Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
DECISÃO LIMINAR
EMBARGOS DE TERCEIRO
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
EXTINÇÃO
Sumário
I. A prolação de decisão de extinção da instância de embargos de terceiro, por impossibilidade superveniente decorrente de extinção da execução de que é apenso, sendo proferida em fase de admissão, pode ser considerada uma decisão liminar, em sentido lato; II. Por essa circunstância, e também porque a embargante e recorrente apresentou em sede de recurso todos os argumentos relativos à sua posição processual, deve entender-se que uma tal decisão não constitui, no caso, um vício processual assente no desrespeito de proibição de decisões-surpresa, como previsto no art.º 3.º n.º 3 do CPC; III. Extinta uma execução por sustação integral das penhoras aí realizadas, em virtude de realização de penhora anterior, ao abrigo do que dispõe o art.º 794º n.º 1 al. e) e nº 4 do CPC, a penhora realizada mantém-se ativa, caso o exequente use a faculdade legal de reclamar créditos na execução primitiva; IV. Nesse caso não se verifica qualquer fundamento de extinção da instância, devendo os embargos de terceiro deduzidos ser remetidos para apensação à execução anterior; V. Apenas no caso contrário, se o exequente não usar da faculdade de reclamar créditos, a penhora realizada extinguir-se-á por mera decorrência da extinção da execução, devendo ser declarada extinta a instância de embargos de terceiro, por impossibilidade superveniente; VI. Neste caso, se a penhora se mantiver registada tratar-se-á de uma mera desconformidade registal, que não sustenta a existência de uma instância judicial de embargos de terceiro, implicando uma mera correção do registo, a tratar na sede própria; VII. Estando pendentes embargos de terceiro e sendo extinta a execução por sustação integral, não pode o juiz determinar a extinção da instância de embargos sem estar estabelecido nos autos se foi exercido o direito do exequente a reclamar créditos na execução primitiva.
Texto Integral
Decisão: I. Caracterização do recurso: I.I. Elementos objetivos: - Processo – n.º 16620/21.7T8LSB-A.L1 - Apelação – 1 (uma), nos autos;
- Tribunal recorrido –Juízo de Execução de Lisboa - Juiz ...;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Ação de embargos de terceiro; - Decisão recorrida – Sentença; -Âmbito do recurso – De direito. -- I.II. Elementos subjetivos: - Recorrente: - Município de Angra do Heroísmo; - Recorrida: - Caixa Geral de Depósitos. -- I.III. Síntese dos autos e conclusões do recorrente:
- Pediu a embargante que seja determinada a exclusão da penhora sobre o direito de superfície do prédio urbano, sito na freguesia de ..., concelho de Angra do Heroísmo, descrito sob o nº ... na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo, com número matricial ....
- Disse, em síntese:
- Que foi notificado a 26 de Junho de 2023, nos termos dos arts.º 743º, n.º 1 e 781º, ambos do CPC, de que foi penhorado a favor da Embargada Caixa Geral de Depósitos, o direito de superfície que a executada Génese das Ações SGPS, Lda. detém sobre o prédio urbano supra referido, propriedade do Município;
- Que tal direito é impenhorável;
- Que, por requerimento datado de 2 de Fevereiro de 2010, a Executada Génese das Acções – SGPS, Lda., requereu ao Embargante a constituição do direito de superfície de um lote na zona do Parque Industrial de Angra do Heroísmo;
- Que, por deliberação Camarária, foi autorizado tal pedido;
- Que, na sequência, em 30 de Novembro de 2010, por documento particular autenticado, foi constituído a favor da Executada Génese das Ações, SGPS, Lda., tal direito de superfície, pelo período de 50 anos;
- Que, nos termos da Lei dos Solos vigente à data, aprovada pelo DL nº 794/76, de 5/10, tal direito é impenhorável, pertencendo o bem em que incide ao domínio público.
- Apresentados os autos a despacho, foi consignado um primeiro, no sentido de aguardarem os autos, atenta a circunstância de haver sido sustada a execução de que a presente ação depende;
- Seguidamente, foi proferido novo despacho, com o seguinte teor: Nos presentes autos de oposição mediante embargos de terceiro deduzida pelo embargante Município de Angra do Heroísmo, mostrando-se já extinta a execução nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 794º e na alínea e) do n.º 1 do artigo 849º, ambos do Código de Processo Civil, em virtude de penhora anterior à dos presentes autos, deve considerar-se que, por efeito de tal extinção, a presente instância, que constitui incidente dela dependente, se tornou supervenientemente inútil. A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância (artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil). Pelo exposto, julgo extinta a instância de oposição mediante embargos de terceiro por inutilidade superveniente da lide.
- Com o mesmo não se conformando a embargante, veio apelar, pelo presente recurso, concluindo da seguinte forma: i. A 14 de outubro de 2024, o Recorrente é notificado pelo Tribunal a quo da sentença a julgar extinta os embargos de terceiro, por inutilidade superveniente da lide. ii. Ora, o Recorrente não foi notificado da extinção dos autos principais, nem foi convidado pelo Tribunal a quo a se pronunciar sobre a intenção do Meritíssimo Juiz em declarar a extinção do incidente, nos termos do art.º 277º, al. e), do CPC. iii. Nos termos do art.º 3º nº 3, do citado diploma, o Tribunal antes de decidir, deve convidar as partes para se pronunciarem sobre questões de direito ou facto, que não foram por si suscitadas. iv. No presente caso, o Tribunal a quo ao decidir julgar extinto os embargos de terceiro, sem previamente convidar o Recorrente para se pronunciar sobre esta questão, violou o princípio do contraditório. v. A inobservância deste princípio pelo Tribunal a quo, constitui uma omissão grave, culminada pela lei como uma nulidade, susceptível de influir na decisão da causa, vi. Pelo que, a sentença é nula, nos termos do art.º 195º, n.º 1, do CPC. Sem conceder; vii. De acordo com o art.º 277, al. e), do CPC, a instância extingue-se por inutilidade superveniente da lide, quando uma ocorrência processual torna a instância desnecessária, viii. Sendo que a instância torna-se desnecessária, sempre que o resultado ou efeito jurídico, visado com a acção, se mostrar verificado por outro meio. ix. Ora, no caso em apreço, a extinção da execução não determinou o cancelamento da penhora, pelo que, mantém-se o acto ofensivo do direito do Recorrente. x. O Recorrente não obteve, ainda, o resultado pretendido com a dedução dos embargos de terceiro, xi. Nem existe nenhuma causa que torne impossível atingir o efeito jurídico pretendido, xii. Afigura-se que nunca poderia o incidente ter sido declarado extinto por inutilidade superveniente da lide. xiii. Acresce que, a extinção dos embargos de terceiro por inutilidade superveniente da lide, determinará que o Recorrente fique impedido de reagir nos termos do art.º 342 e seguintes do CPC, caso venha haver a renovação dos autos principais. xiv. Conforme se expôs, a douta sentença é, assim, absolutamente violadora do disposto no art.º 277º, al. e) do CPC, pois mantendo-se o facto que deu causa aos presentes embargos, nomeadamente, a penhora do direito de superfície, não se mostram verificados os pressupostos da extinção da instância pela inutilidade superveniente da lide. xv. Face ao exposto, deve ser proferido douto acórdão a revogar a douta sentença e em consequência ser determinado o prosseguimento dos presentes autos, com vista à apreciação do mérito da causa.
- Foi proferido despacho ordenando a baixa dos autos para pronúncia sobre a suscitada nulidade da sentença;
- Proferiu o Mm. Juiz a quo despacho pronunciando-se pela inexistência do suscitado vício e ordenando a subida dos autos.
- Cumpre decidir. –
--
II. Questões a Apreciar:
- Da suscitada nulidade da sentença, por preterição do contraditório prévio à mesma;
- Da existência de uma efetiva utilidade, ou possibilidade, no prosseguimento destes embargos de terceiro. ---
---
III. Apreciação do recurso:
III.I. Da invocada existência de uma decisão surpresa:
Decorre dos autos que, como sustenta a recorrente, não foi dada à embargante a possibilidade de se pronunciar sobre o sentido da decisão antes da sua prolação.
Sustenta a recorrente que tal constitui, in casu, um vício processual, à luz do que dispõe o art.º 195.º do CPC.
A questão da qualificação da falta de contraditório prévio à decisão, vulgarmente referida por decisão-surpresa, tem sido objeto de amplo debate judicial, sendo um dos tópicos principais de discussão a sua qualificação como nulidade processual ou da sentença (a propósito, com citação de abundante jurisprudência, veja-se Ramos de Faria e Lemos Jorge – As outras nulidades da sentença cível, Revista Julgar Digital – https://julgar.pt/as-outras-nulidades-da-sentenca-civel/).
No caso, importa começar por contextualizar a forma processual em que a decisão foi proferida, o momento da decisão e a sua tipologia.
A decisão em causa foi proferida em sede de embargos de terceiro, na dependência de execução comum, na fase inicial dos embargos, isto é, antes da realização de qualquer contraditório à exequente.
De acordo com o disposto no art.º 345.º do Código de Processo Civil (CPC), este processo, instaurado na dependência de uma execução e quando um ato judicialmente ordenado, ou autorizado, ofenda qualquer direito incompatível, inicia-se por uma fase introdutória, na qual o tribunal realizará as diligências probatórias que tiver por necessárias, findo a qual decidirá sobre a admissão ou rejeição da oposição apresentada.
Esta especialidade processual cessa no momento do recebimento, caso este ocorra, seguindo-se os subsequentes termos do processo comum (art.º 348.º), ficando suspensas as diligências executivas quanto aos bens em causa até ao seu termo (art.º 347.º).
A rejeição dos embargos, por seu lado, não produz efeitos de caso julgado material, permitindo a discussão da titularidade do direito em processo autónomo – art.º 346.º.
Neste quadro processual, a primeira questão a colocar é a de saber se a decisão proferida deve ser olhada como uma rejeição dos embargos, em sentido próprio.
A resposta é, manifestamente, negativa.
A admissão ou rejeição dos embargos traduz o resultado de uma avaliação inicial sobre a subsistência do direito invocado e da sua oposição material em relação à diligência executiva realizada, o que não é, manifestamente, o caso.
A decisão recorrida declarou a extinção da oposição por mera decorrência da extinção do processo de que depende – a execução.
A conclusão é, portanto, relativamente linear – trata-se de uma decisão proferida em sede liminar, mas que não constitui a decisão típica desta fase processual, que seria de admissão ou rejeição.
A despeito dessa circunstância, na medida e que esta forma processual estabelece uma fase de avaliação liminar da sustentação dos embargos, deve entender-se que uma avaliação da teleologia dos referidos preceitos, assim como uma análise racional-sistemática da sua função, compreenderá uma avaliação judicial ampla de todas as razões que sustentem um eventual não prosseguimento dos embargos e, nesse sentido, pode qualificar-se a decisão como um indeferimento liminar, ou decisão liminar de inadmissibilidade latu sensu, por falta de verificação de um pressuposto básico da oposição – a existência de um ato que afete um direito do embargante, ou, em termos mais simples, de existência de um ato a que o terceiro se oponha.
Foi esse precisamente o sentido da decisão recorrida – verificando a extinção da execução, declarou a inutilidade superveniente destes embargos, por inerente extinção da penhora realizada no processo extinto.
Sendo esse o caso, deve entender-se, por maioria razão, que esta decisão fica compreendida no quadro de uma verdadeira apreciação liminar e, sendo assim, deve acolher-se a doutrina de que esta tipologia de decisões dispensa o exercício de um contraditório autónomo, com base no disposto no art.º 3.º n.º 3 do CPC – neste sentido, o acórdão deste Tribunal e Secção, de 13/2/2025, António Moreira - https://www.dgsi.pt; em sentido diverso, acórdão desta Relação de 3/12/2024, Ramos de Faria).
Ainda que assim se não entendesse, i.e., que se seguisse um entendimento que relevasse a atipicidade desta decisão face ao iter processual esperado, e que simultaneamente relevasse a circunstância de se tratar de uma decisão que, substantivamente, assenta em fundamentos diversos daqueles que são esperados pelo embargante e numa alteração da realidade processual de que não teve oportunidade de se pronunciar – a extinção da execução, sempre deveria entender-se, neste caso, que o vício em causa estaria suprido pela integral discussão da questão em sede recursória.
Na verdade, a questão em apreço atém-se apenas a saber se, uma vez extinta a execução, mas mantendo-se ativo um registo de penhora, existe ou não fundamento para prosseguirem os embargos.
Sendo esta a questão singular, totalmente debatida no recurso e sendo objeto de apreciação no mesmo, o contraditório mostra-se amplamente realizado, tendo sido apresentados perante esta instância todos os argumentos relevantes e estando acessíveis todos os elementos processuais pertinentes, estando disponíveis todos os elementos necessários a decidir.
É o suficiente para declarar a irrelevância processual de qualquer vício no contraditório que pudesse ser declarado – neste sentido, de que realizado oportunamente o contraditório devido não se verifica o vício apontado, vejam-se, designadamente, os acórdãos do STJ de 12 Janeiro 2021 (Graça Amaral - jurisprudencia.pt/acordao/198551/pdf/) e o acórdão desta Relação e Secção de 16 de janeiro deste ano (Arlindo Crua - https://www.dgsi.pt).
Decide-se, assim, que a invocada nulidade não se mostra verificada. –
-- b) A verificação de inutilidade/impossibilidade superveniente dos embargos de terceiro:
Sustenta o recorrente que a declarada situação processual (de inutilidade/impossibilidade superveniente), que o tribunal a quo considerou determinativa de extinção da instância, não se mostra verificada, uma vez que o registo da penhora efetuada se mantém, a despeito da extinção da execução.
Aduz o argumento adicional que a instância executiva poderá sempre ser renovada, o que também retiraria fundamento ao decidido.
Na apreciação desta questão importa considerar que, nos termos do que consta no processo executivo (ref. Processual Citius 40095748, de 31/7/2014), o Agente de Execução declarou finda a execução, fazendo constar do teor da sua decisão o seguinte: Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 794º e da al. e) do nº 1 do artigo 849º, ambos do Código de Processo Civil a presente execução é declarada extinta.
Quer isto dizer que o fundamento de extinção decorre de uma sustação integral da execução, por existência de penhora anterior abrangendo todos os ativos penhorados, no caso, o direito de superfície sobre o prédio do Município embargante.
Diz o art.º 794.º n.º 1 do CPC (único dos preceitos referidos com conteúdo material, contendo o art.º 850.º n.º 1 al. e) uma mera remissão para aquela norma) que, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga, aduzindo o n.º 4 que, em caso de sustação integral, tal determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º (diga-se que este preceito é irrelevante para a situação em apreço, na medida em que ressalva a possibilidade de renovação da execução, mas quanto a outros bens, caso o exequente os indique).
Este fundamento de extinção da execução – sustação integral – não está, assim, concebido para permitir uma renovação da execução quanto àquele concreto bem ou direito e, pelo contrário, confere ao exequente a faculdade de reclamar o seu crédito na execução onde se realizou a penhora mais antiga, se ainda não tiver aí sido citado para esse efeito (art.º 794.º n.º 2 do CPC) e/ou requerer a renovação da execução, mas quanto a outros bens ou direitos (art.º 850.º n.º 5).
Quer isto dizer, portanto, que a presente execução, quanto à concreta penhora em discussão, está finda e nunca poderá prosseguir.
Por consequência, nesse argumento não assiste razão ao embargante, uma vez que o direito de superfície penhorado nunca poderá ser vendido na execução de que os presentes embargos de terceiro são dependência.
Todavia, diz o embargante, aqui com razão, que a penhora se mantém registada.
A questão é saber se se mantém nessa situação por omissão de diligência do Agente de Execução de promover o respetivo cancelamento, ou porque deverá assim manter-se, a despeito da extinção da execução.
Diga-se que, no regime legal anterior, a sustação da execução em virtude de penhora daria lugar a simples suspensão da execução posterior, mantendo-se todas as penhoras até liquidação executiva, ou até que se verificasse outra causa de extinção das mesmas.
No regime atual, a que não é alheia, pelo contrário, uma preocupação cosmética nas estatísticas executivas, elemento central da chamada justiça económica, a sustação integral é causa de uma verdadeira extinção do processo, mesmo que condicional (i.e., sujeita a reabertura, noutros bens).
A questão transfere-se, assim, para a de saber como compaginar esta alteração do regime executivo relativo à sucessão de penhoras sobre o mesmo bem (ou, como é o caso, sobre o mesmo direito), com a existência de embargos de terceiro deduzidos sobre a penhora objeto de sustação.
Como referido, a extinção da execução, por sustação integral confere à exequente o direito de reclamar o seu crédito na execução anterior.
A propósito desta regra é necessário, todavia, estabelecer algumas precisões para devidamente compreender o seu alcance. Assim:
a. Tal reclamação é conferida como um direito processual e, portanto, pode, ou não, ser exercido;
b. Tal direito não é universal, estando sujeito à verificação de um requisito negativo – não o ter o exequente da execução posterior sido citado para reclamar créditos nessa execução, em momento anterior;
Sendo este o contexto legal, perante a extinção verificada, uma de duas circunstâncias terá ocorrido: - a exequente terá, ou não, reclamado o seu crédito na execução com penhora anterior.
Caso não o tenha feito, é absolutamente inequívoco que a penhora realizada na execução de que esta oposição depende deve ser cancelada, ato que competirá ao Agente de Execução realizar.
Extinta a execução extinguem-se todos os atos executivos na mesma compreendidos e, por consequência, a penhora deixa de ter qualquer sustentação, devendo ser extinta.
Nesse caso, é claro que os embargos de terceiro não podem seguir, porque deixou de existir qualquer ato executivo incompatível com o direito arrogado por terceiro e permanecerá, eventualmente, uma mera desconformidade registal, a suprir pelos meios devidos e na sede própria.
Mais difícil de resolver será a situação contrária – a de reclamação de créditos, pelo exequente da execução posterior, na execução anterior.
Em termos simples, caso a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A, reclame o seu crédito na execução anterior, apresentando como garantia real a penhora destes autos, impõe-se avaliar a forma de assegurar a posição do embargante de terceiro na execução extinta.
Nesse caso, invocando como garantia real a penhora realizada nestes autos, não só esta mantém eficácia, como terá caducado, ou processualmente precludido, qualquer direito deduzir embargos de terceiro na execução anterior.
Quer isto dizer que, caso o embargante de terceiro pretenda pôr em causa a penhora realizada nestes autos, algo para que tem um manifesto interesse direto, tenha ou não exercido idêntica faculdade na execução com penhora anterior, só terá como meio processual disponível o fazer – os presentes embargos de terceiro (em princípio, o direito arrogado, se declarado procedente, só ficará acautelado ante uma oposição a todas as penhoras realizadas, mas isso não significa que o respetivo titular, seja por que razão for, tenha qualquer obrigação de se opor a todas as penhoras incompatíveis).
Em síntese, caso o exequente destes autos reclame créditos na execução com penhora anterior, a única forma processual disponível, e o único momento para deduzir oposição mediante embargos de terceiro, é aquele que o embargante Município usou.
Em termos simples, o aqui oponente não terá oportunidade de embargar de terceiro na execução anterior contra a penhora objeto destes autos.
Esta é uma situação imprevista pelo legislador, ou lacunar, com isto se querendo dizer que não existe aqui uma previsão legal aplicável, na medida em que, como se diz na decisão recorrida, e no despacho de pronúncia sobre nulidade posteriormente proferido, a ação de embargos de terceiro é dependente de uma execução e, mostrando-se esta extinta, deixa de existir suporte processual para aquela.
Esta falha de previsão para estas situações, como a destes autos, poderia ter sido facilmente acautelada pelo legislador com a instituição de uma previsão de um novo prazo para embargar de terceiro na execução anterior, ou de apensação dos autos de embargos de terceiro à execução mais antiga, caso fosse usada pelo exequente a faculdade de reclamação de créditos.
Na falta dessa previsão, o único momento processual para o terceiro embargar é o prazo de trinta dias sobre a diligência, ou seu conhecimento, instituído pelo art.º 344.º n.º 2 do CPC e, portanto, caso se extingam estes embargos, o embargante poderá, efetivamente, ver postergado o seu direito a discutir a compatibilidade da diligência executiva realizada com o direito a que se arroga.
Porque o acesso ao direito do embargante não pode ser posto em causa, tendo que lhe ser concedida a possibilidade de discutir a incompatibilidade do seu direito com a penhora realizada na execução apensa, o sistema processual tem que encontrar uma resposta para esta situação.
Esta só poderia ser uma, de três:
- Ou se admitia, excecionalmente, que prossigam autos de embargos de terceiro, mesmo perante uma execução extinta, para aferição da validade de uma penhora nele realizada, não cancelada e invocada como garantia real numa execução onde o mesmo direito tenha sido objeto de penhora anterior – algo que, em termos sistemáticos, não se afigura normal e colocaria questões de conexão com a execução que continuaria a correr e a eficácia da penhora no mesmo – (diga-se que este tipo de resposta excecional foi já sustentada nesta Relação e Secção em idêntica situação, designadamente pelo acórdão de 20/6/2'24, Orlando Nascimento, dgsi.pt - https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7bd5ee5947fe205e80258be00054d446?OpenDocument, assim como em situação próxima – veja-se o recente acórdão de 7/11/2024, Teresa Garcia, dgsi.pt que decidiu pelo prosseguimento de embargos de executado, em caso de extinção da execução por inutilidade superveniente - https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7bd5ee5947fe205e80258be00054d446?OpenDocument);
- Ou se impunha a obrigação de discutir o seu direito numa ação autónoma, dando notícia da mesma na execução a correr;
- Ou teria que se concluir que os autos de embargos de terceiro passaram a ser dependência de uma outra execução, aquela em que se realizou a penhora primitiva, devendo ser apensados a estes para discussão da subsistência do ato executivo realizado e posto em causa na oposição deduzida, solução que parece a sistematicamente mais adequada
Não poderia o tribunal a quo, qualquer que fosse o caminho que decidisse seguir, declarar a extinção dos embargos de terceiro, da forma que o fez, sem verificar se o ato executivo realizado se mantém eficaz (algo que era desconhecido e assim se mantém).
Decorre do que disse que pode até verificar-se uma efetiva situação justificativa de extinção por impossibilidade superveniente, caso a penhora tenha seguido o destino da execução, mas essa verificação pressupõe prévia confirmação do não exercício, pelo exequente, do direito a reclamar o seu crédito na execução com penhora anterior.
Como pode verificar-se, pelo contrário, que, tendo tal reclamação sido deduzida pelo exequente, invocando esta penhora como garantia real, não exista, de facto, qualquer situação de impossibilidade da instância, devendo então o tribunal a quo apreciar do seguimento dos autos de embargos nos termos referidos (se autonomamente de uma execução pendente, se remetendo para apensação da execução com penhora anterior ou, eventualmente, mantendo a decisão de extinção, mas afirmando a necessidade de discussão do direito em processo declarativo autónomo e realizando o prévio contraditório dessa decisão).
Qualquer que seja o circunstancialismo que se venha a apurar e declarar, o que é certo é que a decisão de extinção proferida, no momento em que o foi e com os pressupostos em que assentou, não pode subsistir, por existirem elementos essenciais não estabelecidos nos autos.
Nessa medida, a decisão de extinção dos embargos de terceiro, por impossibilidade/inutilidade, não se mostra devidamente sustentada nos autos, devendo ser revogada.
É o que se decide. –
--- III. Decisão:
Face ao exposto, concede-se a apelação e revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos, nos termos supra definidos.
Custas pelo recorrente, satisfeitas pelos valores pagos.
Notifique-se e registe-se. –
--- Lisboa, 27-03-2025 João Paulo Vasconcelos Raposo Higina Castelo Susana Mesquita Gonçalves