhas e a assumida por II quando lhe propôs denunciar o arguido BB (o que aquele reconhece ter desaconselhado.

Tudo para dizer que a circunstância de não ter sido colhida prova (ainda mais) conclusiva, não afasta a constatação de que, em face dos elementos que objectivamente se recolheram (designadamente quanto aos painéis), só a versão trazida aos autos pelo arguido AA encontra solidez probatória à luz das regras da experiência e segundo juízos de normalidade, não tendo deixado dúvidas ao Tribunal quanto à sua veracidade.

O teor do ponto 26. dos factos provados é quanto decorre dos autos de busca e apreensão de fls. 191 a 195, 198 e 199 e da reportagem fotográfica de fls. 202 e 203.

O vertido nos pontos 30. a 37. é quanto se retira, por inferência lógica, dos factos objectivamente dados como provados. Na verdade, só a expectativa de obter uma informação mais benéfica e por isso deturpadora da realidade apurada, justificaria que o arguido AA permanecesse em silêncio até ao momento em que fez a denúncia, e só a confiança de que os graves indícios existentes contra o arguido AA (atentos os ilícitos por que veio a ser condenado) o tornariam especialmente vulnerável permitiu que o arguido BB, aproveitando-se de tal situação, procurasse obter vantagens ilícitas. No mais, os factos falam por si, evidente que é para qualquer cidadão, e para estes em particular, a ilicitude das condutas que praticaram.

O descrito no ponto 38. assenta no auto de constituição de arguido de fls. 37.

O vertido no ponto 39. decorre das informações disponibilizadas pela Autoridade Tributária e declarações de rendimentos juntas a fls. 144 a 171 do Apenso A, quando confrontadas com o teor dos recibos de vencimento juntos pelo arguido a fls. 1035 e ss. e mapa e movimentos de fls. 183 a 186, tudo analisado à luz dos depoimentos prestados pelos inspectores (da P.J. e da AT) QQ e RR, afirmando o primeiro que não investigou a origem dos movimentos bancários que levou ao mapa de fls. 183 a 186 e que se baseou nas informações obtidas junto do inspector da AT a exercer funções no GRA, e o segundo admitindo que na informação de rendimentos que extraiu do sistema não constam os montantes pagos a título de despesas de transporte, admitindo que o arguido pudesse ter auferido rendimentos superiores aos feitos constar do relatório elaborado para o GRA.

Quanto ao ponto 40. atendeu-se às mesmas informações, bem como ao facto de o arguido nunca ter declarado rendimentos de outra actividade, nem em audiência alegou ter outra fonte de rendimentos.

O descrito em 41. e 42. é o que decorre de fls. 27, 28 e 172 a 181 v.º do Apenso A.

O descrito no ponto 43. é quanto resulta dos extractos juntos a fls. 53 a 85, melhor esquematizados no mapa de fls. 183 a 186.

O descrito em 44., 46. e 52. decorre dos processos inspectivos certificados no apenso A (2.º e 3.º processo) e do parecer de fls. 323 a 330 (onde o arguido é indicado como testemunha).

O descrito no ponto 45. retira-se de fls. 316 dos autos.

O descrito nos pontos 47. e 48. assenta no teor dos processos inspectivos certificados no apenso A e na informação de fls. 282 a 305.

Quanto ao descrito nos pontos 49. e 50., remete-se para o já exposto acerca do ponto 9, para além de se ter atendido ainda ao depoimento de EE.

O descrito no ponto 51. é quanto decorre da análise de fls. 2 e ss.

O facto vertido em 53. assim se considerou por resultar da análise dos processos inspectivos certificados no anexo A, designadamente fls. 72 e ss. (2.º processo) e 50 e ss. (3.º processo) que só a partir de 12/10/2010 começaram a ser notificados terceiros para apresentarem documentos.

O descrito nos pontos 54. e 55. decorreu da análise conjugada do depoimento de AA e declarações do arguido BB, com os documentos juntos a fls. 974 e ss., nos quais se verifica ter o arguido figurado como executado em diversas execuções, com comunicação de penhoras de vencimento pelo menos até à data indicada, e ter feito pagamentos ao irmão em datas anteriores. Decorre dos mesmos documentos que, pelo menos em 2008, AA fez reembolsos com regularidade ao arguido, no valor de € 500,00 e ambos confirmam que o pagamento da dívida foi sendo feito em prestações, mas também por entrega de um tractor e venda de alfaias agrícolas e estufas, tendo ainda ocorrido pagamentos suportados pelo pai de ambos, o que impossibilitou o apuramento de uma data concreta para o pagamento integral da dívida, embora ambos sejam peremptórios em afirmar que já ocorreu, estimando que tal tenha sucedido por volta do ano de 2012.

O vertido no ponto 56. é quanto decorre, da análise dos extractos bancários juntos ao apenso A, sendo confirmando, quanto ao montante, no relatório do GRA. Relativamente ao facto de alguns dos movimentos, e designadamente aqueles discriminados as fls. 183 a 186, terem a origem indicada no ponto 56. atendeu-se aos documentos juntos pelo arguido a fls. 1085 a 1089 v.º

Quanto aos antecedentes criminais (pontos 57. e 58.) louvou-se o Tribunal nos certificados de registo criminal juntos aos autos.

E quanto às condições pessoais e económicas do arguido BB (pontos 59. a 68., atendeu-se ao relatório social junto aos autos, bem como, relativamente à actual situação de reforma/aposentação, ao teor do Aviso n.º ...22 publicado no D.R., 2.ª Série C, de 06/10/2022

No tocante aos factos dados como não provados, os mesmos assim se consideraram por ausência de prova que, de forma suficientemente sólida, os sustentasse.

Assim, quanto ao descrito em a), não foi junto aos autos qualquer relatório referente a esta inspecção (até por já resultar dos autos que a mesma teria ocorrido fora do período temporal em que ocorreram os factos levados à acusação);

Quanto ao descrito em b) a i), remete-se para quanto se deixou já dito acerca da versão oposta levada aos factos provados sob os pontos 10 a 25 e 27 a 29, por se ter atendido à mesma análise probatória.

Quanto ao descrito no ponto j) dos factos não provados, atendeu-se aos documentos juntos pelo arguido a fls. 1035 a 1074 e 1085 a 1089, analisados em conjugação com as declarações prestadas pelo arguido e os esclarecimentos prestados pelas testemunhas QQ e RR (os quais exerceram funções no GRA e, na qualidade de inspectores, elaboraram o relatório junto ao apenso A. Efectivamente, apesar de não exiustir inteira correspondência entre os rendimentos declarados fiscalmente pelo arguido e aqueles que entraram na sua conta no período em referência (nos 5 anos anteriores à constituição como arguido), a verdade é que o arguido logrou demonstrar que na sua quase totalidade, os movimentos contabilizados como incongruentes corresponderam a rendimentos lícitos por si obtidos, ou transacções justificadas. Ao juntar aos autos recibos de vencimento que correspondem aos exactos montantes creditados na conta e constantes do mapa de fls. 183 a 186 do apenso A sob o descritivo “TRF MF AT Func”, o arguido veio demonstrar ter auferido rendimentos (incluindo reembolso de despesas de transporte), em montante superior ao que consta da base de dados da AT, o que foi admitido e confirmado pela testemunha RR.

E estes movimentos correspondiam efectivamente à esmagadora maioria daqueles considerados para cálculo do património incongruente.

Acresce que, quanto aos demais, para além de o arguido prestar declarações aludindo à sua origem, juntou documentos que permitem corroborar tais declarações, relativamente a diversos outros valores.

Sobram valores irrisórios, que não ultrapassam as dezenas de euros em cada ano, os quais, pela sua insignificância, não pode – sem ofensa às regras da lógica e de juízos de normalidade – presumir-se constituírem vantagem da actividade criminosa.


***

Passando a conhecer de direito:

Do crime de corrupção passiva:

Vem imputada ao arguido BB, a prática de um crime de corrupção passiva, p. e p, pelo art. 373.º, n.º 1 do Código Penal.

Dispõe aquele artigo que:

“1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos.”

Tal preceito tinha idêntica formulação legal no art. 372.º, n.º 1 do Código Penal, na redacção vigente à data da prática dos factos, sob a epígrafe “Corrupção passiva para acto ilícito” dispondo que: 

1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos..”. 

O bem jurídico protegido com a incriminação da corrupção corresponde ao prestígio, legalidade, imparcialidade e credibilidade da administração. Em causa está o acto de mercadejar os poderes funcionais, ao serviço dos seus interesses privados, ou seja, o corrompido, abusando da posição que ocupa, substitui-se ao Estado, ou manipula o aparelho do Estado, assim violando a autonomia intencional deste último, no tocante às exigências de legalidade, objectividade e independência que devem presidir ao desempenho de funções públicas.

À data dos factos, tal como hoje, pressupõe o tipo objectivo do crime de corrupção passiva:

- quanto ao sujeito, que o agente assuma a qualidade de funcionário, na acepção prevista no art. 386.º do Código Penal (ou seja, entre outros, o empregado público civil);

- quanto ao modo de acção, que ela se traduza num acto de solicitação ou de aceitação; e

- quanto ao objecto da acção, que se trate de uma vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da sua promessa, indevidas.

O tipo subjectivo, por sua vez, pressupõe, para além do dolo, que tinha por referência todos os elementos do tipo objectivo, um elemento subjectivo especial que se traduzia na existência de uma determinada conexão do comportamento objectivo do agente com a prática de um acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, compreendidos na sua competência funcional ou nos poderes de facto dela decorrentes Contrariedade aos deveres, por razões substanciais e não por razões formais ou de mera competência do agente.

Trata-se de um crime de dano que se consuma logo que, por parte do funcionário, directamente ou por interposta pessoa, haja solicitação ou aceitação, para si ou para terceiro, de vantagem que lhe não seja devida ou da sua promessa, como contrapartida de acto ou omissão contrários aos deveres do cargo.

Conforme se lê no Acórdão da Relação do Porto de 14/04/2021 (proc 102/16.1TRPRT.P1; Rel. Maria Deolinda Dionísio, acessível em jurisprudencia.csm.org.pt), “Com efeito, esgotando-se o ilícito no mercadejar da função, a atividade proibida concretiza-se no mero solicitar ou aceitar o suborno, isto é, na manifestação (expressa ou tácita) de vontade do funcionário em ser corrompido, consumando-se o delito no momento em que essa solicitação ou aceitação chega ao conhecimento do destinatário, “ainda que este não «compreenda» o seu sentido”, bastando que, “atento o respetivo teor, ela se apresente compreensível por um terceiro, segundo os parâmetros da adequação social (António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 662). Esta ordem de considerações implica, desde logo e além do mais, algumas consequências.

a) A primeira, é a de que antes da manifestação de vontade do funcionário em ser corrompido chegar ao conhecimento do destinatário “não se observa uma invasão da esfera de atividade do Estado, nem uma ofensa real à sua autonomia intencional” (António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 662) e, portanto, apenas se poderá falar em tentativa, nos termos gerais do artigo 22.º (exatamente assim, António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 675).

b) Depois, a consumação do crime de corrupção passiva dispensa o efetivo recebimento da peita ou suborno, mostrando-se suficiente, tal como nos diz o Professor António Almeida Costa (Comentário cit., pág. 662) “que se torne conhecida do particular «a solicitação» do suborno (se a iniciativa pertenceu ao funcionário) ou a correspondente «aceitação» (se a iniciativa proveio do corruptor)” (também neste sentido, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1038).

c) A consumação do crime não está dependente da prática de qualquer ato ou omissão contrária aos seus deveres funcionais, não sendo sequer necessário que o “funcionário tenha a intenção de efetivamente vir a cometer o ato contrário aos seus deveres”, sendo, assim, irrelevante para a consumação do crime saber “se e quando [o funcionário] praticou ou deixou de praticar um ato contrariamente aos deveres do seu cargo e mesmo se tinha a intenção de vir a cometer o ato contrário aos seus deveres (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 882; no mesmo sentido, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1038). Dito de outro modo, omissão ou a efetiva realização da atividade prometida pelo funcionário, bem como o seu caráter lícito ou ilícito, mais não representam do que circunstâncias que aumentam ou diminuem a gravidade da infração. O núcleo desta esgota-se no mercadejar com o cargo, na pura e simples «solicitação» ou «aceitação» de suborno.”

Não importa, pois, que o acto não chegue a ser praticado ou mesmo que o funcionário nunca tivesse a intenção de o praticar – bastando o conhecimento, pelo interlocutor ou destinatário da manifestação de vontade de aceitação da vantagem pelo funcionário.

No caso dos autos, como se viu, resultou provado que o arguido BB actuava na qualidade de inspector tributário assessor e que no âmbito do exercício de funções, procedia à inspecção das sociedades de que o arguido AA era sócio e gerente quando, mediante a promessa de prestar informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar (de modo a minimizar, em termos de consequências legais, as infracções verificadas, faltando à verdade relativamente ao que havia apurado), solicitou ao arguido AA a entrega de painéis sandwich no valor de € 4.338,08, bem como, posteriormente, a entrega da quantia de € 5.000,00, solicitações a que aquele acedeu.

Preenchidos se mostram, por isso, os elementos típicos objectivos relativos à qualidade do agente (já que o arguido BB era funcionário público); ao acto de solicitação, já que o pedido formulado chegou de forma clara ao conhecimento do visado; ao objecto da acção, pois em causa está a solicitação de entrega de materiais e de quantia monetária, ascendendo ambos a um valor de 9.338,08, claramente não irrisório. Mais resultou provado que o arguido agiu com o intuito de obter vantagem patrimonial sabendo que o acto que, em contrapartida, se propunha realizar, estando no seu âmbito de actuação, era no entanto contrário aos deveres do cargo que exercia.

Assim, preenchidos que se mostram os elementos típicos objectivo e subjectivo do tipo penal que lhe vem imputado, e não ocorrendo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, impõe-se a condenação do arguido pela prática do crime de corrupção passiva (para acto ilícito) que lhe vem imputado na acusação.

Do crime de corrupção activa:

Por seu turno, ao arguido AA vem imputada da acusação a prática do crime de corrupção activa.

Dispunha o art. 374.º, n.º 1 do Código Penal à data dos factos que: 

Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 372.º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.”. 

Redacção que se mantém, embora com uma sanção penal de 1 a 5 anos de prisão, na redacção actualmente em vigor.

Reiterando-se quanto já acima exposto relativamente ao bem jurídico protegido, o crime de corrupção activa não é específico, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa, independentemente da qualidade profissional/estatutária, e consuma-se com o simples oferecimento ou promessa de suborno por parte do agente, independentemente da reacção do funcionário se traduzir numa aceitação ou repúdio. Ou seja, basta o conhecimento pelo funcionário destinatário da manifestação de vontade de oferta/promessa da vantagem.

E também este tipo penal supõe uma conduta dolosa, a estender-se ao conhecimento da qualidade do sujeito passivo e visando a conformação da actuação funcional daquele.

No caso, resultou provado que o arguido AA entregou, sem contrapartida económica, ao arguido BB, materiais no valor de € 4.338,08, bem como a quantia de € 5.000,00 em numerário. Mais resultou provado que o fez conhecendo a qualidade de inspector tributário do co-arguido BB e na expectativa de este vir a prestar informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar (de modo a minimizar, em termos de consequências legais, as infracções verificadas, faltando à verdade relativamente ao que havia apurado),

Preenchidos se mostram também quanto ao arguido AA, os elementos típicos objectivo e subjectivo do crime de corrupção activa que lhe vem imputado na acusação, impondo-se a sua condenação.»

            2. Apreciação do recurso.

            2.1Do erro de julgamento, devendo os factos descritos nos pontos 10. a 26. dos factos provados integrar o elenco dos factos não provados.

            Nas suas conclusões 19. a 118., o Recorrente lança mão da impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto fazendo-o, de acordo com a própria sistematização do recurso, por duas vias.

Por um lado, destaca segmentos da motivação da decisão sobre a matéria de facto constantes do acórdão recorrido, afirmando que discorda dessa motivação [conclusões 19. a 79.] apresentando a sua própria leitura da prova produzida.

Por outro lado, impugna especificadamente os factos 10. a 26., adiantando as razões pelas quais considera que devem ser dados como não provados [conclusões 80. a 118.].

Cabe ter presentes as seguintes breves considerações sobre o regime legal da impugnação ampla da matéria de facto e respetivos limites.

Nos termos do artigo 428º os Tribunais da Relação conhecem não só de direito, mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto, sendo que uma das vertentes admitida é a da impugnação ampla, visando o chamado erro de julgamento.

            Este erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida e ocorre quando o Tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Tal erro pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.

            Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no artigo 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, nomeadamente pela audição da prova gravada por parte do tribunal de recurso, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do artigo 431º, al. b).

            Todavia, conforme jurisprudência constante[5], esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição das gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

            No recurso sobre a matéria de facto, o recorrente não se pode limitar a pretender uma revisão da convicção alcançada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas a impõem. É necessária a demonstração que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que se demonstre não só a possível incorreção decisória, mas a imperatividade de uma diferente convicção.

            Na realidade, ao tribunal de recurso cabe analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, não bastando, para uma eventual alteração, uma diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.

            Ou seja, o Tribunal da Relação só pode e deve determinar uma modificação da matéria de facto quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa da proferida [cf. artigo 412º, n.º 3, alínea b)] e não apenas quando permitem uma outra decisão[6].

            Em suma, o tribunal de recurso deve verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova nela indicados e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa, cabendo-lhe confrontar o juízo que sobre esses pontos foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada por uma autónoma valoração probatória.

            Por outro lado, nessa tarefa de reapreciação da prova pelo tribunal de recurso intrometem-se necessariamente fatores como a ausência de imediação e da oralidade – sendo que, como é sobejamente sabido, a imediação e a oralidade constituem princípios estruturantes do direito processual penal português. 

            A ausência de imediação e oralidade – o tribunal de recurso apenas tem acesso à gravação áudio das declarações e depoimentos - determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [alínea b) do n.º3 do citado artigo 412.º] .

            Com efeito, quando está em causa a questão da apreciação da prova o Tribunal a quo encontra-se numa posição privilegiada resultante da oralidade e imediação. Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.

            Concluindo: o artigo 412º, nº3, alínea b) do CPP, ao exigir que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo Tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso imperioso decidir de forma distinta.

            Diferentemente, «se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.»[7]

            Volvendo ao caso concreto.

A primeira via de impugnação adotada pelo Recorrente não cumpre, de todo, as exigências legais apontadas supra e está votada ao insucesso.

Com efeito, o Recorrente, constatando que a decisão impugnada assenta, em boa parte, na circunstância de o Tribunal ter credibilizados as declarações prestadas por um dos Arguidos e descredibilizado as prestadas pelo outro (recorrente), analisa as razões adiantadas pelo Tribunal recorrido para assim ter considerado, expondo as suas razões de discordância.

Ora, não é isso que se impõe ao Recorrente que faça quando está em causa a impugnação da matéria de facto nos termos do disposto no artigo 412º nº3 do Código de Processo Penal.

            A forma de demonstrar que o Tribunal errou ao dar como provado ou não provado um ou mais factos faz-se, de acordo com o disposto na alínea b) do nº3 do artº412º do C.P.P., indicando prova que imponha decisão diversa da tomada.

            Por outro lado, o Recorrente, embora adiantando a sua própria leitura da prova que, na sua perspetiva, deveria ter levado o Tribunal a credibilizar as suas declarações em detrimento das prestadas pelo coarguido, não aponta à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante do acórdão recorrido (relativa às razões de credibilização de umas declarações e de descredibilização de outras) a existência de raciocínios ilógicos e contrários às regras de experiência comum.

Atentando na parte da motivação constante da sentença em recurso, verifica-se ser esta, lógica e coerente e, por isso, na sua generalidade, inatacável, ainda mais depois de ouvidas as declarações em causa.

            Na verdade, o Tribunal a quo, depois de fazer uma súmula das declarações e depoimentos prestados em audiência        , expõe de forma exaustiva e clara, por referência à demais prova produzida e às regras de experiência comum, por que razão credibilizou a versão dos factos apresentada pelo coarguido e não a apresentada pelo Recorrente.

            Nessa exposição não se detetam raciocínios ilógicos ou desconformes com as regras do normal acontecer, pelo que (excetuando a alegação de terem por base prova inválida, questão que apreciaremos infra) a convicção do Tribunal, nesta parte, cai no âmbito da livre convicção fundamentada que, não pode ser posta em causa por este Tribunal de recurso, como é unanimemente aceite.

            De todo o modo, não deixaremos de tecer breves considerações sobre algumas das apontadas incorreções, tendo este Tribunal procedido à audição da gravação das provas produzidas em audiência.

            Estão em causa os seguintes segmentos da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que expressam parte das razões pelas quais o Tribunal a quo credibilizou as declarações prestadas pelo coarguido AA:

            a) - “ofende frontalmente as regras da logica que um inspetor tributário decida, no decurso de ação inspetiva (…) encetar negociações para aquisição de materiais comercializados pelo inspecionado em valor superior a €4.000” [conclusões 19. a 24.].

            b) - “embora o arguido BB viesse invocar estar então convencido de que lidava com pessoas honestas, tal alegada credulidade cai por terra quando também reconhece que na origem da ação inspetiva estava comunicação do DCIAP após comunicação da unidade de informação financeira da PJ de movimentações superiores ao estipulado” (…) Improcede por isso a afirmação do arguido BB no sentido de que ate setembro/outubro de 2010, nenhuma suspeita recaia sobre a conduta do arguido AA” [conclusões 25. a 27.]

            c) - “Não mereceram igualmente credibilidade as declarações do ora recorrente na parte em que refere que “o arguido BB foi apenas intermediário na aquisição dos ditos painéis e que fez questão de não fazer negócio com a pessoa que estava a inspecionar” [conclusões 28. a 34.]

d) - “nenhuma explicação se encontra para que o arguido AA soubesse que desempenhava funções nas Finanças uma pessoa de nome GG. Note-se que nenhum dos documentos juntos na acção inspectiva se mostra assinado por esta, e a própria afirma que não teve qualquer intervenção com estas sociedades, pelo que se desconhece como saberia o arguido AA da sua existência (sendo certo que aquela já desempenhava, à data, funções no Núcleo de Averiguações Criminais) a não ser por ter sido invocado o seu nome pelo co-arguido BB” [conclusões 35 a 39.]

            e) - “só a partir de outubro é que o arguido BB começou a notificar terceiros para juntarem documentos aos autos. Sendo certo que a inspecção, como decorre das propostas de relatório de fls. 8 (2.º processo) e 5 (3.º processo) teria tido início em Maio de 2010 e que o prazo normal para conclusão da inspecção é de 6 meses (neste sentido, o depoimento de EE). Circunstância que torna plausível a conclusão de que o andamento das averiguações (e conforme o arguido BB afirmou estas eram as únicas que lhe estavam distribuídas à data) foi condicionado pela forma como o arguido AA acedia ou não às propostas do co-arguido” [conclusões 40. a 43.]

            Quanto ao primeiro ponto, adianta o Recorrente que o negócio foi feito entre ele e um terceiro e não com o coarguido objeto de ação inspetiva, sendo certo que, nada na lei impede que um inspetor faça compras a uma sociedade inspecionada, o que é confirmado pela testemunha EE.

Ora, trata-se de uma leitura alternativa da prova e nenhum dos argumentos adiantados evidencia qualquer erro da decisão que imponha a sua alteração.

O que resulta da prova documental é que a compra foi feita por intermédio de uma das sociedades inspecionadas e a ela faturada, pelo que é falacioso argumentar que o negócio terá sido feito com um terceiro.

Por outro lado, a decisão recorrida não considera que estivesse vedado ao Recorrente fazer compras a uma sociedade inspecionada, o que evidencia é ser essa uma conduta que, de todo, não é comum e, especialmente, aconselhável por parte de um inspetor tributário, sem que se duvide da sua isenção. É certo que a testemunha EE confirma que tal conduta não está vedada por lei, mas também garante que é uma conduta que deve ser comunicada superiormente e que se o Recorrente o tivesse posto a par da situação teria comunicado a questão ao chefe de divisão com a indicação de que o inspetor deveria ser substituído.

Mais acrescentou esta testemunha que nunca compraria nada a um inspecionado no decurso da inspeção, pois que, se nada o impede do ponto de vista legal, a verdade é que nunca faria uma coisa dessas, por uma questão de ética

Ao contrário do invocado pelo Recorrente, todo o depoimento desta testemunha, neste particular, é no sentido de que a conduta do Arguido não foi adequada, pois que, a existir a compra deveria ter comunicado a situação e que, embora não sendo vedado por lei adquirir bens aos inspecionados, é conduta que deve ser evitada e sempre comunicada aos superiores hierárquicos, o que não foi feito.

             Quanto ao segundo ponto.

            Argumenta o Recorrente que só no final de 2010 é que soube que a documentação fornecida era falsa. Porém, tal não passa disso mesmo, uma afirmação do Recorrente. A verdade é que, como se diz na decisão em crise e resulta dos documentos nela também mencionados, a inspeção se iniciou por comunicação vinda do DCIAP e tal era, sem dúvida, indiciador de que existiam fortes suspeitas da prática de atos ilícitos. A mesma testemunha EE afirma, aliás, que em toda a sua carreira apenas levou a cabo duas ou três inspeções com início em comunicação do DCIAP, o que demonstra que quando isso acontece não existe razão válida para o inspetor considerar que está em presença de “pessoas sérias” como afirma o Recorrente.

            Também nesta parte não indica o recorrente razão para pôr em causa a convicção do tribunal.

            Passemos á alínea c).

            O Recorrente considera que é errado por parte do Tribunal a quo descredibilizar as suas declarações na parte em que afirma que negociou os painéis com um terceiro e não diretamente com empresa que estava a ser inspecionada.

Mas sem razão.

A versão dos factos apresentada pelo Recorrente não foi acolhida pelo Tribunal, e a fundamentação de tal convicção mostra-se coerente e perfeitamente admissível.

Na verdade, o Recorrente confrontado com a prova documental relativa à compra e venda e respetiva entrega dos painéis, adianta uma versão dos factos que passa por uma compra a um terceiro, cliente da empresa inspecionada que teria desistido do negócio. Porém, como consta da decisão recorrida, “(…) não soube identificar o alegado cliente a quem teria adquirido os painéis, pessoa que teria visto apenas duas vezes e a quem entregou € 3.000 em numerário, num café, sem cuidar de ficar com qualquer comprovativo de pagamento. Ora, se uma tal atuação já seria de estranhar em qualquer cidadão, muito mais o é quando está em causa um inspetor de finanças, que alegadamente se dispõe a adquirir materiais sem fatura a indivíduo que não sabe onde localizar! Chegando ainda a afirmar que a impossibilidade de identificação do cliente se deve à conduta do coarguido AA, que não apresentou a escrita de 2010!”

             A descredibilização das declarações do Recorrente nesta parte mostra-se devidamente fundamentada por apelo às regras de experiência comum, não padecendo de nenhum juízo ilógico que a ponha em causa.

            Relativamente à alínea d), o Recorrente considera que o segmento da fundamentação em causa incorre em erro crasso de raciocínio.

            Falamos do facto de, na versão dada pelo coarguido AA, este ter feito referência a uma pessoa de nome GG enquanto funcionária das Finanças, nome a que só poderia ter acesso porque, conforme afirmou, o Recorrente lho indicou como sendo o de pessoa que era uma “nova diretora” e que percebeu que os €5 000,00 estariam a ser pedidos para “lhe tapar a boca”.

            Contrapõe o Recorrente que esta pessoa foi ouvida como testemunha e que resulta do seu depoimento que não constava à época, sequer, dos quadros da Inspeção Tributária, antes do Núcleo de Averiguações Criminais.

            Ora, não se vê como é que esta constatação põe em causa o raciocínio do Tribunal.

            O Recorrente apela à existência de documentos onde esta pessoa terá tido intervenção, contudo, tais documentos, como reconhece, não constam dos autos, pelo que, não podem ser tidos em consideração.

            O Recorrente, finalmente, alerta para o facto de esta testemunha, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, não ter dito que não teve qualquer intervenção em processo que tivesse como inspecionado as empresas em causa nos autos, dizendo apenas que não se lembra.

            Também nesta parte não descortinamos qualquer erro crasso de raciocínio.

            Passamos à alínea d).

            Considera o Recorrente que o segmento da fundamentação transcrito só pode resultar de desconhecimento por parte do Tribunal daquilo que são as regras que presidem a uma inspeção tributária.

            Porém, limita-se a afirmar que, reconhecendo, embora, que o prazo de realização das inspeções seja, em regra, de seis meses, no caso, a inspeção decorreu conforme o plano e com a celeridade possível, considerando os elementos internos e externos que ia apurando.

            Também não se deteta neste segmento qualquer erro de raciocínio ou desconformidade com as regras de experiência comum, tanto mais que esta circunstância é apontada a par de outras que, no seu conjunto, descredibilizaram a sua versão e credibilizam a do coarguido como sejam:

            “- nenhuma razão lógica apresenta para ter fornecido como morada (comunicada à D...) o endereço de uma antiga casa dos seus pais (Rua ..., ..., ...), já desabitada desde 2004. Sendo certo, por outro lado, que desta forma evitaria a ligação à sua pessoa, uma vez que propriedade da morada onde foi efectivamente feita a entrega (Rua ..., ..., ...), está registada em seu nome conforme informação do registo predial de fls. 96.

- nenhuma razão lógica apresenta para ter sido a sua então esposa a assinar o recebimento da mercadoria, sendo certo que afirmou estar presente no acto. Mais uma vez, as regras da experiência sustentam que seria mais uma manobra para evitar a ligação da sua pessoa ao recebimento dos aludido painéis;

- nenhuma razão haveria (à luz da sua versão), para que o arguido AA mencionasse a existência de uma autocaravana, ou sequer soubesse da sua existência. Efectivamente, se aquilo que o arguido pretendia era construir uma arrecadação, não se vê como chegaria ao conhecimento do arguido AA que o arguido BB era dono de uma autocaravana, como o próprio descreveu na denúncia escrita de fls. 3 (sendo certo que se confirmou, quer nas imagens do GoogleMaps de fls. 93 e ss. colhidas em Setembro de 2010, quer mediante a informação da Conservatória do Registo Automóvel de fls. 178 e a informação de fls. 163, que já à data dos factos o arguido era proprietário da mesma).

- nenhuma razão lógica apresentou para o arguido AA ter ficado na posse do desenho de fls. 79, referente à cobertura que pretendia efectuar. Diga-se, a este respeito, que se é certo que a testemunha FF não veio confirmar a versão do arguido AA, no sentido de que ambos entregaram àquela o desenho para processar a encomenda, não é menos certo que esta testemunha se apresentou nos autos com uma postura de evidente comprometimento, respondendo de forma esquiva às perguntas e negando até ter alguma vez contactado com o arguido BB, quando o próprio afirma que esteve com ela (inclusivamente teve também de a inspeccionar) e a carta junta a fls. 157 (2.º processo) do anexo também aponta nesse sentido. As próprias declarações do arguido AA e o teor da acusação cuja certidão se mostra junta a fls. 439 ajudam mesmo a compreender a postura desta testemunha, que se terá visto envolvida noutros ilícitos penais por força das funções que exercia. Ou seja, a mera negação por esta testemunha (de alguma vez ter recebido o desenho das mãos do arguido BB) não afasta a incoerência do confronto das declarações deste arguido com a posse pelo arguido AA do desenho que aquele admite ter feito. É que se os painéis já estavam cortados à medida pretendida pelo cliente, de nada valeria a AA ver o projecto que o arguido BB se propunha realizar.”

            Em suma, o Recorrente limita-se a oferecer outra leitura da prova produzida, não indicando, em concreto, erros de raciocínio ou desconformidades com as regras de experiência comum que ponham em causa o raciocínio em que o Tribunal assentou a sua convicção no que tange à credibilização das declarações prestadas pelo coarguido e descredibilização das por si prestadas.

            Avançando, insurge-se o Recorrente contra a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto na parte relativa às razões pelas quais as declarações prestadas pelo coarguido AA mereceram o convencimento do Tribunal.

            Defende o Recorrente que, ao invés do afirmado pelo Tribunal a quo, as declarações prestadas pelo Arguido AA não são corroboradas pelos depoimentos das testemunhas HH e II, antes são infirmadas.  

            Está em causa o seguinte segmento:

            “Acresce que a versão trazida aos autos pelo arguido AA, para além de lógica e coerente, encontra ainda parcial corroboração no depoimento da testemunha II, que afirmou que já no âmbito do processo penal contra si instaurado o arguido AA lhe havia relatado os factos, o que até teria sido conversado com LL (este último, que confirma ter tido uma reunião com ambos, cujo teor disse não recordar, facto que não é de estranhar atenta a matéria em causa, as afirmações que AA diz terem sido produzidas por aquele, e a relação que mantinha com o arguido BB).”

            Ora, ouvidos os depoimentos em causa, se é certo que, quanto à testemunha HH esta disse que era absolutamente falso que alguma vez tenha dito que o Recorrente era “useiro e vezeiro em questões de corrupção”, a verdade é que, conforme se pode ler na fundamentação, confirmou ter existido a reunião em causa (entre ele, o coarguido AA e o Dr. II). É nesta parte que o tribunal atenta como corroborando o teor das declarações prestadas pelo arguido AA, sendo certo que não deixa de indicar as razões pelas quais se percebe que não tenha confirmado o teor da conversa – porque não se recorda, ausência de memória a que não será alheia a delicadeza da matéria em causa e a relação que mantinha com o arguido BB).

            Não vemos, assim, que este depoimento infirme as declarações prestadas pelo coarguido AA.

            Quanto à testemunha II, o mesmo afirma que à época, efetivamente, o Arguido AA lhe referiu este pacto corruptivo, mas que entendeu que não fazia sentido usá-lo como argumento de defesa e também confirma ter existido a reunião com a testemunha HH, admitindo que, na mesma, o Arguido AA tivesse falado do assunto, uma vez que ele, na altura, falava sempre disso desde que tivesse oportunidade para tal.

            Em suma, não se descortina nestes depoimentos conteúdo de onde se conclua que infirmam as declarações prestadas pelo arguido AA.

            Prossegue o Recorrente defendendo que as declarações prestadas pelo coarguido AA não poderia merecer credibilidade, uma vez que se trata de pessoa com passado criminal e com desejo de vingança em relação a si por ter levado a cabo a inspeção que veio a culminar com a sua condenação em pena de prisão.

            Ora, o Tribunal a quo não escamoteou estas circunstâncias, antes explicou que, não obstante as mesmas, não há razão para não credibilizar as declarações em causa.

            Concretamente, afirma o Tribunal:

“Argumenta o arguido BB que a denúncia apresentada pelo arguido AA, 10 anos depois dos factos, mais não é do que uma vingança pelo resultado das averiguações por si levadas a cabo.

O que – diga-se – se admite. Mas que de modo algum coloca em crise a versão dos factos que este trouxe aos autos. Aliás, é o próprio arguido AA que admite que o benefício que retirou (da entrega gratuita dos materiais e do pagamento de € 5000) foram 4 anos de prisão efectiva. É humano e lógico que, acedendo a um acto corruptivo, o corruptor se sinta defraudado por não ter sido concretizada a promessa que justificou a entrega da recompensa. E é exactamente isso que se constata nestes autos, ou seja, tendo acedido às disposições patrimoniais que afirmou terem-lhe sido solicitadas pelo co-arguido, o arguido AA sentiu-se enganado ao perceber que, ainda assim, o co-arguido elaborou os relatórios que viriam a redundar na sua condenação pelos crimes fiscais que havia cometido, mas que tinha a expectativa que viessem a ser resolvidos no âmbito contra-ordenacional (com uma “multita”). E é neste contexto que apresenta a denúncia.” (sublinhado nosso)

             Por fim, invoca o Recorrente não existir qualquer razão para credibilizar a versão do coarguido quanto à entrega da quantia de €5 000,00, já que, não existe qualquer prova documental ou testemunhal da mesma.

            Ora, nesta parte, o Tribunal a quo fundamenta a sua convicção por forma que se revela lógica e onde não se descortina qualquer motivo para a mesma não ser aceite:

            “Importa que se diga que neste tipo de crimes, atenta a sua natureza, não é expectável que existam testemunhas, já que a comissão do crime assenta exactamente na negociação sigilosa de assuntos que importam a imputação de ilícitos a ambos os interlocutores. Daí que a prova directa seja muito difícil de reunir. A acrescer, várias das testemunhas que poderiam apresentar depoimentos mais conclusivos (v.g. as testemunhas FF e II) são elas próprias arguidos no processo com o n.º 916/14...., o que, como também afirmado pelo arguido AA, poderá condicionar a postura aqui assumida enquanto testemunhas e a assumida por II quando lhe propôs denunciar o arguido BB (o que aquele reconhece ter desaconselhado.

Tudo para dizer que a circunstância de não ter sido colhida prova (ainda mais) conclusiva, não afasta a constatação de que, em face dos elementos que objectivamente se recolheram (designadamente quanto aos painéis), só a versão trazida aos autos pelo arguido AA encontra solidez probatória à luz das regras da experiência e segundo juízos de normalidade, não tendo deixado dúvidas ao Tribunal quanto à sua veracidade.”

            Não colhe, portanto, a acusação de que a fundamentação da convicção do Tribunal assenta em erros crassos.

            Não obstante a invocação da necessidade de o Tribunal rodear de cautelas as declarações confessórias de um arguido contra outro arguido, o que não pode deixar de se acompanhar, a verdade é que no caso dos autos inexiste o impedimento previsto no artigo 345º nº4 do Código de Processo Penal - “não podem valer como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs 1 e 2”- já que, compulsada a ata da sessão do julgamento em que essas declarações foram prestadas, se conclui que o Arguido AA respondeu a todas as perguntas formuladas pelos intervenientes processuais..

            Por outro lado, como resulta do supra exposto, o Tribunal lançou mão de todo um conjunto de prova documental e testemunhal, e bem assim, do confronto com as regras de experiência comum para justificar a credibilidade que deu a essas mesmas declarações.

            Atente-se, por fim, que as declarações em causa não são meramente desculpabilizantes, imputando factos a outro arguido com vista a eximir-se da sua responsabilidade pelos mesmos. No caso dos autos, as declarações do arguido AA são de molde a dar como provados factos que lhe são imputados e que preenchem o ilícito criminal de corrupção ativa.

            Ainda quanto à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, considera o Recorrente que a mesma não pode subsistir pois que assenta em prova inválida.

            Concretamente, o Tribunal teve em consideração o depoimento prestado pela testemunha II e não o podia fazer, pois o mesmo depôs sobre factos que vieram ao seu conhecimento em virtude do exercício da Advocacia e, nessa medida, sem ter requerido a sua dispensa de sigilo profissional, estava impedido, sob pena de invalidade, de depor sobre esses factos.

            Neste particular, subscrevemos, por claras e acertadas, as considerações tecidas na douta resposta do Ministério Público ao recurso e que se transcrevem:

            “Não obstante o pouco ou nenhum relevo que o recorrente pretende advir do depoimento da testemunha II, não deixa de afirmar mais á frente que o mesmo não podia ter sido testemunha nos autos sem ter requerido a dispensa de sigilo – o que não fez-  porque «foi advogado do AA na altura dos factos em discussão, sendo que o conhecimento que obteve decorre do exercício da sua profissão».

Ora, não só não é verdade que o conhecimento dos factos sobre que depôs lhe tivesse advindo na qualidade de seu advogado (como já se referiu o mesmo foi bem expresso e claro ao afirmar que teve conhecimentos dos factos não só na qualidade de advogado do AA, como na qualidade de amigo), como é certo que, no caso, manifestamente, enquanto advogado do AA, na matéria em questão,  não estava sujeito ao segredo profissional pois que dele estava desvinculado pelo próprio cliente, que foi quem, em primeira mão, indicou o seu nome como sendo conhecedor dos factos que denunciou e para prova dos mesmos e da sua vontade em ter apresentado a denuncia muito tempo antes e dos entraves que lhe foram sendo colocados quanto à sua decisão inclusive pelo próprio Drº II.

Na verdade, como se escreve no Acórdão proferido em 04/03/2025, no processo nº 60/10.6TAMGR-A.C1 do TRC, Relator: VASQUES OSÓRIO, disponível em www.dgsi.pt: «o segredo profissional não é um segredo absoluto e inafastável … Uma primeira situação em que o advogado deixa de estar sujeito ao segredo profissional decorre da sua desvinculação pelo próprio cliente, quando este autoriza a revelação do segredo». 

                No mesmo sentido o Ac TRC de 5/4/2017  e Ac. do TRC  de 28/11/2018 este, onde se escreve ainda o seguinte « A ser exacta a informação de que o arguido dispensou o Ilustre Advogado do sigilo profissional e solicitou que o mesmo prestasse depoimento em audiência de julgamento e na qualidade de testemunha [aparentemente, arrolado pelo arguido], sobre conversas entre ambos havidas, tendo por objecto aconselhamento jurídico, versando a problemática decorrente do não acatamento e execução das decisões judiciais em questão nos autos de processo comum, pelo arguido, no pressuposto de que o sigilo foi estabelecido em exclusivo benefício do arguido, não existirá então, na decorrência do supra dito, direito à escusa, pois deixou de estar sujeito ao segredo profissional, por dele ter sido desvinculado pelo cliente ou ex-cliente.

Logo, não haveria lugar ao presente incidente.»

                Ou seja, e como já se referiu, na hipótese de se considerar que os factos sobre que depôs a testemunha II estavam abrangidos pelo segredo profissional (que se coloca por mera cautela), o certo é que, tendo o arguido AA apresentado queixa pelos factos abrangidos por esse segredo e tendo invocado o nome do seu ex-advogado II para prova de tais factos e de que quis apresentar queixa quanto aos mesmos muito tempo antes, mister é concluir que o desvinculou do sigilo, posto que este estava estabelecido em seu favor. 

                Em suma, mesmo nessa hipótese, não existem razões para não valorar o depoimento da testemunha II.»

            Não diríamos melhor!

            Aqui chegados, entramos na segunda forma de impugnação por que envereda o Recorrente, indicando, facto a facto, a razão de deverem os mesmos serem dados como não provados.

            Trata-se das conclusões 80. a 117.

            Porém, tendo presentes as considerações tecidas supra sobre as exigências legais impostas a este tipo de impugnação, logo se conclui que as mesmas não foram cumpridas.

            Com efeito, não indica o Recorrente, por referência aos factos em causa quais as concretas provas que impõem decisão diferente.

            Vejamos.

            Estão em causa os pontos 10. a 26. dos factos provados que são do seguinte teor:

“10. Nesse âmbito, o arguido BB e o arguido AA travaram conhecimento, tendo o arguido BB feito alusão aos problemas que poderiam decorrer da acção inspectiva, face ao que já tinha verificado acerca do funcionamento das sociedades e transferências de valores destas para contas pessoais de AA.

11. Passando a conversar igualmente sobre outros assuntos, não estritamente ligados à inspecção que decorria, tendo o arguido BB, em data não concretamente apurada, mas anterior a 6 de Agosto de 2010, mencionado ao arguido AA, ser proprietário de uma autocaravana, em casa dos seus pais, sita na Rua ..., ..., ..., ..., ..., comunicando ter aí intenção de construir uma cobertura em estrutura metálica, para a qual necessitaria de painéis sandwich, material no qual a B..., Lda. trabalhava e se havia especializado.

12. Entregando aí, para o efeito, o arguido BB ao arguido AA um desenho/esboço, efectuado por si, no qual era possível ver medidas e especificações da parte traseira da casa dos pais em ..., onde pretenderia construir a estrutura metálica e apor os painéis sandwich. (cfr. fls. 79)

13. Apercebendo-se que poderia auferir vantagem patrimonial pessoal no âmbito das suas funções de inspector tributário, o arguido BB elaborou, em data não concretamente apurada, mas anterior a 6 de Agosto de 2010, um plano que passaria por propor ao arguido AA que lhe oferecesse os painéis sandwich que necessitava para a aludida cobertura que pretendia construir, sendo que, em troca, diria a este que poderia prestar informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar por ocasião da acção de inspecção tributária, dessa forma minimizando, em termos de consequências legais, as infracções verificadas, faltando à verdade daquilo que havia apurado.

14. Informando AA ao arguido BB que os pretendidos painéis sandwich tinham um valor a rondar os 5.000€.

15. Simultaneamente, AA, sabendo das implicações que a inspecção tributária em curso poderia trazer para a sua vida pessoal e profissional, na medida em que existiam inúmeras ilegalidades, por volta da data referida, elaborou igualmente um plano que passava por oferecer os painéis sandwich que o inspector tributário BB necessitava para a aludida construção da cobertura, no valor de cerca de 5.000€, para, dessa forma, conseguir que BB prestasse informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar por ocasião da acção de inspecção tributária, dessa forma minimizando, em termos de consequências legais, as infracções verificadas, faltando à verdade.

16. Assim, em data não concretamente apurada, mas anterior a 6 de Agosto de 2010, o arguido BB abordou o arguido AA, propondo que, em troca da oferta dos painéis sandwich que necessitava para a aludida cobertura que pretendia construir, prestaria informações mais favoráveis relativas às sociedades de AA na informação técnica a elaborar por ocasião da acção de inspecção tributária que estava a realizar, dessa forma minimizando, em termos de consequências legais, as infracções verificadas e que sabia estarem em causa, faltando à verdade daquilo que se havia e poderia apurar nesse âmbito.

17. Na medida em que tal proposta ia ao encontro do seu plano, após o ter comunicado a BB, AA e BB acordaram que os painéis sandwich seriam oferecidos por aquele e, em troca, BB disponibilizava-se a ajudar AA, prestando as aludidas informações no circunstancialismo descrito.

18. Uma vez assente e aceite por ambos o acordo conjunto e a quantidade de painéis sandwich que o arguido BB necessitaria, o arguido AA efectuou, em data não concretamente apurada, mas anterior a 6 de Agosto de 2010, a encomenda/pedido à sociedade D..., com sede social no ..., Parcela ..., ...20 ..., ..., Espanha, sociedade com quem mantinha relações negociais há muito, do seguinte material, descrição, quantidades e unidades:.


19. Vindo a factura n.º ...87 a ser emitida pela sociedade D... à cliente B..., Lda., com data de 9 de Agosto de 2010, no valor total de 4.338,08€.

20. E tendo AA emitido, para pagamento dessa factura à D..., o cheque n.º ...07, sacado sobre a conta bancária ...20 (Banco 1...) da B..., Lda. e da qual era sócio gerente, no valor global de 4.338,08€, emitido em ..., a 20 de Setembro de 2010. (cfr. fls. 76 e conta corrente de fls. 182)

21. Na sequência da encomenda efectuada, a sociedade D... contratou o transporte à E... S.L. com sede na Rua ..., ... ..., a qual, por sua vez, contratou a sociedade F..., constando do documento de saída da mercadoria 4.412/A, a morada de entrega - Rua ..., ..., ... ..., Portugal - o n.º de telemóvel ...71, pertencente ao arguido BB, e ainda a  assinatura de recebimento da mercadoria por JJ, BI/CC n.º ...39, à data, mulher do arguido BB.

22. Tendo a mercadoria sido entregue no dia 6 de Agosto de 2010, na residência propriedade do arguido, mas onde vivia o seu pai, sita na Rua ..., ..., ..., ..., a mercadoria que o arguido BB fez sua, conforme acordado previamente entre os arguidos.

23. Não obstante, algum tempo depois da entrega da aludida mercadoria, o arguido BB abordou o arguido AA, solicitando-lhe a entrega de 5.000€, para assim acalmar a sua situação processual e o andamento da inspecção tributária, valor que AA aceitou entregar para esse efeito.

24. Assim, em data não concretamente apurada, mas ainda no ano de 2010, AA combinou encontrar-se com o arguido BB junto à Praça ... I, em ..., efectuando-lhe aí a entrega, em dinheiro, do valor de 5.000€, conforme solicitado e aceite por ambos, quantia que o arguido BB fez sua.

25. Mais tarde, mas ainda no mesmo ano de 2010, o arguido BB abordou novamente o arguido AA, e, fazendo alusão à gravidade da sua situação processual, solicitou a entrega de mais 5.000€, para efeitos semelhantes aos que fizera alusão anteriormente, pagamento que acabou por ser negado por parte de AA.

26. No dia 4 de Novembro de 2020, o arguido BB detinha:

            Na sua residência, sita na Rua ... ..., ..., no seu quarto, no interior da gaveta do meio da mesinha de cabeceira do lado onde dorme, os seguintes documentos:

            duplicado da "Guia de Transporte n' ...28", da empresa espanhola D..., com a data de 6 de Agosto de 2010, com o lugar de entrega em ... – Portugal;

            documento emitido pela empresa espanhola D..., “Albarán de salida” com o n.º de 4.412/A, datado de 6 de Agosto de 2010, expedido ao transportador G..., S.L, com a descrição da carga e o lugar de entrega em ..., Portugal"; (cfr. auto de busca e apreensão, com reportagem fotográfica de fls. 191 a 195)

            No anexo da residência sita na Rua ..., ..., ... ..., ..., foi apurado que se encontrava parqueada uma autocaravana, da marca e modelo " ...”, com a matricula ..-CD-.., sendo que a cobertura do aludido anexo era composta por painéis sandwich em quantidade de 12 placas, com as dimensões de cerca de 1,02 metros de largura, por 3,50 metros de comprimento;

            No terreno do arguido BB, que confina com o referido anexo, encontravam-se um total de 2l painéis sandwich empilhados, com as dimensões de 1,02 metros de largura, por 10,90 metros de comprimento. (cfr. auto de busca e apreensão, com reportagem fotográfica de fls. 198 a 203)”

            O Recorrente, nesta parte, limita-se a repetir os argumentos já rebatidos supra, relativos ao facto de a convicção do Tribunal ter assentado essencialmente nas declarações prestadas pelo coarguido AA, não indicando, como lhe é exigido, as concretas provas que impõem decisão contrária.

            Assim, tal impugnação soçobra, remetendo-se para o que supra se expendeu a propósito.

            Concretamente, e no que tange aos factos descritos em 23., 24. e 25., invoca o recorrente a violação do princípio in dubio pro reo.

            Sem razão, porém.

            A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32º, nº1, estabelece o comando que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa”. Nestas garantias inclui-se e emerge de modo assaz relevante o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32º, nº2 do Texto Fundamental, nos seguintes moldes: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

Pelo que acima deixamos dito, facilmente se constata que a decisão da matéria de facto operada pelo tribunal recorrido não encerra qualquer violação da presunção de inocência do arguido. Antes é suportada em prova produzida nos autos, suficiente e idónea para o efeito, que foi valorada pelo tribunal em conformidade com os ditames legais. Não é uma decisão arbitrária, meramente discricionária, persecutória, eivada de pré-juízos contrários à posição do arguido.  

Por seu turno, o princípio in dubio pro reo é complementar do princípio constitucional da presunção da inocência, vertido no artigo 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, e o seu campo de aplicação encontra-se após a conclusão da tarefa judicial da valoração da prova produzida e quando o resultado desta não é conclusivo; neste caso, por via desta regra atinente à decisão, a dúvida insanável, inultrapassável sobre os factos deve favorecer o arguido. 

O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.

À semelhança do que sucede com os vícios consagrados no n.º 2 do artigo 410.º, em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico que se destina a despistar erros in judicando ou in procedendo - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2008, processo 08P3456, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.01.2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, de 03.06.2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, e de 12.09.2018, processo 28/16.9PTCTB.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.07.2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso vertente, salvo o devido respeito por opinião contrária, não resulta do texto da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto, que o tribunal tenha sido assolado por uma dúvida razoável, muito menos insanável, que forçasse o julgador a recorrer ao princípio in dubio pro reo para dar por não provada a factualidade cujo julgamento o Recorrente discorda.

Pelo contrário, o tribunal recorrido não se posicionou numa situação de dúvida quanto ao sentido da prova produzida sobre os factos em questão, sendo que o respetivo entendimento lavrado na decisão recorrida, atenta a prova produzida, é defensável face às regras da experiência comum e da lógica, que o não contrariam impreterivelmente.

Conclui-se, assim, que inexistiu violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.

            Em conclusão.

            O princípio da livre apreciação da prova, constituindo um princípio estruturante do direito processual penal português, encontra-se vertido no artigo 127º do Código Processo Penal, que preceitua: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção da entidade competente.”

 Existe uma margem de discricionariedade, mas esta não é absoluta, antes balizada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação que devem nortear o decisor na apreciação da prova produzida. Por conseguinte, o juiz, na fundamentação da decisão de facto, deve justificar, fundamentando convenientemente, as suas próprias escolhas, ou seja, porque valorou cada prova de determinado modo (por exemplo, porque concedeu credibilidade ao depoimento de uma testemunha e negou credibilidade ao depoimento de outra testemunha). Compreende-se que assim seja, sob pena de a convicção do tribunal se tornar não sindicável, caindo no mero livre arbítrio, o que não se coaduna com um sistema de justiça próprio de um estado de direito democrático.    

Assim tem sido entendido, reiteradamente, pelo Tribunal Constitucional, num juízo de conformidade do disposto no artigo 127º do CPP com a Constituição.

Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1165/96, de 19.11.1996, in DR, Série II, de 06.02.1997 (reiterado pelo acórdão do mesmo Tribunal nº 464/97, de 01.07.1997, in DR, Série II, de 12.01.1998): «A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efetiva motivação da decisão». 

Ainda o acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/02, proferido no âmbito do processo nº 528/02, onde se lê «[…] de acordo com o entendimento que tem vindo a ser professado por este tribunal, a valoração da prova segundo a livre convicção do julgador não significa uma apreciação contra a prova ou uma valoração que se desprendeu da legalidade dos meios de prova ou das regras gerais de produção da prova, ou seja, não é admissível uma valoração arbitrária da prova, sendo a convicção do julgador «objetivável e motivável», conjugando-se com dever de fundamentar os actos decisórios e de promover a sua aceitabilidade».

In casu, consideramos que o tribunal a quo interpretou corretamente e em conformidade com os ditames constitucionais o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.

Na verdade, a Mma. Juiz explanou na fundamentação da decisão de facto do douto acórdão, de modo claro e percetível, as fontes probatórias que acolheu para a tomada de decisão, o respetivo conteúdo e alcance, e, outrossim, por que motivo credibilizou umas e descredibilizou outras, sempre dentro dos limites legais da livre convicção, respeitando as regras da experiência e da lógica.

Assim, de modo que não merece crítica, porque não contrariado impreterivelmente pelas regras da experiência e da lógica, e beneficiando da circunstância de ter os declarantes perante si (podendo observar, entre o mais, as respetivas expressões corporais ou a ausência destas, no que isso pode significar ao nível da apreensão da emotividade e espontaneidade de um depoimento), a Mma. Juiz fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto de forma racional, decisão essa totalmente defensável face às regras da experiência e da lógica.

É certo que o Recorrente discorda do sentido que o tribunal recorrido conferiu à prova produzida; contudo, essa discordância (no caso assente em argumentos que consideramos não serem válidos no caso concreto) não basta para que este Tribunal de recurso altere aquela decisão, já que para tal era forçoso concluir que o juízo probatório assumido pelo tribunal a quo afrontava de modo crasso, evidente, inequívoco, as regras da experiência e da lógica ou os conhecimentos técnicos/científicos predominantemente vigentes, impondo-se por isso a sua revogação, o que, frisa-se, não sucede. Pelo contrário, o juízo probatório efetuado pelo Tribunal recorrido é o que se apresenta como mais clarividente e conforme ao sentido da globalidade da prova produzida nos autos.
Pelo exposto, até porque não se vislumbra violação do princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 127º do CPP, improcede a deduzida impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

            2.2. – Da errada qualificação jurídica dos factos.

Compulsadas as conclusões 119. a 125. e 144. a 163., verifica-se que o Recorrente considera, por um lado, que à matéria de facto dada como provada deveria ser aplicado o regime legal resultante da redação dada ao artigo 372º nº1 do Código Penal pela Lei nº108/2001 de 28-11 e não, como foi decidido erradamente pelo Tribunal a quo, o regime legal resultante da redação dada ao artigo 373º nº1 do Código Penal pela Lei nº32/2010 de 02-09 – Conclusões 119. a 125. – e, por outro lado que, atenta a mesma matéria de facto não se mostra preenchido o tipo legal de corrupção para ato ilícito, mas tão só o tipo legal de corrupção para ato lícito previsto e punido pelo artigo 373º nº1 do Código Penal na versão dada pela lei nº108/2001 de 28-11 – Conclusões 144. a 163.

            Vejamos a primeira questão.

            O Tribunal a quo confrontando a redação do artigo 373º nº1 do Código Penal, dada pela lei nº 32/2010 de 02-09 com a redação dada ao artigo 372º do mesmo código pela Lei nº108/2001 de 28-11 conclui, e bem, que o ilícito é punido pela mesma forma e o desenho do ilícito quanto aos seus elementos constitutivos é igual.

            Por isso, a alegação do Recorrente é, nesta parte, inócua.

            Com efeito, a posição do Recorrente não é mais ou menos vantajosa no confronto entre as duas versões dos artigos em causa, pelo que, surge irrelevante a argumentação do recurso nesta parte.

            Assim, conclui-se como na douta resposta ao recurso onde se consignou que:

            “Em primeiro lugar repete-se que o artigo 372º, 1 na versão da Lei 108/2001 (vigente á data dos factos) tinha igual formulação ao artigo 373º atual, tal como se refere no douto acórdão recorrido, que expressamente assentou nesse pressuposto, sendo irrelevante a subsunção da conduta do arguido num ou noutro normativo porquanto prevista exatamente nos mesmo termos.”

            Passemos à segunda questão.

            O acórdão recorrido, nesta parte, é do seguinte teor:

            «O bem jurídico protegido com a incriminação da corrupção corresponde ao prestígio, legalidade, imparcialidade e credibilidade da administração. Em causa está o acto de mercadejar os poderes funcionais, ao serviço dos seus interesses privados, ou seja, o corrompido, abusando da posição que ocupa, substitui-se ao Estado, ou manipula o aparelho do Estado, assim violando a autonomia intencional deste último, no tocante às exigências de legalidade, objectividade e independência que devem presidir ao desempenho de funções públicas.

À data dos factos, tal como hoje, pressupõe o tipo objectivo do crime de corrupção passiva:

- quanto ao sujeito, que o agente assuma a qualidade de funcionário, na acepção prevista no art. 386.º do Código Penal (ou seja, entre outros, o empregado público civil);

- quanto ao modo de acção, que ela se traduza num acto de solicitação ou de aceitação; e

- quanto ao objecto da acção, que se trate de uma vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da sua promessa, indevidas.

O tipo subjectivo, por sua vez, pressupõe, para além do dolo, que tinha por referência todos os elementos do tipo objectivo, um elemento subjectivo especial que se traduzia na existência de uma determinada conexão do comportamento objectivo do agente com a prática de um acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, compreendidos na sua competência funcional ou nos poderes de facto dela decorrentes. Contrariedade aos deveres, por razões substanciais e não por razões formais ou de mera competência do agente.

Trata-se de um crime de dano que se consuma logo que, por parte do funcionário, directamente ou por interposta pessoa, haja solicitação ou aceitação, para si ou para terceiro, de vantagem que lhe não seja devida ou da sua promessa, como contrapartida de acto ou omissão contrários aos deveres do cargo.

Conforme se lê no Acórdão da Relação do Porto de 14/04/2021 (proc 102/16.1TRPRT.P1; Rel. Maria Deolinda Dionísio, acessível em jurisprudencia.csm.org.pt), “Com efeito, esgotando-se o ilícito no mercadejar da função, a atividade proibida concretiza-se no mero solicitar ou aceitar o suborno, isto é, na manifestação (expressa ou tácita) de vontade do funcionário em ser corrompido, consumando-se o delito no momento em que essa solicitação ou aceitação chega ao conhecimento do destinatário, “ainda que este não «compreenda» o seu sentido”, bastando que, “atento o respetivo teor, ela se apresente compreensível por um terceiro, segundo os parâmetros da adequação social (António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 662). Esta ordem de considerações implica, desde logo e além do mais, algumas consequências.

a) A primeira, é a de que antes da manifestação de vontade do funcionário em ser corrompido chegar ao conhecimento do destinatário “não se observa uma invasão da esfera de atividade do Estado, nem uma ofensa real à sua autonomia intencional” (António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 662) e, portanto, apenas se poderá falar em tentativa, nos termos gerais do artigo 22.º (exatamente assim, António Almeida Costa, Comentário cit., pág. 675).

b) Depois, a consumação do crime de corrupção passiva dispensa o efetivo recebimento da peita ou suborno, mostrando-se suficiente, tal como nos diz o Professor António Almeida Costa (Comentário cit., pág. 662) “que se torne conhecida do particular «a solicitação» do suborno (se a iniciativa pertenceu ao funcionário) ou a correspondente «aceitação» (se a iniciativa proveio do corruptor)” (também neste sentido, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1038).

c) A consumação do crime não está dependente da prática de qualquer ato ou omissão contrária aos seus deveres funcionais, não sendo sequer necessário que o “funcionário tenha a intenção de efetivamente vir a cometer o ato contrário aos seus deveres”, sendo, assim, irrelevante para a consumação do crime saber “se e quando [o funcionário] praticou ou deixou de praticar um ato contrariamente aos deveres do seu cargo e mesmo se tinha a intenção de vir a cometer o ato contrário aos seus deveres (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 882; no mesmo sentido, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1038). Dito de outro modo, omissão ou a efetiva realização da atividade prometida pelo funcionário, bem como o seu caráter lícito ou ilícito, mais não representam do que circunstâncias que aumentam ou diminuem a gravidade da infração. O núcleo desta esgota-se no mercadejar com o cargo, na pura e simples «solicitação» ou «aceitação» de suborno.”

Não importa, pois, que o acto não chegue a ser praticado ou mesmo que o funcionário nunca tivesse a intenção de o praticar – bastando o conhecimento, pelo interlocutor ou destinatário da manifestação de vontade de aceitação da vantagem pelo funcionário.

No caso dos autos, como se viu, resultou provado que o arguido BB actuava na qualidade de inspector tributário assessor e que no âmbito do exercício de funções, procedia à inspecção das sociedades de que o arguido AA era sócio e gerente quando, mediante a promessa de prestar informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar (de modo a minimizar, em termos de consequências legais, as infracções verificadas, faltando à verdade relativamente ao que havia apurado), solicitou ao arguido AA a entrega de painéis sandwich no valor de € 4.338,08, bem como, posteriormente, a entrega da quantia de € 5.000,00, solicitações a que aquele acedeu.

Preenchidos se mostram, por isso, os elementos típicos objectivos relativos à qualidade do agente (já que o arguido BB era funcionário público); ao acto de solicitação, já que o pedido formulado chegou de forma clara ao conhecimento do visado; ao objecto da acção, pois em causa está a solicitação de entrega de materiais e de quantia monetária, ascendendo ambos a um valor de 9.338,08, claramente não irrisório. Mais resultou provado que o arguido agiu com o intuito de obter vantagem patrimonial sabendo que o acto que, em contrapartida, se propunha realizar, estando no seu âmbito de actuação, era no entanto contrário aos deveres do cargo que exercia.

Assim, preenchidos que se mostram os elementos típicos objectivo e subjectivo do tipo penal que lhe vem imputado, e não ocorrendo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, impõe-se a condenação do arguido pela prática do crime de corrupção passiva (para acto ilícito) que lhe vem imputado na acusação.»

Sustenta o Recorrente, se bem compreendemos, que para que se mostrasse preenchido o elemento objetivo constitutivo do ilícito de corrupção, seja ela para ato ilícito ou para ato lícito, seria necessário que se demonstrasse que a solicitação ou aceitação de vantagem o era para a prática de um concreto ato ou omissão, o que não teria resultado provado nos autos.

Ora, não compreendemos esta posição tendo em conta o teor dos pontos 13. a 25. de onde resulta que a vantagem foi solicitada para que o Recorrente prestasse informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar por ocasião da ação de inspeção tributária, dessa forma minimizando, em termos de consequências legais, as infrações verificadas, faltando à verdade daquilo que havia apurado e que o coarguido AA (corruptor) aceitou entregar essa vantagem porque, dessa forma, conseguiria que o Recorrente prestasse informações mais favoráveis na informação técnica a elaborar por ocasião da ação de inspeção tributária, dessa forma minimizando, em termos de consequências legais, as infrações verificadas, faltando à verdade.

Mais consta dos pontos da matéria de facto provada em causa que, algum tempo depois da entrega dos painéis, o arguido BB abordou o arguido AA, solicitando-lhe a entrega de 5.000€, para assim acalmar a sua situação processual e o andamento da inspeção tributária, valor que AA aceitou entregar para esse efeito.

O concreto ato ou omissão está perfeitamente delineado nos factos em causa, não colhendo, por isso, a argumentação recursória nesta parte.

Considera, por outro lado, o Recorrente que não ficou demonstrado que tivesse praticado qualquer concreto ato ilícito, pelo que, também por essa via não estariam preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal de crime por que foi condenado, mas sim, os constitutivos do ilícito de corrupção para ato lícito.

Também nesta parte não assiste razão ao Recorrente.

Conforme vem dito no douto acórdão recorrido, “A consumação do crime não está dependente da prática de qualquer ato ou omissão contrária aos seus deveres funcionais, não sendo sequer necessário que o “funcionário tenha a intenção de efetivamente vir a cometer o ato contrário aos seus deveres”, sendo, assim, irrelevante para a consumação do crime saber “se e quando [o funcionário] praticou ou deixou de praticar um ato contrariamente aos deveres do seu cargo e mesmo se tinha a intenção de vir a cometer o ato contrário aos seus deveres (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 882; no mesmo sentido, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1038). Dito de outro modo, omissão ou a efetiva realização da atividade prometida pelo funcionário, bem como o seu caráter lícito ou ilícito, mais não representam do que circunstâncias que aumentam ou diminuem a gravidade da infração. O núcleo desta esgota-se no mercadejar com o cargo, na pura e simples «solicitação» ou «aceitação» de suborno.”

Assim sendo, como é, não se compreende a razão pela qual o Recorrente advoga que o ilícito praticado é, afinal, o de corrupção para ato lícito e não o de corrupção para ato ilícito.

Em suma, bem andou o Tribunal a quo ao subsumir os factos ao ilícito de corrupção passiva para ato ilícito, improcedendo o recurso, também nesta parte.

 

            2.3. Da prescrição do procedimento criminal

Cabe nesta sede esclarecer que se optou por tratar esta questão neste momento em vez de, como é habitual, antes de quaisquer outras (por poder prejudicar o conhecimento das mesmas), na medida em que, tendo o Recorrente questionado a qualificação jurídica dos factos, a implicar a consideração de prazos de prescrição diversos, tal poderia influenciar os dados da questão da prescrição do procedimento criminal.

Falamos do facto de no recurso se advogar a subsunção dos factos provados à previsão do artigo 373º nº1 do Código Penal (na versão dada pela Lei nº108/2001 de 28-11), ilícito para o qual está prevista uma pena de prisão até dois anos ou multa até duzentos e quarenta dias, sendo o respetivo prazo de prescrição de cinco anos [artigo 118º nº1 alínea c) do Código Penal].

Aqui chegados e tendo em conta o que supra se decidiu, fica prejudicado o conhecimento desta questão por esta perspetiva, na medida em que a tese recursória referido não obteve acolhimento.

Passemos, pois, a conhecer da questão da prescrição do procedimento criminal, tendo por assente que o que está em causa é a prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, ao qual corresponde uma pena de prisão de um a oito anos – Artigo 373º do Código Penal.

Tendo presente o teor das conclusões 126. a 143., verificamos que o Recorrente considera que quando ocorreu o primeiro facto interruptivo do prazo de prescrição (constituição de arguido) já o mesmo prazo se havia completado.

Tal assenta no facto de se defender que, contando-se o prazo de prescrição a partir da data em que o facto se tiver consumado (artigo 119º do Código Penal), no caso dos autos a data a ter em conta será a da celebração do pacto corruptivo.

Nessa decorrência e fazendo apelo ao princípio in dúbio pro reo, teria de se considerar como termo inicial da contagem desse prazo, data que, na janela de tempo entre 24-05-2010 e 06-08-2010, seria de fixar antes de 05-06-2010.

Assim, sendo o prazo de prescrição de dez anos, na data em que ocorreu a constituição de arguido (05-06-2020), já tinham decorrido mais de dez anos.

Vejamos.

Estabelece o artigo 118º nº1 alínea b) do Código Penal (na redação em vigor à data da prática dos factos) que:

1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:

b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos;”

Por seu turno, estabelece o artigo 119º nº1 (do mesmo código e na redação em vigor à data dos factos) que: “O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.”

No caso dos autos, há que ter em consideração os seguintes dados de facto:

- O pacto corruptivo ocorreu em data incerta situada entre 24-05-2010 e 06-08-2010 (factos descritos nos pontos 9., 11., 13., 16. e 17.)

-  A constituição de arguido de BB ocorreu em 05-06-2020 (fls.37)

            - A entrega/aceitação das vantagens decorrentes do mencionado pacto corruptivo ocorreu em 06-08-2010 e entre essa data e o final do ano de 2010 (factos descritos nos pontos 22., 23. e 24. dos factos provados).

            Importa, ainda, ter presente o que prescreve o artigo 121º nº1 alínea a) e nº2 do Código Penal (cuja redação em vigor é a mesma que estava em vigor à data dos factos):

                “1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:

a) Com a constituição de arguido;

                (…)

2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.”

            Adiantamos, desde já, que o Recorrente não tem razão.

            O seu raciocínio assenta em premissa que, atenta a mais recente jurisprudência, não se aceita e que é a de que, nos crimes de corrupção o termo inicial de contagem do prazo de prescrição é a data em que se consumou o pacto corruptivo.

            Ora, o que se vem entendendo (embora sem unanimidade) é que, ocorrendo efetiva entrega de vantagem, tal termo inicial tem de ser a data da entrega que foi feita por último.

            Na verdade, num caso em que as entregas de vantagem se prolongam, muitas vezes por anos, assentes num mesmo pacto corruptivo inicial, não faria sentido que o prazo se contasse pela forma que o Recorrente defende, sob pena de o “corruptor de longa data” ver o procedimento criminal prescrever ainda em plena execução do pacto corruptivo.

            Este entendimento foi sujeito à apreciação do Tribunal Constitucional no acórdão nº73/2024 de 23-01[8] em que se decidiu:

            Não julgar inconstitucional o disposto nos artigos 119.º, n.º 1 e 374.º, n.º 1, ambos do Código Penal (na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março), quando interpretados no sentido de que o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa é contado a partir da data em que ocorra entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa vantagem;

            Importa ter presente o seguinte segmento do mesmo acórdão:

            “O artigo 374.º, n.º 1, do CP, punindo como crime de corrupção ativa tanto a entrega de vantagem como a sua promessa a agente público (como contrapartida da infração a deveres funcionais), não impõe que se conclua que, perante um facto penal que compreenda ambas as fórmulas típicas, se tenha o delito por consumado no ato, de entre aqueles, com precedência temporal. O elemento literal comporta o entendimento de que se está perante uma forma de execução complexa do delito, cuja consumação (material) se localiza no último ato praticado, desta forma atribuindo relevo jurídico-penal a todos os que se identifiquem com o ilícito-típico da norma penal (não apenas para efeitos de determinação concreta da pena, mas para a caracterização do crime praticado).

Por outro lado, atenta a natureza híbrida do instituto da prescrição (quadro normativo processual material) e o diferente leque de interesses normativos cuja gestão realiza, será também possível entender a «consumação do crime» que constitui termo inicial do prazo de prescrição (artigo 119.º, n.º 1, do CP) como um conceito distinto face ao Direito penal material, convergindo com a leitura do arco normativo realizado pela jurisdição penal in casu e localizando o início do prazo prescricional na execução do último facto típico, não no primeiro.

Não se compreendendo na controvérsia a eleição da melhor forma de interpretar o direito ordinário, que é matéria alheia ao parâmetro colocado (artigo 32.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa) e aos poderes cognitivos deste Tribunal Constitucional (artigo 221.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 6.º da LTC), não existe fundamento para censurar a dimensão normativa extraída dos artigos 374.º, n.º 1 e 119.º, n.º 1, ambos do CP, pelo Tribunal “a quo”, entendimento que ora se reafirma no juízo de improcedência do recurso interposto.”

            Voltando ao caso dos autos.

            A última vantagem (€5 000,00) foi recebida pelo Recorrente em data incerta situada entre 06-08-2010 e o final desse mesmo ano.

            Admitindo que a entrega possa ter sido feita ainda no mês de Agosto (atento o desenho dos factos), quando ocorreu a primeira causa de interrupção do prazo de prescrição – 05-06-2020 – o prazo de dez anos ainda não se tinha completado.

            Por força do disposto no artigo 121º nº 2 do Código Penal, após a interrupção, começa a correr novo prazo de prescrição, pelo que, em 05-06-2020 se iniciou novo prazo de prescrição de 10 anos.

            Em suma, o procedimento criminal não se mostrava prescrito em 05-06-2020, como não se mostra prescrito ainda agora.

            Atento tudo o exposto, improcede o recurso, também nesta parte.

           

            III. DISPOSITIVO

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em:

            A) – Julgar o recurso interlocutório interposto pelo arguido BB improcedente, confirmando os despachos recorridos, nos termos expostos.

            B) - Nos termos do disposto no artigo 380º do Código de Processo Penal, determinar a correção de lapso de escrita constante do acórdão por forma a que seja eliminado do elenco dos factos provados o ponto 59.

            C) – Julgar totalmente improcedente o recurso do acórdão interposto pelo arguido BB e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

                                                                       *

Por ter decaído totalmente nos recursos que interpôs, o arguido suportará as custas respetivas, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça – arts. 513º nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).


               

                                                               (Texto elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

                                                                                               Coimbra, 26-03-2025       

Os Juízes Desembargadores

Fátima Sanches (Relatora)

Helena Lamas (1ª Adjunta)

Teresa Coimbra (2ª Adjunta)

Olga Maurício (Presidente da secção)


 (data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas)

           


[1] Conclusões apresentadas após convite nos termos do disposto no artigo 417º nº3 do Código de Processo Penal.
[2] Neste sentido, vd. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995, que fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.
[3] Prolatado no âmbito do processo nº1412/11.0JAPRT.P1, relator: Jorge Langweg, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[4] Prolatado no âmbito do processo nº419/11.1TAFAF.G1-A.S1, datado de 03-07-2014, relatora Cons.ª Isabel Pais Martins, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[5] Cfr., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1), de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[6] Cfr. os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1) e de 25-03-2010 (processo n.º 427/08.OTBSTB.E1.S1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.

[7] Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1, acessível em www.dgsi.pt.

[8] Prolatado no âmbito do processo nº174/22, relator: Cons.º António José da Ascensão Ramos, disponível para consulta em www.dgsi.pt