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COMPROPRIEDADE
LIBERDADE CONTRATUAL
INCUMPRIMENTO
PREÇO
Sumário
Pagando o autor parte do preço de um bem comprado conforme acordado entre autor e réu e reconhecendo o réu que o autor tem 1/3 no bem, quando, mais tarde, o bem é vendido, o autor tem direito a 1/3 do preço da venda.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados A e B intentaram acção comum contra C, pedindo que:
1\ Seja reconhecida a validade dos acordos entre os autores e réu relativamente à compra em compropriedade de uma fracção que identificam;
2\ Seja reconhecida a validade dos compromissos entre as partes em relação à dita fracção, a sua actualidade e vinculação para as partes;
3\ Seja reconhecido que o comportamento do réu constitui uma quebra dolosa e grave do acordo e efectivo incumprimento contratual para efeitos de pedido de indemnização por via desta acção.
4\ Que tendo contribuído oportunamente com metade do valor para a compra da fracção assim como partilharam na proporção de metade em todas as despesas anuais de conservação do imóvel junto da administração do condomínio, nas despesas de Sisa (hoje IMT) da compra e IMI anuais, assim como nas despesas de água e luz da fracção e demais encargos anuais, como se proprietário fosse, há um locupletamento efectivo e indevido do réu na hora em que este procedeu à venda da mesma fracção e não entregou a metade do valor devida aos autores.
5\ Que tendo agido unilateralmente e sem qualquer comunicação sobre a referida venda sabia que causava forte dano moral aos autores pessoas que confiaram durante décadas no réu e o consideravam amigo e pessoa séria, honrada e honesta e cumpridora da sua palavra, tendo direito à reciprocidade de tratamento, valor que foi lesado gravemente e causa de dano moral que se mantém como ferida dolorosa e deve ser ponderado num mínimo de 25.000€.
6\ A indemnização pelo valor global de 150.000€ pelos danos materiais e morais sofridos pelos autores é fundamentada, legal e mais que justa e devida,
7\ Afigura-se que há um dano que deve ser calculado e que resulta do apuramento da diferença entre o valor declarado na escritura de venda e o valor real de mercado, que se reserva ser determinado após a vistoria e avalização a fazer e corresponde à compensação do dano pela gestão danosa dos interesses dos autores e eventual alienação abaixo do valor real do mercado, valor que terá de ser liquidado posteriormente em função da prova a realizar. Alegaram para tanto, numa petição aperfeiçoada [a PI original ia até ao artigo 43, inclusive], que (excluem-se apenas os artigos absolutamente irrelevantes para qualquer das interpretações possíveis):
1\ o autor fez amizade com o réu na época em que trabalhava no País X, como emigrante, e abordou o réu para investirem na compra da fracção referida nesta acção.
2\ O acordo seria cada um pagar metade e constituírem compropriedade sobre a fracção e admitiram mesmo constituir uma sociedade para alocar a referida fracção.
3\ Por razões da ausência do país o autor enviou o dinheiro para o réu e este concluiu o negócio e ficou acordado que até ao dia que melhor conviesse ao autor a fracção ficaria em seu nome.
[…]
5\ Foram preparados os documentos que mostram este envolvimento e que aqui se dão por reproduzidos como adiante melhor se referencia.
6\ O réu recebeu os fundos para a compra da fracção apesar da escritura de compra o identificar como único comprador, mas a verdade é que o preço pago pela aquisição resultou de uma comparticipação em proporção de metade por parte do autor.
7\ Também se faz a prova e evidencia que a movimentação dos fundos proveio da conta do então BES do autor e o próprio réu, pelo seu próprio punho, fez declaração de que recebeu valores do autor e que o réu usou para o negócio em questão e do interesse dos dois amigos, dinheiro que foi de boa fé entregues pelo autor ao réu.
8\ Desse acordo fazia parte também a obrigação para ambos de partilhar na proporção de metade os encargos com condomínio, impostos, taxas municipais, água e electricidade.
9\ Ambos tomaram posse do imóvel e o autor e réu tiveram cada um escritório no local e as salas desníveis fizeram arrendamentos e partilharam esse valor, como efectivos comproprietários que se consideravam.
10\ Era prática entre os dois, autor e réu apresentar um relatório das contas, elaborado pelo réu, uma vez que o autor se encontrava no País X, para que os valores fossem equitativamente partilhados, como efectivamente foram ao longo do tempo.
11\ Essa relação foi pública, pacifica e de boa fé, como uma posse de comproprietários que estivesse formal e oficialmente escriturada.
12\ Recentemente decidiram vender a fracção e o filho do autor ocupou-se do assunto e procurou interessados, organizou um dossier documental actualizado para o efeito.
13\ Sem que nada o fizesse prever o réu deixou de atender o filho e o autor.
14\ Foi então que, numa deslocação às Finanças para actualizar os documentos e porque havia um novo interessado na compra que o filho reparou que o titular inscrito já não era o réu, e prosseguindo as diligências na Conservatória do Registo Predial descobriu no final de 2017 que a fracção fora vendida.
15\ Mais descobriu até que a fracção fora vendida duas vezes nesse mesmo ano e com escrituras celebradas no mesmo Cartório Notarial.
[…]
17\ Incrédulos escreveram ao réu a pedir explicações, mas nem uma palavra nem uma abordagem para entregar a parte do preço que pertencia aos autores.
18\ Essa disposição do bem constitui um acto contrário ao acordado com o autor e representa, não só um enriquecimento indevido do réu, mas essencialmente uma lesão grave e dolosa dos interesses do autor ao arrepio das convenções vigentes entre ambos.
[…]
20\ Na verdade o réu tornou-se formalmente o único proprietário da fracção […]
21\ Porém, o autor foi, durante todo o mesmo período em que o réu foi proprietário, o legitimo possuidor de boa fé e de forma pública e pacífica da fracção, de que tinha as chaves e o uso e fruição normal e comparticipando em todas as despesas de conservação e nos tributos e taxas devidas como comproprietário efectivo que se considerava ser.
22\ Apesar de ser um negócio de "aperto de mão" e na base da confiança recíproca, veio a ser apresentada ao autor uma declaração assinada pelo réu em que juntou copia do seu B. de Identidade para validar a assinatura em que este declarava que reconhecia a posição do autor naquele negócio e que esse acordo deveria ser respeitado entre as partes e mesmo pelos seus herdeiros.
23\ Com esse propósito o réu fez duas declarações que aqui se dão por reproduzidas como doc.1 que refere 1/2 da fracção e doc.2 que sem que nada o explique só refere a compropriedade de 1/3 (!), reflectem o que acaba de se descrever e se traduzem no compromisso do réu em respeitar a posição do seu comparte naquela compra.
24\ Posteriormente o réu fez chegar ao autor uma minuta de um contrato promessa de cessão de posição contratual em que promete vender a 1/2 indivisa da fracção - doc. 3-1 e doc. 3-2, que refere a metade indivisa.
25\ Desse contrato de cessão de posição contratual, ficou estipulado que o autor passaria a ser comproprietário na quota de metade indivisa do referido imóvel e as despesas anuais sempre são partilhadas nesta proporção de metade para cada uma das partes.
26\ Na realidade a escritura entre autor e réu, ou a constituição de sociedade, tal como se chegou a ponderar em 1995, nunca se realizou — veja-se o doc.13.
27\ Não obstante da escritura não se ter realizado o réu todos os anos enviava as despesas do referido imóvel ao autor na sua proporção - ver docs. 15 a 20.
28\ A verdade é que o autor sempre pagou as despesas apresentadas, julgando na sua inteira seriedade e boa fé que estava a contribuir para um imóvel de que era comproprietário.
29\ Como se disse já acima, sucede que sucede que em 08/04/2016 o réu vendeu a referida fracção pelo preço de 320.000€, conforme doc. 4.
30\ Transmissão que tal como a que se seguiu deu origem a inscrições no registo predial quanto às novas titularidades da propriedade — certidão que se virá juntar aos autos como doc. 5.
31\ E o comprador daquela aquisição vendeu por sua vez a referida fracção em 16/12/2016 a terceiro pelo preço de 365.000€ - doc.6.
32\ Mau grado o direito do autor a poder reclamar judicialmente o reconhecimento da sua compropriedade por usucapião emergente da posse de boa fé, pública e pacífica e todos os actos possessórios associados, ao longo de dezenas de anos, e mesmo à luz da doutrina do art.º 291 do Código Civil, a verdade é que aqui, nesta acção, o autor só vem reclamar o direito a justa indemnização pelo incumprimento contratual e tendo em conta o enriquecimento sem causa do réu.
33\ Tem de se pedir atenção para a valorização da fracção em 6 meses que passou de 320.000€ para 360.000€.
34\ O que obriga a colocar a questão da simulação do preço para prejuízo do autor ou ocultar o enriquecimento efectivo do réu e releva para efeito cálculo dos de lucros cessantes. Na verdade,
35\ Na zona onde a fracção está situada, a designada zona das avenidas novas, sendo um imóvel de sete assoalhadas, aquela tipologia tem no mercado um valor muito acima de 800.000€ e não deve ser fácil de encontrar a venda hoje por esse preço.
36\ Aceitando que o valor carece de ser avaliado para medir a dimensão do dano indemnizável, pedir-se á uma avaliação por perito por modo a obter um valor de mercado e assim determinar o valor da indemnização devida.
37\ Dúvidas não há porem que o autor reclama desde já e aqui uma indemnização de 150.000€ como a justamente adequada aos interesses materiais e morais em causa.
38\ Esquecendo embora a dimensão real do seu direito de comproprietário, que foi grosseira e dolosamente desrespeitado, subsiste para o autor a questão da obrigação de indemnização por banda do réu, como acto legítimo de reparação do prejuízo causado livre e voluntariamente e sabendo que causava grave dano material e moral aos autores.
39\ Cumpre nesta acção pôr em evidência a vontade real das partes de se auto-vincularem sobre matéria na sua disposição - ser comproprietários - e as razões da forma do negócio que se concretizou só com a intervenção do réu não pode ser de molde a diminuir a tutela dos direitos que os autores aqui ora reclamam.
40\ Verificam-se no caso todos os pressupostos de facto e de direito para que os autores reclamem a indemnização pela lesão dos seus interesses.
41\ Com a sua conduta o réu desrespeitou os compromissos assumidos com os autores. De forma dolosa e com o propósito de lhes causar dano elevado, bem sabendo que estava vinculado a um acordo e que só lograra comprar aquela casa na base do acordo celebrado com o autor e com o dinheiro com que este comparticipou e que a obrigação era actual e que lhe impunha uma conduta conforme ao negócio que era para valer, segundo o escrito do réu, em vida ou mesmo em relação aos herdeiros de autores e réu.
42\ Ao agir da forma descrita e alienando unilateralmente a fracção colocou-se o réu em posição de grave incumprimento das suas obrigações perante os autores, acrescendo que o silencio sobre esta operação e mesmo a dupla transmissão que teve lugar são indicio de forte acção dolosa e que fere profundamente o respeito que os autores se consideravam credores e causa dano moral muito forte em ambos os autores que tinham no réu uma pessoa séria, honrada e honesta e cumpridora da sua palavra.
[…]
44\ Complementarmente vêm os autores esclarecer o seu pedido nos seguintes termos: Os autores não vêm propor uma acção real, antes vem propor uma acção em vista da indemnização dos prejuízos sofridos e que emerge da venda da fracção identificada nos autos à revelia dos acordos firmados entre as partes na acção.
45\ O direito a indemnizar encontra-se consagrado na lei no art.º 562 do CC [que] estabelece um princípio geral quanto à obrigação de indemnizar: "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".
46\ Tendo sido vendida a fracção, os autores visam tão só o reparação do seu prejuízo e ainda, como também entendem seu direito, o pagamento em dinheiro atento o disposto no art.º 564 do CC os benefícios não obtidos com os chamados lucros cessantes, sabendo que o ganho, na proporção da que fora acordada, fica prejudicado tendo em conta o valor da venda e o valor dos imóveis na zona, que alcançam facilmente valores acima de 700.000€.
47\ Neste sentido apesar de já ter sido junta certidão predial aos autos sempre se dirá que na data da propositura desta acção já a fracção se não encontra na titularidade do réu, mas de terceiro.
48\ E apesar da posse e eventual aquisição da propriedade por usucapião os autores não seguiram o processo da reivindicação da propriedade.
49\ Situam-se então e só na afirmação do seu direito a ser indemnizados por violação grosseira de um acordo entre as partes.
50\ A compra do apartamento foi negociada pelo autor pelo valor de 4.000.500$ ao dono do prédio que era o dono de todo o prédio que propôs a venda aos inquilinos — a H-Lda., em que tinha o Sr. F e o autor. Como o F depois desistiu o autor falou como réu, ao tempo director de exportação da AC no exterior e a quem deu apoio no País X.
51\ Decidiram na base dessa amizade e acordo os dois comprar a fracção na proporção de metade para cada um, ou seja 2.250.000$ a cada um.
52\ Estes pagamentos foram feitos por cheques cujo dias de entrega e montantes se encontram documentado nos autos.
53\ O autor obteve facilidades para o réu no País X que permitiu o recurso um crédito bancário no sistema de poupança emigrante.
54\ E por essa via é que a escritura inicial ficou em nome exclusivo do réu, tendo em conta que na mesma data o autor adquirira pela mesma via de crédito emigrante uma casa em Sacavém, havendo uma declaração para os herdeiros de que deveriam sempre respeitar a posição do autor.
55\ Desde essa data que ficou de pé o acordo de fazer uma sociedade para alocar a fracção, mas com o tempo tiveram os dois a posse conjunta da fracção, pagaram em partes iguais o IMI, e as despesas de condomínio, e água e electricidade e suportaram em partes iguais as benfeitorias realizadas.
56\ Recentemente decidiram vender a fracção por acordo e o autor envolveu o filho nas diligências para o efeito, tudo ainda em comum acordo com o réu.
57\ Nesta fase dirigida à venda da fracção o réu chegou a acordo com o filho dos autores, que agia como representante dos interesses destes para procurar compradores no mercado e fixaram o valor que ele réu queria para ele próprio 320.000€, sendo a diferença para os autores.
58\ O filho encontrou comprador por 550.000€ - o Sr. K, amigo persa do autor - e eis senão quando pretende finalizar a venda descobre a surpresa de que o réu vendeu sozinho a fracção sem qualquer aviso declarando um valor irrisório e lesando desse modo tão gravemente os interesses dos autores.
59\ Concluindo, há violação de um acordo com os autores e um claro enriquecimento ilegítimo do réu, pelo que com esta acção se pretende obter justa indemnização e partilha nas mais-valias obtidas e que constituem lucros cessantes.
60\ Esta violação do acordo é dolosa e revela muita má fé, contrariando as regras de boa educação e honradez e consideração que os autores se devem reciprocamente.
61\ A verdade é que antes da escritura inicial de 18/01/1990, o autor entregou ao réu de sua parte a metade no montante de 2.000.250$ para a aquisição, como pretende provar.
62\ E desde aquela data, de forma pública pacifica e de boa fé, continuamente ao longo de todo o tempo decorrido sempre esteve na posse conjunta do imóvel e pagou a metade do IMI devido e a metade das despesas de condomínio água e electricidade e das benfeitorias ali realizadas, tudo factos evidenciados pelos documentos já juntos aos autos. O réu contestou; excepcionou a incompetência territorial porque, nos termos do art.º 71/1, 1ª parte, do CPC "A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento..." - o que é o caso da presente acção - conforme causa de pedir invocada e pedidos formulados pelos autores - é proposta no tribunal do domicílio do réu; Excepcionou a ineptidão, dizendo que:
7\ […A] concretização dos supostos "acordos" entre os autores e réu, teria que ter como causa de pedir a celebração de um contrato de compra e venda da aludida fracção.
8\ Ao longo da sua PI [= petição inicial] os autores limitam-se a alegar a existência de uma minuta de um contrato promessa de cessão de posição contratual, não alegando, nem esclarecendo quem é que iria transmitir a sua posição contratual aos autores e qual o contrato que estava na base dessa cessação de posição contratual.
9\ Os autores não juntam qualquer título ou documento que permita a transmissão da propriedade de forma válida e eficaz.
10\ Os documentos juntos pelos autores são meras minutas, encontrando-se alguns inclusivamente rasurados e sem conterem a assinatura das partes devidamente reconhecida (doc. n.ºs 1 a 3 da PI)
11\ Os autores pedem também para "ser reconhecida a validade dos compromissos entre as partes em relação à dita fracção, a sua actualidade e vinculação das partes."
12\ Porém, os documentos 1, 2 e 3 não têm qualquer validade,
13\ Senão vejamos, o doc.1 consiste numa declaração escrita à máquina, sem qualquer assinatura do declarante, desconhecendo-se inclusive quem terá sido o seu autor, pelo que desde já, se impugna para os devidos efeitos legais.
14\ O doc.2 é uma declaração, supostamente assinada pelo réu, mas em que a mesma não se encontra reconhecida, desconhecendo-se se terá efectivamente sido o réu a assinar esta "declaração".
15\ O doc.3 é uma minuta de um contrato promessa de compra e venda, que nunca chegou a ser concretizada e como tal não terá qualquer validade.
16\ Pelo que, não se pode pedir que se validem compromissos baseado em documentos nulos.
17\ Os autores pedem ainda que seja "reconhecido que o comportamento do réu constitui uma quebra dolosa e grave do acordo e efectivo incumprimento contratual para efeitos de pedido de indemnização por via desta acção".
18\ Ora, se os autores não celebraram com o réu nenhum contrato, não estamos perante um incumprimento contratual.
19\ Por outro lado, no ponto quatro do pedido os autores limitam-se a formular conclusões sobre um suposto locupletamento do réu na hora que "procedeu à venda da fracção e não entregou a metade do valor devida aos autores".
20\ Contudo, tal ponto não configura um pedido e como tal não poderá ser apreciado por esse tribunal. Excepcionou também a prescrição, porque os factos ocorreram em Janeiro de 1990 e o réu foi citado para contestar em 11/12/2018, pelo que, já se encontrava decorrido o prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 309 do Código Civil. E ainda o abuso de direito, porque os autores bem sabem que não foi celebrado nenhum contrato válido entre autores e réu que lhes permita serem ressarcidos de quaisquer eventuais prejuízos decorrentes de incumprimento contratual. E impugnou todos os factos da PI à excepção do que consta dos artigos 29, 30, 33 e 43, sendo que diz que o que consta dos artigos 18 a 20, 32, 34 a 40 [e 43] são juízos conclusivos que não admitem impugnação. Impugna também os documentos, o 1.º por estar incompleto, o 2.º porque a assinatura constante do mesmo não foi efectuada pelo réu [note-se que em 14 tinha dito desconhecer se tinha sido feita por si - TRL], os documentos 3 (3.1 e 3.2), 11, 12, 13, 14 e 18, por desconhecer se as declarações constantes dos mesmo são verdadeiras; e os documentos 15 a 17 por constituírem folhas em branco. E, por fim, dá dos factos uma versão diferente:
32\ O réu conheceu o autor no País X, tendo transmitido aquele que pretendia adquirir um imóvel em Lisboa.
33\ Por sugestão do autor, o réu adquiriu o imóvel identificado no artigo 20º da PI.
34\ A aludida fracção foi adquirida apenas com dinheiro do réu,
35\ Sendo este seu dono entre Abril de 1982 e 08/04/2016, cf. documentos 10 e 4 junto aos autos com a PI.
36\ O autor por mera tolerância do réu usou uma sala da aludida fracção,
37\ Sem efectuar o pagamento de qualquer contrapartida. Os autores responderam, na sequência de convite do tribunal, às excepções aduzidas, sustentando, em relação ao abuso de direito que o registo da fracção a favor do réu é uma mera presunção ilidível e que os autores só não chamaram os adquirentes mas podiam-no ter feito em acção de reivindicação; quanto à prescrição, que agiram a partir do momento em que tiveram conhecimento da alienação à revelia dos autores que foi protagonizada pelo réu; e quanto à ineptidão dizendo que o réu mostra que entendeu o pedido dos autores, e que a relação entre as partes vem alegada, tal como o acordo negocial para a compra da fracção, a relação fiduciária entre as partes e o enriquecimento do réu, e que, como acção de indemnização, foi feita a caracterização do facto ilícito, do nexo de causalidade, da acção dolosa do réu e quantificado o dano sofrido. Em 08/03/2019 é proferido um despacho do qual consta, entre o mais, o seguinte:
[…] verifico que parte dos documentos remetidos pelos autores com a PI não se mostram totalmente legíveis e compreensíveis sequer na aplicação citius, assim: primeira folha do doc. 10; totalidade do documento 15 [ou melhor, das 12 folhas de tal documento, consta, no canto superior direito, a menção, em cada uma, a manuscrito, dos meses de Janeiro a Dezembro de 1993 - TRL]; 1º a última folha do documento 16; totalidade do doc. 17; e últimas 6 folhas do documento 18.
Isto dito, determino se notifique os autores para juntarem aos autos em 10 dias versão integralmente legível dos referidos documentos (ou o seu original, caso a falta de legibilidade resulte da sua digitalização e não a consiga suprir por nova digitalização).
Junta que seja aos autos a versão legível ou os originais, em ordem a evitar duplicação de processado e bem assim que nos autos estejam incorporados elementos inúteis (documentos não legíveis e repetidos), determino se desentranhe e elimine do suporte físico dos autos a versão não legível apresentada com a PI e no seu lugar se incorporem as versões legíveis ou os originais.
Mais determino que nessa altura sejam os documentos apresentados com a PI ordenados pela sua sequência numérica, posto que os autores remeteram o documento 10 após o 14 e antes do 15.
Os autores não deram cumprimento ao despacho em causa.
A 09/07/2019 foi proferido novo despacho:
Insista-se com o autor pela junção dos documentos legíveis como determinado no nosso despacho de 08/03/2019 – ponto 2, sob pena de se determinar o desentranhamento dos documentos que não são legíveis, porque nessa medida absolutamente irrelevantes e inúteis para a decisão da causa.
Os autores tornaram a não dar cumprimento ao despacho. Numa audiência de 17/02/2020, foi julgado procedente a excepção dilatória da incompetência territorial do tribunal de Sintra (onde a acção tinha sido proposta), por se considerar que os autores deduzem contra o réu um pedido indemnizatório fundamentando o mesmo simultaneamente no incumprimento contratual e/ ou no enriquecimento sem causa, e, para esses casos, o tribunal competente é o do domicílio do réu (artigos 71/1, 1.ª parte, e 80/1, ambos do CPC). Sendo que o incumprimento contratual e /ou enriquecimento sem causa teria ocorrido aquando da venda do imóvel pelo réu a terceiros, como decorreria do alegado no art.º 12 da PI conjugando-o com os artigos 13 e 14 do mesmo articulado. A 04/11/2020, os autores foram convidados a aperfeiçoar a petição, tendo em conta que “importa, desde logo, apurar qual o preço por que a fracção foi adquirida pelo réu e qual o valor que o autor entregou ao réu para o efeito. Por outro lado, considerando que o direito de propriedade é facto sujeito a registo e apenas pode ser provado por documento, […] deverão os autores juntar certidão do registo predial actualizada do prédio em causa nos autos. Por fim, constata-se que a PI é absolutamente omissa quanto às razões de direito que servem de fundamento à acção.” Na sequência os autores apresentaram a PI aperfeiçoada já transcrita acima e aproveitam para juntar mais um documento que dizem ter sido entregue ao filho e subscrito pelo réu, cujo conhecimento foi posterior à propositura da acção, e do qual consta “valor net. = 320.000€” e uma assinatura com o nome do réu. O réu veio responder que: a PI continua a não conter elementos de factos suficientes donde emerge o eventual direito que os autores pretendem fazer valer em juízo; também é ininteligível o pedido formulado pelos autores; do articulado aperfeiçoado não se extraem quaisquer factos novos e concretos donde emerge o direito que os autores pretendem fazer valer com a presente acção; nos artigos 44 a 62 os autores limitam-se a emitir juízos conclusivos impedindo, desse modo, o exercício do direito do contraditório; no articulado não constam factos concretos que permitam ao réu exercer o seu direito de defesa, nomeadamente, no que concerne a eventuais quantias que lhe tenham sido entregues, as datas em que tais entregas foram realizadas e o modo de pagamento de tais quantias; acresce que os autores juntam com o seu articulado uma cópia de um documento manuscrito, pelo que vai o mesmo impugnado por se desconhecer a que se refere o mesmo; conclui que deverá ser julgada procedente por provada a excepção da ineptidão da PI e, em consequência, ser absolvido da instância. No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção dilatória da ineptidão da PI, porque “entendemos que o autor deu cabal cumprimento à alegação atinente à causa de pedir, identificando suficientemente os factos que sustentam a sua pretensão, sendo a mesma perfeitamente cognoscível. Por outro lado, analisada a contestação deduzida pelo réu, pode concluir-se que o mesmo interpretou convenientemente os pedidos e a casa de pedir. […]”
No decurso da causa (mas depois da contestação), o réu faleceu, tendo sido habilitadas as suas herdeiras D, E e G. Depois de realização a audiência final, foi proferida sentença em que se julgaram improcedentes as excepções peremptórias e se julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, se absolveu as habilitadas dos pedidos formulados pelos autores. Estão dados como provados os seguintes factos[a parte sublinhada de 7 e o facto 12 foram acrescentados por este TRL em consequência da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto]:
1\\ O autor, quando trabalhava no País X, fez amizade com o réu.
2\\ A fracção autónoma destinada a habitação que constitui o 6.º esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, foi adquirida pelo réu pelo valor de 4.500.000$ [este TRL corrigiu o lapso de escrita: constava 4.00.500$; era desconforme com a escritura notarial em causa, de 30/04/1982, que é o doc.10 da PI].
3\\ Por estar no País X, o autor enviou para o réu 1.333.500$ para a aquisição daquela fracção e este recebeu-a, tendo concluído o negócio.
4\\ Dada a relação de amizade e confiança entre o autor e o réu e por aquele ter já adquirido uma casa com recurso a crédito bancário de poupança emigrante, foi acordado entre ambos que aquela fracção ficaria unicamente registada a favor deste até ser conveniente para o autor.
5\\ O autor tinha as chaves da fracção autónoma e ele o réu tiveram aí os respectivos escritórios.
6\\ O réu arrendava as demais salas disponíveis e o autor pagou despesas da fracção.
7\\ O autor e o réu decidiram vender [a] fracção, tendo o réu dito que apenas pretendia receber 320.000€; o réu vendeu a fracção sem dar conhecimento ao autor.”
8\\ Em escrito datado de 08/04/2016, o réu e um terceiro declararam que «(…) para todos os devidos e legais efeitos que [o réu] é dono e legítimo possuidor daquela fracção destinada a habitação, prédio descrito na CRP de Lisboa sob o número […] da freguesia de […] com o valor patrimonial actual para a fracção de 135.970€ (…) vende ao segundo a fracção pelo valor de 320.000€ (…) já (…) recebido, dando assim a respectiva quitação. (…) e «(…) que aceitam o presente contrato (…)».
9\\ A fracção foi vendida em 16/12/2016 por 365.000€.
10\\ O réu apôs a sua assinatura no escrito junto com a PI sob o [doc.] 2 [que tem o seguinte conteúdo, transcrito agora por este TRL:
"DECLARAÇÃO"
Para os efeitos convenientes, declaro que possuo na Av. […] um andar descrito na Conservatória Predial de Lisboa sob o número […] e inscrito na matiz sobre o artigo […], que foi adquirido por mim, pertencendo 1/3 (um terço) a [A], portador do B.I. n.º […] de Lisboa e com o Contribuinte n.º […], casado com [B] portadora do B.I. n.º […] de Lisboa e com o Contribuinte n.º […] por ter contribuído nessa proporção na respectiva compra, tendo ficado registado unicamente em meu nome por conveniência de ambas as partes.
Nestes termos fica assim bem entendido que, para todos os efeitos de direito e legais reconheço aquela cota parte de 1/3 (um terço) do referido andar como pertença do [A] que deve ser respeitada pelos meus herdeiros se em caso de meu falecimento viessem a tomar posse do referido imóvel.
Lisboa, 18 de Janeiro de 1990
C]
11\\ O réu foi, na presente acção, citado para contestar em 11/12/2018.
12\\ A fracção tinha, em Abril de 2016, um valor a rondar os 350.000€.
* Da impugnação da decisão da matéria de facto
* Em relação ao facto 6, os autores entendem que deve ficar provado que também o autor arrendava as demais fracções. Ou seja, onde está ‘o réu arrendava’ deve ficar: ‘o autor e o réu arrendavam’. A fundamentação para esta pretensão é a seguinte:
Neste sentido, prestaram declarações as testemunhas: MM entre 00m39s e 05m00s; e MF entre 04m14s e 04m58s.
Isto em conjugação “com as declarações prestadas pelo autor na audiência de 27/05/2024 entre as 14h04 e as 15h01, cuja gravação se encontra disponível em Citius, bem como da conjugação com os documentos 14 e seguintes juntos com a petição inicial.”
Acrescem ainda os documentos 14 e 15 da PI, que fazem menção expressa aos valores de receitas de arrendamentos (C – 24.000$ e L 100.332$) e o documento – doc. 16 junto com a PI, que no mapa global de Abril de 1994, faz referência às despesas com “Anúncio D.N. p/ arrendamento salas escritório” e cujo custo é repartido entre autor e réu. A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação para o facto 6 (transcreve-se também a fundamentação da decisão quanto aos factos 3 a 5 e 10, por esclarecer melhor o contexto e porque ela será importante para outras questões como se verá):
[…]
A convicção quanto aos factos vertidos em 3 assentou na valoração conjugada das declarações de parte prestadas pelo autor - no segmento em que, em suma, deu conta do mesmo, precisando que os pagamentos eram efectuados por intermédio da conta bancária da sua mulher, dado que então estava no País X e era difícil transferir quantias monetárias para Portugal -, na valoração da relação de cheques junta com a petição inicial como doc. 13 (notando-se que a autora reconheceu que as alusões a “C” respeitam a cheques por si emitidos a favor do réu a pedido do seu marido), no testemunho de MM - no trecho em que revelou que, por conversas com o autor e com o réu, soube que ambos haviam comprado a fracção, pagando cada um metade do preço - e, sobretudo, no teor da declaração que foi junta como doc.2 com a petição inicial e que redigida por este último (cf. a motivação atinente ao facto 10), da qual se extrai, em suma, a admissão de que o autor contribuiu para a compra da fracção na proporção de 1/3. Sabendo-se que o valor de aquisição se cifrou em 4.000.500$ (cf. facto 2), apurou-se o valor indicado.
[…]
A convicção quanto aos factos vertidos em 4 assentou na valoração concatenada das declarações de parte do autor - no trecho em que, em suma, afirmou que já adquirira uma casa com recurso a crédito e que, como tinha confiança, foi acordado com o réu que a fracção ficaria unicamente “em nome” daquele -, das declarações de parte da autora - referiu que tal sucedeu porque o autor estava no País X -, do testemunho de MG (filha dos autores) - no segmento em que, em suma, deu conta de que o seu pai já tinha contraído um empréstimo para comprar a casa onde mora e que, para beneficiar de melhores juros, pediu-lhe para, provisoriamente, aquela fracção ficar em seu nome - e do teor do referido doc. 2, de onde evola que, nele o réu declarou que a fracção ficara “(…) registado unicamente em meu nome por conveniência de ambas as partes (…)”.
O testemunho referido no antecedente paragrafo foi prestado de uma forma pouco clara, hesitante e nem sempre espontânea (revelando, amiúde, preparação, patente, por exemplo, no modo se dirigia, em exclusivo, à mandatária dos autores, durante a sua inquirição), o que se percebe à luz da dita relação filial, não denotando conhecimento pessoal da maior parte dos factos narrados. Ainda assim e porque, neste e noutros aspectos, foi secundado por outros meios de prova, tal testemunho foi tido em consideração.
A convicção quanto aos factos vertidos em 5 assentou na valoração concatenada das declarações de parte dos autores - em suma, o autor referiu que ele e o réu tinham escritórios na fracção e a autora afirmou que o autor tinha as respectivas chaves -, nos testemunhos de MM - referiu, em síntese, que o autor lhe cedeu o uso de duas salas da dita fracção -, de MF (irmã do autor) - no segmento em que, em suma, referiu que trabalhou como secretária para o réu, tendo este ali o seu escritório - e de MG - no trecho em que deu conta de que o seu pai tinha as chaves da fracção.
O testemunho de MF foi prestado de uma forma segura, clara e descomprometida, denotando a depoente conhecimento pessoal da maior parte dos factos narrados. Por isso e pese embora a aludida relação pessoal, tal testemunho foi reputado como crível, convincente e fiável.
A convicção quanto aos factos vertidos em 6 assentou na valoração concatenada das declarações de parte do autor - referiu que as salas da fracção eram arrendadas pelo réu e que pagou as despesas da fracção -, dos testemunhos de MM - referiu que existiam outras salas arrendadas - e de MF - deu conta de que aquele arrendava salas e recebia as rendas, apresentando ao autor as despesas - e dos mapas de despesas (cujas cópias foram juntas como documentos n.ºs 14 a 20 com a petição inicial [cf. fls. 32v e 40 a 98 e 103 a 161 do suporte físico dos autos] e com o requerimento junto sob a ref.ª 25499586 [é o requerimento dos autores de 22/04/2024 - TRL]), onde figuram despesas de vária índole referentes a “Andar” e os nomes do autor e as iniciais “C”.
Assim, sendo esse o único negócio existente entre ambos (como deu nota o autor, o que se revela plausível tendo em atenção a desconfiança que, desde logo, manifestou sentir relativamente ao réu), concluiu-se que tais documentos respeitavam a despesas relacionadas com a fracção em causa.
[…]
A convicção quanto aos factos inscritos em 10 assentou na valoração concatenada do depoimento de parte prestado pela habilitada - no segmento em que, confrontada com o sobredito doc.2, identificou a assinatura ali aposta como aparentando pertencer ao réu, seu ex-marido -, no cotejo dessa assinatura com a assinatura aposta no bilhete de identidade cuja cópia foi junta com aqueloutro documento (de onde emergem patentes semelhanças) e nas declarações de parte do autor - no trecho em que identificou essa assinatura como sendo pertencente àquele. As rés contrapõem, ao que é dito pelos autores, que:
As declarações [sic] das testemunhas mencionadas [pelos autores] (MM e MF) não fornecem prova suficiente para sustentar a alegação de que o autor também participava no arrendamento das aludidas salas. As suas declarações, analisadas pelo tribunal, não demonstraram de forma clara e inequívoca que os autores e o réu arrendavam as salas em conjunto, dividindo os respectivos rendimentos.
Para além disso, o tribunal considerou correctamente as provas documentais, nomeadamente os documentos 14, 15 e 16, os quais apenas indicam a existência de despesas partilhadas, mas não comprovam uma participação conjunta no arrendamento. Apreciação:
O art.º 640/1b-2a do CPC dispõe: Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: […] b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; […] 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; […].
A simples indicação do intervalo de tempo em que o autor prestou declarações não dá satisfação à exigência do art.º 640/2a do CPC pelo que, nessa parte, esse elemento de prova não pode ser aproveitado.
Quanto ao doc. 15 da PI o mesmo não tem conteúdo útil, sabendo-se apenas que diz respeito ao ano de 1993, como resulta do despacho de 08/03/2019 transcrito no relatório deste acórdão de 08/03/2019, reafirmado no despacho de 09/07/20219, e que este TRL confirmou quer no processo electrónico quer no processo em papel.
Quanto ao documento 14 da PI só formalmente é que se pode dizer que ele faça referência aos valores de receitas de arrendamento: o que o documento diz é apenas, sob o assunto “mapa de gastos”: “junto anexo mapa global de receitas e despesas relativo aos anos de 1987 a 1992 inclusive, bem assim como folhas discriminativas dos gastos. Agradeço teus comentários sobre o assunto.” Nada disto corresponde à demonstração de qualquer receita de arrendamentos. Aliás, relativamente a inúmeros anos de mapas juntos pelos autos (de outros anos, quando legíveis), não há uma única coluna de receitas que tenha qualquer conteúdo.
Quanto ao doc. 16 faz referência a despesas, não a receitas. No princípio de cada folha do documento 16, na parte legível, consta: ‘despesas globais’; não consta receitas.
Portanto, destes documentos 14 e 16 (e o mesmo é verdade dos outros – 17, 18 e 20 - como se verá), resulta que o autor pagava 1/3 de despesas (por exemplo, condomínio, telefones x5, EDP, EPAL e Lic. Autarq. CML., esgotos, material de limpeza, prestação do andar/anual total 240.093$ em Maio de 1994, seguro do andar, contribuição predial, um anúncio DN p/salas escrit.), não que ele recebesse quaisquer receitas.
Quanto às passagens dos depoimentos de duas testemunhas: ouviram-se as passagens indicadas e as testemunhas não disseram nada que apontasse para que os autores, ou o autor, arrendasse/m a fracção fosse a quem fosse. Aliás, no recurso, os autores não dizem o que é que as testemunhas teriam dito para que pudessem ser aproveitadas para prova do facto. Um recurso é argumentação, não a simples indicação de passagens de depoimentos. Aliás, mais, à frente, a propósito dos dois factos não provados sob (vi) e (vii), o tribunal diz o seguinte (sem que os autores tenham uma única palavra de argumentação contra tal): “Como acima se deu nota, o próprio autor e MG negaram que o réu partilhasse com aquele as rendas recebidas […] […] Não foi produzido qualquer meio de prova que evidenciasse que o réu apresentava um relatório de proventos recebidos com o arrendamento de salas, o que, de resto, se revela coerente com o facto de o mesmo não partilhar as rendas recebidas com o autor.”
Em suma, não há qualquer prova daquilo que os autores querem acrescentar aqui.
* Em relação ao facto 7, os autores entendem que deve ser acrescentado com o seguinte: “tendo o réu vendido a fracção sem dar conhecimento ao autor.” Isto com base na seguinte fundamentação:
Como ficou claro pelas declarações do autor na audiência de 27/05/2024 entre as 14h04 e as 15h01, cuja gravação se encontra disponível em Citius, e da testemunha AF entre os 11m17 e 12:30 e minuto 22.
O autor pretendia a venda do imóvel, tendo existido conversações sobre este facto entre o filho do autor AF e o réu, mas este procedeu à venda da fracção à revelia do autor. A fundamentação do tribunal para a decisão deste facto foi a seguinte:
A convicção quanto aos factos vertidos em 7 firmou-se com base na valoração concatenada das declarações de parte prestadas pelo autor – no segmento em que, em suma, referiu que o réu pretendia vender a fracção e ficar com 320.000€, cabendo ao autor uma terça parte do preço que excedesse esse valor, tendo aceite essa proposta por não ter “outra saída” -, do testemunho de AF (filho do Autor) - referiu que, como representante do seu pai, falou com o réu sobre a venda da fracção, tendo este referido que pretendia ficar com 320.000€ do valor pelo qual aquela viesse a ser alienada, documentando tal intenção num escrito - e do escrito junto com o requerimento apresentado sob a ref.ª 17918257, na qual consta a inscrição “Valor net = 320.000€” e uma assinatura que se muito se assemelha aquela que consta da cópia do bilhete de identidade do réu junta como doc.2 com a PI.
O testemunho de AF foi prestado de uma forma convicta. Revelou, porém, evidente preparação, nítido comprometimento com a versão dos seus pais (patente, por exemplo, na forma como enfatizou o seu conhecimento pessoal de factos atinentes à aquisição da fracção, o que se revela pouco plausível se tivermos em consideração que contaria apenas com 12 anos de idade nessa altura) e falta de coerência intrínseca no modo como depôs (atente-se, por exemplo, que começou por afirmar que fora o seu pai que tivera intenção de vender para depois atestar que fora iniciativa do réu, não explicando a delonga na localização de um comprador ou a razão pela qual o seu pai aceitara receber menos do que lhe seria devido em função da dita proporção).
Nessa medida, este depoimento foi apenas tido em conta na medida em que corroborou o que já resultava de outros meios de prova. As rés contrapõem, ao que é dito pelos autores, que:
A prova testemunhal, incluindo as declarações do próprio autor e de AF, indicam que existiram discussões entre os autores e o réu sobre a venda do imóvel. As declarações [sic] de AF mencionam que a divergência entre as partes se centrou no valor da venda, e não na decisão de vender a fracção. Desta forma, ficou demonstrado que a venda foi decidida em conjunto, não existindo prova de que tenha ocorrido à revelia dos autores. Apreciação:
Quanto às declarações de parte do autor, por falta de indicação das passagens, não é elemento de prova válido para o efeito, por aquilo que já se disse acima (art.º 640/1b-2a do CPC).
Quanto ao depoimento do filho aquilo que decorre das passagens no minuto 22 (da outra passagem indicada não consta nada de útil) é que o réu lhe deu a informação de que já tinha vendido depois de inquirido sobre isso e que antes não tinha informado porque entendia que não o tinha que fazer.
Apesar disso, como foi produzida prova nesse sentido e não há indicação de prova em sentido contrário, pode-se acrescentar o que os autores querem, pois que o réu só informou depois de perguntado.
* Os autores entendem que os factos não provados sob a (i) a (iii), (vi) e (vii) [apesar de se referiram a de (i) a (vii) e (xiii), mas depois apenas se pronunciam sobre aqueles] deviam ser considerados provados:
i\ Na sequência do facto provado 1, o réu propôs ao autor que investissem na aquisição de uma fracção autónoma, pagando cada um metade do respectivo preço, constituindo a compropriedade sobre a mesma e partilhando, em idêntica proporção, os encargos com condomínio, impostos, taxas municipais, água e electricidade.
ii\ O autor já havia negociado com o dono do edifício a aquisição da fracção pelo preço de 4.000.500$.
iii\ A quantia referida no facto provado 3 ascendeu a 2.000.250$.
vi\ O autor e o réu partilhavam entre ambos o valor das rendas e pagavam, em partes iguais, o IMI, as despesas de condomínio, água e electricidade e as despesas com benfeitorias.
vii\ O réu apresentava ao autor, então no País X, um relatório dos valores recebidos. A fundamentação desta pretensão dos autores é a seguinte (para os factos (i), (vi) e (vii) [os autores fundamentaram toda a pretensão quanto a (i) a (iii), (vi) e (vii) em bloco; teve que ser este TRL a salientar a separação da fundamentação relativa a (ii) e (iii) e, para se reportar a outras separações, aditou a numeração da 1.ª parte]:
1\ A decisão de dar aqueles factos como não provados contraria a prova constante dos autos, nomeadamente: declarações do autor entre 01m00 e 04m40, e testemunha MM entre 00m39s a 05m00s;
2\ As declarações do autor foram consideradas pelo tribunal a quo como sendo credíveis, verdadeiras, demonstrando distanciamento e corroboradas pelos demais elementos de prova.
3\ Aliás, resulta da fundamentação da decisão quanto ao facto 1, que o tribunal a quo considerou provado que o autor e o réu acordaram investir na aquisição de uma fracção autónoma, pagando cada um metade do respectivo preço, constituindo a compropriedade sobre a mesma e partilhando, em idêntica proporção, os encargos com condomínio, impostos, taxas municipais, água e electricidade.
4\ Mais resulta dos documentos 14 a 20 juntos com a PI, e dos documentos juntos pelos autores a 22/04/2024, que metade das despesas da fracção eram pagas pelos autores.
5\ Se atentarmos no teor dos documentos supramencionados, verificamos que com os mapas de contas referentes a cada ano, seguia uma carta em nome do réu, destacando a título de exemplo:
6\ Doc. 14 da PI - “(…) junto anexo “Mapa Global de Receitas e Despesas”, relativos aos anos de 1987 a 1992 inclusive, bem como assim as folhas discriminativas dos gastos. Agradeço teus comentários sobre o assunto. Pelo C, A secretária” e assinado por esta em representação de C.
7\ Doc. 16 da PI - “(…) junto envio “extracto das contas globais”, relativamente à tua parte no andar e referentes ao ano de 1994” e assinado pela secretária em representação de C.
8\ Doc. 17 da PI – “no seguimento do que tem acontecido no passado, junto envio os Mapas de Despesas: a\ Descriminação das Despesas de instalação ref. a 1995; b\ Mapa de despesas referentes à tua parte – extracto de 1995; aproveito para juntar os mapas de 1993, que por lapso não te foram enviados. Cumprimentos, C” (Assinado pelo próprio)
9\ Sendo que de todas as cartas – docs. 14 a 20 da PI e req. de 22/04/2024 dos autores, constam mapas de receitas e despesas, os quais fazem referência aos valores devidos:
10\ Em todos os meses de todos os documentos: Condomínio, EDP, EPAL, e nos meses que era devido, sendo algumas destas despesas repetidas anualmente, fazem também referencia a:
11\ Seguro do andar (mapa global de Abril de 1998 – Doc. 20, e Abril de 1997 – Doc. 19);
12\ C.M.L. – Esgotos (mapa global de Setembro de 1998 – Doc. 20 e mapa global de Set. de 1997 – Doc. 19);
13\ Anúncio D.N. arrendamento salas escritório (mapa global de Abril de 1994 – Doc. 16);
14\ Condomínio (x2 reparação de elevadores) (mapa global de Outubro de 1993 – Doc. 15);
15\ De referir ainda que os mapas de contas referentes aos anos de 1983 e 1984, juntos com o requerimento de 22/04/2024, do qual é verificado sem margem de dúvida que todas as despesas da fracção eram pagas em igual proporção pelo autor e pelo réu. A título de exemplo – mapa de contas de Janeiro/ 83:
Descrição
Total
C
A
1\ Guarda Nocturno
300$
150$
150$
2\ M… (1 broca)
41$50
20$70
20$70
3\ Anúncio C. da Manhã
80$
40$
40$
4\ Porteiro
500$
250$
250$
7\ Luz
1509$50
854$50
854$50
17\ Serviços de Limpeza
980$
490$
490$
20\Despesas de condomínio
2112$
1056$
1056$
9862$
4149$90
5712$10
16\ Estes documentos são ainda corroborados pelas declarações das várias testemunhas, designadamente: MF, entre as 15:12 e as 15:20]; e MO entre os 2m30s e 4m15s; declarações do autor entre 01m00 e 04m40.
17\ Mais acresce que na fundamentação do facto 6, refere o tribunal a quo: [o autor repete os dois §§ da fundamentação dedicados especificamente ao facto 6, já transcritos acima]. Quanto aos factos (ii) e (iii) a fundamentação dos autores é a seguinte:
No tocante aos valores de aquisição da fracção, constantes dos pontos (ii) e (iii) dos factos não provados, importam as declarações do autor entre os 03m10 e os 09m30;
Por outro lado, foi considerado como provado pelo tribunal a quo no ponto 2 e consta do documento 10 junto com a PI que o imóvel foi adquirido pelo valor de 4.000.500$, tendo parte do preço sido pago mediante recurso a crédito bancário emigrante, conforme referido pelo autor nas suas declarações.
Tendo também sido informado pelos autores nas suas declarações que entregaram, ao réu, metade do valor de aquisição da fracção, tendo estas declarações sido confirmadas também pelas testemunhas: MM, entre 00m39s e 05m00s; AF entre 05m00s e 6m20s; MG, entre os 03m00 e 10m50; autor entre 03m10 e 06m; autora na audiência de 27/05/2024 entre as 15:01 e as 15:15, cuja gravação se encontra disponível em Citius.
Constando ainda dos documentos juntos com a PI, a prova dos valores pagos, nomeadamente: doc.11: manuscrito pelo réu a confirmar ter recebido do autor 600.000$ em 06/01/82; doc.12: Conta corrente - Página 1, movimento 14 – 12/08/82 – pagamento ao réu de 132.000$; - Página 2, movimento 28 – 29/09/82 – pagamento ao réu de 100.000$ e 90.116$40; - Página 3, movimento 14 – 08/11/82 – pagamento ao réu de 230.788$80.
Foi também dado como provado em 3 [o autor transcreve o facto 3]
Constando da fundamentação da matéria de facto quanto a este ponto [3] que: [os autores transcrevem o § da fundamentação do tribunal específico deste facto, já transcrito acima]. A fundamentação da sentença para dar como não provados tais factos foi a seguinte:
Quanto aos factos não provados, considerou o tribunal que a valoração ponderada, crítica, global e conjugada de toda a prova produzida não foi susceptível de o convencer da sua veracidade. Por um lado, examinados os documentos juntos, concluiu-se que aqueles não tinham a virtualidade de revelar a factualidade em apreço. Por outro lado, a apreciação da prova pericial, dos depoimentos testemunhais, do depoimento de parte, das declarações de parte não permitiu formar uma convicção coincidente com o que se invoca nos articulados.
Em concreto.
O autor, nas declarações de parte, asseverou que fora acordado com o réu sedear na fracção uma sociedade denominada Cl de que este já fazia parte e que aquele passaria a integrar. Adiantou ainda que seria essa sociedade a adquirir a dita fracção, tendo, porém, anuído a que o réu viesse a ser o adquirente.
A habilitada revelou nada saber acerca destes factos, o que é plausível, dado que a sua relação com o réu apenas se iniciou em 1994.
MM, MF, MG e AF deram, em suma, conta de que o negócio entabulado entre o autor e o réu era aquele que se descreve na petição inicial, não revelando, porém, conhecer directa e pessoalmente os contornos do mesmo.
Nessa medida, concluiu-se pela indemonstração daquela factualidade.
Das declarações de parte prestadas pelo autor apenas resultou que este tinha conhecimento do preço pelo qual iria ser vendida a fracção, não tendo sido produzido qualquer meio de prova acerca de uma negociação por este entabulada com o vendedor.
Pese embora o autor tenha referido que entregou ao réu a quantia de 2.000.250$00 (no que foi secundado por MM, AF e MG nos segmentos dos respectivos testemunhos em que deram, em suma, conta que a aquisição fora feita por ambos na proporção de metade para cada um, embora nenhum deles tenha denotado conhecimento pessoal desse facto), a valoração da sobredita relação de cheques apenas permitiu apurar o pagamento de 402.000$.
Acresce que o próprio autor também referiu que uma parte (750.000$, segundo referiu MG) desse valor havia sido paga pelo irmão, o que levou a que o réu fizesse constar do escrito junto como doc.2 que o autor apenas contribuíra na proporção de 1/3. É, aliás, essa a proporção que surge nos aludidos mapas de despesas como cabendo ao autor. Anote-se, enfim, que os escritos juntos com a PI sob os n.ºs 1, 3 e 4 não contém qualquer assinatura, pelo que não são aptos a serem tidos como confessórios, como se aventa na PI.
Constatou-se, por isso, que a versão contida naquele articulado não fora integralmente demonstrada, sendo apenas apurável o valor inscrito em 3.
[…]
Como acima se deu nota, o próprio autor e MG negaram que o réu partilhasse com aquele as rendas recebidas e, como se deu nota, os ditos mapas não dão conta de que as despesas com a fracção fossem partilhadas na proporção de metade, o que descredibiliza a versão daquele.
Acresce que MF referiu que não presenciou a entrega de qualquer quantia por conta das despesas, não podendo, por isso, precisar se o seu irmão efectivamente pagava metade das despesas.
Não foi produzido qualquer meio de prova que evidenciasse que o réu apresentava um relatório de proventos recebidos com o arrendamento de salas, o que, de resto, se revela coerente com o facto de o mesmo não partilhar as rendas recebidas com o autor. Contra a pretensão dos autores, as rés contrapõem o seguinte:
[…O] tribunal a quo, após a valoração da prova testemunhal e dos documentos apresentados, concluiu (adiante-se, correctamente) que os autores não conseguiram provar de forma clara e inequívoca os elementos essenciais de um acordo tendente à formação de compropriedade, de partilha de despesas, ou de qualquer outra relação de direitos reais sobre a fracção autónoma.
De facto, as declarações do autor, bem como as testemunhas mencionadas, incluindo MM e MF, por si só, não constituem prova suficiente para demonstrar a existência de um acordo de aquisição em regime de compropriedade ou uma relação de partilha de despesas de forma contínua e com as características alegadas pelos autores.
O tribunal considerou que, embora os autores tenham declarado que contribuíram para algumas despesas relacionadas com a fracção, isso não implica automaticamente a existência de compropriedade, como acima se viu.
Ora, os documentos 14 a 20 referidos pelos autores, que dizem respeito a mapas de despesas e receitas, foram devidamente analisados pelo tribunal, como resulta da fundamentação da decisão recorrida. No entanto, o tribunal concluiu também que esses documentos apenas demonstram a existência de partilha de algumas despesas, sem, contudo, provarem a constituição de uma compropriedade formal entre o autor e o réu.
Os mapas de despesas e as correspondências entre os autores e o réu indicam a existência de um relacionamento financeiro relacionado com a gestão da fracção, mas não são suficientes para constituir um direito real de compropriedade sobre o imóvel. Estes documentos, analisados em conjunto com as restantes provas, não têm força probatória suficiente para alterar a decisão sobre os factos não provados.
Sucede ainda que, as testemunhas mencionadas, como MF e MO, apresentaram depoimentos sobre a relação entre os autores e o réu, contudo, os seus testemunhos não demonstram de forma clara e inequívoca que existia um acordo tendente à formação de compropriedade, tal como pretendido pelos autores. Apreciação
Os autores misturam na impugnação matéria muito diferente o que é uma forma corrente de disfarçar a impossibilidade de se indicar prova do que se diz quanto a algumas das decisões impugnadas e para não se discutir a argumentação apresentada para tais decisões pelo tribunal.
No caso é claro, desde logo, que os autores não têm qualquer prova do que consta de (vi) e (vii) quanto a receitas, como, aliás, já se viu na discussão do que eles pretendiam que fosse acrescentado ao facto 6.
*
Quanto ao facto (i) o que os autores querem provar é que a proposta partiu do réu e que a proposta era de compra de ½ por cada um, porque o resto já constava, no que importa, dos factos 1 e 4. O que os autores dizem, no respeitante a esta matéria, consta apenas de 1 a 3 da sua fundamentação.
Ora, quanto a 3, os autores invocam parte de um § do tribunal – que dizem referir-se ao facto 1 mas que é antes o que se refere ao facto 3 - que se refere à hipótese da ½, mas esquecem, com a troca do número, que o tribunal acrescentou a explicação para a opção pela alternativa de 1/3, e esse esquecimento “permite-lhes” não contra-argumentarem contra a fundamentação dada pelo tribunal. Ora, tendo o réu feito a declaração transcrita no facto 10, que se refere a 1/3 (a parte do autor), do conhecimento dos autores, sem que eles, perante essa discrepância, tenham discutido a questão judicialmente, logo isto aponta para que a decisão de optar por 1/3, pelo tribunal, é a correcta. Por outro lado, não é verdade o que é dito pelos autores, isto é, que a repartição das despesas que consta dos mapas seja de ½. Normalmente, o que consta daqueles mapas é de 1/3 e não de ½. Assim, só por exemplo, das folhas visíveis do doc.16, referente a 1994, das despesas de Maio de 1994, que eram de 29.795$, só 9.931$ foram para o autor (ou seja, 1/3). No doc. 17, referente a 1995, na folha de Agosto de 1995, das despesas de 25.308$, são 8.436$ para o autor (novamente 1/3). No doc. 18, referente a 1996, são, em Dez1996, 25.782$ para o réu (2/3) e 12.891$ para o autor (1/3 para o autor). No doc. 19, referente a 1997, em Dez97 são 6327$ (2/3) para o réu e 3164$ (1/3) para o autor. No doc. 20, referente a 1998, em Dez98, nas despesas de 12.636$, o autor tem a parte de 4.212$ (1/3). Só nos mapas de despesas de 1983-1984 é que as despesas estão repartidas em ½ para o autor e ½ para o réu. Mas mesmo então existem umas anotações manuscritas em que se faz referência à proporção de 1/3 em chamadas internas.
Quanto a 1, são as declarações de parte do autor: o autor limita-se a dizer, sem mais, “seria 50/50”, sem mais, no minuto 4:57 a 4:58, e volta a repetir, sem mais, 50/50, ou seja, 2.000.500$ do empréstimo segundo a pergunta que lhe é feita, o que aliás está errado, porque o empréstimo foi de 3.000.000$ [e o preço da fracção foi de 4.500.000$ e a metade é de 2.500.000$ e não 2.000.500$] a 5:39-5:53 (tudo já fora do período indicado no recurso…), o que de modo algum afasta o que resulta do § anterior. Dada a inocuidade das declarações, compreende-se que os autores não tenham transcrito qualquer passagem das mesmas, porque qualquer delas demonstraria essa inocuidade.
Quanto a 2, o depoimento da testemunha MM, no período de tempo indicado, limita-se à indicação de 50/50, sem que à testemunha seja perguntada a razão de ciência para tal, nem ela o indica espontaneamente, não revelando o depoimento que a testemunha tenha, realmente, razões para indicar a proporção de 50/50. Dada inocuidade do depoimento, compreende-se que também aqui os autores não tenham transcrito qualquer passagem do mesmo, porque qualquer delas demonstraria essa inocuidade.
Note-se que este TRL deu conta, acima, da existência de uma despesa, num mês de 1994, referente ao pagamento da prestação do andar. Isto indiciaria que o autor teria comparticipado no pagamento do empréstimo bancário feito ao réu para a compra do andar de que dá conta a escritura referida no facto 2: nessa escritura consta que o BPA emprestou ao réu 3.000.000$ destinado à aquisição da fracção -, o que apontaria para uma parte mais elevado do autor na propriedade da fracção do que apenas 1/3 (a haver prova – o que não há, como se verá – que até à data dela já tinha pago mais que 1/3). Mas, este indício desaparece se se tiver em conta que em nenhum outro mapa das dezenas deles juntas aos autos volte a aparecer tal despesa. Aliás, este elemento apenas é referido por este acórdão: o autor nunca se lhe referiu, o que também aponta para a desvalorização daquele indício. De resto, embora alguns o doc.1, não assinado e de autoria desconhecida, refira a questão da comparticipação no pagamento do empréstimo bancário, os autores, na petição inicial não falaram nela, o que também aponta para o não pagamento. Ainda aponta nesse sentido, o facto de não haver qualquer prova documental dessa comparticipação, e ainda aquilo que a autora dirá sobre os cheques como se verá mais à frente. Note-se ainda que os autores sugeriam, na PI, ter pago a sua metade antes da escritura de 1982 (por exemplo, artigos 3 e 6 - embora na PI aperfeiçoada, na parte acrescentada, art.º 61 –, já falem da escritura de 1990…) e por isso não sugeriam que tinham pago algo através do pagamento do empréstimo.
Em suma, não há qualquer prova daquilo que os autores pretendiam que fosse dado como provado de (i).
*
Quanto a (ii) - O autor já havia negociado com o dono do edifício a aquisição da fracção pelo preço de 4.000.500$ -, e quanto a (iii) - A quantia referida no facto provado 3 ascendeu a 2.000.250$:
O doc.11 diz: recebi [do autor] – 200.000$, tem um ‘v’ manuscrito e a seguir tem um ponto de ?; - 400.000$, tem um ‘v’ manuscrito e a seguir a data de 06/01/1982; depois, um traço indicativo de que se vai fazer a soma e o total de 600.000$.
Do doc.12: Conta corrente - Página 1, movimento 14 – 12/08/82 – pagamento ao réu de 132.000$; - Página 2, movimento 28 – 29[/09/82 o mês e ano foram agora acrescentados pelos autores, sendo certo que o movimento anterior é de 27/09/1982] – pagamento ao réu de 100.000$ e 90.116$40 [mas os 90.116$40 não estão ligados ao réu, ao contrário do que os autores dizem]; - Página 3, movimento 14 – 08/11/82 – pagamento ao réu de 230.788$80 [mas não é certo que seja a este cheque que o nome do réu está ligado podendo ser só ao de baixo, de 120.000€ (a própria autora, que aqui se ouviu até ao minuto 6, quando leu a página em questão, referiu-se espontaneamente ao valor de 120.000$ e não ao valor de 230.788$80 (4:00 a 4:05)]. Ora, os autores não discutem a afirmação do tribunal recorrido de que da relação de cheques só resultam 402.000$ (valor que está certo, tendo em conta as ligações existentes entre o nome do réu e os cheques, segundo o que resulta dessa relação, descontando o facto de o tribunal ter tomado um dos cheques como sendo do valor de 182.000$ quando o valor correcto, mesmo segundo os autores, é de 132.000$). Ou seja, da relação de cheques resulta apenas como certo o valor total de 352.000$.
O facto 3, que no fundo os autores estão a impugnar, já que dizem que pagaram mais, não pode servir para prova da própria impugnação, isto é, de que os autores tenham pago mais do que aí consta. Também por isso a fundamentação do facto 3 não pode servir para provar que afinal o autor pagou mais.
Quanto às declarações e depoimentos invocados, todos eles foram devidamente analisados pelo tribunal recorrido e os autores nem se dão ao trabalho de contra-argumentar relativamente ao que é dito pelo tribunal. Por outro lado, não dizem, relativamente aos períodos das passagens invocadas, o que é que aproveitam delas e porquê, limitam-se a invoca-las.
Seja como for, veja-se: quanto à amiga MM, aquele período já foi invocado e ouvido e dele não resulta nada de significativo, como já resulta do que acima se disse; quanto ao filho AF entre 05m00s e 6m20s (só se ouviu até 6:35), fala pouco naturalmente na proporção de 50/50, mas que não explica como é que sabe do negócio com o réu; a filha MG, entre os 03m00 e 10m50, fala no valor de 4.500.000$; no facto de ter sido o tio a entregar 750.000$, mas o dinheiro era do pai; também refere a expressão metade/metade; fala no pagamento do empréstimo bancário e refere o valor de 2.500.000$, que a mãe ia pagando e diz que os 750.000$ seriam para concluir o valor de 2.500.000€; diz que o pai pagava metade das despesas… da Cl!; ouviu-se até 15:00, muito para além do período indicado; nada disto convenceu que a filha soubesse, de facto, o que é que tinha acontecido, o que é que tinha sido acordado, o que é que tinha sido pago, nem quando, nem como; quanto ao autor, já tinha sido invocado e foi agora ouvido até ao minuto 8 e não diz nada de significativo, como já resulta do que acima se disse; quanto à autora, os autores limitam-se a remeter para as suas declarações no seu todo, não para passagens do mesmo, pelo que o mesmo não poderia ser considerado (art.º 640/2a do CPC). No entanto, como noutras partes tinha sido indicado um período de tempo preciso, acabou por se ouvir todas as declarações de parte da autora. Ora, a própria autora de 8:40 a 9:13 diz que não sabe se os cheques do doc.12 eram para pagar a casa ou para pagar despesas; e se depois diz que as despesas foram pagas ao longo de 30 anos (10:16), logo a seguir, a instâncias do réu, já diz que os 30 anos se referem ao período em que “isto”, a compra da casa, aconteceu, e não tem ideia de quando é que deixaram de pagar despesas: (±10:00 a 11:30).
Em suma: quanto a (ii) apenas falou muito por alto o autor, sem dizer nada que tornasse certo fosse o que fosse; quanto a (iii) a prova indicada pelos autores até aponta para um montante inferior ao já dado como provado no facto 3. Com efeito, dos 6§§ que os autores dedicam ao assunto falam apenas nos valores concretos referidos no §4 cuja soma só dá 952.000$, dadas as reservas feitas acima na análise do §.
Quanto ao que resultaria da prova pessoal, não se pode aproveitar a hipótese de que o autor terá ido pagando o empréstimo bancário, dado que nenhuma das pessoas, nos períodos indicados, concretiza minimamente como é que foram feitos esses pagamentos, com que valores, em que períodos, até quando, etc., sendo que, como se viu, de todos os documentos juntos só existe um, referido por este TRL, em que se refere a prestação do andar. Por outro lado, se o pai e o filho falam, mal induzidos, em metade de 4.000.500$, o que daria 2.000.250$, já a filha fala de metade do pagamento do empréstimo de 4.500.000$, e diz que daria 2.500.000$, o que está errado, estando também errado o falar de 4.500.000$ como sendo o valor do empréstimo, quando esse valor é do preço da fracção, sendo o do empréstimo de apenas 3.000.000$. Por último só a filha fala, nos períodos ouvidos, dos 750.000$ referidos nas costas de um cheque. Tal está de acordo com o que consta do documento 1 da PI, sendo que tal documento está escrito à máquina, não se sabe quando é que foi escrito e, como o tribunal recorrido diz, não está assinado. Mesmo dando-se de barato que tal documento poderia ter um conteúdo verdadeiro, não se poderia afastar a hipótese que os 750.000$ referidos fossem parte dos 952.000$ apurados acima, ou, dito de outra maneira, não há qualquer prova de que aos 952.000$ houvesse que somar os 750.000$.
Por fim, como o valor a que o tribunal recorrido chegou no facto 3 resultou de um erro evidente – dividiu o valor de 4.000.500$ do preço da compra do imóvel por 3 por força da declaração do réu de que o autor tinha 1/3 do imóvel, quando se sabe que o preço foi de 4.500.000$ - não de uma soma de valores conhecidos, ainda se pode dizer que nem sequer há prova de que o autor tenha de facto pago o valor referido no facto 3, quanto mais o referido no facto NP (iii). Isto sem prejuízo do que resulta do documento transcrito no facto 10.
*
Quanto à parte de (vi) que se refere à partilha de despesas, os autores dedicam os §§ números de 4 a 17 da respectiva argumentação, sem discutir a argumentação do tribunal em sentido contrário.
Ora, já acima foi feita a análise de todos os documentos com mapas existentes nos autos e já se viu que, excepto em relação aos anos de 1983-1984, a repartição de despesas era de 1/3 para o autor e 2/3 para o réu e, mesmo em relação a 1983-1984 fala-se, por vezes, em 1/3.
Quanto à prova pessoal indicada pelos autores: o depoimento da testemunha MF é indicado na íntegra, incluindo o período da identificação da testemunha, não se trata pois da indicação das passagens em que ela terá dito algo de relevante; quanto às declarações da autora, entre os 2m30s e 4m15s, a própria refere que primeiro era ½ e depois passou para 1/3 e não esclarece como e porque é que a proporção passou a ser diferente; mais à frente, 8:04, volta a referir ½, mas sem qualquer desenvolvimento; quanto às declarações do autor entre 01m00 e 04m40, já se ouviram tais declarações e ele nada diz de concreto sobre as despesas, principalmente tendo em conta, como já referido, que os documentos referem 1/3 e não ½ e o autor não disse nada, nos períodos ouvidos, que explicasse a divergência.
Pelo que não há nenhuma razão para aceitar a repartição de ½ para o autor e ½ para o réu. Como no facto 6 já se diz que o autor pagava despesas de fracção, nada há a acrescentar, já que o autor só queria que ficasse a constar ½ das despesas como facto instrumental para prova de que tinha metade do imóvel.
* Sob (viii) constava como não provado que: A fracção tinha um valor de mercado superior a 800.000€. Os autores querem que o facto fique provado, embora com uma parte final alterada: A fracção tinha [em Abril de 2016] um valor de mercado médio a rondar os 511.200€. A fundamentação para esta pretensão é a seguinte:
É certo que os autores não fizeram prova que o valor do imóvel à data da venda pelo réu, em Abril de 2016, era de 800.000€. Porém, resulta dos documentos juntos aos autos, que o valor comercial do imóvel era consideravelmente superior ao valor de venda - 320.000€ -, constante na escritura junta como doc. 4 da PI.
Não se pode ignorar a peritagem realizada ao imóvel, cujo relatório foi junto aos autos a 15/02/2024, nem a reclamação apresentada pelos autores [contra] a mesma a 07/03/2024, como se tal facto fosse totalmente irrelevante para os autos.
Antes de mais, os autores não podem aceitar as considerações do Sr. Perito quanto à redução de 10% do valor e desconsideração da área bruta dependente, pelos motivos e factos constantes da reclamação apresentada a 07/03/2024, e que aqui se reproduz na íntegra.
Quanto ao demais, da peritagem realizada nos autos, para apuramento do valor do imóvel àquela data, concluiu o Sr. Perito que o valor médio do metro quadrado de área bruta de construção, em Fevereiro de 2024 eram de 5.765€/m2.
Conforme resulta do relatório pericial, e da caderneta predial do imóvel, o mesmo tem uma área bruta total de 155m2, sendo 150m2 de área bruta privativa e 5m2 de área bruta dependente.
Ora, fazendo cálculo aritmético de 5.765€ x 155m2, apurou o Sr. Perito que o valor actualizado do imóvel, no início de 2024, era de 893.575€. Aplicando o índice de preços constante do INE, houve uma valorização do imóvel em 210% desde 2016, pelo que o valor àquela data seria de 893.575€ / 2.08 = 428.614,26€.
O critério utilizado para o apuramento do valor actual do imóvel, foi o método comparativo, tendo sido pelo Sr. Perito feita uma amostragem, que consta do Anexo 3 do relatório de peritagem, cujos critérios de selecção são desconhecidos, não correspondendo a maioria dos imóveis constantes do relatório, a imóveis com características semelhantes ao que é referido nos autos.
Motivo pelo qual, os autores, em sede de reclamação do relatório, procederam à junção de uma análise de mercado, com base em alguns dos anúncios publicados no site www.idealista.pt, com características semelhantes às da fracção em discussão nos presentes autos, nomeadamente quanto à área bruta, zona de localização, enquadramento urbanístico e qualidade de construção, com preços variáveis, tendo apurado o valor de 6.408,11€/m2, se considerada toda a área das Avenidas Novas, e 7.044€/m2, se considerada apenas a área onde se localiza a fracção - ... – documento 2 do req. de 07/03/2024.
Analisado ainda o histórico de preços de venda do referido site idealista.pt, foi apurado que na zona […], os preços por metro quadrado, em Abril de 2016 (data da venda), era de 3.733,57€/m2.
Resultando assim, num valor médio actual de cerca de 1.000.000€ (valor mais conservador 993.257,05€, se considerada toda a zona das Av. […], ou valor mais elevado, se considerada apenas a zona do […]), e num valor médio à data de Abril de 2016, de 550.000€, sendo 526.380€ se considerada toda a zona das […], ou 578.703,35€, se considerada apenas a zona do […].
Fazendo uma mediana entre todos os valores apurados, quer com base no método comparativo apresentado pelo Sr. Perito, quer pelos métodos comparativos apresentados pelos autores, em 07/03/2024, resulta que o valor do imóvel rondaria os 511.232,63€ (428.614,26 + 526.380 + 578.703,35 = 1.533.697,90 / 3 = 511.232,63), sendo o valor de mercado substancialmente superior ao constante da escritura de venda – Doc. 4 da PI.
Face ao exposto, deverá ser dado como provado que o valor do imóvel à data de 2016, rondava os 511.200€. A fundamentação da sentença para dar como não provado o facto foi a seguinte:
Não foi produzido qualquer meio de prova que permitisse apurar que, à data da venda (ou, pelo menos, da apresentação da petição inicial), a fracção tinha o valor de 800.000€, limitando-se MG a aludir a conversas nesse sentido.
Aliás, tanto o autor como AF referiram que apenas lograram encontrar um comprador que se dispusera a oferecer 550.000€ pela sua aquisição, o que torna implausível a versão do 1.º segundo a qual o imóvel teria um valor de mercado superior a 1.000.000€. Refira-se ainda que a fracção veio, posteriormente, a ser vendida pelo valor de 365.000€, o que desmerece a verosimilhança dessa indicação.
Acresce, decisivamente, que a prova pericial concluiu que, naquela data, o valor desse imóvel se cifraria em 335.700€, o que, como explicou o Sr. perito, teve em atenção os coeficientes anualmente publicados pelo INE.
Como se deu nota, […] a proposta formulada pelo réu (e aceite [pelo autor]) não contemplava a atribuição àquele da parcela do preço que excedesse 320.000€, tendo apenas AF dado conta desse facto.
A falta de credibilidade que deve ser reconhecida a este testemunho e a inexistência de outros meios de prova produzidos a esse respeito determinaram a indemonstração daquele facto.
Nenhum meio de prova foi produzido a respeito do facto de o réu se ter furtado a contactos com o autor e/ou com AF. Aliás, o primeiro referiu que tomou conhecimento da alienação da fracção por intermédio do réu, o que, além de não ser coincidente com o referido por AF a esse respeito, evidencia precisamente o inverso.
Não foi produzido qualquer meio de prova acerca do momento em que o autor tomou conhecimento daquela alienação, pelo que essa factualidade se tem por indemonstrada.
A circunstância de o valor pericialmente apurado da fracção não exceder significativamente o valor pela qual a mesma foi vendida pelo réu torna implausível que este tenha sido aposto no escrito que consubstancia esse negócio (cf. facto 8) com o intuito de ocultar aos autores a verdadeira valia da venda. E este aspecto é decisivo para arredar a força indiciária decorrente do facto de o valor da venda coincidir com o montante que o réu pretendia auferir com esse negócio.
Tenha-se ainda em conta que tanto AF como o autor referiram que não foi fixado qualquer valor entre este e o réu para a realização da venda, não tendo sido ainda referido que aqueles deram conhecimento a este de que tinham conhecimento de um interessado que se dispunha a pagar a quantia de 550.000€.
Nessa medida, concluiu-se pela indemonstração daquela factualidade. Contra a pretensão dos autores, o réu diz:
Em primeiro lugar, os autores admitem não ter feito prova directa do valor do imóvel em 2016, reconhecendo que o valor de 800.000€ não foi provado. Tentam, assim, sustentar a sua posição com base em extrapolações com origem na avaliação pericial realizada em 2024 nos autos, ou seja, oito anos após a venda. No entanto, este método de cálculo, que parte do relatório pericial, refutando simultaneamente as suas conclusões, é puramente especulativo e não corresponde a uma prova concreta ou objectiva do valor do imóvel na data da venda.
Ademais, o valor indicado na escritura de venda (doc. 4 da PI) é de 320.000€, e tal valor deve prevalecer, uma vez que foi o montante acordado pelas partes e formalizado na escritura pública. O tribunal a quo considerou correctamente que o valor de venda constante da escritura é o valor definitivo e juridicamente vinculativo, e não existe nos autos qualquer prova de que o valor de mercado, à data da venda, fosse consideravelmente superior ao indicado – pelo contrário, a prova pericial realizada nos autos quanto ao valor do dito imóvel veio confirmar a adequação do preço de venda do mesmo, em 2016, relativamente àquelas que eram, então, as condições e níveis de preços do mercado.
Os autores invocam ainda e a esse respeito a reclamação apresentada em 07/03/2024 quanto ao relatório da prova pericial realizada nos autos. No entanto, a referida reclamação foi devidamente analisada pelo tribunal e não apresentou elementos suficientes para invalidar a avaliação pericial ou para comprovar o valor de 511.200€ que agora pretendem aditar aos factos provados.
Por outro lado, a tentativa dos autores de comparar o valor do imóvel com base em anúncios de vendas de propriedades semelhantes, retirados do site www.idealista.pt, não pode ser considerada um meio de prova fiável ou determinante, para efeitos de aditamento de um novo facto à matéria de facto provada. Este tipo de dados de mercado, obtidos a partir de fontes online e sem critérios de rigor técnico equiparáveis a uma avaliação pericial, carece da objectividade e da formalidade necessárias para ser aceite como prova num processo judicial, ainda para mais quando o mesmo está instruído com relatório pericial sobre a questão, devidamente fundamentado e com conclusões distintas às sustentadas pelos autores.
Por último, o cálculo do valor do imóvel com base no método comparativo do Senhor Perito, tal como ajustado pelos autores com base em preços médios da zona de […], é, como já referido, meramente especulativo e não reflecte a realidade do negócio jurídico concretizado em 2016.
Assim, o tribunal a quo fundamentou correctamente a sua decisão com base no valor acordado pelas partes na escritura pública, e não existe qualquer prova concreta que justifique o aditamento de um novo facto referente a diferente valor de mercado do imóvel. Apreciação:
Antes de mais note-se que aquilo que os autores dizem - “fazendo cálculo aritmético de 5.765€ x 155m2, apurou o Sr. Perito que o valor actualizado do imóvel, no início de 2024, era de 893.575€. Aplicando o índice de preços constante do INE, houve uma valorização do imóvel em 210% desde 2016, pelo que o valor àquela data seria de 893.575€ / 2.08 = 428.614,26€.” – está errado, o que tem influência nos cálculos feitos a seguir.
É que o perito não chegou ao valor de 893.575€. Esse seria o valor que seria apurado se o perito não tivesse descontado outros factores. E 210% não é igual a 2.08. E 893.575€ a dividir por 2.08, ou por 2,1, não dá 428.614,26€.
Desconsiderando estes três erros, veja-se o que é que releva de facto.
O perito chegou ao valor de 5.765€/m2 para a área bruta de construção, tendo em conta o valor pelo qual eram oferecidos (em 3 sites diversos) para venda outros 9 imóveis idênticos na zona, tendo em conta a dimensão (150m2, com varandas com 5m2), a qualidade da construção, o enquadramento urbanístico, o facto de se tratar de prédio antigo, em razoável estado de conservação, com elevador.
Note-se que a argumentação dos autores baseia-se no que foi dito por eles na reclamação contra o resultado pericial. Não em qualquer prova que eles tenham produzido em tribunal.
Os autores procuraram ofertas num único site. Invocam 18 imóveis para comparação. Não concordam com que o estado de conservação do edifício seja razoável, o que aponta para que seja diferente o critério com que procuraram os imóveis que foram buscar para comparação. Dizem que desconhecem como foi obtida, pelo perito, a amostragem e prospecção de mercado, mas as indicações dadas pelo perito são tantas com as dadas pelos autores na reclamação. Mas enquanto o perito é uma entidade imparcial, os autores não o são e a pesquisa que apresentam foi feita por eles próprios. Dizem que discordam da prospecção de mercado realizada pelo Sr. Perito [o perito não juntou os anúncios e os autores fizeram-no] e que lhes parece que não foram devidamente atendidas as características do imóvel, porquanto a média de áreas dos imóveis verificados [pelo perito] é de 195m2, e inclui imóveis sem elevador. Eles fizeram a pesquisa com base “num prédio em bom estado e com dois elevadores, […] de imóveis com tipologia e área semelhante à da fracção em análise nos autos, e localizado nas imediações do mesmo.”
É um facto que o perito inclui imóveis com áreas superiores, o que deu uma média de área superior à que os autores apuraram, e, embora se possa dizer que os três imóveis que o perito indicou com áreas superiores e que aumentaram a média, também tinham um valor de venda superior à média e influenciaram também o preço por m2, não deixa de ser verdade que tal é um défice a apontar à perícia. E é também certo que o perito indicou 6 imóveis em relação aos quais não indicou a existência de elevador, o que é uma percentagem elevada (6 em 9) e outro défice.
Assim, não é de aceitar, sem reparos o apuramento do valor por m2 na perícia, o que torna necessário introduzir um factor de correcção. Quanto ao resultado alcançado pelos autores, o facto de eles serem a parte interessada no aumento e não terem produzido qualquer prova que permita concluir que os prédios que pesquisaram têm características semelhantes às da fracção em causa, excepto quanto à área média, que é muito mais próxima (160,17m2 para os 150m2 da fracção dos autos), enfraquece, muito, a força do valor que eles apuraram, que foi de 6.408,11€. A diferença para o valor achado pelo perito é de 643,11€.
Tendo em conta tudo isto, considera-se que o valor obtido pelo perito, de 5765€, deve ser arredondado para 6000€.
Os autores, invocando a evolução dos preços das casas à venda, nas Av. Novas, por consulta daquele site, em Fevereiro de 2024, e ainda, ainda pela referida consulta, o histórico de preços de venda do referido site, nas Av. Novas, ainda pretendem aumentar aquele valor de 6.408,11€ para 6.651€ ou 7.044€. Este método de apuramento do valor do m2 não dá nenhuma garantia de que se esteja perante imóveis nas mesmas condições que o imóvel dos autos, pelo que não se aceitam tais valores.
Em suma, considera-se como mais certo o preço de 6000€ por m2 para a área bruta privativa.
A seguir o perito aplica uma percentagem de 90% por ter em conta que se trata de um valor de oferta e não de transacção, explicação que aliás repetiu na audiência final, e que é evidente, já que uma coisa é o preço pelo qual se quer vender uma coisa, outra é o preço pelo qual se consegue vender, de facto, a coisa, e os autores não contrapõem nenhuma razão relevante (a que dão aponta para o facto de estarem a pensar que o perito propôs uma dedução como percentagem de negociação e comissão de venda; ora, embora tenha sido assim que o perito se exprimiu no relatório, já se viu acima que o que ele disse não tem esse sentido).
Assim, 6000€/m2 x 90% = 5400€/m2.
A seguir o perito multiplica os 5400€ pelos 150m2 de área bruta privativa, não contando, por isso, com os 5m2 das varandas, com o que os autores não concordam, sem fundamentação. Ora, é notório que o preço de venda de áreas com construção feita não é o mesmo que o preço de simples varandas.
Assim, o resultado de 5400€ x 150m2 é o seguinte: 810.000€.
Depois, o perito desconta a este valor o valor das obras de remodelação feitas depois da venda pelos actuais proprietários (500€/m2 x 150m2 = 75.000€), considerando a dimensão da fracção, a sua idade, e a natureza dos materiais usados, tudo tendo em conta o que apurou na vistoria, como explicou na audiência final.
Os autores não disseram nada contra isto.
Assim: 810.000€ - 75.000€ = 735.000€.
Este era o valor do imóvel em Fev2024.
Para apurar o valor em Abril de 2016, data da venda dos autos, o perito consultou os dados do INE relativamente à evolução do índice trimestral dos preços de habitação, considerando este método mais correcto que o pretendido pelos autores, de comparação com os valores de oferta em 2016, dado que, como explicou em audiência final (e os autores não insistência na instância), os dados do INE já têm em conta os valores de transacção que a Autoridade Tributária foi comunicando ao INE. Aquela evolução foi de 210%.
Assim, 735.000€ / 2,1 = 350.000€. Perante isto pode-se aceitar que pode ser aditado um facto aos provados, qual seja:
12\\ A fracção tinha, em Abril de 2016, um valor a rondar os 350.000€.
Não há razão para acrescentar que se trata de um valor de mercado, já que o que foi apurado foi o valor do imóvel.
Em suma: da impugnação da matéria de facto, resulta a necessidade de se acrescentar um facto ao facto 7 e de acrescentar o facto 12, o que já se fez acima.
* Da alegada nulidade da sentença A este título os autores dizem que:
Antes de mais, importa invocar a nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 615/1-b-c do CPC.
Por um lado, verifica-se uma contradição constante na fundamentação da matéria de facto, sendo dados como não provados factos, que o tribunal a quo na fundamentação de facto, considera terem-se verificado.
Os pontos (i) e (vii) dos factos não provados estão em contradição com a fundamentação do facto 6.
Os pontos (ii) e (iii) dos factos não provados estão em contradição com a fundamentação do facto 3.
O ponto (v) dos factos não provados está em contradição com a fundamentação do facto 4.
Por sua vez, quanto à fundamentação de direito, a sentença não especifica os fundamentos de direito que justificam a decisão, sendo que no pouco que é referido quanto ao juízo subsuntivo, verifica-se obscuridade que torna a decisão ininteligível.
Sendo ainda, que é considerada como provada a declaração confessória de réu – facto provado 10, nos termos da qual esta confessa que 1/3 do imóvel é propriedade do autor, não sendo de tal confissão retirada qualquer consequência, e sendo ainda mencionado que não consta qualquer elemento de prova quanto ao acordo e propriedade do autor sobre a fracção.
Ora, as contradições supra identificadas, bem como a obscuridade da fundamentação e falta de fundamentação de direito implicam a nulidade da sentença. O réu contrapõe o seguinte quanto a isto:
Cumpre dizer que não há qualquer contradição entre os factos dados como provados e os factos não provados, na sentença recorrida. O tribunal a quo fundamentou devidamente a sua decisão com base na prova produzida, tanto documental como testemunhal, cumprindo o disposto no artigo 607/4 do CPC, que obriga à especificação dos fundamentos que serviram de base à decisão.
Em relação ao facto 6, o tribunal concluiu que o réu arrendava as salas e que os autores pagavam algumas despesas relativas à fracção autónoma. Esta constatação não contraria os factos NP (i) e (vii), pois o tribunal a quo entendeu que o pagamento de despesas não configurava a constituição de compropriedade, nem dava aos autores qualquer direito real sobre o imóvel.
Sob o facto 3, foi efectivamente dado como provado que os autores enviaram quantias em dinheiro ao réu para a aquisição da fracção, mas tal não constituiu automaticamente um acordo para aquisição do imóvel em regime de compropriedade.
Senão vejamos, nos termos do artigo 875 do CC, para que exista compropriedade, é necessária a celebração de uma escritura pública ou documento particular, que formalize a transmissão de direitos reais sobre o imóvel.
Ora, o simples pagamento de despesas ou a contribuição monetária, por si só, não criam qualquer direito real, ou sequer qualquer pretensão, sobre o bem, sendo necessária a formalização por via de título registado.
Assim, os factos (ii) e (iii), que sugerem um acordo de aquisição em regime de compropriedade, foram correctamente considerados não provados pelo tribunal.
O facto 4 refere-se ao acordo informal entre os autores e o réu, pelo qual a fracção autónoma ficaria registada apenas em nome do réu até que fosse conveniente para os autores.
Assim, este acordo, concluído com base na amizade e confiança existente entre as partes, não é suficiente para criar direitos reais sobre o imóvel dos autos. Tal como mencionado anteriormente, a criação de direitos reais sobre imóveis exige formalização (artigo 875 do CC), e a relação de confiança entre as partes, por mais forte que seja, não substitui as formalidades legais necessárias para a constituição de um regime de compropriedade sobre um bem imóvel.
Quanto ao facto (v), que trata da percepção dos autores de que o réu era uma pessoa séria e honrada, foi o mesmo correctamente considerado não provado.
Senão vejamos: Não existe contradição entre o facto NP (v) e o facto 4, pois o acordo sobre o registo da fracção, baseado numa relação de confiança, não implica, por si só, que o réu fosse considerado uma pessoa “séria e honrada”, no especial contexto dos autos.
O tribunal fez uma distinção clara entre o acordo de registo da fracção e a percepção subjectiva do carácter do réu, que não foi provada objectivamente nos autos. Por conseguinte, o tribunal a quo fundamentou de forma adequada a distinção entre partilha de despesas e constituição de compropriedade, sendo esta última sujeita às formalidades legais de título registado, como previsto no artigo 875 do CC, não existindo fundamento para alegada contradição.
Pelo exposto, não existe qualquer contradição na matéria de facto, tendo o tribunal a quo cumprido a exigência de fundamentação e especificação de factos, conforme previsto no artigo 615/1b do CPC.
Há que referir [ainda] que a sentença está devidamente fundamentada.
Com efeito, o tribunal a quo aplicou correctamente os princípios do direito civil, nomeadamente os relativos à inexistência de compropriedade e à ausência de responsabilidade contratual ou extracontratual do réu. A decisão foi clara na apreciação dos factos e na sua subsunção ao direito, tendo o tribunal considerado, à luz do artigo 483 do CC, que não houve qualquer acto ilícito ou dano causado ao autor. A sentença explanou de forma clara que a ausência de um acordo escrito ou de qualquer outro documento formal, como exigido pelo artigo 875 do CC para a transmissão de direitos reais sobre imóveis, era determinante para a improcedência dos pedidos dos autores. A fundamentação jurídica da sentença é, portanto, sólida e compreensível, não se verificando qualquer violação do disposto no artigo 615/1-c do CPC.
Sucede ainda que, sobre a suposta confissão do réu, na qual este teria admitido que 1/3 da fracção pertencia aos autores, há que atentar ao facto de o tribunal a quo ter considerado que a mesma, a existir e por si só, não é suficiente para conferir aos autores um direito real sobre o imóvel.
A confissão do réu foi analisada no contexto das provas apresentadas, mas sem a documentação formal necessária (escritura pública ou documento particular), não sendo a mera confissão suficiente para alterar o estatuto jurídico de propriedade do imóvel.
O tribunal não incorreu, portanto, em qualquer erro, ao desconsiderar a confissão como base para reconhecimento de uma situação de compropriedade. Apreciação:
Antes de mais, diga-se que uma eventual contradição entre a fundamentação da decisão de um facto e a decisão relativa a um outro facto, nunca seria causa de nulidade da sentença, porque as nulidades da sentença (art.º 615 do CPC) não têm nada a ver com isso. A questão teria a ver com a decisão da matéria de facto, com problemas previstos e soluções dadas no art.º 662 do CPC.
Por outro lado, os autores limitam-se a dizer que há contradição, mas não dizem quais. E basta a leitura dos factos não provados e das fundamentações referidas para se ver que não há qualquer contradição (quando ao facto não provado sob v\ porque ainda não foi transcrito, diga-se que ele tinha o seguinte teor: Os autores tinham o réu como uma pessoa séria, honrada, honesta e cumpridora da sua palavra). Relembre-se, entre o mais, que um facto não provado não equivale à prova do seu contrário, e que a fundamentação do facto 4 se está a referir a um período de tempo diferente do em causa na afirmação não provada em (v).
Quanto à apontada falta de fundamentação de direito da sentença, os próprios autores, no mesmo § em que o afirmam, esclarecem que afinal existe fundamentação e o que se passaria é que ela seria ininteligível, mas nem tentam explicar qual a ininteligibilidade.
Quanto à falta de retirada de consequências de um facto provado, a questão, a existir, será de erro de julgamento de direito, a ver mais à frente, se a questão for levantada então.
Quanto à parte final do último §, diga-se que o que consta da declaração não prova directamente a existência de qualquer acordo (questão de facto) ou qualquer compropriedade (questão de direito), e os autores, se queriam discutir o relevo de tal declaração a nível de facto deviam tê-lo feito acima e se queriam discutir a questão a nível do Direito deviam fazê-lo a seguir. A questão não tem nada a ver com nulidades da sentença.
* Do recurso sobre matéria de direito Nesta parte, a sentença tem a seguinte fundamentação, em síntese e com simplificações (como a seguir para as alegações e contra-alegações):
A obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil extracontratual está sujeita ao prazo de 3 anos a contar da data do conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe assiste (cf. art.º 498/1 do CC).
Pese embora a formulação dos pedidos vertidos na PI nos remeta para o plano contratual, como inequivocamente se colhe na PI aperfeiçoada, não foi, todavia, essa a via escolhida pelos autores para obter o ressarcimento dos montantes a que crêem ter direito, já que ali se alude especificadamente ao regime da responsabilidade civil extracontratual.
Daí que, na esteira do sustentado pelos autores, devamos encarar a questão enunciada à luz do preceituado no artigo 498/1 do CC, preterindo-se, consequentemente, a aplicação da norma contida no artigo 309 do CC, a qual rege sobre a prescrição no domínio da responsabilidade contratual.
Quanto à actuação do réu que, na óptica dos autores, assume cariz lesivo dos respectivos direitos, como se colhe no 4.º pedido por eles formulado, esse acto é, inequivocamente, a alienação do imóvel pelo valor de 320.000€ (cf. facto 8). Deve-se, pois, arredar a relevância da difusa alegação vertida no artigo 22 da contestação segundo a qual estaríamos perante factos ocorridos nos idos de Janeiro de 1990.
Tal alienação ocorreu em 08/04/2016 (cf. o mesmo facto 8). O réu foi citado para os termos da causa em 11/12/2018 (facto 10).
A citação para um processo judicial é, como se sabe, um acto idóneo a interromper o curso do prazo prescricional (cf. art.º 323/1 do CC), determinando a inaproveitabilidade do lapso de tempo decorrido até então e a impossibilidade de, até ao trânsito em julgado da decisão, se iniciar o decurso de um novo prazo prescricional (artigos 326/1 e 327/1 do CC).
Assim, independentemente de não se ter apurado em que data os autores tomaram conhecimento daquela alienação, é insofismável que o prazo prescricional acima aludido não estava integralmente decorrido à data em que o réu foi citado para os termos da presente causa, o que conduz à improcedência da excepção em análise.
*
A responsabilidade civil do réu deve ser aferida à luz dos pressupostos delineados no artigo 483/1 do CC. Aí prescreve-se que: Aquele que, em dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Valorando os factos 1 a 7 temos, em suma, que, tendo estabelecido uma relação de amizade com o réu, o autor prestou um contributo no valor de 1.333.500$ para a aquisição, por aquele, do imóvel, o qual ficou unicamente registado a favor do réu por acordo entre autor e réu.
Foi, depois, decidido, entre o autor e o réu vender o imóvel - tendo o réu dito que apenas pretendia receber 320.000€ -, valor pela qual o imóvel veio a ver efectivamente vendido pelo réu.
A contribuição para a compra de um imóvel e/ou para o pagamento de despesas a ele atinentes não constitui um modo ou título idóneo para a aquisição de um direito de propriedade sobre ele incidente (cf. art.º 1316 do CC). E, por outro lado, deflui do exposto no artigo 32 da PI que os autores não pretendem ver reconhecida a aquisição, por usucapião, do direito real de compropriedade sobre o imóvel.
Daí que seja dificilmente identificável o direito absoluto que os autores estimam ter sido violado pela conduta do réu.
Mas, mesmo que, atentando nos factos provados, se pudesse, reconhecer a aquisição originária do direito de compropriedade (correspondendo a quota ideal dos autores, em consonância com a confissão extrajudicial vertida no aludido doc.2, a 1/3) sobre o imóvel e, consequentemente, o jus ao recebimento da correspondente parcela do preço, é de assinalar que não foi alegado que foi estipulado, entre o autor e o réu, que o imóvel apenas poderia ser vendido por um valor que excedesse 320.000€ ou que o autor se opôs à pretensão verbalizada pelo réu de receber integralmente esse valor (cf. a parte final do facto 7), o que, pelo menos, seria congruente com os contributos que prestou para a aquisição do imóvel e para a sua manutenção.
Ficou, por outro lado, por demonstrar que esse valor foi aposto no contrato de compra e venda para ocultar aos autores o proveito verdadeiramente auferido pelo réu e, em todo o caso, que este tivesse aceite que os autores quinhoassem, seja em que medida for, no preço por ele recebido, o que poderia ser inteligível como forma de os compensar pelos ditos contributos. Por isso, a falta de entrega do valor correspondente a 1/2 do preço recebido não constitui um acto que contrarie qualquer um ajuste anteriormente firmado com o autor e, sobretudo, não representa um locupletamento indevidamente obtido por aquele [em nota, a sentença acrescenta: A alusão ao locupletamento do réu poderia remeter-nos para o regime do enriquecimento sem causa (artigos 473 e ss. do CC). Porém, não vem impetrada a devolução dos contributos prestados ao abrigo desse regime, cabendo notar que os contributos prestados pelos autores para a aquisição e manutenção eram, na economia das alegações formuladas na PI, sustentados dos ditos acordos, não se divisando, por isso, que essas deslocações patrimoniais fossem, ab initio, desprovidos de causa. Deve-se, aliás, acentuar que, como se observou no ac. do STJ de 20/01/2022, proc. 15184/15.5T8LSB.L2.S1, “Entre as funções do enriquecimento sem causa e da responsabilidade civil há uma diferença fundamental: (…) o enriquecimento sem causa visa a remover o enriquecimento; a remoção do dano é indirecta e eventual. O que provoca aqui uma reacção da lei é a vantagem ou aumento injustificado do património de A (enriquecido) e não a possível perda ou diminuição verificada no património de B (empobrecido)»]
Não se apuraram, por sua vez, factos que sejam idóneos a integrar o conceito de danos não patrimoniais.
Estas considerações conduzem-nos à conclusão de que, no elenco dos factos provados, não é identificável qualquer dano que seja causalmente atribuível à conduta do autor.
Assim e em conclusão, temos que não se verifica o pressuposto basilar da obrigação de indemnizar, pelo que, forçosamente, improcedem os pedidos 4 a 7 formulados pelos autores.
Quanto aos demais pedidos vertidos na petição inicial:
Como transparece do elenco factual provado, ficou por demonstrar o conteúdo dos acordos que terão sido ajustados entre o autor e o réu e que terão respeitado à aquisição da fracção, pelo que é logicamente inviável tomar posição sobre a sua validade, vinculatividade e putativo inadimplemento por aquele.
Devem, por isso, improceder os pedidos 1 a 3 formulados pelos autores. Os autores dizem o seguinte contra isto:
Considerou o tribunal a quo que a situação descrita nos autos, designadamente os comportamentos do réu, devem ser analisados ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do disposto no artigo 483 do CC, afastando a responsabilidade contratual.
Porém, vem de seguida concluir que não se verificou qualquer dano para os autores da conduta do réu e [que] não estão demonstrados os acordos entre estes, improcedendo os pedidos dos autores.
A sentença enferma de falta de fundamentação quanto à aplicação do direito e não retira quaisquer ilações da matéria de facto provada.
Vejamos então, se estão verificados os pressupostos para a aplicação do instituto da responsabilidade extracontratual.
Resulta provado que os autores procederam ao pagamento de ½ da fracção, seja quanto ao valor da aquisição, seja quanto aos valores de manutenção. Ainda que assim não fosse, resulta como provado o documento 2 junto com a PI, seu teor e assinatura do réu, nos termos do qual, o próprio declara e confessa que os autores contribuíram para a aquisição da fracção, na proporção de 1/3, pelo que o referido imóvel, é, naquela proporção (1/3), propriedade dos autores.
Daqui resulta clara a existência do direito dos autores a pelo menos 1/3 do imóvel. Pelo que a venda do imóvel pelo réu, à revelia e desconhecimento dos autores, viola o seu direito, verificando-se assim a conduta ilícita do réu.
Sabendo o réu que os autores tinham parte da propriedade do imóvel, conforme reconhecido pelo próprio, mesmo não estando registado em nome destes, e vendendo o mesmo sem dar do mesmo conhecimento aos autores, nem os informando que já havia colocado a fracção à venda, quando se reuniu com o filho dos autores, para analisarem a possibilidade de venda do imóvel, actuou o réu com dolo, de forma consciente e reprovável, para que, aquando da venda, nenhum valor fosse entregue aos autores. Por outro lado, verifica-se que o valor pelo qual realizou a escritura de venda, bastante inferior ao valor comercial do imóvel à data, corresponde ao valor que pretendia receber para si.
Ora, é certo que os autores não contestaram que o réu ficasse com 320.000€ do valor da venda, porque sempre acreditaram que o imóvel seria vendido a preço de mercado, a rondar pelos menos os 510.000€, tendo mesmo recebido uma proposta de aquisição por 550.000€.
Ao réu escriturar o imóvel por 320.000€, sendo este valor muito inferior ao valor de mercado, ao não dar conhecimento aos autores da venda, nem antes nem depois da concretização do negócio, e não entregando nenhum valor aos autores, causou aos mesmos um dano correspondente ao investimento dos autores no imóvel, e perda de possibilidade de recuperação desse investimento e até mesmo da possibilidade de fazer lucro, sendo o dano causado pela conduta.
Ou seja, verificam-se todos os pressupostos para a aplicação do instituto de responsabilidade civil, e condenação das rés, enquanto habilitadas do réu primitivo, devendo ser: reconhecidos os acordos celebrados entre autores e réu; reconhecida a quebra dolosa dos acordos pelo réu; reconhecido que tendo os autores pagado os valores pela aquisição e todas as despesas necessárias à manutenção da fracção, e não tendo recebido qualquer valor aquando da venda da fracção a terceiros, ficaram prejudicados, sendo o dano correspondente ao valor de todas as quantias entregues/pagas ao réu pela quota-parte da propriedade da fracção; que o dano sofrido pelos autores foi causado de forma dolosa e directa pelo réu, pelo que, têm as rés, enquanto habilitadas, de indemnizar os autores, pelos danos sofridos.
Sem conceder, caso assim não considerasse o tribunal a quo, por não terem sido cumpridos os pressupostos legais para a compra e venda de um imóvel, tinha o tribunal a quo de retirar daqui as devidas consequências.
Ficou provado que os autores pagaram o preço, e que a escritura de aquisição do imóvel ficou apenas em nome do réu, atenta a necessidade, de ser contraído empréstimo bancário, e que o autor, como emigrante já tinha um empréstimo e não podia contrair novo crédito. Bem como que, os autores pagaram ao longo dos anos as despesas referentes ao imóvel, … agindo como proprietários, usando o imóvel e dando de arrendamento parte dele.
As partes celebraram entre si um negócio atípico de parceria na aquisição do imóvel e pagamento das despesas do mesmo, o qual é regido pelo artigo 219 do CC.
As partes têm / tinham liberdade contratual, dentro dos limites legais, para livremente celebrar um contrato atípico, diferente dos contratos tipificados previstos no código civil, devendo cumprir o mesmo pontualmente, conforme estatuem os artigos 405 e 406 do CC.
É certo que não existe um contrato de compra e venda outorgado entre os autores e o réu que titule a aquisição e propriedade, não tendo sido dado cumprimento ao artigo 785 do CC, padecendo o acordo firmado entre as partes de nulidade, nos termos do artigo 289 do CC, o qual é de conhecimento oficioso do tribunal, nos termos do artigo 286 do CC.
Verifica-se assim, a nulidade do contrato firmado verbalmente entre os autores e o réu tendo sido defraudadas os artigos 219, 405, 406, 785 e 289/1 do CC, prescrevendo este último os efeitos da declaração de nulidade do negócio: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou o valor correspondente, caso a restituição em espécie não seja possível.
Se os autores e o réu tivessem reduzido a escrito, por escritura publica o acordo de parceria firmado quanto à aquisição e manutenção do imóvel, os autores não apenas veriam restituído todo o investimento, como retirariam vantagens da venda do imóvel.
Dito isto, é certo que, por esta via, a análise do incumprimento dos acordos pelo réu se mostraria prejudicada atenta a existência dos apontados vícios de nulidade dos acordos estabelecidos entre ambos, não podendo ser julgados procedentes os pedidos.
Porém, e apesar dos autores não ter[em] peticionado a condenação do réu / agora as rés, na restituição dos valores lhe foram entregues, deve aplicar-se ao caso, por maioria de razão, atendendo que a nulidade é de conhecimento oficioso, bem como as consequências daí decorrentes.
Neste sentido, a jurisprudência uniformizada constante do ac. do STJ 4/95, de 28/03/95 (proc. 085202): “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico, invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no art.º 289/1 do CC.”
Em consequência devem as rés ser condenados a restituir aos autores, as quantias entregues ao réu, acrescidas dos juros de mora.
Quanto aos juros moratórios, dispõe o artigo 289/3 do CC, que é aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269 e seguintes. Ou seja, por força desta remissão, a obrigação de restituir abrangerá não só o capital entregue, como também uma quantia equivalente ao montante dos juros de mora, como frutos civis que são nos termos dos artigos 212, 1269 a 1271, 805/1 e 806 n.ºs 1 e 2, todos do CC, devendo ser aplicado aos valores entregues a tabela de coeficientes de desvalorização da moeda, aprovados por anualmente por portaria. O réu contrapõe o seguinte:
O tribunal a quo aplicou correctamente o disposto no artigo 483 do CC, que regula a responsabilidade civil extracontratual.
No caso em análise, o tribunal a quo concluiu correctamente que tais pressupostos não se verificam, afastando, assim, a responsabilização civil do réu, e das recorridas.
O primeiro pressuposto para a responsabilidade civil extracontratual é a existência de um facto voluntário, conforme disposto no artigo 483 do CC.
Este facto pode ser tanto uma acção como uma omissão, desde que voluntária. No presente caso, a venda do imóvel pelo réu configura um facto voluntário, uma vez que resultou de uma decisão consciente e deliberada de alienar o imóvel de que era proprietário.
O tribunal a quo entendeu que o acto de vender o imóvel foi realizado pelo réu no exercício dos seus direitos, enquanto único proprietário registado. O artigo 1305 do CC prevê que o proprietário tem o direito de dispor livremente do seu bem, sem necessidade de autorização de terceiros, a menos que exista um direito real ou contratual que limite essa liberdade, o que não é o caso.
Os autores argumentam que réu teria actuado de forma ilícita ao vender o imóvel sem o seu consentimento, alegando que havia um acordo informal, que implicava que o imóvel era detido em regime de compropriedade. No entanto, como correctamente apurado pelo tribunal a quo, e como acima alegado, não existe qualquer documento formal que comprove a existência de um acordo de compropriedade entre as partes. Desta forma, o acto de venda do imóvel, enquanto acto voluntário, não pode ser considerado ilícito ou contrário aos direitos dos autores.
Os autores argumentam que o réu cometeu um acto ilícito ao vender o imóvel sem o seu consentimento, alegando que tinham direito, como donos, a uma parte do imóvel, em virtude de um acordo informal. Contudo, conforme correctamente determinado pelo tribunal a quo, os autores não apresentaram qualquer indício que demonstre a existência de compropriedade sobre o imóvel.
Assim, ainda que tenha havido uma relação de confiança entre as partes, conforme alegado pelos autores, tal relação, por si só, não é suficiente para constituir um direito sujeito ao regime da compropriedade. O pagamento de despesas relativas a um imóvel, como água, luz ou condomínio, não cria, por si só, direitos reais sobre o bem.
A venda do imóvel não violou qualquer direito dos autores, pois os mesmos não detinham, formalmente, qualquer direito de (com)propriedade sobre o imóvel.
Para que haja lugar a responsabilidade civil extracontratual, é igualmente necessário que o agente tenha actuado com dolo ou culpa, nos termos do artigo 487 do CC.
O tribunal a quo, após apreciar as provas apresentadas, concluiu que o réu não agiu com dolo. O réu alienou o imóvel no exercício dos seus direitos enquanto único proprietário, sem que houvesse qualquer obrigação de informar os autores da venda. O simples facto de os autores terem uma relação de confiança com o réu, e de este não os ter informado previamente sobre a venda, não é suficiente para configurar a verificação de dolo na conduta do réu – ainda para mais quando seria impossível ouvir este último, em razão do seu falecimento no decurso da acção, ainda antes da instrução.
Para que o dolo se verifique, é necessário que haja uma intenção clara de violar os direitos dos autores, o que, no caso em apreço, não ficou provado.
Aliás, os autores não conseguiram sequer demonstrar que o réu tenha agido com mera culpa. Nos termos do artigo 487 do CC, a culpa deve ser apreciada segundo um critério objectivo, comparando-se a conduta do agente com a de uma pessoa diligente e prudente colocada nas mesmas circunstâncias. Neste caso, o réu agiu como qualquer outro proprietário faria ao vender um imóvel que estava registado em seu nome, sem qualquer restrição de disposição. Não houve, portanto, igualmente qualquer negligência ou imprudência na sua conduta.
Outro dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil extracontratual é a existência de um dano. Para que haja lugar à indemnização, o dano deve ser concreto e quantificável, não bastando uma simples expectativa de ganho futuro.
Os autores alegam que sofreram um dano patrimonial, correspondente ao valor que lhes caberia pela venda do imóvel. Contudo, esta alegação não encontra suporte na prova produzida nos autos.
O tribunal a quo concluiu correctamente que não existe qualquer dano passível de indemnização, uma vez que os autores não detinham qualquer direito de propriedade sobre o imóvel, nos termos acima devidamente expostos.
O conceito de dano em responsabilidade civil extracontratual exige a verificação de uma perda ou diminuição patrimonial efectiva. No presente caso, não ficou provado que os autores tenham sofrido qualquer prejuízo patrimonial ou material como resultado da venda do imóvel. A simples expectativa de que poderiam ter recebido parte do valor da venda não configura um dano juridicamente relevante, pois tal expectativa não estava fundada em qualquer direito legal ou contratual.
Para que exista dano, é necessário que a vítima tenha sofrido uma perda real e mensurável, o que não se verifica no caso dos autores, uma vez que não tinham qualquer direito legal sobre o imóvel que pudesse ser violado pela venda.
Por fim, acresce que a responsabilidade civil extracontratual exige a verificação de um nexo de causalidade entre a conduta ilícita do agente e o dano sofrido pela vítima.
O nexo de causalidade implica que o dano deve ser uma consequência directa e imediata da conduta do agente. No entanto, como já demonstrado, não houve qualquer conduta ilícita por parte do réu, nem, correspectivamente, dano sofrido pelos autores – logo, não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a venda do imóvel e um prejuízo que não existiu.
O ac. do STJ 4/95, de 28/03/1995, invocado pelos autores para sustentar que, em casos de nulidade de negócios jurídicos, o tribunal deve ordenar a restituição dos valores pagos, o mesmo é inaplicável ao caso concreto.
O acórdão 4/95 refere-se à nulidade de contratos formais, quando existe um negócio jurídico que, embora formalizado, padece de vícios que o tornam nulo.
Ora, no caso em apreço, não foi provado que existisse qualquer contrato formal entre os autores e o réu relativamente à fracção autónoma.
Nos termos do artigo 875 do CC, a constituição de direitos reais sobre imóveis só se verifica através de escritura pública ou documento particular. Como já mencionado, não existe qualquer escritura pública ou documento particular que formalize a compropriedade invocada pelos autores; logo, não é possível aplicar o dispositivo do acórdão do STJ 4/95, uma vez que não existe qualquer negócio jurídico nulo a ser declarado como tal. A simples existência de um acordo informal entre as partes não tem relevância jurídica, pois a transmissão de direitos reais exige formalidades legais que não foram cumpridas neste caso.
A jurisprudência tem sido unânime ao afirmar que, em casos de nulidade de negócios jurídicos formais, a restituição dos valores pagos só é possível quando a nulidade do contrato é declarada. No presente caso, não existindo qualquer contrato formal entre as partes, não há lugar à aplicação do acórdão invocado pelos autores, nem à restituição de quaisquer quantias. Apreciação
O que os autores queriam e com base no quê era o seguinte: autor e réu acordaram pagar, metade cada um, o preço da compra de um imóvel, mas a compra e o registo dele eram feitos apenas em nome do réu (resulta, por exemplo, dos artigos 1 a 3, 6 e 22 da PI). Em 2016, decidiram vender o imóvel (1.ª parte do art.º 12 da PI). O imóvel foi vendido pelo réu por 320.000€ (artigos 14 e 29 da PI). O preço que foi pago ficou só para o réu (resulta, p.e., dos artigos 17 e 18). Os autores querem que o réu lhes dê a parte do preço que cabia ao autor, tendo em conta a proporção em que o pagamento tinha sido feito por eles os dois para a compra de 1982 e uma indemnização pelo incumprimento do acordado (p.e., pedidos 4 a 6), acrescentando que o preço indicado pelo réu na venda de 2016 não é o verdadeiro (artigos 33 a 35 da PI), pois que o imóvel valia mais de 800.000€ (artigo 35 da PI), querendo ser indemnizados pela diferença (artigos 33 a 36 pedido 7).
Outros acordos e compromissos alegados pelos autores são irrelevante para as reais pretensões que estão em causa (o que se desenvolverá à frente).
A propósito daqueles factos, os autores falaram em contratos, ultimamente em parceria atípica, em responsabilidade civil (no recurso dizem que é extracontratual), em compropriedade, no enriquecimento sem causa, em gestão de negócios, e no recurso ainda em nulidades e obrigações de restituição, e na petição inicial aperfeiçoada até invocaram mais um contrato do qual resultaria que não teriam direito a parte do preço na proporção em que o autor tinha contribuído para o pagamento do preço pelo imóvel em 1982, mas sim naquilo que excedesse os 320.000€ da venda efectuado em 2016.
Mas o que importa não são as qualificações dadas, ou as construções jurídicas feitas pelas partes (em articulados posteriores ou em alegações de recurso), se estiverem erradas frente aos factos provados, nem os factos alegados em articulados posteriores que representem contratos diferentes dos que estavam em causa na PI, se não tiver havido alteração da causa de pedir em termos legalmente admissíveis (mais à frente dir-se-á algo mais sobre isto).
Por outro lado, não está em causa, nos autos, a aquisição do imóvel pelos autores, em compropriedade – apesar de agora os autores dizerem o contrário -, seja qual fosse a causa de aquisição que eles pudessem invocar - porque os factos invocados e o pedido não tinham nada a ver com isso (sendo por isso irrelevante a agora invocada, pelos autores, nulidade do negócio e as consequências que pretendem que sejam retiradas da nulidade).
Posto isto,
Dos factos alegados provou-se que o autor pagou parte do preço da compra do imóvel feita em nome do réu em 1982 e que a compra e o registo do imóvel foram feitos apenas em nome do réu por acordo entre eles (factos 2 a 4 e 10). Em 2016, decidiram vender o imóvel (1.ª parte do facto 7). O imóvel foi vendido pelo réu por 320.000€ (facto 8). O preço que foi pago ficou só para o réu (o réu não põe em causa este facto, ele está na lógica da contestação e era ao réu que, tendo entregue parte do preço ao autor, caberia alegar esse facto como facto extintivo do direito dos autores; ou seja, era este facto que tinha de constar dos factos, como em qualquer outro caso: aos credores cabe alegar e provar a constituição da obrigação e (apenas) alegar o não cumprimento; aos devedores cabe alegar e provar o cumprimento) e o réu entende que não tem de entregar nada aos autores.
Como já se disse, daqui não decorre qualquer compropriedade do imóvel pelos autores e pelo réu: o pagamento do preço não é uma fonte de aquisição do direito: é o contrato de compra e venda, do qual o autor não é parte, que é causa de aquisição (art.º 1316 do CC).
Mas o facto de os autores não serem comproprietários da fracção, com efeitos reais, não impede que entre si considerassem que cada um deles tinha uma quota parte do imóvel e que, por isso, o réu, que era o proprietário do imóvel, se tenha obrigado a respeitar a parte do autor (como resulta expressamente do declarado pelo réu no documento transcrito no facto 10 – que funciona como documento escrito confessório extrajudicial com força probatória plena qualificada desses factos contrários aos interesses do réu: artigos 376/2, 352 e 358, todos do CC: que o autor pagou 1/3 do preço da compra e que o réu se obrigou nos termos que aí constam). É isso que explica que a decisão da venda tenha sido tomada em conjunto (facto 7), e com isso o réu estava de novo reconhecer ao autor a sua parte no imóvel, ou seja, que, em relação ao autor, o seu direito estava restringido, não podendo fazer do imóvel o que quisesse. Por isso, o reconhecimento do correspectivo direito do autor e a decisão conjunta da venda do imóvel, tem implícito o entendimento de que o produto da venda seria repartido entre eles, na proporção existente, não se concordando com a sentença quando ela nega a existência de tal acordo.
A possibilidade de um acordo naqueles termos e com estes efeitos resulta dos artigos 405 [(Liberdade contratual) 1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.] e 1306 do CC [(«Numerus clausus») 1. Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.]
O acordo (tácito – art.º 217 do CC) de estabelecimento de restrições ao direito do réu, como proprietário, apenas com efeitos obrigacionais (isto é, apenas entre as partes – não oponível a terceiros, inclusive às suas herdeiras como tal, não enquanto rés habilitadas no lugar do réu) não está sujeito a qualquer forma especial (por não haver norma que o imponha: art.º 219 do CC), pelo que não há qualquer nulidade (pelo que, também por aqui, não têm razão os autores ao falarem de nulidades).
Note-se que se duas pessoas se unem em união de facto e depois pagam ambas coisas que apenas são formalmente compradas e registadas em nome de um deles, quando deixam de viver em união de facto se põe a questão de saber como é que se hão-de compor os interesses patrimoniais existentes. E se, na maior parte dos casos, a questão se resolve através do regime do enriquecimento sem causa, esta é apenas uma solução subsidiária [e é por causa desta subsidiariedade, entre o mais, que tal regime não se aplica no caso dos autos, não por aquilo que a sentença refere] para a hipótese de não haver acordos entre eles que dêem solução à questão, aceitando-se, em princípio, a validade desses acordos. Como diz, por exemplo, Guilherme de Oliveira “[e]xtinta a relação [entre os unidos de facto], provavelmente há que […] proceder à liquidação e partilha do património do casal […] As regras a aplicar são, naturalmente, as normas legais que existam, as que tenham sido acordadas no ‘contrato de coabitação’ [que não há razões para considerar nulo, em geral] eventualmente celebrado e, na sua falta, o direito comum das relações reais e obrigacionais.” (Manual de direito da família, 2020, Almedina, páginas 353-354 e 350-351).
Não há qualquer parceria atípica – hipótese de que falam agora os autores, pois que tal pressuporia (artigos 1121 a 1128 do CC), que o autor tivesse entregue a sua parte no imóvel ao réu para que este o frutificasse com o objectivo de repartirem entre si os lucros futuros em certa proporção, e os autores não alegaram nada disto. Também não há qualquer sociedade, que é provavelmente aquilo que os autores estariam a pensar, pois que o contrato de sociedade pressupõe (art.º 980 do CC) que duas pessoas exerçam em comum “certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade” e também nada disto foi alegado pelos autores.
Assim, esquecendo todas estas hipóteses alternativas sem qualquer viabilidade, a venda do imóvel pelo réu, ficando com a parte do preço que devia corresponder ao autor, representa a violação de uma obrigação existente entre eles (não havendo qualquer razão para que os autores tragam à liça a questão da gestão de negócios, já que os autores não alegaram que o réu tivesse assumido a direcção de negócio do autor no interesse e por conta do autor – art.º 464 do CC). E com isso, o réu incorreu em responsabilidade civil, obrigacional, também dita contratual, pelo qual fica obrigado a indemnizar o autor dos prejuízos que lhe causou (artigo 798 do CC).
Os termos utilizados pelos autores podiam sugerir que eles estavam a invocar uma responsabilidade civil por factos ilícitos (art.º 483 do CC), como o entendeu a sentença; mas como eles falavam em violação de acordos e em incumprimentos contratuais e tiravam consequências dessa violação, o que estava em causa, como se viu, era uma responsabilidade por incumprimento de obrigações assumidas. Por isso, não tem interesse a análise dos vários pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, de que se ocupou a sentença, o réu e os autores, sendo certo, no entanto, que todos eles se podem considerar verificados se aplicados à responsabilidade civil contratual (é evidente, por exemplo, que não há um direito de propriedade do autor ou autores que se possa dizer violado pelo réu – não tendo qualquer razão os autores ao dizerem o contrário no recurso -, como acto ilícito da responsabilidade civil extracontratual, mas já é evidente que se verifica o acto ilícito pressuposto da responsabilidade civil contratual que é o incumprimento do acordo).
O prejuízo dos autores, que pode ser superior ou diverso, é, pelo menos, correspondente à não entrega da parte que lhe caberia no preço pelo qual a coisa foi vendida (que os autores vêem na perspectiva do enriquecimento sem causa do réu, o que não tem interesse para o caso).
Se se provasse que a coisa foi ou podia ter sido vendida por um preço superior e só não o foi por culpa do vendedor, a indemnização podia incluir a diferença, mas no caso nada disto se provou, já que o simples caso de a coisa ter um valor possivelmente superior (no caso provou-se apenas um valor muito pouco acima do preço pelo qual o imóvel foi vendido) não é o mesmo que conseguir-se esse preço por ela.
Admite-se que o prejuízo pudesse também abranger um dano não patrimonial, mas no caso a venda da coisa foi decidida pelos dois, pelo que o autor não pode dizer que tenha sofrido com a venda dela. E o único facto do incumprimento do implicitamente acordado – a não entrega da parte do preço – não dizia respeito a uma prestação que tivesse a ver com valores de ordem não patrimonial, pelo que não deve dar lugar a indemnização por danos dessa natureza (art.º 496 do CC).
A meio do processo (e agora no recurso), os autores introduziram nova causa de pedir (sem alterarem o pedido), na petição inicial aperfeiçoada: agora o acordo seria outro: o de o réu ficar com 320.000€ e os autores ficarem com o valor restante que fosse obtido. Mas não houve acordo para a alteração da causa de pedir, nem ela ocorreu em consequência de confissão feita pelo réu, nem foi admitida pelo tribunal e, como tal, não tem qualquer valor (artigos 264 e 265 do CC). Teria o potencial de diminuir aquilo que podia ser retirado dos factos anteriormente alegados e dos provados, mas esse potencial não se concretizou, nem ao nível dos factos provados, nem daquilo que é possível retirar destes (o dito do réu, referido na 2.ª parte do facto 7, não representa um acordo com o autor quanto ao que aí consta). Não importa, por isso, as objecções colocadas pela sentença ao direito dos autores a pretexto desta matéria. Ou as consequências que os autores agora querem retirar dela.
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Quanto aos demais pedidos dos autores: os autores confundem os pressupostos das pretensões deduzidas em juízo com as próprias pretensões: os autores terão direito ou não ao que pretendem se provarem os pressupostos desse direito, mas estes não fazem parte dos pedidos.
Assim, os pedidos são, de facto, apenas dois:
i\ a condenação do réu a pagar aos autores uma indemnização correspondente à metade que cabia ao autor no preço da venda do imóvel feita em 2016 pelo réu, e ao dano moral sofrido com a actuação do réu, no total de 150.000€, dos quais pelo menos 25.000€ pelo dano moral.
ii\ a condenação no valor correspondente à diferente entre o valor declarado na escritura de Abril de 2016 e o valor real de mercado do imóvel que os autores diziam ser de pelo menos 800.000€.
Ora, quanto ao pedido i\, ele procede parcialmente, já que a parte do autor era apenas de 1/3 e não se provou nenhum dano moral.
Quanto ao pedido ii\, ele improcede totalmente, visto que não se prova que o imóvel tenha sido vendido por valor inferior ao valor real de mercado (foi apurado apenas que o valor aproximado do imóvel era de 350.000€).
Os outros “pedidos” são irrelevantes como tal, tendo já sido apreciados como pressupostos dos pedidos reais.
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Valor do processo e do recurso e repartição de custas
A pretensão dos autores traduzia-se em eles quererem 150.000€ + 480.000€ (= 800.000€ - 320.000€), ou seja, 630.000€. É este o valor da acção e do recurso. Como só lhes é reconhecido o direito a 106.666,67€, o decaimento é de 83,07%. É esta a sua responsabilidade pelas custas, sendo o resto da responsabilidade das rés.
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Não há nenhuma razão para dispensar as partes do pagamento da parte em falta da taxa de justiça, incluindo do remanescente das taxas de justiça (art.º 6/7 do RCP): a causa não teve qualquer simplicidade e a conduta das partes em nada contribui para a simplificação do processo.
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida apenas na parte em que julga improcedente a pretensão dos autores em serem indemnizados pela não entrega da parte do preço que lhes competia na venda de Abril de 2016 feita pelo réu, e em substituição dessa parte da sentença condena-se agora as rés, enquanto habilitadas no lugar do réu, a pagar aos autores 106.666,67€, mantendo-se a sentença em tudo o mais.
Valor da acção e do recurso: 630.000€.
Custas, no recurso e na acção, pelos autores em 83,07% e pelas rés em 16,93%.
As partes têm de pagar as taxas de justiça em falta e o remanescente das taxas tendo em conta os valores agora fixados à acção e ao recurso.
Lisboa, 27/03/2025.
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Rute Sobral