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PRESCRIÇÃO
COVID 19
CITAÇÃO FICTA
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
PRECLUSÃO
Sumário
(elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I – Ao regime da suspensão da contagem dos prazos de prescrição decorrentes do regime excecional dos artigos 7º, nº 3, da Lei 1-A/2020, de 19/03 e 6º B, nº 3, da Lei 4/2021, de 1 de fevereiro (que promulgaram medidas excecionais de resposta à epidemia por COVID 19), não é aplicável o disposto no artigo 321º, nº 1, CC, pelo que não se restringe aos últimos três meses dos prazos em curso. II - Resulta do artigo 323º, CC que o efeito interruptivo da prescrição emergente da citação pode decorrer da data em que a mesma foi efetivamente realizada (nº 1), ou da data “ficcionada” de cinco dias após “ter sido requerida” (nº 2). III - Pretendendo a exequente beneficiar do regime designado como citação “ficta”, por forma a fazer operar a interrupção da prescrição nos cinco dias subsequentes à instauração da execução, forçoso é que se verifiquem os três requisitos previstos no nº 2 do artigo 323º, CC, ou seja: - Que o prazo prescricional, no momento da instauração da ação, ainda esteja a decorrer, e tal “curso” se mantenha nos cinco dias subsequentes; - Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; - Que o retardamento da citação não seja imputável ao requerente. IV – Se o prazo de prescrição da ação cambiária se completaria em 16-09-2022 e a exequente instaurou a ação executiva em 08-04-2022, não lhe era exigível para beneficiar do efeito interruptivo da prescrição nos cinco dias subsequentes como previsto no nº 2 do artigo 323º, CC, requerer a citação urgente (cfr. artigo 561º, CPC). V – Porém, sendo a exceção de incompetência territorial de conhecimento oficioso, em sede de obrigatório despacho liminar, nos termos dos artigos 89º, nº 1, 1ª parte, 104º, nº 1, al. a), e 726º, nº 1, CPC, a instauração da execução em tribunal que não dispunha de competência em razão do território, constitui violação culposa de norma procedimental, que gera a preclusão do benefício consagrado no nº 2 do artigo 323º, CC.
Texto Integral
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:
I – RELATÓRIO Da Execução:
A exequente “Garval-Sociedade de Garantia Mútua, SA”, instaurou, em 08-04-2022, no Juízo de Execução de Alcobaça, execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra os executados A, B e C, todos identificados nos autos, alegando, no essencial:
- Ser portadora de uma livrança no valor de € 53.346,91, vencida em 08-09-2016 e não paga;
- O prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70º da Lei Uniforme das Letras e Livranças foi interrompido com a citação dos executados em 28-05-2019, no processo de execução nº 809/19.1T8ACB, que correu termos no Juízo de Execução de Alcobaça, no qual foi oferecido como título executivo esta mesma livrança;
- Desde então ainda não decorreu novo prazo de prescrição, pelo que a livrança constitui título executivo válido, nos termos do disposto no artigo 703º, nº 1, alínea c), CPC, sendo devido o respetivo montante, acrescido de juros vencidos e vincendos, imposto de selo, cifrando-se a quantia exequenda à data da interposição da execução em € 65.992,70.
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Com o requerimento executivo, a exequente juntou cópia da livrança ali mencionada e, em 17-05-2022, juntou aos autos o seu original.
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Em 06-06-2022 foi proferida decisão que julgou verificada a exceção de incompetência territorial do Juízo de Execução de Alcobaça, ordenando a remessa dos autos ao Juízo de Execução de Lisboa.
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Em 15-09-2022 foi proferido despacho que ordenou a citação dos executados, a qual foi efetivada por via postal e, relativamente ao recorrente B ocorreu no dia 11-10-2022.
* Dos embargos de executado
Citados para o efeito, os executados deduziram embargos, em requerimentos autónomos, que deram origem a três apensos de embargos de executado.
Neste apenso F, o embargante C arguiu a falsidade das assinaturas da livrança, requereu a suspensão da execução e, com relevância para a apreciação do presente recurso, invocou a exceção de prescrição da obrigação cambiária decorrente da livrança oferecida como título executivo.
Fundamentando a arguição da prescrição, alegou o embargante:
- Anteriormente, e tendo por base a livrança oferecida nestes autos, a exequente instaurou processo executivo, no qual foi proferida decisão de deserção;
- O facto interruptivo da prescrição não é a citação, nos termos do disposto no artigo 323º, nº 2, CPC, mas sim o decurso do prazo de 5 dias sobre a apresentação daquela ação executiva;
- Tal anterior ação executiva foi instaurada em 03-04-2019, pelo que se iniciou o decurso do prazo de prescrição em 04-04-2019, tendo prescrito os direitos cartulares em 05-04-2022, em data anterior à instauração dos presentes autos em 07-04-2022;
- O efeito interruptivo da prescrição deveria ocorrer em 12-04-2022;
- O exequente não beneficia da presunção de citação nos 5 dias posteriores à data da entrada da execução em juízo porque o despacho que deveria ter determinado a citação dos executados, ao invés de determinar essa citação, julgou o tribunal incompetente;
- O embargante, avalista na livrança que constitui o título executivo, não foi parte na execução precedente, pelo que não pode a exequente pretender aproveitar os efeitos da citação ali realizada.
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Foram liminarmente admitidos os embargos, por despacho de 13-12-2022, tendo a embargada, devidamente citada, apresentado contestação, na qual, com relevo para a apreciação do presente recurso, alegou não ter ocorrido a prescrição da livrança, tendo por base os seguintes fundamentos:
- No dia 22 de fevereiro de 2012, no exercício da sua atividade, a exequente prestou uma garantia “à primeira solicitação” à empresa “SLM-Representações e Comércio de Máquinas, Ldª” a favor do Barclays Bank, PLC;
- Foi para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração de tal contrato de emissão da “garantia autónoma à primeira solicitação” que a referida empresa entregou à exequente/embargada uma livrança em branco, por si subscrita, avalizada pelos executados/embargantes, constando dos ditos contratos os respetivos acordos de preenchimento;
- Não tendo sido cumprido o contrato de empréstimo que esteve na origem da emissão da garantia, o Barclays Bank acionou-a e solicitou à exequente o pagamento da quantia de € 46.942,67, o que esta cumpriu em 10-11-2014;
- Nem a empresa, nem os avalistas liquidaram o valor do crédito da exequente, não obstante as solicitações que esta lhes dirigiu;
- Sendo o título executivo constituído por uma livrança que se venceu em 08-09-2016, o seu prazo de prescrição, de harmonia com o estabelecido no artigo 70º da LULL ocorreria, por princípio em 08-09-2019;
- Porém, a “prescrição (…) foi interrompida com a citação dos executados no processo executivo nº 809/19.1T8ACB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Execução de Alcobaça - Juiz 1, que teve como título executivo esta mesma livrança”;
- Tal citação, no que ao embargante diz respeito, ocorreu em 29-05-2019, conforme comprovativo junto com o requerimento executivo, pelo que à data da entrada da presente execução – 08-04-2022, ainda não tinha decorrido novo prazo de prescrição (cuja contagem se iniciou em 30-05-2019);
- Mesmo que se considere que a prescrição se interrompeu com o decurso do prazo de cinco dias sobre a propositura da primeira ação executiva instaurada pela exequente, os direitos cartulares prescreveriam em 08-04-2022, mas a citação do embargante em 29-05-2019 interrompeu novamente a prescrição da livrança;
- Acresce que deve ser ponderada a suspensão dos prazos de prescrição decorrente das medidas excecionais emergentes da pandemia por Covid;
- O facto de na presente execução instaurada em 08-04-2022 ter sido proferido despacho de incompetência territorial, com a subsequente remessa dos autos para o tribunal competente, não significa que possa considerar-se que é imputável à exequente a não realização da citação nos 5 dias posteriores à data de entrada do requerimento executivo, pelo que é aplicável o efeito interruptivo consagrado no artigo 323, nº 2, CC;
- A autonomia da obrigação emergente do aval impede que o avalista oponha exceções pessoais ao beneficiário do aval.
Com a contestação, a embargada juntou o documento nº 1, constituído por cópia de contrato datado de 22 de fevereiro de 2012, celebrado entre si, a sociedade “SLM-Representações e Comércio de Máquinas, Ldª (ali identificada como segunda contraente) e os executados, ali identificados como avalistas e terceiros contraentes, do qual resulta que prestaria ao “Barclays Bank, PLC” “Uma garantia ao bom e atempado cumprimento de determinadas obrigações que o Segundo contraente assumiu com esse Beneficiário”.
Resulta ainda da cláusula quarta de tal contrato que: “O segundo contraente entrega, nesta data, à primeira, uma livrança em branco por si subscrita e avalizada pelos terceiros contraentes, que ficará em poder da primeira contraente, ficando este, desde já, expressamente autorizado, por todos os intervenientes, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre o segundo contraente”
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Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador em 22-12-2023, que julgou improcedente a exceção de prescrição cambiária, transcrevendo-se o seu conteúdo:
“O executado deduziu a exceção perentória de prescrição da obrigação, nos termos do art.º 70.º da LULL. A exequente contestou, concluindo pela improcedência da exceção. Tendo em conta as posições expressas pelas partes nos seus articulados e os documentos juntos aos autos, é possível conhecer imediatamente da exceção de prescrição, sem necessidade de mais provas, pelo que se procede à sua apreciação. Com base nos referidos elementos, são os seguintes os factos assentes, com relevância para a decisão: 1) A exequente intentou a execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, de que a presente oposição é dependência, em 08/04/2022. 2) A execução tem por base a livrança apresentada com o requerimento executivo, que se reproduz, com a data de vencimento de 08/09/2019. 3) A exequente moveu uma outra execução aos executados, com base na mesma livrança, em 03/04/2019, que correu termos sob o n.º 809/19.1T8ACB. 4) Na referida execução, os executados foram citados em 28/05/2019, tendo a instância sido extinta por deserção. De acordo com o disposto no art.º 70.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (abreviadamente LULL), aplicável às livranças por força do art.º 77.º, «todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento». O prazo de prescrição inicia-se na data de vencimento inscrita na livrança, independentemente do início do incumprimento da relação subjacente. O prazo de prescrição da livrança dos autos interrompeu-se no quinto dia posterior à instauração da execução n.º 809/19.1T8ACB, ou seja, em 08/04/2019 (art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil). Uma vez que a referida execução se extinguiu por deserção, o prazo de prescrição reiniciou-se logo após aquela data (art.º 327.º, n.º 2 do Código Civil). Por conseguinte, o novo prazo prescricional de três anos completar-se-ia em 08/04/2022. Todavia, a contagem da prescrição suspendeu-se entre 09/03/2020 e 03/06/2020, por força dos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de maio), num total de 87 dias; e entre 22/01/2021 e 5/04/2021 (art.º 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), num total de 74 dias. Ora, a instauração da presente execução ocorreu em 08/04/2022, interrompendo-se a prescrição no quinto dia subsequente à sua entrada em juízo, ou seja 13/04/2022 (art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil). O facto de o Tribunal onde a execução deu entrada se ter declarado territorialmente incompetente não impede o efeito interruptivo da prescrição, como expressamente decorre do art.º 323.º, n.º 1, parte final do Código Civil. Na verdade, a interrupção da prescrição só não ocorreria se a citação se não tivesse realizado dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa imputável ao requerente. Como se refere no Acórdão do STJ de 29/11/2016, P. 448/11.5TBSSB-A.E1.S1 (em www.dgsi.pt), «é entendimento pacífico na jurisprudência do STJ que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada no art.º 323º nº 2 do C.Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação». Importa, pois, concluir que a prescrição se interrompeu antes de completado o respetivo prazo. O embargante alega ainda que é demandado na qualidade de avalista e que a subscritora/avalizada não foi demandada na anterior execução, assim como não o é na presente, pelo que invoca a respetiva prescrição. Sucede que o avalista não é um devedor subsidiário, mas sim solidário, pelo que a sua responsabilidade subsiste ainda que o avalizado não seja demandado (e mesmo que a obrigação garantida seja nula), como resulta do art.º 32.º da LULL. Nos termos do art.º 47.º da LULL, «os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador. «O portador tem o direito de acionar todas estas pessoas, individualmente ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram». Por outro lado, o avalista tem uma relação mediata com o portador, donde resulta que não pode invocar exceções pessoais do subscritor/avalizado, salvo o pagamento. Por conseguinte, não só o avalista não pode invocar perante a exequente a prescrição da obrigação do avalizado, como essa invocação é inócua para a responsabilidade do próprio avalista. Face ao todo o exposto, julga-se improcedente a exceção de prescrição cambiária”.
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Não se conformando com tal despacho, o executado/embargante do mesmo interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A. Nos presentes autos, foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, no qual se pronunciou sobre a exceção de prescrição, decidindo pela improcedência da mesma B. Desde logo o Tribunal a quo nos factos assentes, mais concretamente no n.º 2) indica que 2) A execução tem por base a livrança apresentada com o requerimento executivo, que se reproduz, com a data de vencimento de 08/09/2019, porém a data aposta na Livrança é 08/09/2016 e não na data constante do despacho, C. Entendeu ainda o Tribunal a quo o prazo de prescrição da Livrança é 8 de abril de 2022, tendo considerado a interrupção da prescrição em ação instaurada anteriormente entendendo, todavia, que o prazo suspendeu-se em virtude da legislação aplicável à situação da pandemia COVID 19 D. Entendeu assim o Tribunal a quo que a prescrição suspendeu-se por 87 dias entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020 nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de maio) e por 74 dias entre 22/01/2021 e 5/04/2021 nos termos do (art.º 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), num total de 161 dias E. O artigo 7.º n.º 1, 3 e 4 da Lei 1-A/2020 estipulou suspensão de prazos judiciais e substantivos estabelecendo um regime excecional e temporário de suspensão de prazos de prescrição e caducidade F. Na data em que, vigorou o regime excecional a Recorrida, não havia ainda instaurado os presentes autos, estando a decorrer o prazo de prescrição, que por força da interrupção decorrente do requerimento executivo instaurado em 3 de Abril de 2019, se reiniciou a 8 de Abril de 2019, referindo que à data de entrada da suspensão da Lei 1-A/2020 ainda a Recorrida disponha de pelo menos 2 anos até a Livrança prescrever, bem como a ação foi intentada pela mesma mandatária que á havia feito anteriormente. G. Todavia não podendo a mesma beneficiar do regime excecional que permitiu a suspensão dos prazos, considerando as palavras de M. Teixeira de Sousa e J.H Delgado em “As medidas excecionais e temporárias estabelecidas pela Lei 1-A/2020 de 19 de Março (repercussões na jurisdição civil) disponível em Blog do IPPC: As medidas excecionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil) (blogippc.blogspot.com), com referência aos n.º 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020 de 19 de março “O regime é aplicável, sem qualquer dúvida, às ações ou aos procedimentos que, de modo a evitar a prescrição ou a caducidade, tivessem de ser propostos durante a vigência da situação excecional.” “Se dúvidas houvesse quanto a esta interpretação, pelo menos no que se refere ao regime da prescrição, o disposto no n.º 1 do art.º 321.º CC sempre permitiria, por si mesmo, considerar suspensos os prazos de prescrição que, em 9/3/2020, se encontrassem nos últimos três meses.” H. A aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 321.º CC ao regime excecional e temporário de suspensão de prazos imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º L 1- A/2020 permite concluir que o regime aproveita a todos os que sejam titulares de direitos cujos prazos de prescrição se encontrem nos últimos três meses. I. O legislador certamente não podia pretender que, para todo e qualquer prazo de prescrição ou de caducidade, se viesse a acrescentar (quiçá daqui a 10 ou 15 anos) a duração da situação excecional. J. Quem precisa de proteção é quem, neste momento, tem um prazo de prescrição ou de caducidade a terminar, não aquele contra quem corre um prazo de prescrição ou de caducidade que vai terminar daqui a 2, 7, ou 12 anos. K. A solução é então, de forma esquemática, a seguinte: - Suspendem-se todos os prazos de prescrição e de caducidade que em 9/3/2020 se encontravam nos últimos três meses;Suspendem-se todos os prazos de prescrição e de caducidade que, durante a situação excecional, atinjam os últimos três meses; L. Acontece que nos presentes autos que, a Recorrida já dispunha de título executivo, faltavam mais de 2 anos para a prescrição do título executivo, já se encontravam na posse do mandatário todos os elementos necessários para que a ação desse entrada, tendo a primeira execução sido considerada deserta, não se vislumbrando qualquer necessidade de proteção da Recorrida, M. Entendeu o Tribunal a quo que o prazo de prescrição ficou suspenso 74 dias entre 22/01/2021 e 5/04/2021 conforme disposto no artigo 6.º-B da Lei 4-B/2021 n.º 3 que apenas dispõe para processos e procedimentos que corram termos nos Tribunais e não para o exercício do direito substantivo, mas mesmo que assim não fosse, volta a se verificar que a prescrição não se encontrava nos últimos três meses aplicando-se também aqui o que se disse para o artigo 7.º da Lei 1-A/2020 N. Consta do despacho proferido pelo Tribunal a quo que a instauração da presente execução ocorreu em 08/04/2022, interrompendo-se a prescrição no quinto dia subsequente à sua entrada em juízo, ou seja 13/04/2022 (art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil), não impede o efeito interruptivo da prescrição, como expressamente decorre do art.º 323.º, n.º 1, parte final do Código Civil. O. Na verdade, a interrupção da prescrição só não ocorreria se a citação se não tivesse realizado dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa imputável ao Autor R. Pois, tendo a ação dado entrada no último dia, 8 de Abril de 2022 a prescrição ocorreu no dia seguinte faltando um primeiro pressuposto S. A prescrição da Livrança dada aos presentes autos, seria a 8 de Abril de 2022, caso se aplique o regime da suspensão decorrente da situação pandémica COVID 19, a suspensão da prescrição foi de 87 dias e 74 dias, no cômputo total de 161 dias pelo que a livrança iria prescrever em 16 de Setembro de 2022, T. Acontece que, não pode o Recorrido beneficiar da ficção dos 5 dias constante do artigo 323.º n.º 2 do CPC, para interromper a prescrição, em virtude de existir causa imputável ao Recorrido, U. Desde logo incumpriu a Recorrida o artigo 724.º n.º 5 do CPC, ao não juntar o original da Livrança, só o fez a 17 de Maio de 2022, após ter sido notificada para o efeito, não podia a Recorrida ignorar que, os autos seguem a forma de processo ordinário, considerando o título executivo e o valor da ação a mesma estaria sempre sujeita a despacho liminar nos termos do artigo 726.º do CPC V. Sabia a Recorrida que, sem a junção do original não seria possível proferir despacho liminar, tendo a junção ocorrido a 17 de maio de 2022, inviabilizando assim a citação do Recorrente em tempo útil; W. Em nenhum momento do processo a Recorrida veio aos autos requerer a citação prévia do Recorrente, e mesmo após a sentença do Tribunal que se declarou incompetente veio a Recorrida prescindir do prazo de recurso, por forma a que o processo tramitasse de forma regular no Tribunal competente; X. Assim a interrupção só ocorre com a citação do Recorrente que, não se basta com intentar a ação ou execução em Juízo, sendo necessário que se levem ao conhecimento do devedor, nesse sentido veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/2010 Processo n.º 1472/04.0TVPRT-C.S1, o que veio a ocorrer a 11 de Outubro de 2022, ou seja, muito depois da prescrição da Livrança que ocorreu a 16 de Setembro de 2022; Y. A Recorrida não pode beneficiar da interrupção da prescrição prevista no art.º 323º, n.º 2, do C. Civil, numa ação iniciada em 8 de Abril de 2022 num tribunal incompetente, em violação das regras de competência territorial, quando apenas faltavam 4 meses e 12 dias para terminar o prazo de prescrição de três anos veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1721/19.0T8PVZ.P1 de 24-02-2022 em www.dgsi.pt entendeu que “Tendo a autora instaurado a ação num tribunal que não era o competente e tendo esse tribunal, conforme podia fazer ex oficio, conhecido de imediato da exceção e só após essa decisão ordenado a remessa para o tribunal competente onde depois se iniciaram as diligências para citação, a circunstância de a citação não se ter efetuado no prazo de cinco dias após a instauração da ação resulta de causa imputável ao requerente, pelo que a prescrição não se tem por interrompida com o decurso desse prazo.” Z. No caso defrontamo-nos com uma violação objetiva por parte da Recorrida das normas adjetivas que devia ter levado em conta ao instaurar a ação, com efeito a ação foi intentada num Tribunal que não era competente, não tendo também junto o original do título para permitir ao Tribunal proferir o despacho liminar, AA. O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito, ao entender que o Recorrente é um solidário, pelo que a sua responsabilidade subsiste ainda que o avalizado não seja demandado. BB. Na ação anteriormente instaurada pela Recorrida o avalizado não foi demandando, até porque a Recorrida bem sabia, uma vez que faz parte da lista de credores, que o mesmo estava insolvente desde 2015, tendo a Livrança sido preenchida em 2016. CC. Estabelece o artigo 653.º do CC que “os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderam ficar subrogados nos direitos que a estes competem”, a respeito dos fiadores que na verdade deve estender-se às demais garantias pessoais em que por força do pagamento o garante fique sub-rogado nos direitos do credor perante o devedor ou se constitua um direito de regresso sobre ele, por idêntica ordem de razão DD. E uma vez estendido à garantia autónoma, que é um negócio apenas socialmente típico, não há nenhuma razão para que idêntico regime não se aplique a todas as situações de prestação de garantia por terceiro, pois estando no âmbito das relações imediatas, nenhuma razão há para não estender a aplicação do artigo 653.º do CC à prestação do aval, pois que aqui cedem o passo as suas autonomias e abstração, a Recorrida ao não demandar o avalizado mostrou total desconsideração pela posição jurídica do Recorrente, retirando a possibilidade deste fazer valer-se do direito sobre o avalizado, pelo que não deve a Recorrida ser merecedora da tutela que a garantia lhe confere, devendo o recorrente se considerar exonerado da sua obrigação –”
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O embargado/exequente apresentou contra-alegações, cujas conclusões se transcrevem:
“A. As presentes contra-alegações versam sobre o recurso interposto em 7 de fevereiro de 2024, do despacho Saneador proferido pelo Tribunal a quo em 22 de dezembro de 2023, no qual o mesmo se pronunciou sobre a exceção de prescrição, decidindo sobre a improcedência da mesma. B. O Recorrente não se conforma com o douto despacho quanto, à data de vencimento da livrança referida no mesmo, quanto à suspensão do prazo de prescrição, ao efeito interruptivo da mesma e finalmente quanto à qualidade de avalista. C. Não lhe assiste razão. D. A data de vencimento da livrança é de 08 de setembro de 2016, o facto de no douto despacho se referir a data de vencimento de 08 de setembro de 2019, trata-se de um mero lapso de escrita que em nada altera a decisão da causa. E. A Recorrida intentou a presente execução para pagamento de quantia certa em 08 de abril de 2022. F. Sucede, porém, que a Recorrida moveu uma outra execução contra o Recorrente, com base na mesma livrança, em 03 de Abril de 2019, que correu termos sob o nº 809/19.1T8ACB no Juízo de Execução de Alcobaça – Juiz 1, pelo que o prazo de prescrição da livrança dos presentes autos interrompeu-se no quinto dia posterior à instauração da referida execução, ou seja, em 08 de Abril de 2019, nos termos do artigo 323.º, nº 2 do Código Civil. G. A referida execução extinguiu-se por deserção, pelo que o prazo de prescrição se reiniciou logo após aquela data, nos termos do artigo 327.º, nº 2 do Código Civil, assim o novo prazo prescricional de três anos completar-se-ia em 8 de abril de 2022. H. Todavia, e como muito bem decidiu o tribunal a quo: “a contagem da prescrição suspendeu-se entre 09/03/2020 e 03/06/2020, por força dos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de maio), num total de 87 dias; e entre 22/01/2021 e 5/04/2021 (art.º 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), num total de 74 dias. Ora, a instauração da presente execução ocorreu em 08/04/2022, interrompendo-se a prescrição no quinto dia subsequente à sua entrada em juízo, ou seja 13/04/2022 (art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil)”. I. É aplicável o regime excecional do artigo 7.º n.º 3 e 4 da Lei 1-A/2020 de 19 de Março bem dos artigos artigo 6-B n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), pelo que a livrança dos autos não está prescrita. J. Pelo que não assiste qualquer razão ao Recorrente, devendo permanecer intocado o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo. K. Apesar de o Tribunal onde a execução deu entrada se ter declarado territorialmente incompetente, esse facto não impede o efeito interruptivo da prescrição, como expressamente decorre do art.º 323.º, n.º 1, parte final do Código Civil. L. No mesmo sentido a jurisprudência, como se refere no Acórdão do STJ datado de 29 de novembro de 2016, no Processo 448/11.5TBSSB-A.E1.S1, que conta com o Juiz Desembargador Garcia Calejo como Relator, disponível em www.dgsi.pt: “É entendimento pacífico na jurisprudência do STJ que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada no art.º 323º nº 2 do C.Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação” M. Por fim, vem o Requerente dizer que “O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito, ao entender que o Recorrente é um devedor é devedor solidário, pelo que a sua responsabilidade subsiste ainda que o avalizado não seja demandado.” N. Mais uma vez não lhe assiste razão. O. Enquanto avalista da livrança, a relação do Recorrente com a Recorrida, situa-se no domínio das relações imediatas, pelo que prevalece o princípio da autonomia, abstração e literalidade da relação cambiária, P. Não sendo oponível à Recorrida credora-emissora-portadora da livrança a invocada exceção da prescrição da obrigação. Q. Mais uma vez, bem decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal á quo: “… não só o avalista não pode invocar perante a exequente a prescrição da obrigação do avalizado, como essa invocação é inócua para a responsabilidade do próprio avalista.” R. Nestes termos, deve improceder totalmente a pretensão do Recorrente, e manter-se intocado o douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo.”
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Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
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Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
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II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608º, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Assim, identificam-se as seguintes questões a decidir:
– Erro na data de vencimento da livrança exarada no facto assente sob o nº 2 (aí se referindo 08-09-2019 ao invés de 08-09-2016);
– Inaplicabilidade do regime excecional de suspensão de prazos decorrentes da legislação relacionada com a pandemia por Covid 19;
– Inaplicabilidade do regime do artigo 323º, nº 2, CC por não se verificarem os seus requisitos;
- Inaplicabilidade do regime da interrupção da prescrição por o embargante (avalista) não ter sido demandado na ação previamente instaurada pela exequente.
III - FUNDAMENTAÇÃO
Erro material na enunciação do facto provado nº 2
Pelo tribunal a quo, sob o nº 2, foi enunciado o seguinte facto provado:
“A execução tem por base a livrança apresentada com o requerimento executivo, que se reproduz, com a data de vencimento de 08/09/2019”.
O recorrente alegou existir erro quanto à data de vencimento da livrança porquanto ao invés do ali exarado, tal data é 08-09-2016.
A recorrida, pronunciando-se sobre a questão, considerou tratar-se de mero lapso de escrita, sem qualquer relevo para a decisão da causa.
E o certo é que, compulsada a livrança, cuja cópia foi junta com o requerimento executivo, e o original com o requerimento da exequente de 17-05-2022, verifica-se que da mesma consta como data de vencimento: “2016-09-08”.
Constata-se, pois, que na decisão recorrida se incorreu em manifesto lapso de escrita cuja correção é apreensível quer dos articulados apresentados (existindo acordo entre as partes quanto à data do vencimento da livrança), quer da análise da própria livrança.
Consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, CPC, opta-se pela sua retificação/alteração, por forma a que do facto assente sob o nº 2 passe a constar como data de vencimento a de 08-09-2016.
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Na decisão do presente recurso, serão ponderados os factos assentes na decisão recorrida e os que se extraem da consulta da tramitação processual, com a correção/alteração supra determinada, que se sintetizam nos seguintes termos:
1) A exequente intentou a execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, de que a presente oposição é dependência, em 08/04/2022, no Juízo de Execução de Alcobaça.
2) A execução tem por base a livrança apresentada com o requerimento executivo, que se reproduz, com a data de vencimento de 08/09/2016.
3) A exequente moveu uma outra execução aos executados, com base na mesma livrança, instaurada em 03/04/2019, que correu termos sob o n.º 809/19.1T8ACB.
4) Na execução referida no ponto anterior, os executados foram citados em 28/05/2019, tendo a instância sido extinta por deserção.
5) Com o requerimento executivo apresentado nos autos principais deste processo, a exequente juntou cópia da livrança ali mencionada e, em 17-05-2022, juntou aos autos o seu original.
6) Em 06-06-2022, foi proferida decisão nos autos principais de execução que julgou verificada a exceção de incompetência territorial do Juízo de Execução de Alcobaça, ordenando a sua remessa ao Juízo de Execução de Lisboa.
7) Em 15-09-2022, foi nesses autos proferido despacho que ordenou a citação dos executados, a qual foi efetivada por via postal e, relativamente ao recorrente B, ocorreu no dia 11-10-2022.
8) Entre a embargada, a sociedade “SLM-Representações e Comércio de Máquinas, Ldª (ali identificada como segunda contraente) e os executados, ali identificados como avalistas e terceiros contraentes, foi celebrado “contrato”, junto com a contestação aos embargos como documento nº 1, datado de 22-02-2012, subscrito por todos os outorgantes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual resulta que a primeira prestaria ao “Barclays Bank, PLC” “Uma garantia ao bom e atempado cumprimento de determinadas obrigações que o Segundo contraente assumiu com esse Beneficiário”.
9) Resulta ainda da cláusula quarta de tal contrato que: “O segundo contraente entrega, nesta data, à primeira, uma livrança em branco por si subscrita e avalizada pelos terceiros contraentes, que ficará em poder da primeira contraente, ficando este, desde já, expressamente autorizado, por todos os intervenientes, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre o segundo contraente”.
* Suspensão de prazos decorrentes do regime excecional Covid 19
Na sentença recorrida considerou-se aplicável o prazo de prescrição de 3 anos consagrado no artigo 70º da Lei Uniforme de Letras e Livranças, ali se concluindo pela suspensão do prazo de prescrição por decorrência da legislação excecional promulgada no âmbito da situação epidemiológica provocada pelo COVID 19.
Insurgindo-se contra tal segmento decisório, alega o embargante que na data em que vigorou o regime excecional de suspensão de prazos ainda os presentes autos não tinham sido instaurados, pelo que não pode a exequente beneficiar de tal suspensão.
Apreciando a questão suscitada, interessa ter presente que a prescrição, consubstanciando uma exceção perentória inominada, desencadeadora da absolvição do réu do pedido (cfr. artigo 576º, nºs 1 e 3, CPC), constitui uma particular forma de extinção dos direitos, mediante o simples decurso de um lapso temporal. Assim, “se o titular de um direito o não exercer durante certo tempo fixado na lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nestes casos, que o direito prescreveu (ou caducou)” - Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 373). A prescrição inscreve-se, assim, na problemática da repercussão do tempo nas relações jurídicas, devendo ser invocada por aquele a quem aproveita – cfr. artigos 296º e ss e 303º, Código Civil – iniciando o seu curso “quando o direito puder ser exercido; se, porém o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição” – cfr. artigo 306º, nº 1, Código Civil.
Decorre do artigo 304º, nº 1, do CC, que uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Nos presentes autos não suscita controvérsia o facto do prazo prescricional aplicável ser o de três anos consagrado no artigo 70º da Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL), ali se estabelecendo: “Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”. Também é consensual a aplicação de tal preceito às livranças, por via do disposto no artigo 77º da LULL.
A situação epidemiológica provocada pelo SARS-CoV 2 e pela doença de COVID-19 justificou a aprovação e a vigência de várias leis, sucessivas, que visaram pôr em prática medidas excecionais para fazer face à pandemia e ao impacto generalizado que produziu na vida económica e social do país.
Foi nesse contexto que o artigo 7º, nº 1, da Lei 1-A/2020, de 19 de março, estabeleceu que: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.”.
No nº 3 daquela mesma norma estabeleceu-se que: “3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”
Por fim do nº 4 daquele artigo resulta: “4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”
Regime similar resultou da Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, estabelecendo o seu artigo 6º-B, sob a epígrafe: “Prazos e diligências”:
“1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. (…) 3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1. 4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.”
Como se alcança das normas citadas, tais diplomas estabeleceram regimes excecionais de suspensão dos prazos de prescrição em curso por forma a fazer face à situação pandémica, atenuando o seu impacto na efetivação da tutela jurisdicional.
E o certo é que vigoraram entre o dia 9 de março de 2020 e o dia 3 de junho de 2020, no total de 87 dias (como resulta da conjugação das normas citadas como os artigos 5º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e artigos 8º e 10º da Lei n.º 16/2000 de 29 de Maio), e entre o dia 22 de janeiro de 2021 e o dia 5 de abril de 2021, num total de 74 dias (cfr. artigos 4ºB, 5º, 6º-B, nº 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro).
Ora, contrariamente ao que refere a recorrente, tais diplomas aplicam-se a processos ainda não instaurados à data da sua vigência – neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 25-01-2024 (proferido no processo nº 21006/22.3T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt), referindo-se expressamente que: “A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade estabelecidas no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, aplica-se aos prazos para instaurar ações ou procedimentos que evitem a prescrição e a caducidade” . No mesmo sentido pronunciou-se Menezes Leitão em “Os prazos em tempo de pandemia Covid-19”, in Estado de Emergência – Covid – 19 – Implicações na Justiça, 2.ª Ed., Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, junho 2020, p. 72-73, disponível em:https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=Gl3pNomaeQc%3d&portalid=30
A tal propósito, refere este autor ter sido consagrada uma “(…) solução de alargamento, de acréscimo do prazo correspondente ao período de suspensão “ ( ob. cit. página 314) e, mais adiante, “(…) que estamos perante um único fenómeno, a suspensão do prazo, cujo funcionamento tem como consequência o alargamento do prazo original pelo período indicado (…)” ( pág. 343).
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão da Relação de Lisboa de 19-12-2024 (proferido no processo nº 14779/22.5T8LSB.L1-8, disponível em www.dgsi.pt), aí se referindo: “Não encontramos na letra da lei suporte para o entendimento perfilhado pelo recorrido, segundo o qual, numa segunda fase, a suspensão dos prazos de prescrição, apenas se aplicaria aos processos já pendentes em Tribunal”.
É certo que por ocasião da publicação da Lei 1-A/2020, de 19-03, Miguel Teixeira de Sousa e J.H. Delgado de Carvalho [“As medidas excecionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil)”, disponível emhttps://blogippc.blogspot.com/2020/03/as-medidas-excepcionais-e-temporarias.html]
defenderam ser o regime aplicável “(…) às ações ou aos procedimentos que, de modo a evitar a prescrição ou a caducidade, tivessem de ser propostos durante a vigência da situação excecional” e ainda que: “(…) a aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 321.º CC ao regime excecional e temporário de suspensão de prazos imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º L 1-A/2020 permite concluir que o regime aproveita a todos os que sejam titulares de direitos cujos prazos de prescrição se encontrem nos últimos três meses (…) Os demais titulares – isto é, aqueles cujos prazos de prescrição ou de caducidade não se encontrem nos últimos três meses – não beneficiam da suspensão excecional e temporária desses prazos, por não se justificar a proteção concedida pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º L 1-A/2020”.
Porém, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2023 (proferido no processo nº 1610/21.8YIPRT-A.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt): “Se, num plano abstrato, a solução interpretativa proposta por estes autores - repita-se, que imediatamente após a publicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 - no sentido da aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 321.º CC ao regime excecional e temporário de suspensão de prazos imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da mesma lei, se afigura, pelas razões aduzidas pelos mesmos autores, como tecnicamente mais perfeita, certo é que a adoção de sucessivos regimes especiais ao longo dos meses de prolongamento da situação pandémica (…) não permite o acolhimento de tal solução. Com efeito, em diversos momentos (aquando da publicação da Lei n.º 4-A/2020, de 06.04, da Lei n.º 16/2020, de 29.05, e da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02), ao, sucessivamente, alterar, revogar e repristinar, o regime de suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, teve o legislador oportunidade de, resolvendo as objeções entretanto surgidas optar pela via propugnada, não o tendo feito”.
De resto, perante a sucessão de regimes de suspensão de prazos por força da pandemia por Covid 19, aquele autor (Teixeira de Sousa) veio referir, em 01-05-2022, em “Nova alteração à Lei 1-A/2020, de 19/3, blog do IPPC, pontos III e IV): “(…) não é nada seguro o regime que vai vigorar quanto aos prazos de prescrição e de caducidade depois da revogação do art.º 7.º L 1-A/2020. O próprio legislador dá sinais contraditórios. (…) IV. Melhor solução seria estabelecer, em consonância com o disposto no art.º 321.º, n.º 1, CC, que o alargamento dos prazos de prescrição e caducidade só se verifica em relação aos prazos que, em 10/3, estivessem nos últimos três meses ou que os tivessem atingido durante a vigência do art.º 7.º, n.º 4, L 1-A/2020.” Ou seja, o autor afirma que deveria ter sido essa a solução legal seguida, o que não corresponde à afirmação de que tenha sido essa a opção legal.
Ao invés, afigura-se que a solução seguida pelo legislador nesta problemática foi a sintetizada por Marco Carvalho Gonçalves (“Atos Processuais e Prazos no Âmbito da Pandemia de Doença Covid”, pág. 11, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt) nos seguintes termos:
“Nos termos do art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, a situação excecional constituía igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade que fossem relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, isto é, aos prazos de prescrição e de caducidade que dissessem respeito ao exercício de direitos em juízo. (…) Acresce que este regime especial prevalecia sobre quaisquer outros que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional.(...) Diferentemente, no que diz respeito ao prazo de prescrição, temos dúvidas de que houvesse necessidade de se dispor expressamente quanto à sua suspensão, já que, por força do regime vigente no art.º 321.º, n.º 1, do CC, a prescrição “suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”. O mesmo é dizer que, se, à data da entrada em vigor desse diploma legal, o prazo de prescrição se encontrasse nos últimos três meses, a contagem do prazo suspender-se-ia automaticamente, por força da lei. Em todo o caso, o certo é que, por força da adoção daquele regime excecional, a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade não só ficou suspensa a partir do dia 9 de março de 2020, como também a duração máxima desses prazos foi prolongada pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional.”
Consequentemente, como se refere no acórdão da Relação de Évora de 09-05-2024 (www.dgsi.pt): “Somando os dois períodos de suspensão do prazo em questão, temos um total de 161 dias, que deverão ser acrescentados ao termo que ocorreria normalmente (…), para que se complete o aludido prazo, obedecendo a esta legislação excecional. (…) Tal significa que, como os prazos estiveram suspensos durante um determinado período, quando este período termina os prazos da prescrição são alargados pelo período correspondente àquele em que estiveram suspensos.”
Em face do exposto, não merece censura a decisão do tribunal recorrido no segmento em que conclui pelo aditamento ao prazo de prescrição de três anos do período de 161 dias, por aplicação do referido regime excecional.
Por outro lado, em face da instauração da “primeira” execução (nº 809/19.1T8ACB) em 03-04-2019, não obstante a apurada citação do ali executado (aqui recorrente) em 28-05-2019, também não suscita controvérsia a ponderação da data de 08-04-2019 (cinco dias após a entrada do requerimento executivo) como o momento em que se tem “(…) a prescrição por interrompida” – cfr. artigo 323º, nº 2, CC. A este propósito, interessa ponderar que não foi alegada e é desconhecida deste tribunal a ocorrência de qualquer vicissitude objetivamente imputável à exequente justificadora da não realização da citação no referido prazo de cinco dias.
Consequentemente, numa primeira aproximação à resolução do litígio, consigna-se que o prazo de prescrição a ponderar é o de três anos e cento e sessenta e um dias, devendo ser contabilizado a partir de 09-04-2019 (dia subsequente ao da interrupção da prescrição da ação cambiária por efeito da instauração da primeira execução).
* Do regime do artigo 323º, nº 2, CC
A seguinte questão controvertida é a de saber se a embargada/recorrida beneficia ou não da interrupção do prazo de prescrição por aplicação da previsão do nº 2 do artigo 323º, CC.
Argumentando no sentido negativo, e divergindo da decisão recorrida, alega o recorrente o facto de a exequente, ao instaurar a execução em 08-04-2022, não ter junto o original da livrança dada à execução, junção a que apenas procedeu em 17-05-2022, “inviabilizando a citação do recorrente em tempo útil”. Acresce que, na tese do recorrente, vedam ainda o recurso ao regime do artigo 323º, nº 2, CC, a instauração da execução em tribunal territorialmente incompetente e o facto de não ter sido requerida a citação “prévia” do executado.
Dispõe o nº 1 do artigo 323º, CC que: “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. Já do nº 2 daquela mesma norma resulta que: “2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”
Como resulta desta norma, o efeito interruptivo da prescrição emergente da citação pode decorrer da data em que a mesma foi efetivamente realizada (nº 1), ou da data “ficcionada” de cinco dias após “ter sido requerida” (nº 2).
Pretendendo a exequente beneficiar do regime designado como citação “ficta”, por forma a lograr operar a interrupção da prescrição nos cinco dias subsequentes à instauração da execução, forçoso é que se verifiquem os três requisitos previstos no nº 2 do artigo 323º, CC, ou seja:
- Que o prazo prescricional, no momento da instauração da ação, ainda esteja a decorrer, e tal “curso” se mantenha nos cinco dias subsequentes;
- Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
- Que o retardamento da citação não seja imputável ao requerente.
Ora, para determinar se se verifica o primeiro requisito, importa analisar os factos provados, dos quais se extrai que:
1. A livrança que constitui o título executivo apresenta como data de vencimento o dia 08-09-2016;
2. Assim, o prazo de prescrição (inicial) ocorreria no dia 08-09-2019;
3. Porém, tendo a “primeira” execução sido instaurada no dia 03-04-2019 (e não se tendo alegado ou provado que o retardamento da citação nessa execução se tenha ficado a dever a qualquer facto imputável à exequente), esse prazo (inicial) de prescrição deve considerar-se interrompido no dia 08-04-2019;
4. Em consequência, o (novo) prazo de prescrição que então se iniciou completar-se-ia no dia 08-04-2022;
5. Porém tendo, entretanto, sobrevindo a epidemia de Covid 19, e a legislação e normas acima analisadas, esse prazo de prescrição deverá integrar o acréscimo de 161 dias, pelo que se completaria no dia 16-09-2022.
Em face do que resulta, julgamos ser manifesto que o prazo da prescrição estava a decorrer no momento da instauração da execução (08-04-2022), e como tal se manteve nos cinco dias subsequentes. Consequentemente, ponderando a antecedência subjacente à interposição da execução relativamente ao prazo em que se completaria a prescrição, afigura-se que não era exigível à exequente requerer a citação urgente (cfr. artigo 561º, CPC).
Idêntico raciocínio deve ser formulado quanto ao segundo requisito enunciado porquanto a citação do executado/recorrente nos autos principais de execução ocorreu em 11-10-2022, pelo que não foi efetuada nos cinco dias subsequentes.
Resta, portanto, determinar se o retardamento da citação foi ou não imputável à exequente/embargada.
Sobre esta questão, pronunciou-se o Acórdão do STJ de 29/11/2016, proferido no processo nº 448/11.5TBSSB-A.E1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), considerando ser; “entendimento pacífico na jurisprudência do STJ que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada no art.º 323º nº 2 do C.Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação”.
O mesmo STJ, em Acórdão de 03-02-2011 (proferido no processo nº 1228/07.8TBAGH.L1.S1, disponível em www.dsgi.pt), defendeu ser essencial para a aplicação do regime da citação “ficta” previsto no nº 2 do artigo 323º, CC, que a conduta do requerente não tenha implicado qualquer violação de normas procedimentais ou adjetivas, pois só tal infração objetiva implica a preclusão do benefício ali consagrado.
Como referido, na sua alegação, considerou o recorrente que a falta de junção do original do título executivo inviabilizou a sua imediata citação, omissão essa imputável à exequente que, consequentemente, não pode prevalecer-se do disposto no artigo 323º, nº 2, CPC.
Resulta dos factos assentes, tal junção veio a ocorrer posteriormente, dado que com o requerimento executivo a exequente juntou cópia da livrança, e em 17-05-2022 juntou aos autos o seu original.
Estabelece o artigo 724º, nº 4, alínea a), CPC que o requerimento executivo deve ser acompanhado de cópia ou do original do título executivo, conforme seja entregue por via eletrónica ou em papel, respetivamente. Porém, como o requerimento eletrónico foi entregue por via eletrónica, nada obstava a que, na interposição da execução, apenas fosse junta cópia, não traduzindo a violação de qualquer normal legal.
No entanto, dispõe o nº 5 daquele preceito que: “Quando a execução se funde em título de crédito e o requerimento executivo tiver sido entregue por via eletrónica, o exequente deve sempre enviar o original para o tribunal, dentro dos 10 dias subsequentes à distribuição; na falta de envio, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do executado, determina a notificação do exequente para, em 10 dias, proceder a esse envio, sob pena de extinção da execução”.
Porém, a entrega do original da livrança após o referido prazo legal de 10 dias não atrasou a realização da citação. Na realidade, afigura-se que o facto de esta apenas se ter concretizado no dia 11-10-2022 foi causado, não por qualquer atraso na entrega do original do título executivo, mas pela decisão judicial liminar de incompetência territorial, tendo o ato de citação sido efetuada apenas após a remessa do processo de execução ao Tribunal declarado competente, e já pela Secretaria deste.
Ora, a instauração de processo em tribunal que não dispunha de competência (sendo a exceção de incompetência territorial in casu de conhecimento oficioso, em sede de obrigatório despacho liminar – artigos 89º, nº 1, 1ª parte, 104º, nº 1, al. a), e 726º, nº 1, CPC) constitui violação culposa de norma procedimental, que gera a preclusão do benefício consagrado no nº 2 do artigo 323º, CC. Neste sentido se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto de 24-02-2022 (proferido no processo nº 1721/19.0T8PVZ.P1, disponível em www.dgsi.pt). Em sentido idêntico, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 26-11-2020, proferido no processo nº 3325/19.8T8LSB-A.L1-8 (disponível em www.dgsi.pt), aí se referindo que “O conceito de causa imputável à parte preenche-se com omissão ou prática de atos negligentes que atrasam o processo tais como a falta de pagamento de taxa de justiça ou irregularidades da petição”. Efetivamente, in casu, a infração das regras processuais aplicáveis no domínio da competência em razão do território constituiu causa de retardamento da citação, imputável à exequente/embargada.
Consequentemente, não podendo a exequente prevalecer-se do regime do artigo 323º, nº 2, CC, a eventual interrupção do prazo de prescrição em curso apenas ocorreria na data da efetiva citação do executado/embargante, ou seja, no dia 11-10-2022. Contudo, nessa data já o referido prazo de prescrição (que, relembre-se, terminava no dia 16-09-2022) se havia completado.
Concluindo, deverá ser julgada procedente a exceção perentória de prescrição invocada, com a inerente procedência do recurso e dos embargos, e a extinção da execução quanto ao embargante.
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Em face da decisão que antecede, fica prejudicada a apreciação da derradeira questão suscitada.
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A exequente/recorrida suportará as custas dos embargos de executado (decisão de primeira instância e recurso) e da execução, nesta parte, por lhes ter dado causa – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC.
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IV– DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível em julgar procedente o recurso interposto pelo embargante/recorrente B, revogando a decisão recorrida e determinando, quanto a si, a procedência dos embargos com a extinção da execução nessa parte.
Custas dos embargos de executado, do recurso e da execução, nesta parte, pela exequente – cfr. artigos 527º e 529º, CPC.
D.N.
Lisboa, 27 de março de 2025
Rute Sobral
Fernando Alberto Caetano Besteiro
Pedro Martins