RECURSO PER SALTUM
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
INCONSTITUCIONALIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NON BIS IN IDEM
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE PRISÃO
PERDÃO
PENA ÚNICA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário


I. Embora em sede de algumas das suas condenações englobadas no presente cúmulo jurídico, o arguido tenha usufruído do Regime Especial para Jovens Delinquentes, a apreciação que é feita, para efeitos de decisão de aplicação ou não desse Regime Especial, é realizada na vertente da apreciação das potenciais vantagens dessa atenuação, para efeitos de reinserção social do jovem condenado, como determina o artº 4º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.
II. Em sede de cúmulo jurídico, determina a lei que terá de haver lugar a uma apreciação global dos factos e da personalidade do arguido.
III. Assim, as características de imaturidade aliadas ao facto de ter, à data da prática dos factos, 16 anos de idade, podem e devem ser consideradas, já que o são num parâmetro diverso do vertido no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, que está vocacionado apenas para a apreciação das vantagens dessa atenuação, para efeitos de reinserção social do jovem condenado.
IV. Não é essa a vertente em sede de cúmulo jurídico e, por isso, entende-se que não se verifica aqui a proibição da dupla valoração da mesma circunstância.
V. O que ocorre é que há um mesmo facto – a idade do arguido - que é ponderado em vertentes jurídicas diversas.
VI. Como se mostra defendido no acórdão do STJ, de 24-10-2006 processo 06P2941, nº convencional JSTJ000, relator Santos Carvalho, nº do documento SJ200610240029415 (acessível em www.dgsi.pt): (…)para proceder ao cúmulo jurídico de penas em concurso de infracções quando só algumas beneficiam de perdão, há que seguir estes passos:
1º- efectua-se o cúmulo jurídico de todas as penas em concurso, independentemente de alguma delas beneficiarem de perdão e, assim, obtém-se a pena única;
2º- calcula-se o perdão, após se ficcionar um cúmulo jurídico parcelar das penas que por ele estão abrangidas;
3º- faz-se incidir o perdão assim calculado sobre a pena única inicial, mas o perdão tem como limite máximo a soma das parcelas das penas “perdoáveis”, tal como encontradas na operação de cálculo dessa pena única inicial.
VII. Seguindo esta linha de raciocínio, que anteriormente perfilhámos, a propósito da questão suscitada no âmbito da Lei nº 29/99 e da qual não vislumbramos razões para divergir, na aplicação da presente lei da amnistia, temos que, no caso presente, a questão do cálculo do perdão aplicável à pena única imposta, decorre directamente da lei, uma vez que nem sequer haverá que proceder a um cúmulo entre penas parcelares incluídas no perdão, já que, no caso, apenas uma se mostra abrangida pela Lei nº 38-A/23, de 2 de Agosto, designadamente a relativa ao cometimento do crime de detenção de arma proibida.
VIII. Assim, o cálculo do perdão a aplicar à pena única, decorre da aplicação das regras do perdão a essa pena singular e corresponde a 4 meses de perdão, já que a pena imposta, pela prática deste crime, ao arguido, foi de 4 meses de prisão.

Texto Integral


Acordam em conferência na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

*

I – relatório

1. Por acórdão de 4 de Outubro de 2024, foi o arguido AA condenado, em cúmulo jurídico das penas impostas nestes autos e no âmbito dos Procs. 523/21.8... e Proc. 712/21.5..., na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

2. Inconformado, veio o arguido apresentar recurso, pedindo a sua condenação em pena única com duração não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.

3. O recurso foi admitido.

4. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso.

5. Foi elaborado parecer, no sentido da improcedência do recurso interposto.

6. Os autos foram inicialmente remetidos ao TRL, tendo havido despacho ordenando a sua remessa a este STJ, por ser o competente.

II – questões a decidir.

A. Das deficiências do recurso.

B. Alteração da moldura penal resultante do concurso, redução e suspensão da pena imposta.

iii – fundamentação.

A. Das deficiências do recurso.

1. O tribunal “a quo” deu como assentes os seguintes factos:

1. Por acórdão de 15.11.2023, transitado em julgado a 15.12.2023, proferido no âmbito deste processo 873/21.P..., o arguido foi condenado pela prática de:

a) Um crime de roubo, p.p. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

b) Um crime de roubo, p.p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses;

c) Um crime de roubo, p.p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

d) Foi condenado na pena única de dois anos e seis meses suspensa na execução por igual período.

Pela prática dos seguintes factos:

“1. No dia 16 de Outubro de 2021, a hora não concretamente apurada, mas situada entre as 05h00 e as 05h30, no percurso entre a Praça do ... e o Largo do ..., em ..., os arguidos AA, BB e CC, juntamente com mais 4 indivíduos cuja concreta identidade não se logrou apurar, abordaram DD que por aí caminhava em direcção a um Hotel.

2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, mediante o uso da força física e da intimidação resultante da sua superioridade numérica, em comunhão de esforços e aderindo à actuação uns dos outros, com o fim comum de retirarem a DD bens e valores que com este se encontrassem, começaram por rodeá-lo, tendo um dos sete indivíduos que integrava o grupo desferido um empurrão no ofendido.

3. Nessa ocasião, encontrando-se DD encostado a uma parede, e assim impossibilitado de reagir, retiraram-lhe dos bolsos um telemóvel de marca Samsung, uma carteira e ainda um fio em ouro que o mesmo trazia ao pescoço.

4. Alternando os arguidos e os demais indivíduos não identificados entre o uso da força e a sua presença como forma de intimidação do ofendido, a retirada dos bens deu-se quando um dos elementos do grupo, cuja identidade não foi possível apurar, desferiu uma chapada na face de DD.

5. Seguidamente, os arguidos e restantes indivíduos que os acompanhavam colocaram-se em fuga, em direcção à Rua do ..., na posse dos referidos bens, integrando-os no seu património.

6. Ainda nesse dia, entre as 05h30 e as 05h40, na Rua do ..., em ..., os arguidos AA, BB e CC, juntamente com os mesmos 4 indivíduos cuja identidade não se apurou, abordaram EE e FF, que se encontravam juntos nesse local.

7. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, com o intuito de lhes retirarem bens e valores que tivessem consigo, mediante o uso da força física e da intimidação resultante da sua superioridade numérica, começaram por rodear EE e FF, obstaculizando na sua circulação e tentando remexer-lhes os bolsos.

8. Ato contínuo, quatro dos elementos do grupo, entre eles os arguidos AA, BB e CC rodearam EE, enquanto os restantes três indivíduos rodearam FF.

9. O arguido AA desferiu um empurrão em EE, assim o encostando à parede, após o que os arguidos e o indivíduo não identificado procederam à revista de EE, remexendo-lhe os bolsos, tendo-lhe retirado do interior da carteira o cartão multibanco, e ainda o telemóvel Iphone, modelo 8, no valor de € 600 (seiscentos euros).

10. Os restantes três elementos do grupo rodearam FF, sendo que um deles desferiu-lhe um empurrão na zona do peito, enquanto outro exibiu-lhe uma navalha de características não concretamente apuradas.

11. Nessa ocasião, aproveitando a inacção do ofendido pelo medo de continuar a ser agredido, lograram os referidos indivíduos retirar a FF a bolsa que este levava a tiracolo, onde guardava um “Powerbank” de valor não concretamente apurado.

12. Em seguida, os arguidos e os indivíduos que os acompanhavam colocaram-se em fuga, na posse dos referidos bens, integrando-os assim no seu património.

13. Pouco tempo depois, os arguidos AA, BB e CC vieram a ser interceptados e detidos por agentes da PSP, nas imediações do local onde haviam abordado os ofendidos.

14. Nessa ocasião, o arguido AA tinha na sua posse o telemóvel subtraído ao ofendido EE, a quem foi restituído.

15. Ao actuarem da forma descrita, tiveram os arguidos o propósito concretizado de, em comunhão de esforços e de vontades entre si e com os indivíduos que os acompanhavam, fazerem seus os bens dos ofendidos, não ignorando que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos legítimos donos, não se coibindo de fazer uso da intimidação decorrente da superioridade numérica em que actuaram, bem como da violência física exercida contra os ofendidos, nos termos supra descritos, causando-lhes dor e mal-estar físico.

16. Os arguidos agiram em conjugação de esforços e identidade de fins, em execução de um plano comum, utilizando o auxílio mútuo para melhor concretizarem os seus intentos, tendo a intervenção de cada um deles sido determinante para a obtenção dos resultados que almejavam e alcançaram.

17. Agiram sempre de forma conjunta, livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

18. Os bens subtraídos a DD correspondem à vantagem da actividade criminosa que os arguidos obtiveram com a sua conduta relativa a esse ofendido, bens que não foram recuperados.”

2. Por acórdão de 06.07.2023, transitado em julgado a 21.09.2023, proferido no processo 712/21.5..., o arguido foi condenado pela prática de:

a) Um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal e artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa por igual período sujeita a regime de prova, a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória.

Pela prática dos seguintes factos:

“1. No dia 06 de Novembro de 2021, os arguidos AA e GG, formularam o propósito de se apoderarem dos bens que um condutor de táxi tivesse consigo.

2. Para o efeito, cerca das 00h45, na qualidade de passageiros acederam ao interior da viatura de matrícula ..-PO-.., conduzido por HH na qualidade de taxista e, à chegada à Rua ..., na ..., o arguido GG rodeou o pescoço de HH com os braços, apertando-o, proferindo a seguinte expressão: “dá o dinheiro senão furo-te”.

3. Enquanto tal, o arguido AA retirou o telemóvel de marca Samsung, no valor de € 400 e cerca de € 60 em numerário, que se encontrava no interior da viatura e guardou tal objecto e montante monetário, fazendo-os seus.

4. Após, os arguidos fugiram para parte incerta, na posse de tais objectos.

5. Os arguidos agiram da forma descrita em união de esforços e intentos, com o objectivo concretizado de fazerem seus os referidos bens, dos quais se apropriaram através da força exercida contra a integridade física de HH, não se coibindo, para além disso, de o intimidar com a expressão proferida, cientes que era susceptível de causar-lhe sério receio pela sua integridade física e pela própria vida, de modo a impossibilitar qualquer capacidade de reacção, o que quiseram e sucedeu.

6. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente e sabiam perfeitamente que as suas condutas eram e são proibidas e punidas pela lei penal e contrárias à vontade de HH.”

3. Por acórdão de 21.04.2023, transitado em julgado a 14.12.2023, proferido no processo 523/21.8..., o arguido foi condenado pela prática de:

a) Um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos artigos 73º, nº 1 a), 210º, nº 1 e 2, alínea b) e 204º, nº 2, alínea f) do Código Penal e artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) Um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos artigos 73º, nº 1 a), 210º, nº 1 e 2, alínea b) e 204º, nº 2, alínea f) do Código Penal e artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, na pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;

c) Um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos artigos 73º, nº 1 a), 210º, nº 1 e 2, alínea b) e 204º, nº 2, alínea f) do Código Penal e artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, na pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão;

d) Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 3º, nº 4, alíneas a) e b) e 86º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico das Armas e Munições, 73º, nº 1 a) do Código Penal e artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, e na pena única de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão;

e) Por despacho proferido em 18.03.2024 foram perdoados quatro meses à pena de prisão única sob condição resolutiva de não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor desta Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto.

Pela prática dos seguintes factos:

“(...) NUIPC 562/21.9...

6. No dia 6 de novembro de 2021, o arguido AA e mais três indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar, encontravam-se na Praça ..., no ..., em ..., quando solicitaram a II, que conduzia a viatura de matrícula ..-SM-.., que os levasse até ao Casal de ..., na ....

7. Cerca das 4h50m, ao chegarem ao destino, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar e que se encontrava imediatamente atrás do ofendido II, agarrou por trás o pescoço deste, apertando-o, ao mesmo tempo que um dos outros mostrou o gargalo de uma garrafa de vidro.

8. Nessa sequência, o arguido AA, que se encontrava sentado atrás do motorista, desferiu-lhe um soco na cabeça.

9. Após, o arguido AA e os demais indivíduos retiraram a quantia não inferior a € 200,00, em numerário, um porta moedas em couro, um cartão multibanco e o telemóvel de valor não concretamente apurado.

10. De seguida, os arguidos abandonaram o local, fazendo seus estes objetos e numerário.

11. Após o arguido AA e os outros indivíduos saírem da viatura e de levarem, com eles, o porta moedas e o valor em numerário, o primeiro voltou atrás e, encontrando II fora da viatura, desferiu-lhe outro soco.

12. O arguido AA agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o objetivo de fazer seus os referidos bens, não se coibindo, para o efeito, de usar de ameaça e violência contra a integridade física da vítima, o que quis e conseguiu.

NUIPC 569/21.6...

13. No dia 8 de novembro de 2021, o arguido AA e outros indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, encontravam-se na Praça ... quando solicitaram a JJ, que conduzia a viatura de matrícula ..- SN-.., que os levasse até ao Lidl da ..., na ....

14. Cerca das 00h20, ao chegarem ao destino, outro indivíduo, que se encontrava sentado imediatamente atrás do ofendido JJ, agarrou o pescoço do motorista de táxi ora ofendido com as mãos, apertando-o.

15. O arguido AA saiu da viatura, aproximou-se da janela do motorista e apontou-lhe uma faca, tendo desferido cerca de três murros na face de JJ, ao mesmo tempo que lhe ordenou que não gritasse.

16. Após, o arguido AA e os indivíduos que o acompanhavam retiraram o telemóvel de JJ, no valor de € 300, bem como quantia em numerário não inferior a € 240,00, chaves, a carteira profissional, um cartão multibanco e o cartão de cidadão, ao mesmo tempo que desferiram socos na face e na zona das costelas deste.

17. De seguida, o arguido AA e os demais indivíduos abandonaram o local, apropriando-se dos objetos.

18. Como consequência da conduta do arguido AA e dos demais indivíduos, JJ sofreu dores e incómodos nas zonas atingidas.

19. O arguido AA agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o objetivo de fazer seus os referidos bens, não se coibindo, para o efeito, de usar de ameaça e violência contra a integridade física da vítima, o que quis e conseguiu.

NUIPC 944/21.6...

52. No dia 27 de novembro de 2021, KK encontrava-se a exercer as suas funções de motorista de táxi na Avenida ..., junto ao Centro Comercial ... quando, cerca das 01h10, o arguido AA, acompanhado de um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, solicitou ao mesmo que os transportassem até à ..., na ....

53. Ao chegarem junto de um largo, já na ..., o indivíduo que acompanhava o arguido AA disse ao ofendido: “Dá cá o dinheiro todo, mas todo mesmo”.

54. Em simultâneo, o arguido AA, que se encontrava sentado no banco de trás, munido de uma faca de cozinha, desferiu pelo menos um golpe no braço direito do ofendido.

55. Após, KK entregou ao arguido e ao indivíduo que o acompanhava cerca de € 140,00 em numerário, bem como um telemóvel, de valor não concretamente apurado mas superior a € 102,00, bem como os óculos de leitura.

56. De seguida, o arguido e o indivíduo que o acompanhavam colocaram-se em fuga, fazendo seus os objetos que eram pertença de KK.

57. O arguido AA agiu da forma descrita, em união de esforços e mediante plano previamente combinado, com o objetivo concretizado de fazer seus os bens e valores supra referidos, que fez coisa sua e do indivíduo que o acompanhava, recorrendo, para tanto, a violência física e ao uso de um objeto de natureza cortante, bem sabendo que os bens não lhes pertenciam e que atuavam, ambos, contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que quis e conseguiu.

58. AA, com esta conduta, agiu em comunhão de esforços e intentos, de forma livre, voluntária e consciente.

59. Os arguidos, nestas situações ora descritas, atuaram bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, como crime.

60. No dia 2 de dezembro de 2021, cerca das 07h05, o arguido AA detinha, no interior da sua residência, sita na Rua ..., na ..., mais concretamente nas gavetas da cómoda do seu quarto, uma munição calibre 6.35 mm, 1 munição calibre 12 mm e uma munição de calibre 7.62mm.

61. Este arguido agiu com o propósito de deter as referidas munições, bem sabendo que não era titular de licença ou autorização para deter as munições e ainda assim quis e conseguiu detê-las.

62. O arguido AA agiu, também nesta situação, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que também esta sua conduta era proibida e punida por lei penal.”

4. Em 20.09.2024, para além das condenações sofridas nos processos supra indicados, constam ainda os seguintes averbamentos no CRC do arguido:

- Por sentença de 14.09.2021, transitada em julgado em 20.09.2021, proferida no Proc. 6058/19.1..., do Juízo de Família e Menores da ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi o mesmo sujeito a Acompanhamento Educativo, pelo período de um ano, pela prática de um crime de roubo p. e p., pelo art. 210º, nº 1, 22º e 23º do Código Penal, por factos praticados em 26.11.2019, extinta em 14.03.2024.

Do relatório social do arguido, consta, além do mais, o seguinte:

5. O processo de desenvolvimento de AA decorreu na ..., em meio residencial socialmente degradado, inserido no agregado familiar de origem, que incluía a irmã mais nova.

Os avós maternos e paternos mantinham uma relação próxima e apoiante, constituindo-se igualmente como figuras afectivas de referência para o arguido.

AA cresceu num ambiente emocionalmente instável, em que a mãe era vítima de violência doméstica por parte do pai, tendo sido exposto a modelos de violência que influenciaram negativamente o seu desenvolvimento.

Os pais do arguido separaram-se quando este tinha cerca de 10 anos, tendo ficado a residir com a mãe e a irmã, mantendo contactos regulares com o pai, residente nas imediações da habitação.

O arguido iniciou a escolaridade na idade normal, apresentando um percurso escolar irregular, com registos de reprovações decorrentes de elevado absentismo e registos disciplinares.

Desde então, passou a manter um modo de vida marcado essencialmente pela ociosidade, privilegiando o convívio com grupo de pares com idêntico comportamento, num contexto habitacional degradado no qual se evidenciam problemáticas sociais e criminais desestruturantes.

Com 15 anos de idade AA iniciou consumos de haxixe de forma pontual, circunscritos a momentos de convivialidade com os pares.

O sustento do agregado familiar foi assegurado maioritariamente pelos avós maternos, que, para além de serem familiares muito presentes, detinham situações profissionais estruturadas e estáveis.

A mãe do arguido trabalhava, pontualmente, em serviços de limpeza e o pai como operário da construção civil, contribuindo para as despesas dos descendentes.

No período que antecedeu a sua detenção, em dezembro de 2021, à ordem do processo n.º 523/21.8... do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., o arguido residia com a mãe e a irmã, no mesmo contexto sócio residencial, na ... contando com o apoio dos avós maternos e do progenitor.

À data frequentava um Curso CEF (Curso de Educação e Formação) de operador de vendas, com a duração de dois anos e que lhe daria equivalência ao 9.º ano de escolaridade; porém, o arguido apenas frequentou um ano, passando a privilegiar a convivialidade com o grupo de pares, não detendo qualquer ocupação estruturada.

Antes de ser preso para cumprimento da pena de prisão efectiva, foi sujeito prisão preventia em 03.12.2021, sucedendo-se, em fevereiro de 2022 a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica (OPHVE) à ordem do processo n.º 523/21.8...

O seu comportamento e atitude em meio prisional tem sido adequado, não havendo noticia da prática de infracções disciplinares.

Mostra-se abstinente de consumos de estupefacientes, e demonstra notória evolução da sua motivação e interesse em integrar actividades formativas e profissionais, encontrando-se a frequentar o curso de jardinagem; está inscrito no 7º ano de escolaridade.

2. O tribunal “a quo” fundamentou o direito aplicável, nos seguintes termos:

Prescreve o artigo 471.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (conjugado com o seu n.º 1 e o artigo 78.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal) que, para efeitos de julgamento e decisão da realização de cúmulo jurídico de penas numa situação de conhecimento superveniente de concurso de crimes, é competente o tribunal da última condenação.

Estabelece, o artigo 77.º, do Código Penal, sob a epígrafe “Regras da Punição do Concurso”, que:

“1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. (...)”

Resulta, por sua vez, o artigo 78.º, do Código Penal, sobre a epígrafe Conhecimento Superveniente do Concurso que:

“1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.”

In casu, resulta evidente que a última condenação foi proferida no presente processo, pelo que é neste que se deve proceder à realização de cúmulo jurídico das aludidas penas.

Quanto ao momento temporal decisivo para o conhecimento superveniente do concurso de penas, há a considerar “... que o crime de que haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que esta deveria tê-lo tomado em conta para efeito da pena conjunta, se dele tivesse tido conhecimento.” (Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 293).

Cotejado o registo criminal do arguido, e ponderando-se o disposto nas supra citadas normas, conclui-se que se verificam, em abstracto os pressupostos previstos para a realização de cúmulo jurídico das penas em que o arguido foi condenado, designadamente, em 06.07.2023, de 2 (dois) anos de prisão, no Proc. 712/21.5... suspensa na execução, ainda não cumprida; em 21.04.2023, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, 4 (quatro) anos de prisão, no Proc. 523/21.8...; e na decisão transitada em julgado nestes autos em 15.12.2023, em que foram aplicadas ao arguido 3 (três) penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução, a qual ainda não se encontra cumprida.

Conforme vem sendo entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, a pena de prisão suspensa na sua execução cuja extinção ocorra nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, não é considerada no concurso, sendo-o, no entanto, as penas de prisão suspensas na execução desde que não tenham sido declaradas extintas pelo decurso do prazo de suspensão.

Constata-se, no caso de que nos ocupamos, que nenhuma das penas suspensas aplicadas foi declarada extinta nos termos do nº 1 do art. 57º do CP em 02.11.2014, pelo que deverão todas as referidas ser englobadas no cúmulo jurídico de penas.

Nestes termos, ao abrigo do disposto no artº 78º, nºs 1 e 2, do Código Penal, deverá ser aplicada uma pena única que abranja as três condenações sofridas por AA no presente processo, no Proc. 712/21.5... e no Proc. 523/21.8..., porquanto os factos pelos quais foi nos mesmos condenado ocorreram antes que quaisquer deles fossem julgados, pelo que, aquando da prolação da decisão proferida naquele processo, teria sido ainda possível avaliar conjuntamente a responsabilidade criminal adveniente dos factos que constituem o objecto destes autos, por forma a que ao arguido tivesse sido aplicada, nessa altura, uma única pena pelos factos perpetrados nos três processos. Assim não o tendo sido, resulta inequívoco que nos encontramos perante uma situação de conhecimento superveniente de concurso de crimes.

No caso concreto, as penas a considerar são de prisão devendo a pena única resultar da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores, ser feita nos termos previstos no nº 2 do artigo 77º do Código Penal.

Impõe-se agora encetar pela determinação concreta da medida da pena conjunta do concurso, aplicável dentro dos limites da referida moldura penal abstracta máxima e mínima.

De acordo com o disposto no artº 77º, nº 2, do Código Penal, a moldura penal do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (no caso, 18 anos e 3 meses) e como limite mínimo a mais elevada das penas em concurso (no caso, 4 anos e 3 meses de prisão).

Conforme atrás se referiu, nos termos do artº 77º, nº 1, do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena unitária deverá ter em consideração, de forma conjugada, os factos praticados num e noutros processos e a personalidade do agente.

Resulta do artº 40º, nº 1, do Código Penal, que as penas são aplicadas, por um lado, para reafirmar na comunidade jurídica a manutenção da validade do comando normativo violado (no caso, em ambos os processos, estão em causa crimes contra o património e contra a confiança no comércio jurídico), com vista a prevenir, ao nível societário, a prática de novos crimes, deste ou outro tipo (prevenção geral positiva ou de integração); por outro lado, para reintegrar o agente na sociedade, afastando-o, por essa via, da prática de outros delitos (prevenção especial positiva ou de ressocialização).

No caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral, porquanto os crimes praticados, caracterizados por elevada intensidade de vontade criminosa, premeditação e violência, caracterizados por um elevado grau de ilicitude, dados os bens jurídicos atingidos com a respectiva prática e a gravidade das consequências associados aos mesmos, traduzidas nos avultados prejuízos para os ofendidos.

E se assim é, o mesmo se poderá dizer no que respeita às exigências ao nível da prevenção especial, porquanto o arguido, além dos processos de cujas penas se procede a cúmulo, foi também sujeito de processo tutelar educativo com medida aplicada em 2021, por factos de idêntica natureza, praticados em 2019, denotando uma personalidade avessa à vivência de acordo com as regras da sociedade e ao direito, verificando-se que a pratica de tais ilícitos ocorreram num contexto de habitualidade desvalorizada pelo arguido.

A seu favor a circunstância de os factos em causa terem ocorrido num período concentrado de tempo, o período de reclusão já cumprido, o comportamento investido que mantém em reclusão, denotando o arguido uma atitude reflexiva e capacidade de adequação comportamental.

A culpa constitui o fundamento ético e jurídico da aplicação da pena e representa o seu máximo inultrapassável (cfr. artº 40º, nº 2, do Código Penal).

O patamar mínimo da prisão corresponde ao nível abaixo do qual a comunidade jurídica não sente suficiente e eficazmente protegido o bem jurídico que foi violado com a prática do crime (prevenção geral positiva).

O nível máximo é fornecido pelo grau de culpa, já que esta, constituindo o fundamento ético e jurídico da aplicação das penas, representa também o seu máximo inultrapassável (artº 40º, nº 2).

Finalmente, a medida concreta da pena deve ser encontrada atendendo sobretudo às exigências de prevenção especial que o caso reclame.

Na tarefa de determinação da medida concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do arguido e contra ele, nos termos do artº 71º, nº 2, do Código Penal.

No caso concreto, importa atender às seguintes circunstâncias, relativas quer aos factos praticados, quer à personalidade do arguido:

- Os crimes ora em apreço foram praticados entre 2021 e novembro de 2022;

- Os crimes em causa são nos vários processos, de roubo;

- O arguido encontra-se integrado familiar da progenitora, mantendo um relacionamento equilibrado, afectivo e de mútua colaboração;

- O arguido revela investimento nas suas competências académicas e interesse em manter-se laboralmente activo, com boa assiduidade e empenho.

Como salienta FIGUEIREDO DIAS, “Tudo deve passar-se [...] como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta” (As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, § 421).

Tudo visto e ponderado, considera-se necessária, suficiente e adequada, por proporcional, a aplicação de uma pena única, resultante de cúmulo jurídico, de 8 (oito) anos de prisão.

3. Alega o recorrente, em sede de recurso, o seguinte:

1º O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos.

ENQUADRAMENTO PRÉVIO:

- A -

2º O recorrente vinha imputando pela prática, em autoria material singular e concurso efetivo, de uma pena única que abranja as três condenações sofridas por AA no presente processo, no Proc. 712/21.5... e no Proc. 523/21.8..., tudo visto e ponderado, considera-se necessária, suficiente e adequada, por proporcional, a aplicação de uma pena única, resultante de cúmulo jurídico, de 8 (oito) anos de prisão

- B –

- ALEGAÇÕES –

3º Nos termos da sentença, ora objeto de recurso, o recorrente foi condenado como pelos “Juízes que constituem este Tribunal Coletivo acordam em proceder ao cúmulo jurídico das penas em que o arguido AA foi condenado nestes autos e no âmbito dos Procs. 523/21.8... e Proc. 712/21.5..., na pena única de 8 (oito) anos de prisão. Encontrando-se o arguido em cumprimento da pena aplicada no Proc. 523/21.8... haverá lugar à correspondente operação de desconto a levar a cabo, para efeitos do artº 80º, do Código Penal, após ligação do arguido à ordem dos presentes autos.

4º Na verdade, o arguido já foi condenado pela prática do mesmo crime de roubo. Não obstante;

a) O arguido confessou os factos descritos na acusação de forma integral e sem reservas,

b) Mostra-se atualmente convictamente arrependido,

c) Tal condução foi executada num pequeno espaço temporal e numa distância curta, ainda quando menor de idade

6 Salvo o devido respeito, os ditames do disposto no artº 40ºe artº 71º, ambos do Código Penal, impunham a aplicação ao recorrente de uma pena menos severa e mais equilibrada.

7 A aplicação de uma pena, essencialmente, visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

8 Tais finalidades resultam dos artºs 1º, 13º, nº 1, 18º, nº 2, e 25º nº 1, da Constituição da República Portuguesa, em consonância com o artº 40º do Código Penal.

9 Reportando-nos ao artº 71º do C.P. “ Se ao crime forem aplicadas, em alternativa pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência às não privativas da liberdade sempre que por esta, se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Resultando:

10 De tais normativos, que, a fixação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em vista a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente;

e,

11º No seu nº 2 do artº 71º do C.P. manda atender às circunstâncias que não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente.

Ora, 12º

As circunstâncias socio – familiares não foram valorizadas, sendo que, competia ao tribunal “a quo” conciliar as finalidades de prevenção geral com as condições económico-social e familiar do arguido, que tem

13º Milita a favor do arguido a confissão integral e sem reservas, o seu atual arrependimento, a sua inserção no meio social e laboral, a humilde condição económica, que, deve ser devidamente considerado na medida da pena aplicável.

14º Depõe contra o arguido o seu comportamento ilícito anterior considerado pelo elenco de condenações.

15º Mantendo-se a opção pela pena de prisão, deve esta ser reduzida atendendo à sua responsabilidade familiar.

16º Pelo que, será adequada e suficiente, salvo melhor opinião, uma pena de prisão inferior a cinco anos suspensa na sua execução.

- C –

- CONCLUSÕES –

17º Veio o arguido condenado em primeira instância como autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de: um (SIC)

18º O cúmulo jurídico de penas aplicadas mediante acórdãos transitados em julgado é realizado à luz de uma ponderação global dos factos e da personalidade do arguido.

19º Este comando resulta claramente do disposto no n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, aplicável por força do n.º 1 do seu artigo 78.º.

20º A transcrição dos elementos pessoais do arguido constantes das decisões condenatórias e do relatório social intencionalmente elaborado para decidir o cúmulo é manifestamente insuficiente para cumprir a regra enunciada na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do CP.

21º Essa insuficiência resulta da ausência de uma ponderação realizada à luz da personalidade do agente – quer já revelada nos processos anteriores, quer no relatório social e na audiência – na determinação da necessidade e da medida da pena unitária

22º A omissão desta avaliação inquina o acórdão recorrido com a ilegalidade resultante de não cumprir o comando do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal

23º Com o mesmo fundamento, tal como dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, o acórdão recorrido é nulo porque não se pronunciou sobre questão que deveria ter apreciado.

24º O tribunal deve atender às penas unitárias em que o arguido foi condenado em cada processo, e às penas parcelares aplicadas aos diversos crimes julgados em cada processo, quando vai fixar os limites máximo e mínimo da pena unitária a determina no cúmulo.

25º O dever de atender somente às penas efetivamente aplicadas resulta da limitação que o princípio ne bis in idem introduz na processual.

26º O cúmulo jurídico das penas aplicadas em diversos processos corresponde à efetivação de um direito do arguido e não ao exercício do poder punitivo do Estado.

27º O juízo de censura formulado em cada processo é encerrado com o trânsito em julgado da decisão condenatória do arguido no cumprimento de uma pena de prisão.

28º Destarte, atender às penas parcelares aplicadas em cada processo significa abrir a produção do juízo de censura de que o arguido foi alvo nesse processo.

29º Por isso, quando o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal remete para o n.º 2 do artigo 77.º, quer referir-se às penas unitárias em que o arguido foi condenado em cada processo e não às penas parcelares aplicadas a cada crime julgado no mesmo processo.

30º Se não for assim, o arguido estará a ser julgado novamente pela prática do mesmo crime uma vez que a censura que lhe foi imposta é desfeita e repetida.

31º A interpretação contrária, de que o tribunal deve atender às penas parcelares quando realiza o cúmulo jurídico das penas aplicadas em vários processos, é inconstitucional por violação do n.º 5 do artigo 29.º da Constituição.

32º Tendo sido este o procedimento seguido pelo tribunal a quo, o acórdão resulta ilegal por não cumprir a interpretação que o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal impõe na leitura do n.º 2 do artigo 77.º.

33º O tribunal a quo acabou por adotar um critério puramente matemático na determinação da medida da pena unitária, considerado uma percentagem superior em nosso entendimento que devia razoável na diferença entre o limite mínimo e o limite máximo da moldura abstrata da pena unitária a fixar em cúmulo jurídico.

34º Sendo este o critério, mas atendendo a que os limites da moldura abstrata da pena unitária terão por referência as penas unitárias efetivamente aplicadas em cada um dos processos, portanto, a pena a aplicar em cúmulo deveria ser e de acordo com as regras da prevenção geral em nosso entendimento inferior ao teto máximo que obriga a um cumprimento de pena de prisão.

35º De todo o exposto resulta que a decisão apresenta uma fundamentação manifestamente insuficiente quanto à pena aplicada.

36 A contraposição do cúmulo material das penas aplicadas nos três processos com a pena aplicada nestes autos (8 anos de prisão) evidencia uma notória desproporcionalidade desta.

37 A desproporcionalidade que se verifica, como resultado do afastamento das disposições contidas nos artigos 18.º, n.os 1 e 2 e 27.º, n.os 1 e 2 da Constituição, constitui expressão da desconsideração flagrante dos aspectos subjectivos que devem ser ponderados na fixação da pena unitária e encontra expressão particularmente ilustrativa na proximidade da sua medida com a do cúmulo material das três penas aplicadas ao Recorrente.

Nestes termos e nos demais de direito aplicável, deve ser revogado o acórdão proferido nestes autos em 04 de outubro e, em cúmulo jurídico, fixar-se ao Recorrente uma pena única com duração não superior a 5 anos de prisão.

4. Apreciando.

Caberá referir, em primeiro lugar, que a remessa destes autos para este STJ, ordenada pela Mª Juíza-Desembargadora, se mostra correcta, atenta a pena única imposta - 8 (oito) anos de prisão – sendo que no mesmo se visa apenas o reexame de matéria de direito, pelo que o recurso interposto cabe nas competências deste Supremo Tribunal de Justiça – artº 432º, nº 1, al. c) do Cód. Proc. Penal.

5. Esclarecido este ponto, vejamos então o teor do requerimento de recurso apresentado, uma vez que o mesmo, manifestamente, padece de deficiências que, em grande medida, comprometem a possibilidade do seu conhecimento.

6. Determina o artº 412.º nº1 do C.P.Penal que um requerimento de recurso é composto por duas partes, com requisitos e finalidades que, embora sejam complementares, se mostram, na essência, diversas e cujo cumprimento a lei exige, de modo a habilitar o julgador a apreciar as críticas efectivamente dirigidas ao decidido.

Designadamente, determina a lei que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Do dito decorre que é em sede de motivação que o recorrente deve expor, de modo completo e compreensível, as razões, os fundamentos, os raciocínios lógicos e os normativos, em que baseia o seu desacordo, no que toca à decisão que critica.

Terminada a exposição, em sede de motivação, cabe-lhe então proceder a um resumo da razões que nas mesmas verteu.

7. No caso, basta proceder à leitura do requerimento de recurso apresentado, para se constatar que tais requisitos legais se mostram, em grande medida, incumpridos.

De facto, em sede de motivação, o recorrente alega que a sua discordância no que toca ao decidido, se resume à medida concreta da pena única fixada por, em seu entender, a considerar excessiva, apontando os factores indevidamente sopesados, razões pelas quais pretende a sua redução e suspensão.

Não obstante, ao invés de, em sede conclusiva, se limitar a resumir esta sua pretensão, opta por aí fazer constar uma série de questões que não abordou na sede própria – motivação - a saber:

A nulidade do acórdão recorrido, nos termos do artº 379 nº1 al. c) do C.P.Penal, por omissão de pronúncia e insuficiente fundamentação;

Violação do princípio ne bis in idem;

A inconstitucionalidade da interpretação de que o tribunal deve atender às penas parcelares quando realiza o cúmulo jurídico das penas aplicadas em vários processos, por violação do nº 5 do artigo 29 da C.R.P.

8. Como é bom de ver e jurisprudência pacífica, os fundamentos críticos do recurso devem ser expostos em sede de motivação, servindo as conclusões apenas como um resumo das mesmas.

Essa é aliás a razão pela qual o legislador estipulou, no artº 417 nºs 3 e 4, do C.P.Penal, que se mostra possível, em certas condições, proferir despacho de aperfeiçoamento, mas tão somente limitado às conclusões, designadamente se das mesmas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º ou se a motivação do recurso não contiver as conclusões

Mas deixou igualmente expresso que tal aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.

9. Daqui decorre que é o que consta na motivação que fixa o âmbito do recurso e assim sendo, no caso concreto constata-se que, lida a mesma, a única questão aí aflorada se prende com a dosimetria da pena única, razão pela qual não pode este tribunal apreciar nenhuma das restantes questões suscitadas.

10. Ainda que assim se não entendesse, sempre se diria, de modo forçosamente sintético, que os vícios a que o recorrente alude (que até são de conhecimento oficioso, caso ocorram) manifestamente aqui se não verificam.

Na verdade, pese embora o recorrente invoque a sua existência, a verdade é que os funda não naquilo que efectivamente os define, em termos legais - o vício de omissão de pronúncia traduz-se numa ausência, numa lacuna, quer quanto a factos, quer quanto a consequências jurídicas; isto é, verificar-se-á quando se constatar que o tribunal não procedeu ao apuramento de factos, com relevo para a decisão da causa que, de forma evidente, poderia ter apurado e/ou não investigou, na totalidade, a matéria de facto, podendo fazê-lo; ou se absteve de ponderar e decidir uma questão que lhe foi suscitada ou cujo conhecimento oficioso a lei determina; assim, para que se verifique a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, é necessário que o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões pertinentes para o objecto do processo, tal como delimitado pela acusação/pronúncia e pela contestação (bem como, em existindo, pelos articulados relativos ao pedido de indemnização civil; no que toca ao vício de insuficiente fundamentação, por violação do disposto no artº 374 nº2 e 379 nº1 al. a), ambos do C.P.Penal, este ocorrerá quando, com base no texto decisório, não sejam perceptíveis as razões de facto e de direito que levaram o tribunal a decidir como decidiu - mas na sua pessoal discordância quanto ao decidido.

11. Lido o acórdão alvo de recurso, é manifesto não assistir razão ao recorrente, no que concerne aos vícios que a este título lhe imputa, já que do mesmo constam todos os elementos necessários para que se possa proceder à análise das circunstâncias do caso, sendo igualmente perfeitamente compreensível o raciocínio lógico e os fundamentos que levaram o julgador a decidir como decidiu. E tanto assim é, que o próprio recorrente bem demonstra, ao longo do seu recurso, ter compreendido os fundamentos e as razões que levaram à determinação da pena única. Sucede apenas que com os mesmos não concorda, mas essa posição não enquadra qualquer vício, mas antes discórdia ao nível da eventual existência de erro de direito, que também invoca e que infra abordaremos.

12. No que respeita à imputada violação do princípio ne bis in idem e à interpretação putativamente desconforme à Constituição que igualmente invoca, temos manifesta dificuldade, atento o teor do que se mostra escrito, em compreender a sua linha de raciocínio, sustentador de tais afirmações.

A tal título, resta-nos apenas afirmar que parece entender o recorrente que, em sede de elaboração de cúmulo jurídico, cabe ao tribunal atender à pena única imposta em cada processo (alcançada após condenação em penas parcelares, por ser condenado, no âmbito dos mesmos autos, por força da conexão, pela prática de vários crimes) e não a cada uma das penas parcelares determinadas pelo cometimento de cada um dos crimes.

13. Salvo o devido respeito, não se vislumbra onde assenta tal tese. Seguramente que não na lei, já que a remissão do artº 78 para o disposto no nº2 do artº 77 do C.Penal determina que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (..); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Ora, as penas em concreto aplicadas aos vários crimes são cada uma das penas parcelares, que foram autonomamente encontradas, em resposta punitiva a cada um dos ilícitos pelos quais o arguido foi condenado, sendo rigorosamente indiferente se tal sucedeu num único processo (por força das regras da conexão processual, consignadas no artºs 24 a 31 do C.P.Penal) ou em vários autos.

Quando se realiza um cúmulo jurídico, a primeira e obrigatória operação legal é a de desfazer qualquer anterior cúmulo jurídico, revertendo as penas únicas à sua autonomia. É depois com base nestas que se calcula a nova moldura penal a atender, para efeitos de nova condenação numa pena única, agora englobando uma condenação não atendida em eventuais cúmulos anteriores.

É isto o que diz a lei e, nesta matéria, é pacífica a interpretação realizada quer por jurisprudência, quer por doutrina (vide, por todos, O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ, António Artur Rodrigues da Costa, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, consultável em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2022/09/rodrigues_costa_cumulo_juridico.pdf:

2.1. Pena aplicável:

Nos termos do art. 77.º, n.º 2 do CP, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas.

A moldura do concurso de crimes, ou seja, a pena aplicável em abstracto, é, assim, formada a partir das penas singulares concretamente aplicadas aos vários crimes.

Por conseguinte, o sistema não prescinde da determinação concreta das penas aplicáveis aos vários crimes, as quais serão norteadas pelos critérios da culpa e da prevenção (geral e especial), segundo os vários factores que vêm enumerados, de forma exemplificativa, no n.º 2 do art. 71.º do CP.).

14. Por seu turno, como expressamente estabelece o artº 77 nº1 do C.P.Penal, na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Ora, lido o texto do acórdão, mostram-se cumpridos tais preceitos legais, pelo que se não vislumbra a violação de qualquer princípio penal, nem nenhuma interpretação materialmente inconstitucional.

B. Alteração da moldura penal resultante do concurso, redução e suspensão da pena imposta.

1. A este respeito, o recorrente assenta a sua discórdia quanto ao decidido, essencialmente em três fundamentos:

O arguido confessou os factos descritos na acusação de forma integral e sem reservas,

Mostra-se atualmente convictamente arrependido,

Tal condução foi executada num pequeno espaço temporal e numa distância curta, ainda quando menor de idade.

2. Apreciando.

Cabe começar por realçar que, a respeito da determinação da pena (seja esta a pena parcelar ou única), rege o princípio da pessoalidade. Tal princípio impõe que a pena seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social específica da pessoa visada, bem como a apreciação crítica de todo o seu circunstancialismo actuativo. Assim, a pessoalidade e individualização da pena são uma consequência do princípio da culpa e valem para qualquer sanção penal.

Como afirma o Prof. Cavaleiro de Ferreira (in Direito Penal Português, II, Lisboa, 1982, pgs. 309 e 310), procurando conciliar a natureza repressiva da pena e a sua justiça, com a reintegração social do agente do crime, a pena não constitui intrinsecamente um mal. Enquanto restringe a esfera jurídica dos condenados, é castigo e como tal deve ser sentida. O castigo, porém, na sua essência, está na reprovação do crime pela condenação.

A pena, na sua aplicação e execução, deve ao invés apontar para a redenção da culpa (repressão), através da readaptação social. A pena não será, portanto, um mal ou sofrimento equivalente ao mal cometido ou sofrimento causado; mas o meio adequado a suscitar a restituição à sociedade pelo delinquente do bem equivalente ao mal cometido, presuntivamente correspondente à extinção da culpa, a qual reage à pena.

Importa, para além dos fins de repressão e de reintegração, atender ainda às exigências de prevenção geral e especial, que regem igualmente os fins das penas.

Na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa – e para incentivar a convicção na sociedade, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas, – prevenção geral positiva. Na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade.

3. Na determinação da pena única haverá que atender-se ao conjunto dos factos dados como provados, pois estes fornecem o quadro que permite avaliar a gravidade do ilícito global cometido, mostrando-se especialmente valiosa para a sua apreciação a verificação de qual o tipo de conexão que ocorre entre os factos concorrentes.

No que se refere à avaliação da personalidade do agente esta deve debruçar-se sobre se, face ao conjunto dos factos praticados, estaremos perante uma tendência criminosa ou tão-só, perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Esta distinção tem revelo porque, no primeiro caso, terá de se considerar que o cometimento de uma pluralidade de crimes constitui uma agravante em sede da moldura penal conjunta.

Como refere Souto Moura (A jurisprudência do STJ sobre Fundamentação e Critérios de Escolha e Medida da Pena, comunicação proferida em acção de formação do CEJ que teve lugar na Faculdade de Direito do Porto em 4 de Março de 2011, acessível em www.stj.pt/ficheiros/estudos), a propósito da pena conjunta aplicável ao concurso de crimes, ponderar em conjunto os factos é atender, fundamentalmente, à ilicitude global de toda a conduta do agente em análise (….) A conexão entre os factos, e a abordagem destes, independentemente de quem os praticou, releva sobretudo para efeitos de prevenção geral. A gravidade dos vários crimes cometidos, a frequência com que eles ocorrem na comunidade e o próprio impacto que têm nessa comunidade, terão, pois, que ser tidos em conta.

4. Acresce que, consubstanciando-se o instituto do recurso num remédio jurídico, no sentido de permitir a colmatação de eventuais erros de apreciação, imputáveis aos tribunais hierarquicamente inferiores, daqui decorre que a alteração das penas que se mostram já definidas só deverá ocorrer se, de facto, um erro assinalável, a reclamar reparação, se venha a constatar existir.

5. Posto este intróito, cumpre apreciar.

Concretizando, entendeu o tribunal “a quo”, em sede de apreciação dos factos que deu como assentes, que:

No caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral, porquanto os crimes praticados, caracterizados por elevada intensidade de vontade criminosa, premeditação e violência, caracterizados por um elevado grau de ilicitude, dados os bens jurídicos atingidos com a respectiva prática e a gravidade das consequências associados aos mesmos, traduzidas nos avultados prejuízos para os ofendidos.

E se assim é, o mesmo se poderá dizer no que respeita às exigências ao nível da prevenção especial, porquanto o arguido, além dos processos de cujas penas se procede a cúmulo, foi também sujeito de processo tutelar educativo com medida aplicada em 2021, por factos de idêntica natureza, praticados em 2019, denotando uma personalidade avessa à vivência de acordo com as regras da sociedade e ao direito, verificando-se que a pratica de tais ilícitos ocorreram num contexto de habitualidade desvalorizada pelo arguido.

A seu favor a circunstância de os factos em causa terem ocorrido num período concentrado de tempo, o período de reclusão já cumprido, o comportamento investido que mantém em reclusão, denotando o arguido uma atitude reflexiva e capacidade de adequação comportamental.

Por seu turno, mais adiante, deixou ainda expresso o seguinte:

No caso concreto, importa atender às seguintes circunstâncias, relativas quer aos factos praticados, quer à personalidade do arguido:

- Os crimes ora em apreço foram praticados entre 2021 e Novembro de 2022;

- Os crimes em causa são nos vários processos, de roubo;

- O arguido encontra-se integrado familiar da progenitora, mantendo um relacionamento equilibrado, afectivo e de mútua colaboração;

- O arguido revela investimento nas suas competências académicas e interesse em manter-se laboralmente activo, com boa assiduidade e empenho.

6. O que se deixa transcrito, no que toca à generalidade dos factos atendidos e que devem ser ponderados, mostra-se essencialmente correcto, pese embora, manifestamente se tenha de entender que o tribunal “a quo”, em sede cumulatória, não ponderou uma circunstância de carácter atenuante que, no caso, comprovadamente se verifica e que, em nosso entender, tem forte relevo para a apreciação global dos factos e da personalidade do arguido.

Estamos a referir-nos, em concreto, à idade do arguido, à data da prática de todos os factos em apreciação nestes autos que, como decorre, desde logo, da sua identificação no intróito do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, era de 16 anos de idade, uma vez que nasceu em ... de ... de 2005.

Efectivamente, embora em sede de algumas das suas condenações englobadas no presente cúmulo jurídico, o arguido tenha usufruído do Regime Especial para Jovens Delinquentes, a apreciação que é feita, para efeitos de decisão de aplicação ou não desse Regime Especial, é realizada na vertente da apreciação das potenciais vantagens dessa atenuação, para efeitos de reinserção social do jovem condenado, como determina o artº 4º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.

Em sede de cúmulo jurídico, determina a lei que terá de haver lugar a uma apreciação global dos factos e da personalidade do arguido.

Assim, as características de imaturidade aliadas ao facto de ter, à data da prática dos factos, 16 anos de idade, podem e devem ser consideradas, já que o são num parâmetro diverso do vertido no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, que está vocacionado, como se disse, apenas para a apreciação das vantagens dessa atenuação, para efeitos de reinserção social do jovem condenado.

Não é essa a vertente em sede de cúmulo jurídico e, por isso, entende-se que não se verifica aqui a proibição da dupla valoração da mesma circunstância.

O que ocorre é que há um mesmo facto – a idade do arguido - que é ponderado em vertentes jurídicas diversas.

7. Passemos então à apreciação global da sua actuação, que deverá ser realizada, como refere Figueiredo Dias (Direito Penal 2 - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 1988, página 378): Tudo deve passar-se ( ... ) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência ( ... ) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

8. Face aos factos provados, temos que o arguido, no período temporal de cerca de um mês e meio, cometeu 7 crimes de roubo e um crime de detenção de arma proibida.

Desses 7 crimes, três foram praticados no dia 16.10.2021; 1 em 6.11.2021 e 3 em 6.11.2021/8 e 27.11.2021.

Em todos esses episódios de vida, o arguido actuou juntamente com outros agentes, alguns identificados, outros não, em grupo constituído por 3 a 7 elementos, consoante os dias e as circunstâncias.

Os 3 primeiros crimes de roubo foram todos cometidos sequencialmente, na madrugada do dia 16.10., num local específico – a Rua do ..., em ... - e tiveram como vítimas pessoas que se encontravam a passar por esse local, que foram então, à força e com intimidação, desapossadas dos bens que consigo traziam.

Os restantes 4 crimes de roubo (2 cometidos no dia 6 de Novembro e os restantes nos dias 8 e 27 desse mesmo mês), foram igualmente cometidos por um grupo de atacantes, também de madrugada e tiveram como vítimas taxistas, a quem foi pedido que os transportassem até à ... e, uma vez aí chegados, também eles à força e com intimidação, foram desapossados dos bens que consigo traziam.

Os valores e bens alvo de apropriação, foram os seguintes:

- um telemóvel de marca Samsung, uma carteira e um fio em ouro;

- um cartão multibanco e um telemóvel Iphone, modelo 8, no valor de € 600, tendo tal telemóvel vindo a ser restituído à vítima, pois foi recuperado, na mesma noite, por intervenção dos agentes de autoridade, que o encontraram em poder do arguido.

- um telemóvel de marca Samsung, no valor de € 400 e cerca de € 60 em numerário;

- quantia não inferior a € 200,00, em numerário, um porta moedas em couro, um cartão multibanco e um telemóvel de valor não concretamente apurado;

- um telemóvel no valor de € 300, bem como quantia em numerário não inferior a € 240,00, chaves, carteira profissional, um cartão multibanco e um cartão de cidadão;

- € 140,00 em numerário, bem como um telemóvel, de valor não concretamente apurado mas superior a € 102,00 e óculos de leitura.

9. O arguido actuou sempre com dolo directo, com elevada intensidade de vontade criminosa, premeditação e violência, caracterizados por um elevado grau de ilicitude, como afirma o tribunal “a quo”.

10. No que se refere à sua situação pessoal, temos que durante o acima mencionado período temporal, o arguido encontrava-se numa fase em que havia iniciado, no ano anterior, ao perfazer 15 anos de idade, o consumo de substâncias estupefacientes.

O seu processo de desenvolvimento decorreu na ..., em meio residencial socialmente degradado, inserido no agregado familiar de origem, que incluía a irmã mais nova.

Os avós maternos e paternos mantinham uma relação próxima e apoiante, constituindo-se igualmente como figuras afectivas de referência para o arguido. Este cresceu num ambiente emocionalmente instável, em que a mãe era vítima de violência doméstica por parte do pai, tendo sido exposto a modelos de violência que influenciaram negativamente o seu desenvolvimento.

Os pais do arguido separaram-se quando este tinha cerca de 10 anos, tendo ficado a residir com a mãe e a irmã, mantendo contactos regulares com o pai, residente nas imediações da habitação.

O arguido iniciou a escolaridade na idade normal, apresentando um percurso escolar irregular, com registos de reprovações decorrentes de elevado absentismo e registos disciplinares.

Desde então, passou a manter um modo de vida marcado essencialmente pela ociosidade, privilegiando o convívio com grupo de pares com idêntico comportamento, num contexto habitacional degradado no qual se evidenciam problemáticas sociais e criminais desestruturantes.

Com 15 anos de idade AA iniciou consumos de haxixe de forma pontual, circunscritos a momentos de convivialidade com os pares.

O sustento do agregado familiar foi assegurado maioritariamente pelos avós maternos, que, para além de serem familiares muito presentes, detinham situações profissionais estruturadas e estáveis.

A mãe do arguido trabalhava, pontualmente, em serviços de limpeza e o pai como operário da construção civil, contribuindo para as despesas dos descendentes.

No período que antecedeu a sua detenção, em Dezembro de 2021, à ordem do processo n.º 523/21.8... do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., o arguido residia com a mãe e a irmã, no mesmo contexto sócio residencial, na ... contando com o apoio dos avós maternos e do progenitor.

À data frequentava um Curso CEF (Curso de Educação e Formação) de operador de vendas, com a duração de dois anos e que lhe daria equivalência ao 9.º ano de escolaridade; porém, o arguido apenas frequentou um ano, passando a privilegiar a convivialidade com o grupo de pares, não detendo qualquer ocupação estruturada.

Antes de ser preso para cumprimento da pena de prisão efectiva, foi sujeito a prisão preventiva, em 03.12.2021, sucedendo-se, em Fevereiro de 2022 a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica (OPHVE) à ordem do processo n.º 523/21.8...

O seu comportamento e atitude em meio prisional têm sido adequados, não havendo notícia da prática de infracções disciplinares.

Mostra-se abstinente de consumos de estupefacientes, e demonstra notória evolução da sua motivação e interesse em integrar actividades formativas e profissionais, encontrando-se a frequentar o curso de jardinagem; está inscrito no 7º ano de escolaridade.

11. O que decorre da análise destas circunstâncias, todas elas de obrigatória ponderação, face ao disposto no nº1 do artº 77 do C. Penal (na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente), é que o arguido actuou, dentro do período temporal mencionado, no contexto de uma situação pessoal instável, em que as figuras parentais se encontravam envolvidas em graves problemas relacionais, não demonstrando capacidade de orientação e ajuda no desenvolvimento pessoal normativo do arguido, sendo certo que, de igual modo, pese embora a estruturação das suas vidas e o afecto que dirigem ao recorrente, também os seus avós parecem ter sido incapazes de o orientar nesse desenvolvimento.

O arguido tinha, à data, 16 anos de idade, estando assim em plena fase de crescimento e de amadurecimento, período de vida em que as características próprias do agente se não mostram ainda perfeitamente definidas e em que o apoio externo, na formação de uma identidade conforme ao direito, se revela ainda muito necessária, à estruturação interna do futuro adulto pleno.

Esta circunstância e este contexto não foram, salvo o devido respeito, devidamente sopesados na apreciação realizada pelo tribunal “a quo”, em sede de cúmulo jurídico, especialmente se tivermos em atenção que resulta igualmente demonstrado que, desde a sua reclusão, o arguido tem mantido adequado comportamento em meio prisional, tem-se mantido abstinente de consumos de estupefacientes, e demonstra notória evolução da sua motivação e interesse em integrar actividades formativas e profissionais, encontrando-se a frequentar o curso de jardinagem; está inscrito no 7º ano de escolaridade.

Afigura-se assim que, perante um ambiente em que há regras a cumprir e existe uma estrutura estabelecida, o arguido tem vindo a beneficiar desse quadro; isto é, a organização em que actualmente se insere, parece ter ajudado o recorrente a desenvolver-se, revelando maior maturidade.

12. O que esta factualidade demonstra, por um lado, é que estamos perante uma mera pluriocasionalidade e já não face a uma tendência criminosa, por parte do arguido e, por outro, que a reclusão tem servido como elemento estruturante externo para o recorrente, que parece agora querer iniciar um percurso de crescimento focado na obtenção de mais valias profissionais, que o possam vir a permitir tornar-se um membro válido da sociedade em que, mais tarde ou mais cedo, se voltará a integrar.

13. Não obstante este quadro factual conjugado, de imaturidade à data da prática dos factos, por virtude da sua idade (recém-entrado na imputabilidade criminal) e aparente vontade de mudança de trajecto de vida, a verdade é que a sua culpa se mostra elevada, o número de crimes praticado, em tão curto espaço de tempo, assinalável, a ilicitude situa-se, atenta a tipologia dos crimes praticados, na média e as exigências de prevenção geral são muito elevadas, dado o alarme social que os crimes de roubo geram nos cidadãos cumpridores. De igual modo, também a prevenção especial se mostra exigente, atento o percurso de vida do arguido, a sua idade e a manifesta incapacidade de se auto-regular, sem uma estrutura externa que o condicione.

14. Aqui chegados, cabe abordar uma outra questão, a que o acórdão recorrido não faz expressa menção e que se reporta à questão relativa à condenação do arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida.

Esse ilícito foi praticado no dia 2 de Dezembro de 2021 (vide ponto 60 dos factos provados) e, à data, o arguido tinha 16 anos de idade.

Pese embora os crimes de roubo não beneficiem do perdão estabelecido na Lei nº 38-A/23, de 2 de Agosto, dada a expressa exclusão constante no seu artº 7º, nº1, al.b), i) - Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal, o mesmo não sucede no que concerne ao crime de detenção de arma proibida, que o arguido igualmente cometeu e pelo qual foi condenado, que se mostra abrangido pelo perdão de penas da Lei nº 38-A/23, de 2 de Agosto, sendo certo que, a esse respeito, o limite máximo do perdão aplicável é de um ano (artº 3º nº1 da referida Lei).

15. As penas parcelares pelas quais o arguido foi condenado, no âmbito do dito proc. nº 523/21, foram então englobadas, correctamente, numa pena única, em momento anterior à entrada em vigor da Lei nº 38-A/23, de 2 de Agosto, em cumprimento do disposto no artº 77 do C. Penal.

Posteriormente, por despacho proferido em 18.03.2024 foram perdoados quatro meses à pena de prisão única, sob condição resolutiva de não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor desta Lei n.º 38-A/20023, de 2 de Agosto.

16. Nos presentes autos, em sede de reformulação de novo cúmulo jurídico, abrangendo agora um novo leque de condenações, o tribunal “a quo” entendeu que, no que concerne às determinadas no processo nº 523/21, deveria apenas atender, para efeitos deste novo cúmulo jurídico, às penas impostas relativas aos 3 crimes de roubo (em 21.04.2023, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, 4 (quatro) anos de prisão, no Proc. 523/21.8...), excluindo, portanto, a condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, presumimos que por ter considerado que se mostrava já integralmente perdoada.

17. Sucede, todavia, que havendo lugar a novo cúmulo jurídico, estando tal condenação incluída, atento o disposto no artº 78 do C. Penal, na operação a realizar, com vista a alcançar uma nova pena única, por um lado e, por outro, estabelecendo a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, artº 3º, nº1 e nº4, quais os limites do perdão e que, em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única, caberá averiguar como, no caso, este comandos devem ser obedecidos, isto é, como deve ser aplicado o perdão previsto no artº 3º de tal lei.

18. Vejamos então.

Aí se estipula que (1) é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos, bem como que, (4) em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.

Ora, sendo um dos crimes em concurso passível de perdão de penas, mas o mesmo não sucedendo com os restantes crimes, há que proceder à aplicação conciliadora de tais normativos legais.

19. Este problema surgiu já anteriormente, no âmbito de outras leis da amnistia, designadamente da Lei 29/99, de 12 de Maio, uma vez que o seu artº 1º nº4 igualmente estipulava a aplicação do perdão à pena única, em caso de cúmulo jurídico e nesse diploma vinham identicamente consignadas excepções à aplicação de tal perdão, atendendo quer a condições subjectivas, quer objectivas (tipos de ilícitos praticados).

Perfilaram-se então, em termos jurisprudenciais, várias soluções jurídicas, tendo em vista a conciliação, por um lado, da admissibilidade de perdão em relação a um ou mais crimes englobados em cúmulo jurídico – que implicava a forçosa necessidade de aplicar tal benefício ao condenado – e, por outro, da proibição da sua aplicação aos restantes ilícitos, excluídos de tal benesse, como nos dá conta Pedro José Esteves de Brito, in Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de Agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, Julgar Online, Agosto de 2023, nº 52, ponto 10:

10. Do perdão em caso de condenação em cúmulo jurídico de penas (n.º 4):

A partir da Lei n.º 16/86, de 11 de junho, nas várias leis de amnistia e perdão, sempre foi estipulado que, em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e não sobre as penas parcelares24. No entanto, relativamente aos cúmulos jurídicos englobando várias penas, em que umas beneficiam do perdão e outras não, as soluções foram variando ao longo do tempo. Inicialmente efetuava-se um cúmulo jurídico das penas parcelares abrangidas pelo perdão e calculava-se a respetiva pena única, a que se aplicava o perdão a que houvesse lugar e, depois, realizava-se outro cúmulo jurídico com o remanescente daquela pena única e todas as outras penas parcelares que não beneficiavam do perdão. Posteriormente, uma corrente jurisprudencial foi-se formando em sentido diferente até se tornar maioritária, senão unânime. Segundo a mesma efetuava-se um cúmulo jurídico das penas parcelares perdoáveis, segundo as regras dos arts. 77.º e 78.º do C.P. (cúmulo parcial) só para o efeito de calcular a extensão do perdão (em relação à pena encontrada25) e, seguidamente, cumulavam-se juridicamente, levando sempre em conta aquelas regras, todas as penas parcelares que faziam parte do concurso de crimes, quer as perdoáveis, quer as não abrangidas pelo perdão, e determinava-se a pena única, sobre a qual incidiria o perdão. Na verdade, num cúmulo jurídico de penas, só devem ser englobadas penas parcelares e não penas que tenham sido construídas já a partir de uma operação de cúmulo, e o perdão deve incidir sobre a pena única obtida a partir do cúmulo jurídico de todas as penas parcelares26. 11.

24 “O perdão referido no n.º 1 abrange as penas de prisão fixadas em alternativa a penas de multa e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena unitária, sendo materialmente adicionável a perdões anteriores.” (cfr. art.º 13.º, n.º 2, da Lei n.º 16/86, de 11 de junho); “O perdão referido nas alíneas a) e b) do n.º 1 abrange as penas de prisão fixadas em alternativa a penas de multa e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena unitária, sendo materialmente adicionável a perdões anteriores” (cfr. art.º 14.º, n.º 3, da Lei n.º 23/91, de 04 de julho); “Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e é materialmente adicionável a perdões anteriores, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º” (cfr. art.º 8.º, n.º 4, da Lei n.º 15/94, de 11 de maio); e “Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e é materialmente adicionável a perdões anteriores, sem prejuízo do disposto no artigo 3.º” (cfr. art.º 1.º, n.º 4, da Lei n.º 29/99, de 12 de maio); e

“O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única” (cfr. art.º 2.º, n.º 3, da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril).

25 Na verdade, ao contrário da Lei em análise, a medida do perdão das penas de prisão na Lei n.º 16/86, de 11 de junho (cfr. art.º 13.º, n.º 1, al. b), na Lei n.º 23/91, de 04 de julho (cfr. art.º 14.º, n.º 1, al. b), na Lei n.º 15/94, de 11 de maio (cfr. art.º 8.º, n.º 1, al. d) e na Lei n.º 29/99, de 12 de maio (cfr. art.º 1.º, n.º 1) era variável em função da medida concreta da pena de prisão aplicada.

20. Como se mostra defendido no acórdão do STJ, de 24-10-2006 processo 06P2941, nº convencional JSTJ000, relator Santos Carvalho, nº do documento SJ200610240029415 (acessível em www.dgsi.pt):

II - Para proceder ao cúmulo jurídico de penas em concurso de infracções quando só algumas beneficiam de perdão, há que seguir estes passos:

- 1.° efectua-se o cúmulo jurídico de todas as penas em concurso, independentemente de alguma delas beneficiarem de perdão e, assim, obtém-se a pena única;

- 2.° calcula-se o perdão, após se ficcionar um cúmulo jurídico parcelar das penas que por ele estão abrangidas;

- 3.° faz-se incidir o perdão assim calculado sobre a pena única inicial, mas o perdão tem como limite máximo a soma das parcelas das penas "perdoáveis", tal como encontradas na operação de cálculo dessa pena única inicial.

III - Rejeita-se, assim, a fórmula que há anos era a jurisprudencialmente consagrada: na situação apontada, havendo que cumular penas abrangidas por perdão com penas por ele não abrangidas, entendia-se que haveria que efectuar um cúmulo jurídico provisório das penas.

abrangidas pelo perdão, aplicar o perdão à pena única parcelar provisória e, depois, efectuar o cúmulo final entre o remanescente desta e as restantes penas não abrangidas pelo perdão.

IV - Ora, esta fórmula é passível, pelo menos, de duas críticas pertinentes:

- por um lado, dela resulta uma dupla compressão injustificada de certas penas. Como se sabe, para a formação de um cúmulo jurídico, todas as penas, com excepção da mais grave, sofrem uma determinada compressão, maior ou menor consoante a ponderação que é feita dos factos e da personalidade do agente, visto que, em regra, não é aplicada a pena máxima do concurso (a soma material de todas as penas). Daí decorre que na fórmula em apreço há uma primeira compressão na formação do cúmulo jurídico provisório para calcular o perdão e uma segunda no cúmulo jurídico definitivo. E, como facilmente se percebe, é uma dupla compressão injustificada, pois há só um cúmulo jurídico real, já que o outro é meramente ficcionado tendo em vista o cálculo do perdão;

- a outra crítica é a de que, com este método, o perdão fica diluído e não transparece na pena única definitiva, pelo que, por um lado, o arguido mal se apercebe de que beneficiou de um perdão no meio das contas do cúmulo, por outro, não se sabe ao certo que desconto efectivo foi feito na pena única final, por fim, perde-se o efeito dissuasor da condição resolutiva a que está sujeito o perdão (art. 4.º da Lei 29/99).

21. Explicita no seu texto, tal acórdão, o raciocínio e mecanismo de realização desse cúmulo, nos seguintes termos:

Como proceder ao cúmulo jurídico de penas num concurso de infracções quando só algumas delas beneficiam de perdão?

Como se sabe, o perdão das penas por crimes em concurso incide sobre a pena única (art.º 1.º, n.º 4, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio). Por isso, não se pode aplicar o perdão a cada uma das penas parcelares abrangidas pela lei, mas também não se pode fazê-lo sobre a pena única, visto nela concorrerem crimes que não foram abarcados pelo perdão.

Para resolver este problema, cuja solução não decorre apenas da lei, o tribunal recorrido socorreu-se da fórmula que há uns anos era a jurisprudencialmente consagrada, que consiste em efectuar um cúmulo jurídico provisório das penas abrangidas pelo perdão, aplicar o perdão à pena única parcelar provisória e, depois, efectuar o cúmulo final entre o remanescente desta e as restantes penas não abrangidas pelo perdão.

Ora, esta fórmula é passível, pelo menos, de duas críticas pertinentes.

Por um lado, dela resulta uma dupla compressão injustificada de certas penas. Como se sabe, para a formação de um cúmulo jurídico, todas as penas, com excepção da mais grave, sofrem uma determinada compressão, maior ou menor consoante a ponderação que é feita dos factos e da personalidade do agente, visto que, em regra, não é aplicada a pena máxima do concurso (a soma material de todas as penas). Daí decorre que na fórmula em apreço há uma primeira compressão na formação do cúmulo jurídico provisório para calcular o perdão e uma segunda no cúmulo jurídico definitivo. E, como facilmente se percebe, é uma dupla compressão injustificada, pois há só um cúmulo jurídico real, já que o outro é meramente ficcionado tendo em vista o cálculo do perdão.

A outra crítica é a de que, com este método, o perdão fica diluído e não transparece na pena única definitiva, pelo que, por um lado, o arguido mal se apercebe de que beneficiou de um perdão no meio das contas do cúmulo, por outro, não se sabe ao certo que desconto efectivo foi feito na pena única final, por fim, perde-se o efeito dissuasor da condição resolutiva a que está sujeito o perdão (art.º 4.º da Lei 29/99).

Daí que tenha surgido uma outra corrente jurisprudencial, cujo método consiste em começar por fazer o cúmulo jurídico de todas as penas em concurso para assim obter a pena única, independentemente do perdão. Depois e tão só para cálculo do perdão, efectua-se um cúmulo jurídico parcelar das penas que beneficiam do perdão. Finalmente, incide-se o perdão assim calculado sobre a pena única que se formou inicialmente.

Esta solução contorna totalmente as críticas apontadas ao primeiro método e, portanto, é a que consideramos preferível. Mas há que lhe estabelecer um limite.

É que, sendo o cúmulo jurídico formado por uma soma entre a pena mais elevada e parcelas de cada uma das penas restantes, a aplicação do perdão feita nestes moldes pode levar a que o perdão beneficie também as parcelas das penas que legalmente por ele não estão abrangidas, o que sucederá quando, nessa operação, a soma das parcelas das penas “perdoáveis” for inferior ao montante do perdão.

Um simples exemplo ajuda a compreender esta situação. Se o cúmulo abrange três penas de um ano de prisão, das quais só duas beneficiam de perdão, a pena única será, por hipótese, de 1 ano e 8 meses de prisão (somando-se à pena mais grave um terço da soma das restantes). Para cálculo do perdão, obtém-se uma pena única parcelar das penas perdoáveis, com o mesmo critério, de 1 ano e 4 meses de prisão, pelo que o perdão será fixado em um ano de prisão. Fazendo incidir este perdão sobre a pena única inicial, o arguido terá de cumprir um remanescente de 8 meses de prisão, o qual é inferior à pena parcelar não perdoada e inferior mesmo ao limite mínimo abstracto do cúmulo, que é o da pena mais grave (um ano de prisão, não perdoado). Chegamos a um resultado que contraria a lei que concedeu o perdão de penas e também o art.º 77.º, n.º 2, do CP.

Daí que se possa concluir que, para proceder ao cúmulo jurídico de penas em concurso de infracções quando só algumas beneficiam de perdão, há que seguir estes passos:

1º- efectua-se o cúmulo jurídico de todas as penas em concurso, independentemente de alguma delas beneficiarem de perdão e, assim, obtém-se a pena única;

2º- calcula-se o perdão, após se ficcionar um cúmulo jurídico parcelar das penas que por ele estão abrangidas;

3º- faz-se incidir o perdão assim calculado sobre a pena única inicial, mas o perdão tem como limite máximo a soma das parcelas das penas “perdoáveis”, tal como encontradas na operação de cálculo dessa pena única inicial.

No exemplo anterior, o limite máximo do perdão seria de 8 meses de prisão, correspondente ao “peso” que tiveram as penas que beneficiavam de perdão na formação da pena única. Portanto, o arguido, em tal exemplo, seria condenado na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão, da qual se descontaria o perdão de 8 meses.

O cúmulo jurídico das penas em que foi condenado o recorrente varia entre 4 anos (pena parcelar mais grave) e 9 anos (soma de todas as penas parcelares), conforme dispõe o art.º 77.º, n.º 2, do CP.

Na formação da pena única têm de se avaliar, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido.

O tribunal recorrido usou de um critério excessivo, já que na operação do cúmulo foi somada à pena mais grave mais de metade da soma das restantes penas.

Ora, sendo o arguido delinquente primário e inserido socialmente, tendo decorrido entretanto mais de 7 anos sem registo de outra actividade criminosa, é de admitir que os crimes que cometeu foram fruto de circunstâncias quiçá irrepetíveis, pelo que se considera mais ajustado fixar a pena única em 5 anos, acrescentando-se à pena mais alta (quatro anos) um quinto da soma das restantes penas(1/5 de 5 anos = 1 ano), o que está mais de acordo com os critérios que este STJ tem seguido em casos semelhantes (2).

As duas penas abrangidas pelo perdão são de um ano e meio e de um ano, pelo que em cúmulo, usando o mesmo critério, formariam a pena única de 1 ano e 8 meses e 12 dias de prisão, sobre o qual incidiria o perdão de 1 ano, nos termos do artigo 1º, nº 1, da Lei nº 29/99, de 12/05. Contudo, como as duas penas somaram, aquando da formação do cúmulo de todas as penas, a parcela global de 6 meses (1/5 de 2 anos e 6 meses = 6 meses), é este o montante do perdão aplicável.

Termos em que o recurso merece provimento parcial.

22. Seguindo esta linha de raciocínio, que anteriormente perfilhámos, a propósito da questão suscitada no âmbito da Lei nº 29/99 e da qual não vislumbramos razões para divergir, na aplicação da presente lei da amnistia, temos que, no caso presente, a questão do cálculo do perdão aplicável à pena única imposta, decorre directamente da lei, uma vez que nem sequer haverá que proceder a um cúmulo entre penas parcelares incluídas no perdão, já que, no caso, apenas uma se mostra abrangida pela Lei nº 38-A/23, de 2 de Agosto, designadamente a relativa ao cometimento do crime de detenção de arma proibida.

Assim, o cálculo do perdão a aplicar à pena única, decorre da aplicação das regras do perdão a essa pena singular e corresponde a 4 meses de perdão, já que a pena imposta, pela prática deste crime, ao arguido, foi de 4 meses de prisão.

23. Aqui chegados, resta concluir que sobre a pena única que lhe será imposta, deve incidir então o perdão de 4 meses.

Impõe-se assim declarar tal perdão, o que implica a revogação do acórdão recorrido, após reponderação, atento o que supra se deixou dito, da pena a impor em sede de cúmulo jurídico, no âmbito destes autos.

24. Retomando então a análise da pena única a impor nestes autos, reportando-nos ao que deixámos já exposto, teremos de entender que, dentro da moldura penal do cúmulo jurídico que decorre da lei – no seu limite máximo, 18 anos e 7 meses (aqui se integrando a condenação pela prática de um crime de detenção de arma proibida) e, no seu limite mínimo, 4 anos e 3 meses de prisão – a pena única a impor deverá ser fixada, considerando o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, em medida que se situe no terço médio superior ao limite mínimo.

Entende-se, pois, como adequada, a imposição ao arguido da pena única de 7 (sete) anos de prisão, sobre a qual deverá incidir o perdão de 4 meses de prisão.

25. Face a tudo o que se deixa dito, conclui-se que assiste razão ao recorrente, neste seu segmento impugnatório, pelo que haverá que revogar o acórdão recorrido nesta parte.

iv – decisão.

Pelo exposto, acorda-se em considerar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência:

a. Revoga-se a decisão recorrida, na parte em que condenou o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão e,

b. Em sua substituição, condena-se o arguido na pena única de sete anos de prisão, declarando-se perdoados quatro meses à pena de prisão única, sob condição resolutiva de não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor desta Lei n.º 38-A/20023, de 2 de Agosto.

Sem custas.

Dê imediato conhecimento ao tribunal “a quo” do teor deste acórdão, advertindo que a decisão ainda se não mostra transitada em julgado.

Lisboa, 19 de Março de 2025

Maria Margarida Almeida (Relatora)

Jorge Raposo

Antero Luís