RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Sumário

I - Assentando o julgamento de facto pelo Tribunal da Relação, dentro dos limites definidos pelos recorrentes na sindicância da decisão de facto, na autonomia decisória deste Tribunal, a não haver razão que justifique alteração do decidido em primeira instância deve a decisão ser mantida.
II - A responsabilidade civil pressupõe, em regra, culpa do agente (dolo ou negligência), incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa do lesante - cfr. nº1, do art. 483º, art. 487º e nº1, do art. 342º, todos do Código Civil -, tal como os restantes pressupostos daquela. Provados estes, incluindo a culpa do lesante, gerada se mostra, na medida daquela culpa, a obrigação de a Seguradora Ré (para quem se encontrava transferida a obrigação de indemnizar danos decorrentes de acidentes causados pela circulação do veículo segurado) indemnizar o Autor por todos os danos por ele sofridos bem como a obrigação de indemnizar as Autoras (cônjuge e filhas do casal) pelos danos não patrimoniais que, reflexamente, lhes foram causados.
III - Para efeitos de indemnização, autónoma, do dano biológico, na sua vertente patrimonial, relevam as implicações de alcance económico, sendo as demais vertentes de tal dano, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, como dores, cirurgias, dano sexual, alteração de projetos de vida, a ponderar em sede de danos não patrimoniais.
IV - A indemnização, a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma capitis deminutio na vertente geral e deverá compensá-lo de todas as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, é fixada com recurso à equidade (art. 564º, nº2 e 566º nº3, ambos do Código Civil) dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função da gravidade das sequelas sofridas e dos concretos prejuízos causados.
V - A perda da capacidade de ganho e a perda de capacidades funcionais constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente ativo do lesado, e durante todo o seu tempo de vida.
VI - Na ponderação da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, a idade do lesado e as desvantagens sofridas e os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares, tem o tribunal de atribuir, no respeito pelo princípio da igualdade, os superiores montantes que se revelem proporcionais e justos;
VII - Na tarefa de encontrar o devido quantum a atribuir, pode o tribunal defrontar-se com um limite, intransponível, por o princípio do pedido, adjetivamente consagrado e a observar, impedir que se ultrapasse o que pedido vem (nº1, do art. 609º, do CPC).
VIII - As indemnizações a atribuir devem ressarcir/compensar, real e efetivamente, os danos causados de forma adequada, todos eles, sendo de afastar quantuns que não possam ser tidos como justos e equitativos olhando às circunstâncias do caso e vista a dignidade da pessoa humana.
IX - Não podendo haver repetida reparação do mesmo dano, também não pode, no que concerne ao não cumprimento tempestivo da obrigação de reparação do dano, ocorrer uma duplicação da forma de atualizar o quantum indemnizatório.
X - Não tendo havido atualização do referido quantum, por decisão em que se leve em conta a correção monetária entre o momento da citação e o da decisão, ao abrigo do nº2, do art. 566º, isto é, não sendo a decisão atualizadora, os juros vencem-se a contar da citação, nos termos do nº3, do art. 805º, do Código Civil, um antídoto à inflação.

Texto Integral

Processo nº 2496/21.8T8VNG.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 2

Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Teresa Pinto da Silva
2º Adjunto: Des. Carlos Gil

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

1º recurso

Recorrentes: AA, BB, CC e DD,

Recorrida: A..., S.A

2º recurso

Recorrente: A..., S.A

Recorridos: AA, BB, CC e DD

AA, BB, CC e DD intentaram a presente ação de condenação, sob a forma comum, contra A..., S.A, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes quantia:

i) não inferior a €1.009.154,70, a título de indemnização pelos danos por si sofridos, acrescida de juros de mora, contados desde a data do acidente e até efetivo e integral pagamento;

ii) a liquidar ulteriormente, pelos danos ainda não consolidados.

Alegam, para tanto e em síntese, os danos patrimoniais e não patrimoniais que para si advieram do embate, ocorrido no dia 21 de outubro de 2018, pelas 12:00, na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, quando o Autor, conduzindo o motociclo de matrícula ..-QX-.., aí circulava, a não mais de 90Km/h, e foi surpreendido pelo veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-HV, conduzido por EE que, saído da Rua ..., passou a circular no mesmo sentido do Autor, sem respeitar o sinal STOP e sem verificar que existiam veículos a circular, e se intrometeu na sua faixa de rodagem no momento em que estava a passar, encontrando-se a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo causador do acidente transferida para a Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....


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A Ré contestou, impugnando factos alegados pelo Autor e afirmando que o Autor, no momento em que ocorreu o acidente, circulava, no local, a uma velocidade superior aos 90Km/hora permitidos para o local e distraído, sustentando que o embate dos veículos se ficou a dever a concorrência de culpas, sendo a responsabilidade do Autor de 25% e a do veículo por si seguro 75%.

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Proferido despacho a dispensar a realização da audiência prévia, foi fixado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

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Por requerimento datado de 27.06.2023, veio o Autor requerer a ampliação do pedido, no montante de €58.843,52, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde o seu vencimento e até integral e efetivo pagamento, respeitante a pagamento de IUC do motociclo (€644,78), parqueamento do veículo (€48.861,75 + €25,00), despesas com deslocação para a realização da perícia médica (€12,85) e, ainda, com a instalação de um elevador (€9.324,14).

A Ré deduziu oposição à requerida ampliação, exceto quanto aos valores relativos à instalação do elevador e das despesas de deslocação, pugnando, no mais, pela sua inadmissibilidade.

Por despacho proferido em 11.07.2023 foi admitida a requerida ampliação do pedido, decisão de que a Ré recorreu, tendo o recurso sido julgado improcedente (cfr. Apenso C).


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Por requerimento datado de 15.01.2024, vieram os primeiros Autores requerer nova ampliação do pedido, no montante de €1.160.720,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde o seu vencimento e até integral e efetivo pagamento, sendo 80.000,00€ de compensação pelo dano sexual de que o Autor ficou a padecer, 50.000,00€ relativos a compensação pelo dano reflexo daí resultante para a primeira Autora e 910.720,00€ referentes a despesas relativas à aquisição de produtos/utensílios técnicos de apoio, que descreve discriminadamente e, designadamente, alegada a necessidade de veículo em que fosse efetuada adaptação às limitações resultantes das sequelas de que ficou a padecer, necessidade essa que se verifica de cinco em cinco anos e por toda a sua vida, com um custo não inferior a 15.000,00€ por adaptação.

Notificada do referido requerimento de ampliação do pedido, a Ré não deduziu qualquer oposição à requerida ampliação.

Por despacho proferido em 5.02.2024, logo notificado às partes, foi admitida a requerida ampliação do pedido, tendo o mesmo o seguinte teor:

“Admito a requerida ampliação do pedido, nos termos consentidos pelo disposto no art. 265º n.º 2, 2ª parte do C.P.C., por se tratar do desenvolvimento e consequência do primitivo pedido, não se vislumbrando necessidade de aditamento dos factos aos temas de prova, dada a sua abrangência”.


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Em 8.04.2024 vieram as partes transigir na parte relativa às despesas com o parqueamento da viatura ..-QX-.. e ao pedido aí ampliado de €48.861,75.

Mais acordaram quanto ao valor comercial do motociclo e do salvado, bem como no imediato pagamento da quantia de €7.850,00, por conta da indemnização final e em função da proporção da culpa que a cada um dos condutores vier a ser imputada, que foi homologada por sentença proferida em 9.04.2024.


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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.

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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, decido:

a) Condenar a Ré no pagamento ao Autor AA da quantia de €572.129,85, à qual serão deduzidos os valores liquidados a título de rendas mensais ao abrigo do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, apenso aos presentes autos, até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação sobre a quantia de €393.379,72, desde 27.06.2023 sobre a quantia de €9.981,77 e desde 15.01.2024, sobre a totalidade e até efetivo e integral pagamento;

b) Condenar a Ré no pagamento ao Autor AA das quantias que se vierem a liquidar em sede incidental relativas ao valor das roupas que usava no dia do acidente (facto 147º), até ao montante máximo de €200,00, e do capacete, casaco e luvas (facto 148º), até ao montante máximo de €2.050,00;

c) Condenar a Ré no pagamento ao Autor AA das quantias que se vierem a liquidar em sede incidental relativas aos custos de substituição e vigilância da prótese do membro superior esquerdo (facto 92º), de aquisição da medicação prescrita pelas especialidades de Ortopedia e Psiquiatria (facto 93º), dos tratamentos médicos em consultas bi-anuais das especialidades de Psiquiatria, Ortopedia, Oftalmologia e Fisiatria (facto 94º), do acompanhamento pelo médico de família (facto 95º), do acompanhamento em programa de reabilitação abrangente como componente de estimulação cognitiva e apoio emocional (facto 96º) e de aquisição do sistema de controlo ambiental remoto, com uma periodicidade de substituição de cinco anos (facto 104º alínea d);

d) Condenar a Ré no pagamento ao Autor AA da quantia de €175.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.

e) Condenar a Ré no pagamento à Autora BB da quantia de €55.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

f) Condenar a Ré no pagamento à Autora CC da quantia de €12.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

g) Condenar a Ré no pagamento à Autora DD da quantia de €10.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

(… ) i) Absolver, no mais, a Ré do pedido;

(…) Custas pelos Autores e Ré, na proporção do decaimento…”.


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Apresentaram os Autores AA, BB, CC e DD recurso de apelação, pugnando por que seja parcialmente revogada a sentença e substituída por decisão que julgue aquele pedido totalmente procedente, condenando a Recorrida a:

A) Pagar ao Recorrente AA, pelo dano biológico, uma indemnização nunca inferior a € 600.000,00 (seiscentos mil euros);

B) Pagar ao Recorrente AA, pelos danos não patrimoniais e pelo dano sexual, uma indemnização nunca inferior a € 400.000,00 (quatrocentos mil euros);

C) Pagar aos Recorrentes, pela ajuda de terceira de pessoa prestada e pelo trabalho prestado a esse respeito, pela Recorrente BB ao Recorrente AA, correspondente ao período entre novembro de 2019 e junho de 2024, a quantia de € 45.650,00 (quarenta e cinco mil seiscentos e cinquenta euros);

D) Pagar ao Recorrente AA a aquisição e respetiva manutenção da prótese cosmética;

E) Pagar à Recorrente BB, pelos danos não patrimoniais, uma indemnização nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros);

F) Pagar à Recorrente BB, pelo dano sexual, uma indemnização nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros);

G) Pagar às Recorrentes CC e DD, pelos danos não patrimoniais, uma indemnização em montante nunca inferior a € 30.000,00 (trinta mil euros) e 15.000,00 (quinze mil euros), respetivamente,

formulando as seguintes.

CONCLUSÕES:

(…)


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A Ré apresentou, também recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que julgue em conformidade com as seguintes

CONCLUSÕES:
(…)

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Respondeu a Ré ao recurso dos autores sustentando dever o recurso ser julgado improcedente pois, no que ao facto pretendido alterar respeita, o Tribunal a quo considerou, e bem, o que resulta da perícia, tendo a opção do Tribunal sido considerar o mais e não o menos (daí que tenha dado como provado o facto 83) e como não provado o facto ii)), e quanto aos danos sustenta que o Apelante se encontra a configurar como dano biológico o que tem natureza não patrimonial e que, em boa medida, foi considerado no âmbito do dano não patrimonial, donde, aderir à argumentação do Apelante é estar a duplicar a valoração dos mesmos danos, o que não se mostra razoável, mais sustentando que os valores fixados para os danos não patrimoniais e sexuais foram fixados nos valores justos e equitativos, não merecendo qualquer reparo, devendo, por isso, ser mantida, nessa parte, a sentença recorrida, e mais acrescenta que sendo que as apelantes, filhas, pugnam, em sede de recurso, pelo que não pugnaram na Petição Inicial e quanto a ajuda da Autora BB ao marido as perdas salariais não resultaram provadas, pelo que bem foi a pretensão quanto a tal formulada julgada improcedente.
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Os Autores AA, BB, CC e DD responderam ao recurso da Ré, pugnando por que o mesmo seja julgado totalmente improcedente e se mantenha a sentença tal qual foi proferida quanto aos pontos mencionados em tal recurso e concretamente apreciados, apresentando as seguintes

CONCLUSÕES:

(…)


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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1- Das impugnações da decisão de facto e das alterações à decisão:
1.1- quanto ao ponto impugnado pelos Autores (o ii) dos factos não provados);
1.2- quanto aos pontos impugnados pela Ré (os factos 10), 15), 19), 101) e 102) dos factos provados e o facto k) dos factos não provados);
2 – Da reapreciação da decisão de mérito:
2.1 – Da culpa exclusiva do condutor do veículo seguro pela Ré ou se se verifica concorrência de culpas (da lesante e do lesado), da verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (nº1, do art. 483º, do Código Civil) e da obrigação de indemnizar da 1ª Ré (em que termos e com que limites);
2.2 - Do quantum indemnizatório pelos danos:
2.2.1 - patrimoniais futuros e biológico do Autor;
2.2.2 - não patrimoniais de cada um dos Autores;
2.2.3 - trabalho/auxílio prestado pela Autora BB ao Autor;
2.2.4 - despesas técnicas previsíveis;
3 - Da redução da indemnização por antecipação do capital.
4. Do momento em que se inicia o computo de juros relativamente aos danos futuros previsíveis e despesas futuras previsíveis.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão (transcrição):

1) O Autor AA é marido da Autora BB, os quais são pais das Autoras CC e DD;

2) No dia 21.10.2018, pelas 12:00 horas ocorreu um acidente na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia;

3) Nele foi interveniente um veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-HV, da marca Volkswagen, modelo ..., conduzido por EE;

4) E o motociclo, com a matrícula ..-QX-.., da marca Ducati, que tinha como condutor o Autor AA;

5) O local, onde ocorreu o acidente, configura-se como uma rodovia em linha reta, com cerca de 500m, composta por faixa de rodagem com duas vias de trânsito;

6) Cada corredor de circulação mede cerca 3,75 metros de largura, possuindo berma pavimentada nas extremidades;

7) O piso é, como era, betuminoso e encontrava-se em bom estado de conservação;

8) O pavimento estava seco e limpo;

9) No local, a Avenida ... tem uma inclinação de 7%.

10) O veículo de matrícula QX circulava na sua via, no sentido ... –..., no seu sentido ascendente, a uma velocidade não concretamente apurada;

11) A via é composta por linha mista, ou seja, linha contínua adjacente a linha descontínua;

12) Sendo a linha contínua a mais próxima do sentido de trânsito do QX;

13) O entroncamento da Rua ... com a Avenida ... aparece do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do Autor;

14) O veículo HV procedia da Rua ..., a qual se encontra sinalizada com sinal Stop e pretendia seguir o mesmo sentido de trânsito do motociclo QX;

15) Junto ao sinal Stop, o HV abrandou a marcha;

16) Prosseguindo a sua marcha em direção à sua esquerda,

17) Desde que o HV passa o sinal Stop até que é embatido decorreram, pelo menos e se não mais, 4 segundos.

18) O Autor foi surpreendido pelo veículo HV que se intrometeu na sua via de trânsito;

19) Apesar de se ter desviado para a sua direita, o Autor não teve como evitar o sinistro e embateu na lateral traseira da viatura HV;

20) Não há qualquer marca de travagem registada no chão;

21) Compelido pela violência do embate, o Autor foi projetado pelo ar, sobre os rails metálicos de proteção situados sobre o lado direito da faixa de rodagem, tendo inclusive derrubado um sinal de trânsito aí existente;

22) Caindo num descampado desnivelado (bastante inferior em comparação com o nível da estrada), onde ficou imobilizado;

23) O local onde o Autor ficou imobilizado situa-se a cerca de 35m do local do embate;

24) Tendo tido imediata perda de consciência;

25) Foi assistido de imediato, no local, pelo seu amigo FF, que é enfermeiro e o acompanhava, noutro motociclo, no passeio de lazer como tantas vezes faziam aos domingos;

26) Depois foi ainda assistido pela equipa de VMER e pela equipa de socorro dos Bombeiros Voluntários ...;

27) No local esteve ainda a GNR;

28) De seguida, foi transportado de urgência para o Centro Hospitalar ...;

29) Aqui deu entrada no Serviço de Urgências, tendo sido assistido pela equipa médica e submetido a vários exames;

30) O Autor apresentava quadro de politraumatismo grave;

31) Apresentava concretamente:

a) Traumatismo crânio-encefálico (TCE), com vários focos de hemorragia;

b) Fratura de braço esquerdo, com deformidade;

c) Fratura exposta do fémur esquerdo GA1 com ferida sangrante na região anteromedial;

d) Fratura maleolar direita, com exposição;

e) Fratura completa do terço distal da diáfise femoral esquerda, com exposição;

f) Traço de fratura completo, horizontal, no terço superior da diáfise peronial esquerda, sem afastamento dos topos;

g) Fratura cominutiva do maléolo medial e epífise tibial direita com atingimento intra-articular;

h) Rotação e luxação do osso astrágalo, com perda da congruência da articulação tíbio astragalina e exposição cutânea

i) Fratura da vertente medial do sustentaculum tali.

j) Traço de fratura vertical no terço lateral do osso navicular direito;

k) Fratura cominutiva do osso cuboide com consequente redução da altura do mesmo;

32) Foi sujeito à primeira cirurgia a qual demorou várias horas;

33) Após, o Autor ficou fortemente sedado e com ventilação invasiva, com suporte de ventilador e entubado;

34) Diminuída a sedação, no dia 26 de outubro de 2018 o Autor demonstrou reação;

35) Mas ainda continuou sedado e analgesiado, atentas as dores;

36) Passou cerca de 15 dias na Unidade de Cuidados Intensivos;

37) E daí passou para a enfermaria;

38) Realizou cinco cirurgias na tentativa de revascularização do braço esquerdo;

39) Não obstante as várias tentativas de revascularização do membro, o Autor teve de ser submetido a uma sexta cirurgia da especialidade de Cirurgia Vascular, em 17 de janeiro de 2019, para amputação transumeral (entre a articulação do ombro e o cotovelo) do braço esquerdo;

40) Fez três intervenções cirúrgicas em Cirurgia Plástica;

41) Uma das intervenções de Cirurgia Plástica destinou-se a colocar um enxerto no pé direito, com retalho sural de fluxo reverso, que foi suturado no pé, para fazer cicatrização de ferida ali aberta que não sarava e estava sempre infecionada;

42) E mais três cirurgias na área de Ortopedia;

43) A última cirurgia de Ortopedia que realizou, em 19 de novembro de 2020, foi ao pé, para fixação do mesmo à perna, através de vara;

44) No período entre cirurgias, ocorreu uma situação de hemorragia;

45) Durante o internamento desenvolveu úlcera de pressão na região sagrada, o que o levou a realizar uma das cirurgias a que se alude no facto 40º, e retardou a sua transferência para o Centro de Reabilitação ...;

46) Ficou internado no Centro Hospitalar ... entre 21.10.2018 e 7.06.2019, ou seja, durante quase oito meses,

47) Após a alta de internamento, o Autor foi orientado para posterior acompanhamento em Consulta Externa, nas várias especialidades, o que ainda mantém;

48) Tendo sido admitido no Centro de Reabilitação ... (...), em 8.08.2019, onde ficou em regime de internamento, para reabilitação neuromotora e funcional, até 15.10.2019;

49) Aí, o Autor fez fisioterapia;

50) Durante o período de internamento no Centro de Reabilitação ... (...) sofreu o Autor uma infeção por Klebsiella pneumoniae, bactéria multirresistente que implicou o isolamento do Autor;

51) O Autor, durante esse período (8.08.2019 a 15.10.2019) apenas passou a ir a casa no último mês, apenas aos fins de semana;

52) Regressar a casa, ainda que por dois dias, era-lhe custoso;

53) O Autor, depois de quase dez meses de internamento, sentia que o relacionamento com as filhas estava diferente, e que parecia que a mais nova nem o conhecia;

54) Além disso, teve que se adaptar à sua nova condição,

55) E teve que adaptar as suas coisas à sua situação;

56) Tendo tido alta do Centro de Reabilitação ..., o Autor foi medicado com Tramadol, Gabapentina, Cindamecina, trazodona, macrogol, metifenidato e ácido fólico

57) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13.12.2021;

58) O Défice Funcional Temporário Total situou-se entre os dias 21.10.2018 e 15.10.2019, e entre 18.11.2020 e 23.11.2020, sendo fixável num período de 366 dias;

59) O Défice Funcional Temporário Parcial situou-se entre 16.10.2019 e 17.11.2020, entre 24.11.2020 e 13.12.2021, sendo fixável num período 418 dias;

60) A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total situou-se entre 21.10.2018 e 13.12.2021, sendo fixável num período total de 1150 dias;

61) Como causa direta e necessária do acidente, o Autor apresenta, atualmente, dificuldade em ajoelhar e agachar (necessita de apoio) e em permanecer de pé;

62) Realiza marcha em superfícies planas e lisas e apenas por pequenos percursos, com apoio em tripé;

63) Não consegue correr, saltar, transpor degraus ou percorrer longas distâncias;

64) Tendo que recorrer ao auxílio de terceiros para se deslocar quando não estão em causa pequenos percursos ou quando o piso é irregular, inclinado ou tem obstáculos;

65) Necessita de ajuda de terceira pessoa para as seguintes tarefas do seus dia a dia, para além de outras de acordo com as queixas que apresenta:

Manusear objetos que requeiram o uso do membro superior esquerdo;

Realização de atividades bimanuais tais como: abotoar, dar laços, lavar e secar o membro superior direito, preparar os alimentos, colocar o relógio, colocar a prótese do membro superior esquerdo,

66) Tem de tomar precauções para prevenir quedas, por sofrer de problemas ao nível do equilíbrio;

67) O Autor, resultante do acidente, ficou com alterações graves das funções de memória de curto prazo, dificuldades de elaboração de estratégias complexas e lentificação ideativa;

68) Coisas tão simples como ser recetor de um recado banal torna-se complicado, porque o Autor não retém a informação, esquecendo-se no momento a seguir;

69) Apresenta dificuldades de concentração;

70) O Autor não consegue orientar-se, nas estradas e caminhos, tendo que recorrer ao telemóvel,

71) Tendo inclusivamente ficado com amnésia para o acidente e para um período subsequente não concretamente apurado;

72) Tendo sido diagnosticado, ao nível da perceção visual, com Prosopagnosia (cegueira dos rostos) não reconhecendo nenhum rosto que vê, nem o seu próprio e dos familiares próximos, inclusivamente em fotografias, apenas reconhecendo as pessoas pela voz;

73) O que implica, por exemplo, que o Autor não consiga reconhecer ou distinguir numa fotografia um gato de um leão bebé;

74) Tem também problemas de visão, tendo ficado limitado na amplitude dos campos visuais;

75) E ficou também com um testículo reduzido no seu tamanho, mas funcional;

76) À data do acidente, o Autor era já casado com a atual companheira, também Autora nos autos,

77) Desde a data do acidente que o Autor está impossibilitado de realizar determinadas posições durante o ato sexual;

78) Tal limitação também afeta a Autora BB;

79) A Repercussão Permanente na Atividade Sexual é fixável no grau 5, numa escala de 7 de gravidade crescente;

80) O acidente, as sequelas e os tratamentos a que foi submetido o Autor causaram-lhe forte abalo na sua condição psíquica já que se sente um incapacitado, preso no seu corpo, não consegue dormir, o que o deixa preocupado, ansioso, depressivo e revoltado;

81) Causando-lhe instabilidade do humor, apresentando sintomatologia ansiosa e depressiva;

82) Afetando com isso, aqueles que mais próximos lhe estão e que maior auxílio lhe prestam;

83) Na sequência da amputação do braço na transição do terço médio para o terço superior, o Autor tem que usar uma prótese do membro superior com articulação do cotovelo e do punho, conseguindo efetuar a pinça entre o polegar e o 2º e º 3º dedo.

84) Apresenta, ao nível do ráquis, escoliose do dorso lombar de convexidade direita;

85) Ao nível do membro inferior direito, o Autor não tem mobilidade da articulação tibiotársica.

86) Ao nível do pé direito, não faz a eversão e a inversão do pé;

87) Faz a flexão mas não faz a extensão dos dedos do pé direito;

88) Ao nível do pé esquerdo apresenta pendente com ligeira rotação para dentro, não faz a dorsiflexão do pé nem a extensão dos dedos e sem movimento ativo de inversão e eversão;

89) O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 79 pontos;

90) As sequelas apresentadas pelo Autor são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra profissão;

91) As sequelas apresentadas pelo Autor têm repercussão na sua independência e autonomia, tornando-o dependente da ajuda parcial de terceira pessoa conforme as queixas apresentadas;

92) A título de ajudas técnicas, a prótese do membro superior esquerdo carece de vigilância e de ser substituída quando for adequado, tendo um custo estimado entre os €25.000,00 e os €40.000,00;

93) Carecerá o Autor, permanentemente, de recorrer a medicação prescrita pelas especialidades de Ortopedia e Psiquiatria;

94) Carecerá ainda, de forma permanente, de tratamentos médicos regulares em consultas de Psiquiatria, Ortopedia, Oftalmologia e Fisiatria, com periodicidade bi-anual;

95) E terá que ser acompanhado pelo médico de família;

96) Carecerá ainda, de forma permanente, de integração em programa de reabilitação abrangente como componente de estimulação cognitiva e apoio emocional;

97) O Autor teve que efetuar alterações no seu domicílio para o compatibilizar com a sua condição física atual;

98) Para o efeito, colocou uma plataforma elevatória na sua nova habitação, para que possa deslocar-se mais facilmente dentro da sua residência, em face das limitações que apresenta, o que lhe importou o custo total de € 9.324,14;

99) O Autor tem necessidade de possuir um veículo automóvel adaptado à sua condição física, de modo que, dentro das suas limitações, possa recuperar alguma da sua independência;

100) Tal permite-lhe efetuar algumas deslocações exteriores, com maior autonomia, como por exemplo poderia ir levar e buscar as suas filhas à escola, deslocar-se para tratamentos ou assistência médica, poderia assumir o volante nas viagens;

101) A adaptação de um automóvel à condição física do Autor terá um custo, nunca inferior a €15.000,00;

102) Sendo que, sensivelmente a cada cinco anos terá necessidade de proceder à sua substituição,

103) O Autor tem necessidade de usar esponja de cabo alongado, ortótese para o pé (2 unidades), palmilhas, prótese para membro superior transumeral híbrida, tala de posicionamento, tripé, banco de duche, cordões elásticos e tábua para preparação de alimentos

104) O Autor tem despesas com as ajudas técnicas:

a) Esponja de cabo alongado, com um custo estimado de €30,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de dois anos;

b) Ortótese para o pé (duas unidades), com um custo estimado de €150,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

c) Palmilha, com um custo estimado de €30,00, sem IVA, e com uma periodicidade de um ano;

d) Sistema de controlo ambiental remoto, sem estimativa de custo e com uma periodicidade de substituição de cinco anos;

e) Tala de posicionamento, com um custo estimado de €170,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

f) Tripé, com um custo estimado de €40,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

g) Banco de duche, com um custo estimado de €80,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de cinco anos;

h) Cordões elásticos, com um custo estimado de €10,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

i) Tábua para preparação de alimentos, com um custo estimado de €100,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de cinco anos;

105) Na face, o Autor apresenta cicatriz com 5 cm de comprimento a que se junta cicatriz com 2 cm de comprimento na região mentoniana à esquerda;

106) No membro superior esquerdo, apresenta cicatriz de tipo cirúrgico, vertical, com 10 cm de comprimento e 2 cm de largura à custa dos vestígios de agrafos;

107) No membro inferior direito apresenta:

a) Uma cicatriz com 8 cm de comprimento e 2 cm de largura sobre a crista ilíaca anterior;

b) Uma cicatriz vertical com 11 cm de comprimento e 3 cm de largura máxima à custa dos vestígios de agrafos no terço superior da face medial da coxa;

c) Duas cicatrizes deprimidas com 1,5 cm de comprimento no terço médio da face anterior da perna;

d) Três cicatrizes com 2 cm de comprimento, com vestígios de agrafos no terço inferior da face medial da perna;

e) Uma cicatriz com 10 cm de comprimento e 2 cm de largura à custa de agrafos, vertical na face lateral do tornozelo;

f) Uma cicatriz curva com 13 cm de comprimento, contornando tumefação (área de enxerto) com 15 por 8 cm de maiores dimensões, de maior eixo vertical no terço inferior da face lateral e posterior da perna e face lateral do tornozelo, de consistência elástica,

g) Uma cicatriz vertical com 17 cm de comprimento e 4 cm d e largura máxima na sua porção superior, estendendo-se do terço superior da face posterior da perna até à tumefação anteriormente descrita;

h) Depressão da face posterior do terço médio da perna (ao nível dos músculos gémeos);

i) Uma cicatriz com 12 cm de comprimento no bordo lateral do pé.

108) No membro inferior esquerdo apresenta:

a) cicatriz curva, com 31 cm de comprimento e 2 cm de largura à custa dos vestígios de agrafos estendendo-se da face lateral da anca até ao sulco nadegueiro, passando pela crista ilíaca posterior

b) Cicatriz vertical com 35 cm de comprimento e 3 cm de largura máxima à custa dos vestígios de agrafos na face lateral da coxa e joelho;

c) Cicatriz deprimida, vertical com 5 cm de comprimento e 1 cm de largura no terço médio da face lateral da perna;

d) Cicatriz deprimida, vertical com 4 cm de comprimento e 1 cm de largura no terço médio da face medial da perna;

e) Área cicatricial hiper e hipopigmentada com 14 por 10 cm de maiores dimensões na face anterior e medial do tornozelo e pé;

f) Cicatriz vertical com 5 cm de comprimento e 1 cm de largura na face posterior do calcanhar.

g) Perímetro da coxa: 49 cm (a 10 cm do polo superior da rótula, igual à direita)

h) Perímetro da perna: 32,5 cm (31 cm à direita, a 20 cm do polo superior da rótula);

109) O Autor apresenta claudicação na marcha;

110) O dano estético permanente é fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

111) Como consequência direta das lesões, dos tratamentos a que foi submetido e das suas sequelas, o Autor sofreu e sofre dores que se manterão e permanecerão por toda a sua vida;

112) Sente fenómenos dolorosos constantes referente ao punho esquerdo (dor fantasma), que agrava momentaneamente várias vezes ao dia;

113) Sente dor no tornozelo direito relacionada com a permanência de pé, que alivia quando deixa de fazer carga;

114) Sente dor no joelho esquerdo e na planta do pé esquerdo quando faz carga e que alivia com o descanso;

115) O quantum doloris é fixável no grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

116) Antes do acidente, o Autor era uma pessoa alegre, divertida, assertiva, positiva, que cuidava do seu corpo e alimentação, fazendo ginásio, tratando de ter um corpo bem cuidado e musculado;

117) Nos quase oito meses de internamento, o Autor emagreceu bastante, perdeu massa muscular e forças;

118) Estava fisicamente bastante debilitado;

119) Atualmente, o Autor não consegue brincar e colaborar no cuidado das filhas como fazia antes do acidente;

120) Deixou de conduzir a mota;

121) Deixou de efetuar treinos em ginásio.

122) Deixou de andar de bicicleta e correr na praia;

123) A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

124) Durante o período de internamento hospitalar, a Autora BB acompanhou o marido AA, passando os seus dias no Hospital, apenas pernoitando em casa;

125) Deixando as filhas de ambos aos cuidados dos avós, que asseguravam (ou tentavam assegurar) a rotina diária das meninas.

126) O Autor, nos primeiros tempos de internamento, apesar de consciente, nem sempre estava lúcido;

127) E então o Autor, estando fora de si, apenas gritava, dizia impropérios, maltratava o pessoal de saúde que cuidava de si, era violento, tentava arrancar todos os instrumentos médicos que estivessem a si ligados, etc;

128) O que levou a que tivessem de amarrar o Autor à cama, para evitar que pudesse ferir-se ou agravar o seu estado de saúde;

129) Era a Autora BB que, diariamente ao chegar, desamarrava o marido e “tomava conta” dele durante o dia, evitando que estivesse sempre atado;

130) Além disso, nem sempre o Autor reconhecia a própria esposa, por vezes dizia-lhe “então não foste para a escola?”;

131) Tendo sido muito difícil para a família e amigos terem visto o Autor como ele estava;

132) O casal, em setembro de 2018, pouco antes do sinistro, tinha celebrado um contrato-promessa, através do qual haviam prometido vender o apartamento no qual habitavam, sito no 2.º andar direito traseiras da Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com a perspetiva de usar o valor arrecadado na execução da moradia que andavam a construir;

133) Vendido o apartamento, os Autores foram viver com os sogros, pais e avós, GG e HH, que residiam no 4º andar do mesmo edifício;

134) Porque estes, no âmbito do projeto dos dois casais de construírem duas casas geminadas, venderam igualmente o seu apartamento, depois de viverem em casa de uma pessoa amiga, arrendaram um apartamento, sito na Rua ..., n.º ..., 1.º Esquerdo Frente, na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com início 1.01.2020,

135) O Autor viu-se obrigado a vender o carro que tinha para fazer face às suas despesas;

136) Tiveram ainda de restringir outros gastos, pelo que deixaram de levar a filha mais nova para o infantário, o que significava um custo mensal de €255,00,

137) São sobretudo os aludidos GG e HH, quem mais faculta aos Autores toda a ajuda possível, financeira e não financeira;

138) O Autor, até 21 de outubro de 2018, era manipulador de peixe na Lota ..., incumbindo-lhe as tarefas de carga e descarga de peixe, condução de camião de transporte de peixe, sobretudo durante a madrugada, entre ... e ..., e era também o responsável de armazém e de compras;

139) Auferindo o vencimento base mensal de €800,00, acrescido de subsídio de alimentação de €4,77 diário;

140) O Autor contribuía de forma ativa para a economia familiar;

141) Ainda em consequência do descrito acidente, o motociclo do Autor, ficou totalmente destruído;

142) O valor comercial do motociclo à data do acidente era de €9.250,00;

143) O valor do salvado é de €1.400,00;

144) A esse título, liquidou a Ré ao Autor, a quantia de €7.850,00;

145) Os primeiros Autores têm ainda vindo a suportar o pagamento do IUC (Imposto Único de Circulação) do motociclo;

146) Tendo liquidado, até 27.06.2023, a título de IUC, as seguintes quantias: Ano de 2019 = €127,44; Ano de 2020 = €127,44; Ano de 2021 = €127,82; Ano de 2022 = €127,82; Ano de 2023 = €134,26;

147) O Autor viu ainda inutilizadas as roupas que usava nesse dia, a saber: uma t-shirt, umas calças de ganga e sapatilhas, tudo de marca, de valor não concretamente apurado;

148) Da mesma forma ficou danificado o capacete, o casaco e as luvas, de valor não concretamente apurado;

149) O Autor suportou despesas com a aquisição de medicamentos, no valor total de €580,73;

150) E também suportou, a nível dentário, o pagamento da quantia total de €1.425,00, sendo: €475,00, na aplicação de uma coroa aparafusada sobre implante dentário; €950,00 para exodontia de dente monorradicular e cirurgia para colocação de implante;

151) E ainda €79,00 em duas consultas, uma de Oftalmologia, e outra de Ortopedia, a título particular, no valor de €39,50 cada uma;

152) E €2,40 em meios complementares de diagnóstico e terapêutica;

153) E ainda €458,04, nos seguintes equipamentos:

€23,99 numa Pirâmide Quadripé com Punho Curvo, para a direita, para auxílio da marcha;

€100,99 numa almofada systam Viscoflex;

€181,99, numa cadeira de rodas e urinol;

€50,40, numa tala para pé;

€31,73 numa braçadeira de apoio;

€68,94 num apoio anto equino

154) E €37,00 em taxas moderadoras para consultas médicas no centro de saúde e hospitalares,

€7,00, a título de taxa moderadora, pela consulta n.º ..., de 20.08.2019;

€4,50, a título de taxa moderadora, pela consulta no Centro de Saúde, de 30.07.2019;

€7,00, a título de taxa moderadora, pela consulta n.º ..., de 15.07.2019;

€4,50, a título de taxa moderadora, pela consulta no Centro de Saúde, de 8.07.2019;

€7,00, a título de taxa moderadora, pela consulta n.º ..., de 2.07.2019;

€7,00, a título de taxa moderadora, pela consulta n.º ..., de 26.06.2019;

155) E também €367,50 em duas sequências de tratamentos de fisioterapia de €217,50 e €150,00;

156) Despendeu ainda a quantia total de €54,00 com estacionamento no Parque no Centro de Reabilitação;

157) Mais despendeu a quantia de €12,85 a título de despesas de deslocações para a realização das diversas avaliações periciais a que foi submetido;

158) À data do acidente o Autor era uma pessoa saudável, robusta, alegre, divertida, extrovertida e expansiva;

159) Deixou de ter os sonhos, as esperanças e as expectativas de vida que tinha, no contexto pessoal, familiar e profissional;

160) No momento do acidente, o Autor temeu pela sua vida e ainda teme pelas repercussões a nível de saúde;

161) A Autora BB, à data do acidente era empregada comercial, auferindo cerca de €800,00;

162) A partir de dezembro de 2018, a esposa do Autor passou a beneficiar de subsídio de desemprego até, pelo menos, junho de 2019;

163) A primeira Autora foi e é o suporte familiar desde o acidente, tendo assumido sozinha todas as decisões da família;

164) Para além dos dias a fio que passou no hospital, continua a frequentá-los, com frequência;

165) Teve de lidar com a possibilidade de o marido não sobreviver;

166) Teve de explicar à filha mais velha, a Autora CC que o pai poderia não sobreviver, e explicar-lhe a cada momento a situação para que a mesma estivesse a par da sua condição;

167) A primeira Autora tem de se acostumar à sua nova realidade de vida, seja na sua relação com o marido, seja na relação deste com os outros;

168) Tendo de reformular as expectativas de vida, nomeadamente no que concerne às suas filhas e à qualidade de vida que poderia vir a ter;

169) O Autor não vai poder acompanhar as suas filhas como faria se mantivesse as condições físicas e psicológicas à data do acidente;

170) As Autoras CC e DD terão de se acostumar à nova condição física do pai, mormente a questão da amputação do braço, a baixa mobilidade e destreza que agora tem;

171) Mas também no que diz respeito à questão mental;

172) Terão ainda condições de vida inferiores à que tinham antes do acidente e também às que perspetivavam ter, em face do acidente do pai;

173) A Autora CC teve de lidar, com apenas 7 anos, com a perceção de poder perder o pai;

174) O Autor nasceu no dia 15 de julho de 1981;

175) A Autora BB tinha, à data do acidente, 36 anos de idade;

176) A Autora CC tinha, à data do acidente, 7 anos de idade;

177) A Autora DD tinha, à data do acidente, 2 anos;

178) A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ..-..-QM achava-se transferida para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., válido e em vigor na data do acidente;

179) No âmbito do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, que correu termos no J3 do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, sob o n.º de proc. 7483/20.0T8VNG, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a renda mensal de €1.250,00, até ao dia 20 de cada mês, a título de reparação provisória do dano, desde novembro de 2020, bem como a suportar todos os tratamentos clínicos do ali Autor nos serviços convencionados daquela;

180) Em consequência das lesões sofridas pelo Autor, o Instituto da Segurança Social pagou ao Autor o montante de €17.126,45 a título de subsídio de doença, no período decorrido entre 21.10.2018 a 1.12.2018 e entre 3.12.2018 a 15.03.2021;

181) Como supra se referiu, de 21.10.2018 a 10.12.2019, o Autor recebeu tratamento no Centro Hospitalar ... E.P.E. consistente no internamento, na utilização de meios auxiliares de diagnóstico, respetivos procedimentos, terapêutica adequada e acompanhamento em consulta;

182) Os encargos dos tratamentos prestados ao Autor importaram em €21.217,71;

183) A Ré foi interpelada para proceder ao pagamento da quantia a que se alude no facto anterior através da plataforma Faturação Hospitalar às Seguradores (FHS) no dia 15.11.2018.


*

2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram outros factos que se não compaginem com os anteriormente enunciados, nomeadamente que:

a) O Autor, no indicado dia, hora e local em que ocorreu o acidente, circulava a uma velocidade não superior a 90km/h;

b) O Autor circulava a uma velocidade superior a 90km/hora;

c) O condutor do HV imobilizou o veículo junto ao sinal Stop;

d) O condutor do HV executou um movimento de ângulo reto;

e) O condutor do HV não viu, porque não era ainda visível, o motociclo conduzido pelo Autor quando se encontrava junto ao sinal Stop;

f) No momento em que o condutor do veículo HV inicia a manobra de mudança de direção à sua esquerda, o aqui Autor encontrava-se a mais de 100m do entroncamento;

g) Nestes mais de 100 metros que percorreu desde que o veículo seguro iniciou a manobra após a paragem no Stop, o aqui Autor não realizou qualquer manobra que permitisse evitar o sinistro ou, pelo menos, as consequências decorrentes do mesmo;

h) O condutor do HV não verificou a existência de circulação de veículos ou pessoas na via onde pretendia passar a circular,

i) O embate já se dá fora do entroncamento.

j) O HV foi embatido na sua traseira direita pelo QX e quando já havia terminado a mudança de direção;

k) O Autor circulava totalmente distraído;

l) O Autor embateu inicialmente na estrada;

m) Após as longas horas de espera, os médicos transmitiram aos familiares que havia apenas 50% de possibilidade de haver atividade cerebral, alertando desde logo que poderia não se registar qualquer atividade;

n) Mais transmitiram que teriam de aguardar 72 horas para confirmar o seu estado;

o) Da Unidade de Cuidados Intensivos, o Autor foi transferido para a Unidade de Cuidados Intermédios;

p) Teve de fazer várias transferências entre a Unidade I do Centro Hospitalar ... (antigo Hospital ..., junto ao ...), para a Unidade II (antigo Hospital 1..., junto ao Tribunal Judicial), por aí se encontrar instalado o serviço de Ortopedia, especialidade de que o Autor recorrentemente necessitou;

q) Durante o internamento no Hospital o Autor aparentava ter muito mais idade do que o que na realidade tinha;

r) Durante o internamento no Hospital o Autor falava com o pessoal de saúde, mas contava, em situações diferentes, histórias diferentes, afirmando inclusivamente coisas que são falsas, por exemplo dizia que tinha filhos (sexo masculino), que tinha 3 (três) filhos, ou que já eram maiores de idade, etc;

s) Atualmente, o Autor não consegue caminhar, nem sequer posicionar-se verticalmente;

t) Atualmente, o Autor tem que recorrer ao auxílio de cadeira de rodas e andarilho para se deslocar. Não se consegue deslocar sozinho, tendo perdido totalmente a sua autonomia e independência, necessitando recorrer a uma cadeira de rodas;

u) Atualmente, o Autor não consegue cuidar da sua higiene sozinho, necessitando sempre de auxílio de terceiros, nomeadamente para tomar banho;

v) Atualmente, o Autor precisa de ajuda, nomeadamente para encaminhar os alimentos à boca, encontrar os alimentos no frigorífico, servir os alimentos;

w) O Autor não consegue, de todo, colaborar nas atividades domésticas, tratar do seu veículo automóvel, resolver questões burocráticas da vida do casal.

x) O Autor tem os pontos internos na região axial do braço amputado, o qual liberta pus e cheiro pútrido constante, em resultado da rejeição dos pontos internos;

y) O Autor ficou também com o rosto notoriamente distorcido;

z) O Autor não consegue ver acima de determinado limite acima do seu campo de visão que lhe surge ofuscado por uma sombra;

aa) O Autor terá que ser sujeito a tratamentos de medicina dentária (para recuperação dentária, uma vez que perdeu dentição no acidente);

bb) O Centro Regional ... deu por concluídas as sessões em face da lista de espera daquele Centro e a necessidade do mesmo dar resposta a outras pessoas, nomeadamente àquelas que ainda não receberam qualquer tratamento;

cc) O Autor terá ainda de ser acompanhado permanentemente nas especialidades de cirurgia vascular, cirurgia plástica, dor crónica, urologia, neurocirurgia e neuropsicologia,

dd) O elevador instalado sofre frequentes avarias e carece de manutenção;

ee) A celebração de um contrato de manutenção da referida plataforma elevatória, importaria o pagamento de 30,00 € + IVA por mês, num valor de 36,90 € /mês;

ff) O Autor sente tristeza, vergonha e frustração por ter ficado com um dos testículos consideravelmente mais pequeno;

gg) À data do acidente, o Autor mantinha uma vida sexual naturalmente ativa, feliz e sem quaisquer problemas;

hh) A circunstância de não conseguir adotar determinadas posições durante o ato sexual causa-lhe desgosto não mais conseguiu voltar a ter relações sexuais da mesma forma;

ii) O Autor carece de uma prótese cosmética para o membro superior transumeral;

jj) Não foi possível sequer avançar com o projeto de construção da moradia, atendendo à condição do Autor, tendo sido investido esse valor na sua recuperação;

kk) O Autor não consegue obter financiamento para permitir a conclusão parcial da moradia, em condições que o Autor e o seu agregado familiar possam nela habitar;

ll) A casa que os Autores andavam a construir ainda não está concluída;

mm) Os primeiros Autores retiraram a filha mais velha da natação, o que lhes importava a despesa mensal de €35,00;

nn) Como o acompanhamento era feito por vários médicos, nem sempre as baixas iniciavam no dia seguinte ao fim da declaração de baixa anterior, o que criou ao Autor vários problemas, repartição e atrasos no recebimento das quantias auferidas a título de subsídio

oo) Estão a ser peticionadas ao Autor as despesas hospitalares, que ascendem a mais de €20.000,00;

pp) O Autor deixou de conduzir veículos ligeiros;

qq) Foi difícil para os Autores aceitarem as ajudas que tiveram de receber;

rr) A primeira Autora foi confrontada nas reuniões escolares que se seguiram ao acidente, que a filha CC andava muito triste e distraída, o que não era normal;

ss) Que notavam que havia nela uma maior necessidade de falar, sem contudo exteriorizar o sentimento em face da condição do pai;

tt) Devido às várias cicatrizes, pelo corpo e a todo o calvário que o Autor transporta consigo, a sua relação com o corpo e com a sexualidade não mais foi a mesma;

uu) Desde a data do acidente que o Autor tem receio de não conseguir corresponder às expectativas da sua companheira, na prática da atividade sexual do casal, por conta das suas várias limitações que o impedem de se relacionar sexualmente como outrora;

vv) Desde a data do acidente que a esposa do Autor se encontra desempregada e claramente indisponível para o trabalho.


*

II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º. Das impugnações da decisão de facto efetuadas pelo Autor e pela Ré.
Analisemos as impugnações da decisão da matéria de facto para que, ante a definitiva definição dos contornos fácticos do caso, possamos entrar na reapreciação da decisão de mérito.
Verifica-se, para tanto, que quer os Autores quer a Ré apresentaram alegações, observando os ónus de alegar e de formular conclusões, consagrados no nº 1, do artigo 639º, e deram cumprimento aos ónus impostos pelo nº1 e 2, do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, referindo os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados (e tal é efetuado nas conclusões das alegações, assim delimitado estando o âmbito do recurso na vertente da impugnação da matéria de facto), indicando elementos probatórios a conduzirem à alteração dos pontos impugnados nos termos si propugnados e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e exarando, ainda, as passagens da gravação em que fundamentados vêm os recursos, preenchidos se mostrando os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão de facto, os requisitos habilitadores a tal conhecimento.
Pacífico vem a ser, mesmo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso, podendo os demais ónus impostos vir cumpridos apenas no corpo das alegações[1].
Tem de se entender que os Recorrentes, ao cumprirem esses ónus, circunscreveram o objeto do recurso no que concerne à matéria de facto, nos termos exigidos pelo legislador e interpretados pelos Tribunais Superiores, sendo, por isso, de apreciar, os recursos, na vertente de mérito, das impugnações, estando eles balizados pelas conclusões.

1.1. Da impugnação da matéria de facto dos Autores.

Comecemos por apreciar a impugnação da matéria de facto efetuada pelos Autores/Apelantes que, como refere a apelada, não obstante terem procedido à transcrição de diversos trechos de passagens de inquirições de testemunhas, apenas impugnam um único facto - o ii) dos não provados -, não pugnando, especificadamente, nas conclusões das apelações, pela alteração de outro, sendo, por isso, aquele o a apreciar.

Pretendem os Autores apelantes que o facto

“ii) O Autor carece de uma prótese cosmética para o membro superior transumeral”,

considerado não provado pelo Tribunal a quo passe a provado.

Concluem os Autores não poderem conformar-se com a inserção deste facto no elenco dos factos não provados porque contradiz o disposto no facto 83.º, “Na sequência da amputação do braço na transição do terço médio para o terço superior, o Autor tem que usar uma prótese do membro superior com articulação do cotovelo e do punho, conseguindo efetuar a pinça entre o polegar 2.º e 2.º dedo.”, conforme as próprias declarações do Recorrente, em sede de julgamento e, além de ser a cosmética a que mais usa, vem a mesma recomendada no Relatório Pericial e tal é corroborado pelas declarações tomadas ao Autor, devendo considerar-se provado que “O Autor necessita, igualmente, de uma prótese cosmética para o membro superior transumeral”.

A apelada sustenta quanto a tal facto que não deve ser alterado por o Tribunal a quo ter considerado o que resultou do relatório pericial e ter entendido que o Autor necessita da prótese biónica, tendo, assim, considerado o mais, não o menos, daí que tenha dado como provado o facto 83) e como não provado o facto ii), não merecendo, nesta parte, qualquer censura.

Alegou o Autor, no requerimento de ampliação do pedido, a que não foi deduzida oposição, necessitar, também, da prótese para membro superior transumeral híbrida e cosmética e vem referido no Relatório pericial:

“3.3 Avaliação da necessidade de produtos de apoio

Definição de produtos de apoio necessários/ recomendáveis: … • Prótese transumeral para o membro superior esquerdo; …

A prótese, fornecida pela companhia de seguros, com mão elétrica, operada pelos movimentos da cintura escapular (switches), com a qual consegue executar movimentos de preensão, causa-lhe dor e desconforto, nomeadamente, pelo tipo de encaixe necessário e pelo seu peso. Por esse motivo, atualmente, apenas a usa em contexto de treino (Terapia Ocupacional) e em circunstâncias pontuais.

Parece-nos que poderá beneficiar com a utilização de uma prótese apenas cosmética (sem movimento da mão), efetuada com materiais mais leves, nas circunstâncias em que a finalidade estética seja mais importante”.
Entendeu o Tribunal a quo dar o referido facto como não provado fundamentando:
“Quanto à alínea ii), a referência a tal prótese apenas com finalidade cosmética é referida pelo parecer elaborado pelo Centro de Reabilitação ....
Porém, não constando essa menção do relatório final (que apenas refere a prótese híbrida) e não havendo elementos que permitam concluir da sua efetiva necessidade, deu-se por não provada a referida alínea ii)”.
Ora, a referida prótese, mesmo que apenas com finalidade cosmética, não pode deixar de se revelar necessária, como bem resulta do Relatório Pericial, a minorar o dano sofrido pela perda do braço a quem um real braço não pode ser atribuído, nem que somente para fins estéticos, de meramente aparentar tal membro por forma mais cómoda.
Assim, considerando as declarações do Autor, que refere o incómodo que lhe causa a prótese e daí a necessidade de ter de a tirar, e considerando o relatório pericial e as regras da normalidade e da experiência, não pode deixar de se considerar o referido facto provado.
Cumpre, pois, proceder à sua eliminação dos factos não provados e acrescentá-lo ao elenco dos factos provados, com a redação sugerida pelo Autor:
“184) O Autor necessita, igualmente, de uma prótese cosmética para o membro superior transumeral.”.
Destarte, julga-se procedente a impugnação da decisão da matéria de facto efetuada pelo Autor.

*
1.2. Da impugnação da matéria de facto da Ré.

Passemos à apreciação da impugnação da matéria de facto efetuada pela Ré.

Impugna a Ré/Apelante os factos 10), 15), 19), 101) e 102) dados como provados e o facto k) dado como não provado, pretendendo que, na alteração da decisão:

- o facto 10) passe a ter a seguinte redação:

“10. O veículo de matrícula QX circulava na sua via, no sentido ... –..., no seu sentido ascendente, a uma velocidade de, pelo menos, 80 a 90 km/h”.

- o facto 15) passe para:

“15. Junto ao sinal Stop, o HV imobilizou-se”.

- o facto 19) passe a ter a redação:

“19. Apesar de se ter desviado para a sua direita, o Autor embateu na lateral traseira da viatura HV”.

- em vez de não provado, se dê como provado que:

- “O Autor circulava totalmente distraído”.

- os factos 101) e 102) passem dos provados para os não provados.

Fundamentou o Tribunal a quo a decisão da matéria de facto nos seguintes, pormenorizados e esclarecedores, termos:

“… a convicção do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida, ponderada e valorada segundo as regras da experiência comum, concatenando-se a prova pericial produzida com o teor dos documentos constantes dos autos e com o teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas, bem como com as declarações prestadas pelos primeiros dois Autores. Realizou-se perícia de avaliação do dano corporal, tendo sido juntos aos autos relatórios intermédios em 11.03.2022, 18.07.2022, 29.08.2022, 26.09.2022 (perícia de Oftalmologia), 2.11.2022 (perícia de Ortopedia), 22.11.2022 (avaliação do impacto do acidente na funcionalidade e das necessidades de reabilitação e esclarecimentos de 18.01.1023 elaborado pelo Centro de Reabilitação ...), 17.01.2023 e 7.11.2023 (perícia de Psiquiatria), sendo o relatório final junto em 19.12.2023.

O relatório de averiguação realizado por incumbência da Ré foi junto aos autos em 11.04.2024 e contém, para além de outras, fotografias tiradas no local logo após o acidente, ainda com a presença dos bombeiros, fotografias do veículo de matrícula HV, onde é possível visualizar o local do impacto, e outros elementos que se revelaram importantes para a compreensão das caraterísticas do local e dinâmica do acidente.

Foi inquirida a testemunha II, agente da GNR, que elaborou o auto de participação de acidente anexo à petição inicial como documento n.º 1, que referiu que estavam a fazer uma patrulha de rotina quando se depararam com o acidente, que já tinha ocorrido. Mencionou que o local tem boa visibilidade, que situou entre os 90 e os 100 metros, que a cerca de 30 metros, considerando o sentido de trânsito do motociclo, há uns semáforos junto a um restaurante (“Sargento”) e muito espontaneamente mencionou que “Foi um veículo que se atravessou quando o Autor vinha a subir”. Referiu que no local o limite de velocidade máxima é de 90Km/hora. Mencionou que o Autor se encontrava inconsciente, a ser assistido por populares.

Mais disse que o automóvel já não estava no local onde tinha ocorrido o acidente e que no croquis que elaborou teve em consideração a indicação que o condutor do automóvel lhe deu (tal como aliás é aí assinalado), sem deixar de referir que este condutor aparentava ter problemas de destreza.

Referiu o sinal de trânsito derrubado, colocado a cerca de 30/40 metros do cruzamento onde se situa o restaurante, desconhecendo a sua distância do entroncamento, e cuja queda atribuiu ao embate do motociclo.

Mencionou o sentido ascendente da via, considerando o sentido de trânsito em que seguia o motociclo.

Foi ouvida a testemunha FF, enfermeiro de profissão, amigo do Autor, que seguia no seu motociclo, mais atrás, a uma distância que situou entre os 50 a 60 metros.

Referiu que à época era vizinho do Autor e que aos domingos era habitual irem ao ginásio, em ..., após o que iam dar um passeio de mota.

Que nesse dia foram tomar um café em Gondomar, perto da barragem, como já tinham feito anteriormente, percurso que escolhiam por ser junto ao rio e mais calmo do que a autoestrada e que já estavam a regressar a casa.

Disse que seguiam por uma reta, com uma extensão de cerca de 500 metros, que viu um carro, que não parou no entroncamento, a entrar na via, sem ter parado, que ainda se apercebeu que o Autor se tentou desviar em direção à berma, e que o Autor embateu nele, na parte lateral do automóvel, no pilar da porta traseira.

Mais afirmou que o Autor não conseguiu travar porque o automóvel entrou “direto”.

Foi confrontado a descrição do acidente subscrita pelo seu próprio punho em 9.11.2018, que integra o documento junto aos autos pela Ré em 11.04.2024, na qual afirmou que “deparo-me com um carro parado no cruzamento no meio da reta e que inicia a sua marcha no Stop onde estava parado e mete-se à estrada no momento em que o AA está a passar” explicando que mantinha o por si afirmado em sede de audiência, no sentido de que o automóvel não parou no Stop, que o viu sempre a avançar, em movimento e que o aí escrito seria um erro de expressão, o que se avaliará no confronto com os demais elementos probatórios constantes dos autos.

Mais afirmou que o Autor foi projetado por cima do carro, caindo vários metros à frente, que não conseguiu quantificar, numa valeta.

Referiu que o Autor estava inconsciente, que entrou em paragem cárdio-respiratória, que executou manobras de reanimação, conseguindo reverter a situação.

Mencionou a chegada da GNR e de uma senhora, que se disponibilizou a ajudar.

(…)

Foi inquirida a testemunha JJ, irmão do Autor, que seguia de motociclo no dia do acidente, atrás da testemunha FF, descrevendo o ritual habitual aos domingos de manhã.

Explicou que no local existe uma reta com cerca de 800 metros, a existência de um cruzamento, mais à frente, tomando o seu sentido de marcha, com semáforos, e de um entroncamento, com um Stop.

Referiu que vinham a subir a reta e que ao chegar ao entroncamento viu um carro a aproximar-se, a abrandar, sem que parasse, para depois seguir, em aceleração e atravessar-se à frente do Autor, sem que concluísse a perpendicular.

Mencionou a aproximação de um ligeiro, que vinha no sentido oposto em que seguiam.

Afigurou-se-lhe que o condutor do automóvel tentou desviar para a berma, para evitar o embate, e que o Autor terá feito o mesmo, chegando a pensar que este iria conseguir escapar do embate.

Referiu que o embate se deu na parte lateral do automóvel, na zona traseira, que o automóvel não chegou a endireitar totalmente.

Mencionou que tanto a mota, como o próprio Autor foram projetados, caindo numa zona de mato, a cerca de 5/6 metros do local do embate.

Assinalou o sinal caído, afirmando desconhecer se foi o Autor ou a mota que lhe embateu.

Referiu o estado de inconsciência do Autor, a massagem cardíaca que lhe foi ministrada pela testemunha FF.

Mencionou que seguiriam a uma velocidade de 80/90Km/hora, até porque se estavam a aproximar de um cruzamento.

(…)

Foi ouvida a testemunha KK que referiu ter presenciado o acidente, seguindo no sentido oposto ao do Autor.

Referiu que viu o automóvel a aproximar-se do entroncamento, que não parou (“meteu-se”) e que vinha uma mota e foi quando se deu o embate, que descreveu como sendo o carro a embater no motociclo (“frente do carro bate a meio da mota”).

Ficou com a perceção de que era uma senhora que vinha a conduzir (situação que ficou esclarecida quando o condutor do automóvel, a testemunha EE, referiu que seguia com a esposa no carro e que com o embate a porta do lado direito ficou empenada, motivo pelo qual a esposa teve que sair do seu lado).

Mais afirmou que viu o Autor a ser projetado, a ir pelo ar, embater numa árvore e a cair no chão.

Referiu que o motociclo circulava a uma velocidade normal e que o carro, com o embate, deu um solavanco e recuou.

Pese embora o seu depoimento apresente aparentes incongruências, certo é que tem que se ponderar que encontrando-se do lado oposto tinha o seu campo de visão limitado pelo veículo automóvel (quanto ao embate), afigurando-se-nos que as divergências apresentadas se prendem com a perspetiva que teve do acidente a partir do local que se encontrava.

Dificilmente uma testemunha concertada com as demais apresentaria estas divergências.

A forma serena como depôs, a sua não ligação a qualquer uma das partes e mesmo estas aparentes incongruências, explicáveis, e que denotam uma falta de concertação de depoimentos, permitiu dar-lhe credibilidade.

É certo que o seu nome não surge no auto de participação como testemunha. Mas referiu que deu o seu número de telefone à polícia e que não lhe foi pedida documentação naquela altura. Ora, o acidente foi muito grave para o Autor e compreende-se que a situação era suscetível de criar um grande stress ou pressão para todos os envolvidos no socorro e manobras acessórias, daí que se não relevou essa circunstância de não estar o nome no auto relevante (até porque foram identificadas duas testemunhas).

Depôs a testemunha EE, condutor do veículo de matrícula ..-..-HV, que pese embora as sérias dificuldades de perceção do seu discurso, foi possível perceber que disse que ia almoçar ao restaurante “Sargento”, próximo do entroncamento, que era o próprio que ia a conduzir e que ia acompanhado pela esposa.

Referiu que parou no Stop, não viu ninguém (afirmando ao mesmo tempo que “tem tempo para se meter”), que quando já está na outra faixa, com o carro direito, sente uma pancada e o carro foi abaixo.

Confrontado com as fotografias do automóvel anexas ao relatório junto aos autos em 11.04.2024, nas quais é visível que o ponto de embate é na parte lateral do veículo, negou a evidência, continuando a afirmar que o embate foi na traseira, ajustando o seu discurso para passar a dizer que foi no canto direito traseiro.

Referiu que o carro ficou parado no mesmo sítio do embate, que a porta do lado da esposa encravou, por isso esta teve que sair pela porta do seu lado.

Mais à frente, no seu depoimento, diz que quando saiu do entroncamento viu ao fundo a mota e que passados dois segundos apareceu junto de si.

Logo a seguir, disse que vê a mota pela primeira vez, a 500 metros, quando já está a passar no meio da estrada.

Na descrição do acidente anexa ao relatório junto aos autos em 11.04.2024, escreveu que estava parado no Stop, que viu a mota a 500 metros, “tenho mais que tempo e entro quando já estou dentro da minha via com o carro já direito sinto uma pancada violenta na parte lateral direita traseira”.

Não se consegue compreender como é que estando o carro “direito” na via, porque a manobra tinha sido concluída, surge a zona de impacto do lado direito.

As incongruências do seu depoimento foram de tal ordem que não pode ser acolhido quanto à versão do acidente, até por razões que a seguir melhor explicaremos.

Foram inquiridas as testemunhas LL e MM, ambos peritos averiguadores, que elaboraram o relatório de averiguação junto aos autos em 11.04.2024, descrevendo as diligências que realizaram e o modo como obtiveram as fotografias tiradas após o acidente (através dos Bombeiros ...).

Mencionaram a falta de medidas no croquis elaborado, bem como a da menção a uma terceira testemunha e a circunstância da primeira patrulha que chegou ao local, que nem era de ..., ter dado ordem para que o veículo automóvel fosse retirado do local.

Referiram que tanto o Autor como o motociclo foram projetados, respetivamente, a 25 e 35 metros do local do embate, tiveram uma trajetória oblíqua ou diagonal em relação ao sentido em que seguiam.

Mencionaram que o veículo automóvel ainda não estava completamente alinhado na estrada aquando do embate, encontrando-se na estrada numa posição oblíqua em relação ao seu eixo o que se verifica pela zona embatida, a da roda de traseira do lado direito (afirmando que o carro era de três portas).

A segunda testemunha referiu que a visibilidade no local era de 500 metros.

Estranharam não haver nenhuma manobra de recurso do condutor do motociclo (curiosamente não tiveram a mesma estranheza em relação ao condutor do veículo automóvel) nomeadamente tentativa de travagem, o que explicaram que se poderia dever à velocidade a que circulava.

Note-se que as testemunhas FF e JJ referiram que o Autor tentou evitar o embate desviando-se para a direita.

A própria testemunha MM também o afirmou, ainda que indiretamente, referindo que o condutor do automóvel não facilitou a manobra.

Considerando que o automóvel foi embatido na zona lateral, no pilar traseiro, pois só assim se explica os poucos danos que apresenta, o facto de não estar ainda paralelo ao eixo da via e a circunstância do motociclo estar a desviar para a direita no momento do embate explica, simultaneamente, a projeção do motociclo e do seu condutor (porque não bate de frente no carro mas sim obliquamente), bem como a trajetória que ambos seguiram após o embate, ou seja, para a direita e não em frente.

Como tal, afirmar que não existiu manobra de recurso por parte do condutor do motociclo é demasiado redutor, já que apenas considera como tal a travagem, sendo que a tentativa de desvio também integra esse tipo de manobras.

(…)

… quanto à velocidade a que o fazia, que integra o facto 10º e as alíneas a) e b), não foi possível determiná-la.

Por um lado, a falta de marcas de travagem no pavimento não permitem concluir, como pretende a Ré, que circulava a uma velocidade superior aos 90Km/hora porquanto, como manobra de socorro ou de recurso, afirmaram várias testemunhas que o condutor do motociclo tentou desviar para a direita (a testemunha MM foi mais longe ao afirmar que o condutor do automóvel não facilitou a manobra).

(…)

A tentativa de desvio para a direita por parte do condutor do motociclo representa uma manobra ou tentativa de escapar ao embate que até poderia ser bem sucedida, caso o condutor do veículo automóvel tivesse travado ou encurtasse a manobra que executava, mantendo-se mais à esquerda.

Eleger a travagem como única forma de escapar ao embate, quando o condutor do veículo automóvel não o fez, e daí retirar que se não houve travagem é porque seguia o motociclo a uma velocidade tal que sabia o seu condutor não lhe ser possível travar no espaço livre e visível à sua frente, quando percorria uma reta com 500 metros de visibilidade, sem haver qualquer indício de que circulasse qualquer outro veículo à sua frente, em que o limite de velocidade é de 90 Km/hora, numa via de trânsito com uma largura de 3,75m é, no mínimo, limitado.

Isto porque, em 3,75m seria perfeitamente possível passarem o motociclo e o automóvel e, naquelas circunstâncias, afigura-se-nos que a manobra de desvio para a direita, aliada a uma aceleração instantânea da velocidade, sendo previsível que o automóvel não ocupasse toda a largura da via de trânsito e o seu condutor tivesse o reflexo de se manter à esquerda, seria a manobra mais adequada a evitar o embate.

Daí que não se possa desde logo afirmar que o Autor seguia distraído (alínea k).

Mas também não foi produzida prova, com a adequada consistência, como não o é normalmente nestes casos, de que seguia o motociclo a uma velocidade igual ou inferior a 90Km/hora.

Assim sendo, não foi possível concluir qual a velocidade a que circulava o motociclo e daí a restrição do facto 10º e a não prova das alíneas a) e b).

Quanto à prova do facto 15º e à não prova da alínea c) se várias testemunhas referiram que houve um abrandamento quando o automóvel chega ao entroncamento e, necessariamente, junto do sinal Stop, apenas o condutor afirmou que parou.

É certo que a testemunha FF, como supra se afirmou, declarou por escrito na fase de averiguações que a Ré levou a cabo, que viu o automóvel a parar.

Em tribunal não o confirmou e confrontado com essa afirmação explicou que se trataria de um problema de expressão.

A testemunha KK, cujo depoimento mereceu credibilidade, dada a sua falta de ligação a qualquer um dos condutores, foi muito clara em referi-lo, o que igualmente foi afirmado pela testemunha JJ.

(…) A testemunha EE, de forma titubeante, ora afirmando que não viu o motociclo, ora afirmando que o viu, mas a uma distância que lhe permitia executar a manobra, acabou por mudar de direção à esquerda, num movimento que intercetava a linha de trânsito do Autor, no momento em que este seguia numa via prioritária.

Pelos cálculos que supra se explanaram, é forçoso concluir que o motociclo já se encontrava a percorrer a reta no momento em que o automóvel atinge o entroncamento e o condutor decide avançar.

A que distância estava o motociclo do entroncamento nesse momento também se ignora.

Por certo temos o embate.

A testemunha KK afirmou que o automóvel passou o entroncamento e a perceção que tem é que foi embater no motociclo, o que se não demonstrou mas que não colocou em causa o seu depoimento dado o ângulo em que estava posicionada, com o motociclo encoberto pelo automóvel, e dá bem a perceção de que é o automóvel que corta a linha de trânsito do motociclo.

As testemunhas FF e JJ depõem nesse sentido de que o automóvel avançou no momento em que o motociclo ia a passar e, segundo o último, apesar da manobra de desvio para a direita, o Autor não conseguiu evitar o acidente.

Seguramente que o automóvel, pela zona onde foi embatido, não tinha terminado de executar a manobra de mudança de direção.

Nesta ponderação, ter-se-á que equacionar que aperceber-se o condutor do automóvel da presença do motociclo e ainda assim decidir avançar, sabendo que necessariamente este ficaria cada vez mais próximo, com o risco de intercetar a sua trajetória e não parar ou abrandar, ainda que a meio desse percurso, a fim de o deixar passar, constituiria uma ação quase suicida, praticada por alguém que não mostra a mínima capacidade para conduzir, na vertente de avaliação do risco, porque seriam sempre imprevisíveis as respetivas consequências, mesmo para o próprio.

Pela forma atrevida ou destemida como as testemunhas descrevem ter o automóvel entrado na via principal e a forma como ignorou a presença do motociclo, seríamos levados a concluir que o condutor não verificou o trânsito que se fazia sentir, e isto independentemente da velocidade a que este seguia porque forçosamente já era visível.

(…) Sem prejuízo da surpresa que deverá ter constituído a presença do veículo automóvel, certo é que ficou demonstrado, nos termos que supra se indicaram, a realização da manobra de recurso pelo Autor, para cuja execução seriam necessárias frações de segundo, e daí a prova do facto 19º.

(…) Para a prova dos factos 100º a 102º ponderou-se o relatório pericial (versão final), bem como o parecer do Centro de Reabilitação ..., do qual consta o preço respetivo e a necessidade de substituição a cada cinco anos.

Cabe assinalar que pese embora a referida dificuldade do Autor em se orientar e a facilidade com que se perde, pela dificuldade em memorizar percursos, certo é que a Autora, nas suas declarações de parte referiu que aquele, após muita insistência, consegue reter percursos, nomeadamente, para ir buscar as filhas à escola.

Para além disso, ponderou-se a óbvia mais valia que constituiu para o Autor, em termos de autonomia e de autoestima, a manutenção da competência para conduzir, mesmo que para tal seja necessário proceder à adaptação do respetivo veículo …” (negrito nosso).

Assim tendo o Tribunal a quo indicado a motivação da sua convicção, numa análise crítica de toda a prova produzida, pretendendo a Ré Recorrente que o facto n.º 10[2]. contenha a expressão “de, pelo menos, 80 a 90 lm/h”, os Recorridos entendem que o facto deve manter-se inalterado, mais referindo que o limite de velocidade nesse local é de 90 km/h. E pretendendo a Recorrente que o facto 15[3] passe a ser “Junto ao sinal Stop, o HV imobilizou o veículo” e os Recorridos afirmam ter-se provado que o veículo HV abrandou a marcha, não tendo nunca chegado a imobilizar-se. Pretendendo alteração de matéria conclusiva do facto 19[4], os Recorridos entendem que o mesmo se deve manter inalterado uma vez que o Recorrido AA não teve possibilidade de evitar o sinistro, ainda que, atento, o tivesse tentado, ao desviar-se para a direita. A recorrente pretende que os factos 101. e 102[5] se considerem não provados e os Recorridos entendem que bem se decidiu.

Cumpre apreciar.

Quanto à pretendida alteração do ponto 10, cumpre referir que, como consta dos factos não provados, resultou não provado que “a) O Autor, no indicado dia, hora e local em que ocorreu o acidente, circulava a uma velocidade não superior a 90km/h;” e, também, que “b) O Autor circulava a uma velocidade superior a 90km/hora;”. Não dispõe o Tribunal de elementos de prova que permitam dar como provado que o Autor efetivamente seguia a “uma velocidade de, pelo menos, 80 a 90 km/h” (bem podendo circular a 80 Km/h ou até a velocidade inferior). A pretendida resposta diversa estaria em contradição com o facto não provado da al. a) dos não provados, a menos que pudesse ser considerada provada a velocidade de 90Km/h, e, com rigor não se apurou a velocidade a que seguia. Com efeito, as testemunhas referidas pela Ré/Apelante FF e JJ, apesar de afirmarem a velocidade a que eles mesmos seguiriam, mas sem o poderem afirmar com rigor por, naturalmente, não irem a, nisso, reparar, não podem afirmar, de modo sustentado, a que velocidade seguia o Autor, nem que era de, pelo menos 80 a 90 Km/h. Por outro lado, da violência do embate, que resulta dos factos dados como provados em 21. e 23., não resulta prova de circulação a uma velocidade igual ou superior aos 80 a 90 km/h, podendo resultar, desde logo, de o Autor não ter travado dado, repentinamente, o veículo segurado pela Ré se lhe ter atravessado à frente.


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Quanto à pretendida alteração do ponto 15, por forma a que passe a provado que “Junto ao sinal Stop, o HV imobilizou-se”, temos que bem foi dado como não provado, na alínea c) dos factos não provados, que se não provou que “o condutor do HV imobilizou o veículo junto ao sinal Stop;”, resultando, mesmo, da prova produzida que tal se não verificou, tendo o condutor prosseguido sempre a marcha até que ocorreu o embate. Que tal imobilização não sucedeu, resultou do depoimento das referidas testemunhas que seguiam na mesma via que o Autor e no mesmo sentido de marcha deste, o FF, imediatamente atrás do Autor, e JJ, atrás do referido FF, os quais, que seguiam a menos de uma centena de metros entre si, presenciaram a entrada do referido veículo na via por onde seguiam, a circular sem ter parado no sinal de stop em causa e a atravessar-se na via em que seguiam, cortando a marcha do Autor. Também KK que, vinda em sentido contrário ao do Autor, a tudo assistiu, referiu, de modo pormenorizado, desinteressado e isento, como bem esclarece o Tribunal a quo, o que presenciou, bem revelando não ter o HV estado imobilizado junto ao sinal de Stop – dizendo “vi o carro meter-se”, “o carro nunca chegou a estar parado”, “meteu-se na estrada nacional sem ter parado” – e que tal veículo seguiu sempre e entrou na via por onde o Autor seguia quando o Autor se encontrava a passar, impedindo a sua passagem. Esclareceu, mesmo, que o HV se não chegou a endireitar na via para onde, inopinadamente e sem que se estivesse a contar, entrou (“o carro não chegou a endireitar-se”, “ao tempo que entra o carro ficou ligeiramente inclinado”). Conclui a Ré/Apelante, quanto ao facto 15), que da conjugação do documento junto no dia 11.04.2024, correspondente ao relatório de averiguação, mais concretamente a página 46 referentes às declarações manuscritas pela testemunha FF e as declarações que esta testemunha prestou no dia 02 de Maio de 2024, das 09:46 às 10:05 (depoimento gravado no Habillus Media Studio) deverá resultar provado que o veículo seguro se imobilizou junto ao sinal STOP. Sustenta que “não só a testemunha confirmou a autenticidade do documento como tendo por si sido escrito (minuto 06:30), como, depois, não apresentou uma justificação válida para se desconsiderar as suas declarações escritas poucos dias após o sinistro (minutos 07:00 a 07:50). se a testemunha, 19 dias após o sinistro, escreve “carro parado no cruzamento no meio da recta e que inicia a sua marcha no STOP onde estava parado”, o que efectivamente pretendeu dizer é que o carro, de facto, parou no STOP – pelo que será de considerar o que consta do documento e já não o que referiu em julgamento”. Ora, bem resultou da prova produzida em julgamento que assim não sucedeu, bem esclareceu, de modo credível, convincente e pormenorizado a referida testemunha, bem como as outras duas referidas JJ e KK, com particular rigor e pormenor esta última, que nenhum interesse revelou ter na decisão da causa, não conhecendo ninguém relacionado com o acidente, que o veículo não parou no Stop, tendo avançado sempre, sem parar, cortado a marcha ao Autor que se encontrava, nesse momento, a passar, o que não foi considerado pelo condutor do veículo HV.

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Quanto ao ponto 19) pretende a Ré que lhe seja dada a redação “Apesar de se ter desviado para a sua direita, o Autor embateu na lateral traseira da viatura HV”, por a expressão “não teve como evitar o sinistro” ser conclusiva.

Tendo o ponto 19 a redação “19. Apesar de se ter desviado para a sua direita, o Autor não teve como evitar o sinistro e embateu na lateral traseira da viatura HV”, temos que, na verdade, sendo conclusiva e expressão “o Autor não teve como evitar o sinistro” tal ponto 19 passará a ter a seguinte redação, provada nos autos pelo depoimento das três testemunhas acabadas de mencionar, que ao embate e a toda a dinâmica do acidente e ao que o motivou assistiram e que depuseram de forma credível:

19. Apesar de o Autor se ter desviado para a sua direita, para evitar o embate, este ocorreu entre o motociclo do Autor e a parte lateral traseira da viatura HV.


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Quanto ao facto K) dado como não provado pretende a Ré seja o mesmo alterado e se considere provado que “O Autor circulava totalmente distraído”, pois que a circunstância de não ter travado no tempo e espaço disponível para o efeito e a circunstância de só muito próximo do embate ter efetuado a manobra de recurso de desviar para a direita, associado à violência do embate e respetiva projeção permitem concluir que esta dinâmica só foi possível porque o Autor/Apelado seguia desatento. Considera a Ré “se o Autor/Apelado seguisse atento, ao longo dos 4 segundos que teve nos 88 a 100 metros que dispôs tinha tido tempo e espaço para travar e evitar o sinistro ou, no limite, evitar as consequências que o mesmo acabou por ter”. Ora, nada permite concluir que o Autor seguia distraído, desatento, resultando, mesmo, ao invés, que seguindo o Autor já muito próximo, o veículo HV não parou no sinal de stop e, inesperadamente, entrou na via, sendo que do depoimento das testemunhas FF e JJ bem resultou, de forma convincente e clara, que, embora o Autor tenha tentado desviar-se para a direta para evitar o embate, a revelar condução atenta, o não conseguiu.

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Quanto aos factos dos pontos 101) e 102), com a seguinte redação “101) A adaptação de um automóvel à condição física do Autor terá um custo, nunca inferior a €15.000,00;” e “102) Sendo que, sensivelmente a cada cinco anos terá necessidade de proceder à sua substituição”, pretende a Ré apelante sejam considerados não provados, porquanto do relatório elaborado pelo Centro de Reabilitação ... de 22.11.2022, com os esclarecimentos de 18.01.2023 não consta que a adaptação de um automóvel à condição física do Autor terá esse custo e no que à necessidade de proceder à sua substituição diz respeito, o período indicado de cinco anos é meramente indicativo, pelo que tais factos devem resultar não provados.

Ora, alega o Autor, em ampliação do pedido, a que não foi deduzida oposição, as referidas despesas com a adaptação de veículo. Para a prova dos factos 101º e 102º ponderou-se toda a prova produzida, em particular o relatório pericial (versão final)[6], bem como o parecer do Centro de Reabilitação ..., do qual constam preços, a levar em consideração dentro da normalidade e regras da experiência, e a necessidade de substituição a cada cinco anos. E pese embora a dificuldade do Autor em se orientar e a facilidade com que se perde, pela dificuldade em memorizar percursos, certo é que a Autora BB, nas suas declarações de parte referiu que aquele, após muita insistência, consegue reter percursos, nomeadamente, para ir buscar as filhas à escola e, como bem acrescenta o Tribunal a quo tal é benéfico para o mesmo em termos de autonomia e de autoestima, sendo de preservar e incrementar a sua competência para conduzir, mesmo que para tal seja necessário proceder à adaptação dos veículos.

Resulta do Relatório Pericial “Necessita de veículo ligeiro de passageiros adaptado tendo já efetuado exame de condução no Centro de Reabilitação ..., estando já definidas as adaptações necessárias”, “veículo conforme relatório da perícia efetuada no CRP...” e v., ainda, Parecer do CRP..., Cento de Reabilitação Profissional ..., a referir as “necessidades de reabilitação” designadamente ao nível de “adaptações automóveis” a serem efetuadas de “5 anos”.
Revisitada a prova e vista a decisão da matéria de facto, supra, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe o erro de julgamento que a recorrente aponta, ao invés a matéria de facto foi, objetiva, livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum e na normalidade não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.

Efetuou este Tribunal a análise da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação deva proceder à alteração da decisão da matéria de facto.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida nos termos que bem refere.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra, sendo que a Ré não deduziu oposição ao requerimento de ampliação de pedido apresentado em 15/1/2024.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Tendo a convicção do julgador para a referida resposta negativa, apoio nos ditos meios de prova produzidos e na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, é de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir ao mero convencimento subjetivo da Ré Apelante.
Não resultando erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), que também é, como vimos, a nossa, havendo concordância entre a apreciação probatória do Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
Não estamos perante erro de julgamento, mas, sim, ante livre convicção do julgador de 1ª instância que, também, é a nossa, não tendo este Tribunal ficado convencido das razões apresentadas pela apelante, meramente sendo de alterar a redação do ponto 19º, dos factos provados nos termos expostos.

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Passando o ponto 19º, dos factos provados a ter a redação suprarreferida - 19. Apesar de o Autor se ter desviado para a sua direita, para evitar o embate, este ocorreu entre o motociclo do Autor e a parte lateral traseira da viatura HV;-, improcede, na parte restante, o recurso da Ré, na vertente da impugnação da matéria de facto.

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São, assim, os seguintes os factos provados com relevância para a decisão:

1) O Autor AA é marido da Autora BB, os quais são pais das Autoras CC e DD;

2) No dia 21.10.2018, pelas 12:00 horas ocorreu um acidente na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia;

3) Nele foi interveniente um veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-HV, da marca Volkswagen, modelo ..., conduzido por EE;

4) E o motociclo, com a matrícula ..-QX-.., da marca Ducati, que tinha como condutor o Autor AA;

5) O local, onde ocorreu o acidente, configura-se como uma rodovia em linha reta, com cerca de 500m, composta por faixa de rodagem com duas vias de trânsito;

6) Cada corredor de circulação mede cerca 3,75 metros de largura, possuindo berma pavimentada nas extremidades;

7) O piso é, como era, betuminoso e encontrava-se em bom estado de conservação;

8) O pavimento estava seco e limpo;

9) No local, a Avenida ... tem uma inclinação de 7%.

10) O veículo de matrícula QX circulava na sua via, no sentido ... –..., no seu sentido ascendente, a uma velocidade não concretamente apurada;

11) A via é composta por linha mista, ou seja, linha contínua adjacente a linha descontínua;

12) Sendo a linha contínua a mais próxima do sentido de trânsito do QX;

13) O entroncamento da Rua ... com a Avenida ... aparece do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do Autor;

14) O veículo HV procedia da Rua ..., a qual se encontra sinalizada com sinal Stop e pretendia seguir o mesmo sentido de trânsito do motociclo QX;

15) Junto ao sinal Stop, o HV abrandou a marcha;

16) Prosseguindo a sua marcha em direção à sua esquerda,

17) Desde que o HV passa o sinal Stop até que é embatido decorreram, pelo menos e se não mais, 4 segundos.

18) O Autor foi surpreendido pelo veículo HV que se intrometeu na sua via de trânsito;

19) Apesar de o Autor se ter desviado para a sua direita, para evitar o embate, este ocorreu entre o motociclo do Autor e a parte lateral traseira da viatura HV;

20) Não há qualquer marca de travagem registada no chão;

21) Compelido pela violência do embate, o Autor foi projetado pelo ar, sobre os rails metálicos de proteção situados sobre o lado direito da faixa de rodagem, tendo inclusive derrubado um sinal de trânsito aí existente;

22) Caindo num descampado desnivelado (bastante inferior em comparação com o nível da estrada), onde ficou imobilizado;

23) O local onde o Autor ficou imobilizado situa-se a cerca de 35m do local do embate;

24) Tendo tido imediata perda de consciência;

25) Foi assistido de imediato, no local, pelo seu amigo FF, que é enfermeiro e o acompanhava, noutro motociclo, no passeio de lazer como tantas vezes faziam aos domingos;

26) Depois foi ainda assistido pela equipa de VMER e pela equipa de socorro dos Bombeiros Voluntários ...;

27) No local esteve ainda a GNR;

28) De seguida, foi transportado de urgência para o Centro Hospitalar ...;

29) Aqui deu entrada no Serviço de Urgências, tendo sido assistido pela equipa médica e submetido a vários exames;

30) O Autor apresentava quadro de politraumatismo grave;

31) Apresentava concretamente:

a) Traumatismo crânio-encefálico (TCE), com vários focos de hemorragia;

b) Fratura de braço esquerdo, com deformidade;

c) Fratura exposta do fémur esquerdo GA1 com ferida sangrante na região anteromedial;

d) Fratura maleolar direita, com exposição;

e) Fratura completa do terço distal da diáfise femoral esquerda, com exposição;

f) Traço de fratura completo, horizontal, no terço superior da diáfise peronial esquerda, sem afastamento dos topos;

g) Fratura cominutiva do maléolo medial e epífise tibial direita com atingimento intra-articular;

h) Rotação e luxação do osso astrágalo, com perda da congruência da articulação tíbio astragalina e exposição cutânea

i) Fratura da vertente medial do sustentaculum tali.

j) Traço de fratura vertical no terço lateral do osso navicular direito;

k) Fratura cominutiva do osso cuboide com consequente redução da altura do mesmo;

32) Foi sujeito à primeira cirurgia a qual demorou várias horas;

33) Após, o Autor ficou fortemente sedado e com ventilação invasiva, com suporte de ventilador e entubado;

34) Diminuída a sedação, no dia 26 de outubro de 2018 o Autor demonstrou reação;

35) Mas ainda continuou sedado e analgesiado, atentas as dores;

36) Passou cerca de 15 dias na Unidade de Cuidados Intensivos;

37) E daí passou para a enfermaria;

38) Realizou cinco cirurgias na tentativa de revascularização do braço esquerdo;

39) Não obstante as várias tentativas de revascularização do membro, o Autor teve de ser submetido a uma sexta cirurgia da especialidade de Cirurgia Vascular, em 17 de janeiro de 2019, para amputação transumeral (entre a articulação do ombro e o cotovelo) do braço esquerdo;

40) Fez três intervenções cirúrgicas em Cirurgia Plástica;

41) Uma das intervenções de Cirurgia Plástica destinou-se a colocar um enxerto no pé direito, com retalho sural de fluxo reverso, que foi suturado no pé, para fazer cicatrização de ferida ali aberta que não sarava e estava sempre infecionada;

42) E mais três cirurgias na área de Ortopedia;

43) A última cirurgia de Ortopedia que realizou, em 19 de novembro de 2020, foi ao pé, para fixação do mesmo à perna, através de vara;

44) No período entre cirurgias, ocorreu uma situação de hemorragia;

45) Durante o internamento desenvolveu úlcera de pressão na região sagrada, o que o levou a realizar uma das cirurgias a que se alude no facto 40º, e retardou a sua transferência para o Centro de Reabilitação ...;

46) Ficou internado no Centro Hospitalar ... entre 21.10.2018 e 7.06.2019, ou seja, durante quase oito meses,

47) Após a alta de internamento, o Autor foi orientado para posterior acompanhamento em Consulta Externa, nas várias especialidades, o que ainda mantém;

48) Tendo sido admitido no Centro de Reabilitação ... (...), em 8.08.2019, onde ficou em regime de internamento, para reabilitação neuromotora e funcional, até 15.10.2019;

49) Aí, o Autor fez fisioterapia;

50) Durante o período de internamento no Centro de Reabilitação ... (...) sofreu o Autor uma infeção por Klebsiella pneumoniae, bactéria multirresistente que implicou o isolamento do Autor;

51) O Autor, durante esse período (8.08.2019 a 15.10.2019) apenas passou a ir a casa no último mês, apenas aos fins de semana;

52) Regressar a casa, ainda que por dois dias, era-lhe custoso;

53) O Autor, depois de quase dez meses de internamento, sentia que o relacionamento com as filhas estava diferente, e que parecia que a mais nova nem o conhecia;

54) Além disso, teve que se adaptar à sua nova condição,

55) E teve que adaptar as suas coisas à sua situação;

56) Tendo tido alta do Centro de Reabilitação ..., o Autor foi medicado com Tramadol, Gabapentina, Cindamecina, trazodona, macrogol, metifenidato e ácido fólico

57) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13.12.2021;

58) O Défice Funcional Temporário Total situou-se entre os dias 21.10.2018 e 15.10.2019, e entre 18.11.2020 e 23.11.2020, sendo fixável num período de 366 dias;

59) O Défice Funcional Temporário Parcial situou-se entre 16.10.2019 e 17.11.2020, entre 24.11.2020 e 13.12.2021, sendo fixável num período 418 dias;

60) A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total situou-se entre 21.10.2018 e 13.12.2021, sendo fixável num período total de 1150 dias;

61) Como causa direta e necessária do acidente, o Autor apresenta, atualmente, dificuldade em ajoelhar e agachar (necessita de apoio) e em permanecer de pé;

62) Realiza marcha em superfícies planas e lisas e apenas por pequenos percursos, com apoio em tripé;

63) Não consegue correr, saltar, transpor degraus ou percorrer longas distâncias;

64) Tendo que recorrer ao auxílio de terceiros para se deslocar quando não estão em causa pequenos percursos ou quando o piso é irregular, inclinado ou tem obstáculos;

65) Necessita de ajuda de terceira pessoa para as seguintes tarefas do seus dia a dia, para além de outras de acordo com as queixas que apresenta:

Manusear objetos que requeiram o uso do membro superior esquerdo;

Realização de atividades bimanuais tais como: abotoar, dar laços, lavar e secar o membro superior direito, preparar os alimentos, colocar o relógio, colocar a prótese do membro superior esquerdo,

66) Tem de tomar precauções para prevenir quedas, por sofrer de problemas ao nível do equilíbrio;

67) O Autor, resultante do acidente, ficou com alterações graves das funções de memória de curto prazo, dificuldades de elaboração de estratégias complexas e lentificação ideativa;

68) Coisas tão simples como ser recetor de um recado banal torna-se complicado, porque o Autor não retém a informação, esquecendo-se no momento a seguir;

69) Apresenta dificuldades de concentração;

70) O Autor não consegue orientar-se, nas estradas e caminhos, tendo que recorrer ao telemóvel,

71) Tendo inclusivamente ficado com amnésia para o acidente e para um período subsequente não concretamente apurado;

72) Tendo sido diagnosticado, ao nível da perceção visual, com Prosopagnosia (cegueira dos rostos) não reconhecendo nenhum rosto que vê, nem o seu próprio e dos familiares próximos, inclusivamente em fotografias, apenas reconhecendo as pessoas pela voz;

73) O que implica, por exemplo, que o Autor não consiga reconhecer ou distinguir numa fotografia um gato de um leão bebé;

74) Tem também problemas de visão, tendo ficado limitado na amplitude dos campos visuais;

75) E ficou também com um testículo reduzido no seu tamanho, mas funcional;

76) À data do acidente, o Autor era já casado com a atual companheira, também Autora nos autos,

77) Desde a data do acidente que o Autor está impossibilitado de realizar determinadas posições durante o ato sexual;

78) Tal limitação também afeta a Autora BB;

79) A Repercussão Permanente na Atividade Sexual é fixável no grau 5, numa escala de 7 de gravidade crescente;

80) O acidente, as sequelas e os tratamentos a que foi submetido o Autor causaram-lhe forte abalo na sua condição psíquica já que se sente um incapacitado, preso no seu corpo, não consegue dormir, o que o deixa preocupado, ansioso, depressivo e revoltado;

81) Causando-lhe instabilidade do humor, apresentando sintomatologia ansiosa e depressiva;

82) Afetando com isso, aqueles que mais próximos lhe estão e que maior auxílio lhe prestam;

83) Na sequência da amputação do braço na transição do terço médio para o terço superior, o Autor tem que usar uma prótese do membro superior com articulação do cotovelo e do punho, conseguindo efetuar a pinça entre o polegar e o 2º e º 3º dedo.

84) Apresenta, ao nível do ráquis, escoliose do dorso lombar de convexidade direita;

85) Ao nível do membro inferior direito, o Autor não tem mobilidade da articulação tibiotársica.

86) Ao nível do pé direito, não faz a eversão e a inversão do pé;

87) Faz a flexão mas não faz a extensão dos dedos do pé direito;

88) Ao nível do pé esquerdo apresenta pendente com ligeira rotação para dentro, não faz a dorsiflexão do pé nem a extensão dos dedos e sem movimento ativo de inversão e eversão;

89) O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 79 pontos;

90) As sequelas apresentadas pelo Autor são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra profissão;

91) As sequelas apresentadas pelo Autor têm repercussão na sua independência e autonomia, tornando-o dependente da ajuda parcial de terceira pessoa conforme as queixas apresentadas;

92) A título de ajudas técnicas, a prótese do membro superior esquerdo carece de vigilância e de ser substituída quando for adequado, tendo um custo estimado entre os €25.000,00 e os €40.000,00;

93) Carecerá o Autor, permanentemente, de recorrer a medicação prescrita pelas especialidades de Ortopedia e Psiquiatria;

94) Carecerá ainda, de forma permanente, de tratamentos médicos regulares em consultas de Psiquiatria, Ortopedia, Oftalmologia e Fisiatria, com periodicidade bianual;

95) E terá que ser acompanhado pelo médico de família;

96) Carecerá ainda, de forma permanente, de integração em programa de reabilitação abrangente como componente de estimulação cognitiva e apoio emocional;

97) O Autor teve que efetuar alterações no seu domicílio para o compatibilizar com a sua condição física atual;

98) Para o efeito, colocou uma plataforma elevatória na sua nova habitação, para que possa deslocar-se mais facilmente dentro da sua residência, em face das limitações que apresenta, o que lhe importou o custo total de € 9.324,14;

99) O Autor tem necessidade de possuir um veículo automóvel adaptado à sua condição física, de modo que, dentro das suas limitações, possa recuperar alguma da sua independência;

100) Tal permite-lhe efetuar algumas deslocações exteriores, com maior autonomia, como por exemplo poderia ir levar e buscar as suas filhas à escola, deslocar-se para tratamentos ou assistência médica, poderia assumir o volante nas viagens;

101) A adaptação de um automóvel à condição física do Autor terá um custo, nunca inferior a €15.000,00;

102) Sendo que, sensivelmente a cada cinco anos terá necessidade de proceder à sua substituição,

103) O Autor tem necessidade de usar esponja de cabo alongado, ortótese para o pé (2 unidades), palmilhas, prótese para membro superior transumeral híbrida, tala de posicionamento, tripé, banco de duche, cordões elásticos e tábua para preparação de alimentos

104) O Autor tem despesas com as ajudas técnicas:

a) Esponja de cabo alongado, com um custo estimado de €30,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de dois anos;

b) Ortótese para o pé (duas unidades), com um custo estimado de €150,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

c) Palmilha, com um custo estimado de €30,00, sem IVA, e com uma periodicidade de um ano;

d) Sistema de controlo ambiental remoto, sem estimativa de custo e com uma periodicidade de substituição de cinco anos;

e) Tala de posicionamento, com um custo estimado de €170,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

f) Tripé, com um custo estimado de €40,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

g) Banco de duche, com um custo estimado de €80,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de cinco anos;

h) Cordões elásticos, com um custo estimado de €10,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

i) Tábua para preparação de alimentos, com um custo estimado de €100,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de cinco anos;

105) Na face, o Autor apresenta cicatriz com 5 cm de comprimento a que se junta cicatriz com 2 cm de comprimento na região mentoniana à esquerda;

106) No membro superior esquerdo, apresenta cicatriz de tipo cirúrgico, vertical, com 10 cm de comprimento e 2 cm de largura à custa dos vestígios de agrafos;

107) No membro inferior direito apresenta:

a) Uma cicatriz com 8 cm de comprimento e 2 cm de largura sobre a crista ilíaca anterior;

b) Uma cicatriz vertical com 11 cm de comprimento e 3 cm de largura máxima à custa dos vestígios de agrafos no terço superior da face medial da coxa;

c) Duas cicatrizes deprimidas com 1,5 cm de comprimento no terço médio da face anterior da perna;

d) Três cicatrizes com 2 cm de comprimento, com vestígios de agrafos no terço inferior da face medial da perna;

e) Uma cicatriz com 10 cm de comprimento e 2 cm de largura à custa de agrafos, vertical na face lateral do tornozelo;

f) Uma cicatriz curva com 13 cm de comprimento, contornando tumefação (área de enxerto) com 15 por 8 cm de maiores dimensões, de maior eixo vertical no terço inferior da face lateral e posterior da perna e face lateral do tornozelo, de consistência elástica,

g) Uma cicatriz vertical com 17 cm de comprimento e 4 cm d e largura máxima na sua porção superior, estendendo-se do terço superior da face posterior da perna até à tumefação anteriormente descrita;

h) Depressão da face posterior do terço médio da perna (ao nível dos músculos gémeos);

i) Uma cicatriz com 12 cm de comprimento no bordo lateral do pé.

108) No membro inferior esquerdo apresenta:

a) cicatriz curva, com 31 cm de comprimento e 2 cm de largura à custa dos vestígios de agrafos estendendo-se da face lateral da anca até ao sulco nadegueiro, passando pela crista ilíaca posterior

b) Cicatriz vertical com 35 cm de comprimento e 3 cm de largura máxima à custa dos vestígios de agrafos na face lateral da coxa e joelho;

c) Cicatriz deprimida, vertical com 5 cm de comprimento e 1 cm de largura no terço médio da face lateral da perna;

d) Cicatriz deprimida, vertical com 4 cm de comprimento e 1 cm de largura no terço médio da face medial da perna;

e) Área cicatricial hiper e hipopigmentada com 14 por 10 cm de maiores dimensões na face anterior e medial do tornozelo e pé;

f) Cicatriz vertical com 5 cm de comprimento e 1 cm de largura na face posterior do calcanhar.

g) Perímetro da coxa: 49 cm (a 10 cm do polo superior da rótula, igual à direita)

h) Perímetro da perna: 32,5 cm (31 cm à direita, a 20 cm do polo superior da rótula);

109) O Autor apresenta claudicação na marcha;

110) O dano estético permanente é fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

111) Como consequência direta das lesões, dos tratamentos a que foi submetido e das suas sequelas, o Autor sofreu e sofre dores que se manterão e permanecerão por toda a sua vida;

112) Sente fenómenos dolorosos constantes referente ao punho esquerdo (dor fantasma), que agrava momentaneamente várias vezes ao dia;

113) Sente dor no tornozelo direito relacionada com a permanência de pé, que alivia quando deixa de fazer carga;

114) Sente dor no joelho esquerdo e na planta do pé esquerdo quando faz carga e que alivia com o descanso;

115) O quantum doloris é fixável no grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

116) Antes do acidente, o Autor era uma pessoa alegre, divertida, assertiva, positiva, que cuidava do seu corpo e alimentação, fazendo ginásio, tratando de ter um corpo bem cuidado e musculado;

117) Nos quase oito meses de internamento, o Autor emagreceu bastante, perdeu massa muscular e forças;

118) Estava fisicamente bastante debilitado;

119) Atualmente, o Autor não consegue brincar e colaborar no cuidado das filhas como fazia antes do acidente;

120) Deixou de conduzir a mota;

121) Deixou de efetuar treinos em ginásio.

122) Deixou de andar de bicicleta e correr na praia;

123) A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

124) Durante o período de internamento hospitalar, a Autora BB acompanhou o marido AA, passando os seus dias no Hospital, apenas pernoitando em casa;

125) Deixando as filhas de ambos aos cuidados dos avós, que asseguravam (ou tentavam assegurar) a rotina diária das meninas.

126) O Autor, nos primeiros tempos de internamento, apesar de consciente, nem sempre estava lúcido;

127) E então o Autor, estando fora de si, apenas gritava, dizia impropérios, maltratava o pessoal de saúde que cuidava de si, era violento, tentava arrancar todos os instrumentos médicos que estivessem a si ligados, etc;

128) O que levou a que tivessem de amarrar o Autor à cama, para evitar que pudesse ferir-se ou agravar o seu estado de saúde;

129) Era a Autora BB que, diariamente ao chegar, desamarrava o marido e “tomava conta” dele durante o dia, evitando que estivesse sempre atado;

130) Além disso, nem sempre o Autor reconhecia a própria esposa, por vezes dizia-lhe “então não foste para a escola?”;

131) Tendo sido muito difícil para a família e amigos terem visto o Autor como ele estava;

132) O casal, em setembro de 2018, pouco antes do sinistro, tinha celebrado um contrato-promessa, através do qual haviam prometido vender o apartamento no qual habitavam, sito no 2.º andar direito traseiras da Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com a perspetiva de usar o valor arrecadado na execução da moradia que andavam a construir;

133) Vendido o apartamento, os Autores foram viver com os sogros, pais e avós, GG e HH, que residiam no 4º andar do mesmo edifício;

134) Porque estes, no âmbito do projeto dos dois casais de construírem duas casas geminadas, venderam igualmente o seu apartamento, depois de viverem em casa de uma pessoa amiga, arrendaram um apartamento, sito na Rua ..., n.º ..., 1.º Esquerdo Frente, na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com início 1.01.2020,

135) O Autor viu-se obrigado a vender o carro que tinha para fazer face às suas despesas;

136) Tiveram ainda de restringir outros gastos, pelo que deixaram de levar a filha mais nova para o infantário, o que significava um custo mensal de €255,00,

137) São sobretudo os aludidos GG e HH, quem mais faculta aos Autores toda a ajuda possível, financeira e não financeira;

138) O Autor, até 21 de outubro de 2018, era manipulador de peixe na Lota ..., incumbindo-lhe as tarefas de carga e descarga de peixe, condução de camião de transporte de peixe, sobretudo durante a madrugada, entre ... e ..., e era também o responsável de armazém e de compras;

139) Auferindo o vencimento base mensal de €800,00, acrescido de subsídio de alimentação de €4,77 diário;

140) O Autor contribuía de forma ativa para a economia familiar;

141) Ainda em consequência do descrito acidente, o motociclo do Autor, ficou totalmente destruído;

142) O valor comercial do motociclo à data do acidente era de €9.250,00;

143) O valor do salvado é de €1.400,00;

144) A esse título, liquidou a Ré ao Autor, a quantia de €7.850,00;

145) Os primeiros Autores têm ainda vindo a suportar o pagamento do IUC (Imposto Único de Circulação) do motociclo;

146) Tendo liquidado, até 27.06.2023, a título de IUC, as seguintes quantias: Ano de 2019 = €127,44; Ano de 2020 = €127,44; Ano de 2021 = €127,82; Ano de 2022 = €127,82; Ano de 2023 = €134,26;

147) O Autor viu ainda inutilizadas as roupas que usava nesse dia, a saber: uma t-shirt, umas calças de ganga e sapatilhas, tudo de marca, de valor não concretamente apurado;

148) Da mesma forma ficou danificado o capacete, o casaco e as luvas, de valor não concretamente apurado;

149) O Autor suportou despesas com a aquisição de medicamentos, no valor total de €580,73;

150) E também suportou, a nível dentário, o pagamento da quantia total de €1.425,00, sendo: €475,00, na aplicação de uma coroa aparafusada sobre implante dentário; €950,00 para exodontia de dente monorradicular e cirurgia para colocação de implante;

151) E ainda €79,00 em duas consultas, uma de Oftalmologia, e outra de Ortopedia, a título particular, no valor de €39,50 cada uma;

152) E €2,40 em meios complementares de diagnóstico e terapêutica;

153) E ainda €458,04, nos seguintes equipamentos:

€23,99 numa Pirâmide Quadripé com Punho Curvo, para a direita, para auxílio da marcha;

€100,99 numa almofada systam Viscoflex;

€181,99, numa cadeira de rodas e urinol;

€50,40, numa tala para pé;

€31,73 numa braçadeira de apoio;

€68,94 num apoio anto equino

154) E €37,00 em taxas moderadoras para consultas médicas no centro de saúde e hospitalares,

€7,00, a título de taxa moderadora, pela consulta n.º ..., de 20.08.2019;

€4,50, a título de taxa moderadora, pela consulta no Centro de Saúde, de 30.07.2019;

€7,00, a título de taxa moderadora, pela consulta n.º ..., de 15.07.2019;

€4,50, a título de taxa moderadora, pela consulta no Centro de Saúde, de 8.07.2019;

€7,00, a título de taxa moderadora, pela consulta n.º ..., de 2.07.2019;

€7,00, a título de taxa moderadora, pela consulta n.º ..., de 26.06.2019;

155) E também €367,50 em duas sequências de tratamentos de fisioterapia de €217,50 e €150,00;

156) Despendeu ainda a quantia total de €54,00 com estacionamento no Parque no Centro de Reabilitação;

157) Mais despendeu a quantia de €12,85 a título de despesas de deslocações para a realização das diversas avaliações periciais a que foi submetido;

158) À data do acidente o Autor era uma pessoa saudável, robusta, alegre, divertida, extrovertida e expansiva;

159) Deixou de ter os sonhos, as esperanças e as expectativas de vida que tinha, no contexto pessoal, familiar e profissional;

160) No momento do acidente, o Autor temeu pela sua vida e ainda teme pelas repercussões a nível de saúde;

161) A Autora BB, à data do acidente era empregada comercial, auferindo cerca de €800,00;

162) A partir de dezembro de 2018, a esposa do Autor passou a beneficiar de subsídio de desemprego até, pelo menos, junho de 2019;

163) A primeira Autora foi e é o suporte familiar desde o acidente, tendo assumido sozinha todas as decisões da família;

164) Para além dos dias a fio que passou no hospital, continua a frequentá-los, com frequência;

165) Teve de lidar com a possibilidade de o marido não sobreviver;

166) Teve de explicar à filha mais velha, a Autora CC que o pai poderia não sobreviver, e explicar-lhe a cada momento a situação para que a mesma estivesse a par da sua condição;

167) A primeira Autora tem de se acostumar à sua nova realidade de vida, seja na sua relação com o marido, seja na relação deste com os outros;

168) Tendo de reformular as expectativas de vida, nomeadamente no que concerne às suas filhas e à qualidade de vida que poderia vir a ter;

169) O Autor não vai poder acompanhar as suas filhas como faria se mantivesse as condições físicas e psicológicas à data do acidente;

170) As Autoras CC e DD terão de se acostumar à nova condição física do pai, mormente a questão da amputação do braço, a baixa mobilidade e destreza que agora tem;

171) Mas também no que diz respeito à questão mental;

172) Terão ainda condições de vida inferiores à que tinham antes do acidente e também às que perspetivavam ter, em face do acidente do pai;

173) A Autora CC teve de lidar, com apenas 7 anos, com a perceção de poder perder o pai;

174) O Autor nasceu no dia 15 de julho de 1981;

175) A Autora BB tinha, à data do acidente, 36 anos de idade;

176) A Autora CC tinha, à data do acidente, 7 anos de idade;

177) A Autora DD tinha, à data do acidente, 2 anos;

178) A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ..-..-QM achava-se transferida para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., válido e em vigor na data do acidente;

179) No âmbito do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, que correu termos no J3 do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, sob o n.º de proc. 7483/20.0T8VNG, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a renda mensal de €1.250,00, até ao dia 20 de cada mês, a título de reparação provisória do dano, desde novembro de 2020, bem como a suportar todos os tratamentos clínicos do ali Autor nos serviços convencionados daquela;

180) Em consequência das lesões sofridas pelo Autor, o Instituto da Segurança Social pagou ao Autor o montante de €17.126,45 a título de subsídio de doença, no período decorrido entre 21.10.2018 a 1.12.2018 e entre 3.12.2018 a 15.03.2021;

181) Como supra se referiu, de 21.10.2018 a 10.12.2019, o Autor recebeu tratamento no Centro Hospitalar ... E.P.E. consistente no internamento, na utilização de meios auxiliares de diagnóstico, respetivos procedimentos, terapêutica adequada e acompanhamento em consulta;

182) Os encargos dos tratamentos prestados ao Autor importaram em €21.217,71;

183) A Ré foi interpelada para proceder ao pagamento da quantia a que se alude no facto anterior através da plataforma Faturação Hospitalar às Seguradores (FHS) no dia 15.11.2018;

184) O Autor necessita, igualmente, de uma prótese cosmética para o membro superior transumeral.


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2. Da decisão de mérito.

2.1. Da culpa exclusiva do segurado (ou concorrência de culpa do lesado) e da obrigação de indemnizar.

Cumpre começar por referir que quanto ao ónus de prova dos factos integrantes do ilícito e da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual (nº1, do art. 483º, do Código Civil, diploma a que doravante nos reportamos, na falta de outra referência), se não houver presunção legal de culpa, cabe o mesmo a quem, com base neles, pretende fazer valer o seu direito (nº1, do art. 342º e nº1, do art. 487º, ambos do Código Civil, diploma a que doravante nos reportamos na falta de outra referência). E, no caso, julgou, e bem, o Tribunal de 1ª instância verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos, incluindo a culpa efetiva.
Com efeito, a primeira questão a analisar, balizados estando os recursos, como vimos, pelas conclusões das apelações de ambas as partes, prende-se com a existência, ou não, de culpa do lesado, bem tendo o Tribunal decidido, face à matéria de facto que considerou provada e cuja decisão, nessa parte, se mantém, encontrar-se provada, a culpa, efetiva, do condutor do veículo seguro, nenhuma culpa podendo ser atribuída ao lesado, bem referindo:

“…resultou pacificamente demonstrado o facto do agente, consubstanciado no ato de condução, dominável ou controlável pela vontade, a ilicitude, traduzida na violação de direitos de personalidade, com especial incidência na sua integridade física, e patrimoniais do Autor.

Estabelece o art. 3º n.º 2 do Código da Estrada que as pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos demais utilizadores das vias, consagrando um dever geral de cuidado imposto a todos os utentes das vias.

Nos termos dos art.s 29º n.ºs 1 e 2 do C.E. e do art. 3º A n.ºs 1 e 2 do Regulamento do Código da Estrada, o sinal B, Stop, impõe a todos os condutores a obrigação de parar antes de entrar na interceção junto da qual está tal sinal colocado, bem como o dever de ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai passar a circular, sem que estes tenham que alterar a velocidade a que circulam ou executar manobras de desvio.

No caso, sobre o condutor do HV, que pretendia entrar na Avenida ..., freguesia ..., provindo da Rua ..., que com aquela avenida entronca, recaía um dever de paragem e cedência de passagem de todos os veículos que na via prioritária circulavam, face à existência do sinal Stop que se lhe deparava.

Foi a falta de observância dessa básica regra de trânsito e demais deveres objetivos de cuidado pelo condutor seguro na Ré que deu origem, de forma adequada, ao embate, já que cortou a linha de trânsito do veículo conduzido pelo Autor, resultado que aquele se não previu, estava obrigado a prever.

Assim sendo, apenas ao condutor do HV poderá ser dirigido um juízo de censura, pois não se demonstrou que o Autor não atuou de acordo com as regras que, naquele concreto momento, lhe competia observar, não podendo contar que o condutor do HV não respeitaria a regra da prioridade que se lhe impunha.

Com efeito, não resulta da factualidade provada qualquer facto imputável ao Autor do qual se possa concluir que o acidente pudesse ter sido por si evitado. Aliás, chamamos aqui à colação o Ac. do S.T.J. de 29.11.89, publicado no B.M.J. 310, pág. 347, no qual se decidiu que “Aos condutores de veículos automóveis é de exigir que cumpram estritamente as disposições legais reguladoras do trânsito, mas não se Ihes pode exigir que devam prever que os outros condutores infrinjam essas mesmas disposições legais”, que mais não é do que um afloramento do princípio geral de que embora penda sobre todos os condutores um dever geral de diligência, não é exigível que prevejam a negligência, falta de atenção ou cuidado dos demais”.

Assim, existindo culpa exclusiva do condutor do veículo do HV, e porque, à data do acidente, se encontrava transferida para a Ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros resultantes da circulação do identificado veículo, mediante contrato de seguro, fica a mesma constituída na obrigação de proceder à reparação dos danos causados ao Autor”.

Deste modo, bem resulta provada a causa do acidente e a culpa exclusiva do lesante, como se pode constatar da leitura dos factos provados.

Não resultou provado facto culposo do lesado a concorrer para a produção ou agravamento dos danos, como bem concluiu o Tribunal a quo, não lhe podendo ser atribuída responsabilidade na ocorrência do embate. Não resultou que o lesado tenha contribuído para a produção do dano, antes tendo resultado provada a culpa exclusiva do lesante.

Considerando verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos do condutor do veículo seguro, constituiu-se a Ré em obrigação de indemnizar, dado ter a mesma, pela apólice suprarreferida, assumido a obrigação de indemnizar os danos emergentes da circulação do veículo causador do acidente.

Verifica-se, na verdade, como bem entendeu o Tribunal a quo, que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil previstos nos artigos 483.º, n.º 1 e 486.º e, como tal, a obrigação de indemnizar os danos sofridos pelos Autores.
Estando demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e verificada a culpa exclusiva do lesante, não se colocam as questões a prenderem-se com culpa do lesado que apenas seriam de apreciar em situação de demonstração de existência de culpa sua na produção do acidente, respondendo a Ré por todos os danos que resultam provados como sofridos pelos Autores.

*

2.2 - Do quantum indemnizatório.

Decidida a questão da responsabilidade do lesante, sendo a culpa do mesmo exclusiva, cumpre, agora, analisar do direito à indemnização e do quantum a fixar pelos danos aludidos nas conclusões das apelações, que as partes pretendem ver alterado.

Iremos analisar os dois recursos, conjuntamente, pois que, prendendo-se com os mesmos factos, se trata de fixar o quantum indemnizatório dentro do que se mostra pedido pelos Autores, quer na petição inicial quer nos requerimentos de ampliação do pedido, admitidos, pelos alegados danos sofridos, que resultaram provados.

Comecemos por referir, para que se tenha presente, que o pedido deduzido pelos Autores foi o de condenação da Ré a pagar-lhes:

i) quantia não inferior a €1.009.154,70, a título de indemnização pelos danos por si sofridos, acrescida de juros de mora, contados desde a data do acidente e até efetivo e integral pagamento;

ii) quantia a liquidar ulteriormente, pelos danos ainda não consolidados.

Por requerimento de 27.06.2023, veio o Autor requerer a ampliação do pedido, no montante de €58.843,52, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde o seu vencimento e até integral e efetivo pagamento, respeitante a pagamento de IUC do motociclo (€644,78), parqueamento do veículo (€48.861,75 + €25,00), despesas com deslocação para a realização da perícia médica (€12,85) e, ainda, com a instalação de um elevador (€9.324,14), ampliação do pedido que foi admitida e por requerimento de 15.01.2024, vieram os primeiros Autores requerer nova ampliação do pedido, no montante de €1.160.720,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde o seu vencimento e até integral e efetivo pagamento, respeitante à compensação pelo dano sexual de que ficou a padecer e dano reflexo daí resultante para a primeira Autora, bem como a despesas relativas à aquisição dos produtos/utensílios técnicos de apoio, que descreve, ampliação a que não foi apresentada oposição e que foi admitida.


*

Deixando o Tribunal a quo claro que:

“Nos termos do disposto no art.s 562º e 563º do C.C., a obrigação de indemnizar abrange todos os danos que o lesado não teria sofrido se não se tivesse verificado o evento lesivo, reconstituindo-se a situação que existiria, devendo considerar-se aqui todos os danos que o autor provavelmente não teria sofrido caso se não tivesse verificado o facto lesivo.

Caso não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, deverá, então, a indemnização ser fixada em dinheiro (art. 566º n.º 1 do C.C.).

Estabelece o n.º 2 do art. 566º que para o cálculo da indemnização em dinheiro deve achar-se a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida, e que que teria, nessa mesma data, caso não existissem os danos”,

condenou a Ré:

a) “no pagamento ao Autor … da quantia de €572.129,85, à qual serão deduzidos os valores liquidados a título de rendas mensais ao abrigo do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, apenso aos presentes autos, até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação sobre a quantia de €393.379,72, desde 27.06.2023 sobre a quantia de €9.981,77 e desde 15.01.2024, sobre a totalidade e até efetivo e integral pagamento”;

b) “no pagamento ao Autor … das quantias que se vierem a liquidar em sede incidental relativas ao valor das roupas que usava no dia do acidente (facto 147º), até ao montante máximo de €200,00, e do capacete, casaco e luvas (facto 148º), até ao montante máximo de €2.050,00”;

c) “no pagamento ao Autor … das quantias que se vierem a liquidar em sede incidental relativas aos custos de substituição e vigilância da prótese do membro superior esquerdo (facto 92º), de aquisição da medicação prescrita pelas especialidades de Ortopedia e Psiquiatria (facto 93º), dos tratamentos médicos em consultas bi-anuais das especialidades de Psiquiatria, Ortopedia, Oftalmologia e Fisiatria (facto 94º), do acompanhamento pelo médico de família (facto 95º), do acompanhamento em programa de reabilitação abrangente como componente de estimulação cognitiva e apoio emocional (facto 96º) e de aquisição do sistema de controlo ambiental remoto, com uma periodicidade de substituição de cinco anos (facto 104º alínea d) e, ainda, à ajuda parcial de terceira pessoa”;

d) “no pagamento ao Autor … de €175.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento”.

e) “no pagamento à Autora BB … da quantia de €55.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento”;

f) “no pagamento à Autora CC … da quantia de €12.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento”;

g) “no pagamento à Autora DD … da quantia de €10.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento”;

absolvendo-a do mais.
Apresentaram os Autores recurso de apelação, pugnando por que, na procedência do recurso, a sentença seja parcialmente revogada e substituída por decisão a condenar a Recorrida a pagar:

a) “ao Recorrente AA, pelo dano biológico, uma indemnização nunca inferior a € 600.000,00 (seiscentos mil euros)”;

b) “ao Recorrente AA, pelos danos não patrimoniais e pelo dano sexual, uma indemnização nunca inferior a € 400.000,00 (quatrocentos mil euros)”;

c) “aos Recorrentes, pela ajuda de terceira de pessoa prestada e pelo trabalho prestado a esse respeito, pela Recorrente BB ao Recorrente AA, correspondente ao período entre novembro de 2019 e junho de 2024, a quantia de € 45.650,00 (quarenta e cinco mil seiscentos e cinquenta euros)”;

d) “ao Recorrente AA a aquisição e respetiva manutenção da prótese cosmética”;

e) “à Recorrente BB, pelos danos não patrimoniais, uma indemnização nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros)”;

f) “à Recorrente BB, pelo dano sexual, uma indemnização nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros);

g) Pagar às Recorrentes CC e DD, pelos danos não patrimoniais, uma indemnização em montante nunca inferior a € 30.000,00 (trinta mil euros) e 15.000,00 (quinze mil euros), respetivamente.

Formula a Ré a pretensão recursória de revogação da sentença, por ser excessiva a indemnização fixada, concluindo:

i)- mostrar-se o montante arbitrado a título de dano patrimonial futuro/dano biológico exagerado e desproporcional, devendo ser reduzido em ¼ para minimizar o efeito de capitalização e perfazer um valor global de 240.000,00€;

ii)- mostrar-se excessiva, desproporcional e violadora do princípio do pedido a condenação a título de despesas futuras previsíveis e dever o montante fixado ser reduzido em ¼ por força da antecipação de capital.

iii)- deverem os juros da condenação referentes às despesas futuras e os juros referentes ao quantum pelo dano patrimonial futuro, vencer-se desde a sentença (ou, estes, no limite, desde a consolidação médico-legal já que esta ocorreu após a citação).


*

Integrando estas as questões o objeto do recurso, passemos a analisar e decidir o quantum a fixar pelos danos que resultaram verificados:

1 - Do dano biológico/dano não patrimonial futuro;

2 - Dos danos não patrimoniais (incluindo o dano sexual) do Autor e da Autora BB e os danos não patrimoniais das filhas, CC e DD;

3 - Da despesa referente ao trabalho prestado pela recorrente BB ao Autor no período de novembro de 2019 a junho de 2024;

4 - Das despesas futuras previsíveis.
Vistas as conclusões das alegações, a parte dispositiva da sentença e a fundamentação para os concretos danos sofridos, posta em causa no recurso, cumpre analisar os critérios que hão de presidir à fixação da indemnização e decidir o quantum indemnizatório a atribuir aos Autores pelos referidos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram, que resultam dos factos provados, sendo que a decisão da matéria de facto se manteve quanto aos danos, com o acrescento da necessidade que o Autor tem, também, da prótese cosmética.
Comecemos por referir que a condenação tem de respeitar o pedido formulado, nunca podendo, atento o princípio do pedido, ir além dele.
Com efeito, o art. 609º, com a epígrafe “ Limites da condenação”, no seu nº1, estatui “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
Assim, e relativamente ao recurso dos Autores, apreciando a pretensão recursória temos que vem pedida a condenação da Ré a pagar ao Autor/Apelante pelo dano biológico a importância de € 600.000,00 e pelos danos não patrimoniais e pelo dano sexual € 400.000,00; à Recorrente BB, pelos danos não patrimoniais a importância de € 100.000,00 e pelo dano sexual a de € 100.000,00; às Recorrentes CC e DD, pelos danos não patrimoniais, as importâncias de € 30.000,00 e 15.000,00, respetivamente.
Ora, analisada a petição inicial e os requerimentos de ampliação do pedido temos que, com relação a estes danos, a condenação, na consideração dos respetivos pedidos, apenas pode ascender relativamente:
i) ao Autor, de dano biológico/dano patrimonial futuro: 300.000,00€ (v. artigo 180º, da p.i.) + 80.000,00€ (v. artigo 182º, da p.i.) (no total 380.000,00€) e de danos não patrimoniais, incluindo o dano sexual: 40.000,00€ (v. artigo 181º, da p.i.) + 10.000,00€ (v. artigo 189º, da p.i.) + 50.000,00€ (v. artigo 205º, da p.i.) + 80.000,00€ (v. requerimento de ampliação do pedido de 15/1/2024) (no total 180.000,00€);
ii) pela Autora BB, de danos não patrimoniais e de dano sexual: 40.000,00€ (v. artigo 217º, da p.i.) + 50.000,00€ (v. requerimento de ampliação do pedido de 15/1/2024) (no total 90.000,00€);
iii) pela Autora CC, de danos não patrimoniais, 27.000,00€ (v. artigo 227º, da p.i.);
iv) pela Autora DD, de danos não patrimoniais 20.000,00€ (v. artigo 227º, da p.i.).

Ora, não podendo o Tribunal condenar em montante superior ao que foi pedido, não podendo ir além do pedido relativamente a cada dano, afigura-se-nos não serem os valores peticionados excessivos (nem quanto ao dano biológico nem quanto aos danos não patrimoniais, incluindo o dano sexual, sendo os sofridos pelo Autor de enorme gravidade, como se pode constatar da leitura dos factos provados, e entendemos, também, não o serem os valores pedidos de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelas Autoras, incluindo o dano sexual da Autora BB), sendo de atribuir a cada um dos Autores as importâncias pedidas para ressarcir os referidos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, na sua totalidade, sem proceder a quaisquer deduções por o capital ser pago de uma só vez, dado, desde logo, que se contém em valores equilibrados.
Vejamos mais detalhada e pormenorizadamente.
Como tivemos oportunidade de analisar e a ora relatora afirmou em vários Acórdãos, a responsabilidade da Ré traduz-se numa obrigação de reparar o dano causado, designada por obrigação de indemnizar, cujo princípio geral se encontra consagrado no artigo 562.º.
No quadro da responsabilidade civil, a nossa lei não contempla uma definição de dano, mas refere-o como sendo um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, quer da responsabilidade civil extracontratual quer da responsabilidade civil contratual (v. artigos 483.º, n.º 1, e 798.º), e fornece os parâmetros que permitem chegar a uma definição. Desde logo, o referido artigo 562.º, ao proclamar o princípio geral da obrigação de indemnizar, consigna que: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e o artigo 563.º, sob a epigrafe “Nexo de causalidade”, prescreve que: A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (teoria da causalidade adequada).
Quais são, pois, os danos indemnizáveis?
Refere Joaquim José de Sousa Dinis “Fazendo um zoom sobre a realidade “dano”, como o fez o Ac. do STJ de 28/10/92 (CJ, Ano XVII, T.4, p. 28 e ss), podemos encontrar os seguintes aspectos:
1 - Danos emergentes, os quais incluem os prejuízos directos e as despesas directas, imediatas ou necessárias;
2 - Ganhos cessantes;
3 – Lucros cessantes;
4 – Custos de reconstituição ou reparação;
5 – Danos futuros;
6 – Prejuízos de ordem não patrimonial.
Os prejuízos directos traduzem-se na perda, destruição ou danificação de um bem, que tanto pode ser um objecto, como um animal ou uma parte do corpo do lesado ou o próprio direito à vida destes; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para prestar o auxílio ou assistência quer para eliminar aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, reboques de viaturas ou enterro de quem tenha falecido.
Os ganhos cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na categoria de lucros cessantes. Mas não deve ser confundida: a) com a perda de capacidade de trabalho que é nitidamente um dano direto, que se pode aferir em função da tabela nacional de incapacidades (…).
Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultarem para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer,… e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado, (e que poderá corresponder, nalguns casos ao tempo de vida laboral útil do lesado), e compreendem ainda determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (ex. substituição de uma prótese ou futuras operações cirúrgicas).
Segundo certa classificação dos danos eles podem ser patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, refletindo-se no património do lesado. Os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado (a vida, a saúde, a liberdade, a beleza)”[7].
O “dano” ou “prejuízo” consagrado, desde logo, no referido art. 564º, surge sob vários aspetos. Na verdade, o dano compreende o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante) – nº1 – e os danos futuros – nº2.
A responsabilidade civil no nosso direito tem como primordial a função compensatória, ou seja, a reparação do dano, condição essencial e limite da obrigação de indemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenham finalidades acessórias preventivas e mesmo sancionatórias. Nessa linha é pertinente considerar que a obrigação de indemnizar tem como balizas, por um lado, o princípio da reparação integral do dano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização.
O montante indemnizatório deve equivaler ao dano efetivo, à avaliação concreta do prejuízo sofrido (e não à abstrata), sendo certo que decore do nº1, do artigo 564º, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Assim, o dever de indemnizar abrange os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado - danos emergentes -, e os ganhos que se frustraram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - lucros cessantes. Exige-se, pois, que traduza uma equação entre a situação económica real em que o lesado se encontra na data mais recente que possa ser atendida e a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.
Ora, se aquela situação real é demonstrável diretamente pela realidade de facto, já a situação hipotética só é alcançável através de um juízo de probabilidade a formular dentro dos limites normativos estabelecidos.
Por isso, na definição de qualquer dano existe, em maior ou menor grau, uma dimensão desenhada com apelo a um juízo de probabilidade, e não a uma certeza de absoluta verificabilidade, o que se torna bem patente nos casos de lucros cessantes - enquanto benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, que obteria se não fosse essa lesão.
O dano, prejuízo, resultante de facto ilícito culposo, causado a alguém, é, na verdade, condição essencial à obrigação de indemnizar.
Se esse prejuízo se regista ou se reflete na situação patrimonial do lesado estamos perante um dano patrimonial.
Acresce que a lei, para além da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, contempla a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indiretamente podem ser compensados – art. 494º, n.º2, integrando uns e outros a obrigação de indemnizar.
O art. 566º, consagra o princípio da reconstituição natural, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1. do art. 566º.
E a indemnização pecuniária deve medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido[8].
Consagra a lei, em sede de indemnização em dinheiro, a teoria da diferença tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2. Quer dizer que a diferença se estabelece entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento[9].
Manda, ainda, como vimos, atender aos danos futuros (nº2, do art. 564º), desde que previsíveis e o nº3, do art. 566º, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exato dos danos.
Na responsabilidade civil extracontratual, designadamente a emergente de acidente de viação, e no âmbito dos danos patrimoniais, previstos nos artigos 483.º, n.º 1, e 562.º a 564.º, encontram-se os danos resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho.
No âmbito destes, movemo-nos no chamado dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro, podendo, neste, distinguir-se entre a incapacidade fisiológica ou funcional (geral) e a incapacidade para o trabalho.

2.2.1 – Do dano biológico (danos patrimoniais futuros/perda de capacidade de ganho).

Para a análise e o cálculo do dano biológico há a atender à idade do Autor (nascido a 15 de julho de 1981), pelo menos à data da alta (13/12/2021, recebendo o mesmo, até aí, e desde o acidente -ocorrido quando tinha 37 anos de idade - as indemnizações por incapacidade temporária), tendo, afigurando-se à relatora bem, sido considerada na sentença recorrida a idade do Autor à data do acidente, momento em que se produziu este dano, e ter ficado a padecer de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 79 pontos, com todas as limitações daí decorrentes quer ao nível profissional e para a restante componente da vida (para a vida em geral) do Autor.

Analisou o Tribunal a quo na apreciação deste dano:

“A título de dano futuro peticiona o Autor o pagamento de uma indemnização pela perda de capacidade total para o trabalho, que liquida em €80.000,00, e pela vertente do dano biológico, que liquida em €300.000,00.

O dano biológico constitui uma lesão da integridade psicofísica, suscetível de avaliação médico-legal e de compensação, estando a integridade psicofísica tutelada diretamente no art. 25º nº1, da Constituição (“A integridade moral e física das pessoas é inviolável”) e no art. 70º nº1, do Código Civil (cfr. Ac. da R.L. de 22.11.2016, disponível no site da dgsi).

Tal défice, podendo ou não repercutir-se diretamente no desempenho da profissão habitual, reflete-se na qualidade de vida do lesado já que, como sequela irreversível da lesão sofrida, passa a ter uma deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade (cfr. Ac. S.T.J. de 6.07.2004).

No Ac. do S.T.J, de 18.12.2013, decidiu-se que: “o facto das sequelas não implicarem a perda de rendimentos laborais, importa que sejam consideradas como dano patrimonial futuro, dano biológico, já que a afetação da sua potencialidade física e psicológica determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.”

Assinale-se que são os critérios do Código Civil e consequentemente a equidade que devem presidir na atribuição da indemnização por este dano e não os critérios da Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de junho, os quais quando muito poderão ser utilizadas como critério de orientação ou até de aferição dos resultados alcançados no âmbito do regime geral do C.C. (cfr. Ac. do S.T.J. de 14.09.2010).

Atualmente, a jurisprudência maioritária tende a integrar o dano biológico ou existencial na categoria dos danos patrimoniais, suscetível de ser indemnizável a título de danos patrimoniais futuros (cfr. Ac. do S.T.J. de 19.05.2009, Proc. n.º 298/06), (…)

No caso, é manifesto que tendo a lesão originado uma perda total da capacidade de ganho, a sua indemnização releva, não só mais sobretudo, em sede de dano patrimonial futuro.

O valor da indemnização a atribuir não poderá ser apurado com exatidão, mas com recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3 do C.C. tendo-se em consideração fatores como as sequelas resultantes da lesão, a idade do lesado aquando da lesão, a expectativa de vida (e não a esperança de vida ativa) do lesado e o facto de o pagamento da indemnização ser efetuado de uma só vez (cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 5.03.2012, disponível no sítio da dgsi).

Terá, para se proceder a tal cálculo, que se partir de um rendimento.

Porque a integridade fisicopsíquica assume igual valor para todas as pessoas, e como tal está constitucionalmente protegida, tomar-se-á por base um valor que se situe entre a remuneração mínima mensal geral à data do acidente (€580,00 em 2018 x 14 meses (atualmente de €820,00 x 14 meses) ou da consolidação das lesões (€665,00 em 2021 x14 meses) ou o da atual remuneração média mensal dos trabalhadores por conta de outrem (de €999,30 em 2021, em Portugal Continental x 14 meses) – tudo cfr. os dados do Pordata e tendo em conta o último ano em que existem dados disponíveis.

No caso, e à semelhança do decidido no Ac. do S.T.J. de 10.04.2024 (Proc. n.º 551/19.3T8AVR.P1.S1), acolher-se-á o salário médio mensal de €990,00 por mês.

O segundo pressuposto a atender é o da esperança de vida à nascença, que para os homens nascidos em 1981 (facto 174º) cifra-se, segundo dados disponibilizados pelo Pordata, em 68,2 anos.

Porém, quer no Ac. da Ac. RE de 25.05.2017 (Proc. n.º 8430/05.5TBSTB.E1), quer no Ac. do S.T.J. de 10.04.2024 considerou-se a atual esperança de vida à nascença, sendo que igualmente adotaremos tal critério, ou seja, considerar-se-á a esperança de vida de 78,4 anos, para os indivíduos do sexo masculino (segundo os dados da Pordata).

Assim, tendo o Autor nascido no dia 15 de julho de 1981, à data do acidente (21.10.2018) tinha completado trinta e sete anos, o que significa que terá, estatisticamente, uma esperança de vida de mais quarenta e um anos.

Na situação dos autos, as sequelas das lesões sofridas determinaram para o Autor não só uma incapacidade para o exercício da profissão habitual, como também para qualquer outra profissão, estando-lhe vedada a possibilidade de ser reconvertido para outras profissões na área da sua preparação técnico profissional.

Isto posto, não subsistindo qualquer capacidade laboral remanescente, que se traduzirá em perdas mensais de rendimentos até à idade da reforma e se repercutirá no montante de reforma que poderia ser auferida, porque a sua carreira contributiva fica severamente mutilada, ficaria o Autor em desvantagem em relação aos demais lesados que, de alguma forma, mantêm a capacidade laboral e para cujo cálculo da indemnização é utilizado aquele mesmo critério porquanto não se pode perder de vista que se visa indemnizar a afetação da sua potencialidade física e psicológica na sua globalidade

Esta circunstância, que não pode ser ignorada terá que se refletir na indemnização a atribuir.

Visto o valor alcançado no Ac. do STJ de 10.04.2024, no qual se analisou a situação de um lesado com 58 anos de idades, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 72 pontos, totalmente incapacitado para o exercício de qualquer profissão e ponderando igualmente um salário médio mensal de €990,00, que foi indemnizado em €165.000,00, para uma esperança média de vida de 20 anos, considera-se adequado fixar a indemnização ao Autor, que tem uma esperança média de vida de 41 anos e apresenta um défice de 79 pontos em €370.000,00.

Tem vindo a ser pacificamente aceite que, porque o capital é entregue ao lesado de uma só vez, e é suscetível de ser rentabilizado, sofra uma redução, que tradicionalmente se situava entre ¼ ou de 1/3.

No que diz respeito à redução do montante indemnizatório como forma de compensar a vantagem do lesado poder dispor antecipadamente do capital destinado a reparar danos futuros, em vez da divisão em prestações, o Supremo tem vindo a deslegitimar esta redução ou a baixar a percentagem da mesma para 10%, tendo em conta as circunstâncias do caso (cfr. Ac. do S.T.J. de 10.04.2024, Proc. n.º 551/19.3T8AVR.P1.S1).

No caso, face à gravidade das lesões sofridas e das suas sequelas, que mutilaram o Autor de forma grave as suas capacidades funcionais, entende-se não ser de proceder a qualquer redução.

Pelo que, tudo ponderado, afigura-se-nos que seria, como justo e adequado, de fixar a indemnização pelo dano biológico sofrido em €370.000,00. …”.

Na incapacidade fisiológica ou funcional, a repercussão negativa da respetiva incapacidade permanente centra-se na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de esforços do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e em consequente, previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das atividades diárias, podendo incluir as profissionais. É nesse agravamento da penosidade (de carácter fisiológico ou físico-psíquico) e consequente maior esforço, maior sacrifício/penosidade no desempenho das atividades profissionais e, ainda, uma menor qualidade/conforto de vida em geral, decorrente da afetação da saúde, que deve radicar o arbitramento da indemnização (autónoma) pelo dano biológico. Há, assim, lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que o lesado, por força de uma incapacidade, venha a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos futuros ou, ainda, mesmo que não haja prova de uma estrita incapacidade para o desempenho da atividade profissional habitual, bastando a demonstração de que o desempenho profissional (e a consequente manutenção do mesmo nível de rendimentos) obriga a maiores esforços, a maior penosidade no desempenho de tais atividades. Indemniza-se, assim, basicamente o dano corporal sofrido, por si, quantificado por referência a um índice 100 (que corresponde à plena integridade psicossomática), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos, que pode, até, não existir. Este entendimento que vem a ser perfilhado pela jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, tem na sua base a ideia de que a existência de uma incapacidade física, em consequência de lesões provocadas no corpo e na saúde do lesado, afeta, necessariamente, a sua capacidade funcional, pois que este verá afetadas as condições normais de saúde necessárias ao desenvolvimento adequado e normal daquela.
Na reparação do dano corporal, a jurisprudência tem procurado, na fixação do quantum indemnizatório, determinar o capital que produza o rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a métodos matemáticos, sendo entendimento jurisprudencial uniforme que nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como meros índices ou parâmetros temperados com a aplicação e um juízo de equidade e, isto, porque na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender, sempre, à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso.
E, na verdade, é uniforme o entendimento jurisprudencial no sentido de que o Tribunal não está adstrito ao resultado de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras, e, sendo o recurso a fórmulas meramente indiciário, não pode o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido do nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exato dos danos deve recorrer à equidade.
Sendo grande a dificuldade de cálculo do dano futuro relativo à perda dos rendimentos do trabalho, sendo que o que se pretende não é a fixação de um montante puramente arbitrário, mas antes uma fixação equitativa feita mediante prudente arbítrio - arts. 564°, nº 2 e 566°, nº 3, do CC - parte da jurisprudência orienta-se no sentido de a indemnização dever representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no previsível período de vida ativa da vítima e que seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações correspondentes a essa perda de ganho - Ver, designadamente, os Acs. do STJ, de 09.01.1979, BMJ, n. 283, pág. 260, e de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 144.
Deve a estimativa desse dano fazer-se com recurso à equidade - art. 566°, n.º 3, e, como modo adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto, o julgamento da equidade não pode prescindir da ponderação da duração da vida, da flutuação do valor do dinheiro, das expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira, etc. (v. Ac. STJ de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 145). Acresce que, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
A perda da capacidade de ganho e a perda de capacidades funcionais constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente ativo do lesado, e durante todo o seu tempo de vida.[10]
Ora, in casu, resulta provado que, em consequência do acidente de viação, ocorrido em 21 de outubro de 2018, o Autor, que nasceu no dia 15 de julho de 1981, sofreu graves lesões, com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 79 pontos (cfr. f.p. nº 89), mantendo, por isso, apenas os 21 pontos que restam até à totalidade (100 pontos) inerentes à integridade física da pessoa humana.
A aptidão funcional do Autor está, grave e seriamente, comprometida, havendo, para efeito de indemnizar o dano biológico, que ponderar não apenas o tempo de atividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo da sua vida. Com efeito, esse dano patrimonial futuro deve ser calculado em atenção ao tempo provável de vida do lesado, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa[11].
Como se refere no Ac. do STJ 10/11/2016, proc. 175/05.2TBPSR.E2.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Lopes do Rego, “ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.
Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização (…).
Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma …): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
(…) a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em limitações funcionais particularmente relevantes - deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida e contabilizada no nível de rendimento auferido ou auferível pelo lesado”[12].
As sequelas sofridas pelo Autor são, inquestionavelmente, de molde a afetar, para além das tarefas do seu quotidiano, o desempenho de atividade laboral, representando, nessa medida, uma perda da sua capacidade económica, avaliável em termos do dito dano biológico (vertente patrimonial).
Cumpre, ainda, esclarecer, por forma a que não fique ideia errada de existência de duplicação da avaliação do mesmo dano, que na avaliação do dito dano biológico só relevam as implicações de alcance económico e não as respeitantes a outras incidências, mas sem um alcance dessa natureza (económica). Nessa linha, e como se decidiu no referido acórdão, não é de ter em conta aqui, por exemplo, as implicações na vida sexual do lesado, vertentes estas a ser ponderadas em sede de danos não patrimoniais.
“Na determinação equitativa desse dano patrimonial futuro do lesado, há que levar em conta vários elementos referenciais, designadamente o recebimento de uma só vez de todo capital/rendimento futuro que é antecipado e a taxa de rentabilidade do capital, baseada num juízo de previsibilidade[13].
Assim, segundo um juízo de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida imposta pela ponderação das realidades da vida, tendo em conta o suprarreferido circunstancialismo, as consequências das lesões sofridas pelo Autor com o acidente, considerando a sua idade à data do acidente e expectativa de vida de acordo com os dados do INE[14], tem-se por ajustada às circunstâncias do caso e às realidades da vida, aos rendimentos do Autor e aos padrões da jurisprudência[15] a valoração do dito dano biológico, na sua vertente patrimonial, na quantia pedida, pouco superior à fixada pelo Tribunal de 1.ª instância, passando de 370.000,00€ para os peticionados 380.000,00€ - mais 10.000,00€, que o fixado na sentença recorrida, pelo dano biológico), tendo, no mais de improceder o recurso, por, apesar de o Autor se ter apresentado a alegar, no decurso da causa, maior incapacidade não formulou qualquer pedido líquido, superior ao formulado na petição inicial para este dano. E não pode, mesmo, este Tribunal, nessa parte, que extravasa o pedido líquido, apreciar essa uma questão nova colocada nas alegações de recurso, não suscitada nem apreciada e decidida pelo Tribunal de 1ª instância e que, por isso, a este Tribunal, de recurso, que apenas aprecia de questões em sede de recurso, está vedado conhecer.
Nenhuma redução cabe efetuar, em nada pecando o referido montante que se atribui (mesmo olhando ao alegado à data em que a ação foi proposta) de excesso ou falta de proporção ou adequação, sendo que montante inferior que pudéssemos atribuir não estaria em sintonia com a justiça e os padrões da jurisprudência, designadamente a deste Tribunal[16].
Apesar de a entrega de uma só vez do capital poder implicar a realização de um desconto, já que a taxa de juro e a inflação, são elementos futuros a poder, de algum modo, ser calculados, nenhum desconto cabe fazer ao que foi pedido por proporcional, equitativo e adequado às circunstâncias do caso e aos padrões da jurisprudência, não padecendo, por isso, de falta de equilíbrio.
Não se revela, pois, o montante arbitrado a título de dano patrimonial futuro/de dano biológico exagerado, ao invés, entendemos ser de fixar o superior montante pedido e que o foi, ab initio, na petição inicial, e se mostra conforme às condições verificadas à data, nenhuma redução cabendo efetuar pela entrega antecipada de capital dada a inflação e a contínua desvalorização do dinheiro e ser (já à dada da alegação fáctica) proporcional e adequado à grande gravidade do caso.


*
2.2.2 - Da compensação pelos danos não patrimoniais.
Insurgem-se os Autores contra o montante atribuído a cada um deles pelos danos não patrimoniais que sofreram, entendendo dever ser superior a Ré/apelada reputa o arbitrado adequado.
Cumpre apreciar se será de atribuir a cada um dos Autores o superior quantum pedido, sendo que lhes não pode ser atribuído, pelas razões referidas, o que, em excesso, e quanto a este dano, pedem no recurso.
Considerou o Tribunal a quo quanto aos danos não patrimoniais peticionados:
- pelo Autor:
“Da prova resultou que o Autor, na sequência do acidente, sofreu múltiplos traumatismos (facto 31º), foi assistido no local pelo INEM (facto 26º), foi transportado para os serviços de urgência do Hospital ... (facto 28º); esteve sedado e ventilado (factos 33º a 35º), permanecendo na Unidade de Cuidados Intensivos durante 15 dias (facto 36º).
No total, realizou treze cirurgias (factos 32º, 38º a 43º), uma das quais para amputação transumeral do braço esquerdo.
Esteve internado no Centro Hospitalar ... durante quase oito meses (facto 46º) para, depois de permanecer quase dois meses em casa, ser integrado no Centro de Reabilitação ..., em regime de internamento, durante mais de dois meses (facto 48º).
Sujeitou-se ainda a tratamentos de fisioterapia, compareceu a consultas e submeteu-se a exames de diagnóstico.
Sofreu um défice temporário parcial total foi de 366 dias (facto 58º) e o parcial de 418 dias (facto 59º), períodos em que viu eliminada ou muito reduzida a sua autonomia para a realização dos atos da sua vida diária, familiar e social.
O período de repercussão temporária na atividade profissional total foi de 1150 dias (facto 60º), tendo perdido a capacidade para o exercício de qualquer profissão.
Continua a ver-se condicionado na sua vida diária, pelas dores e pelas muitas limitações decorrentes das graves sequelas sofridas, nas quais se incluem problemas de visão, a Prosopagnosia de que passou a padecer, não reconhecendo sequer os familiares mais próximos, os problemas neurológicos e psiquiátricos e a dependência parcial de terceiros para os atos da vida diária (factos 61º a 74º).
Viu ser-lhe amputado um braço, ficou com um testículo reduzido e com limitações na sua atividade sexual que, apesar de tudo, a não impedem (factos 75º e 77º), tendo-lhe sido fixado em 5 pontos, numa escala de 7 de gravidade crescente a Repercussão Permanente na Atividade Sexual (facto 79º).
Sofreu dores, no momento do acidente e no decurso dos tratamentos, que foram muito prolongados até atingir a consolidação, sendo que as dores o acompanharão até ao fim dos seus dias, de tal forma que o quantum doloris foi fixado em 6 pontos numa escala de sete graus de gravidade crescente, o que se revela muito elevado (facto 115º).
O dano estético permanente foi fixado no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente, sentindo o Autor natural desgosto pelas alterações físicas sofridas (facto 110º).
Era o Autor saudável, praticante de ginásio e de outras atividades ao ar livre, que deixou de poder praticar, tendo sido fixado no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer (facto 123º).
As limitações de que o Autor ficou a padecer transformaram-lhe completamente a vida, já que aos 37 anos, no auge da idade de uma vida muito ativa, passou a ser portador de sequelas de que não recuperará e cujo impacto na sua vida diária são avassaladoras.
As sequelas de que o Autor passou a padecer integram-no na categoria dos grandes lesados ou grandes incapacitados, os quais sofrem uma intensa privação de qualidade de vida, para quem o corpo se tornou num fardo, que carregarão para o resto da vida, pelo que a compensação a arbitrar terá de ser pré-orientada a proporcionar uma atenuação dessa privação.
Relevam igualmente os reflexos sociais da lesão, isto é, a circunstância de, por causa das sequelas que permanecem, o lesado deixar de relacionar-se, abandonar os seus hobbies e deixar de poder, pelo menos, sonhar com projetos de vida que a sua condição física definitivamente impede de se concretizarem.
Pesado desgosto lhe causa a circunstância de não mais poder interagir com as suas filhas como o fazia antes do acidente e de não poder proporcionar à filha mais nova, pelo menos, o acompanhamento que proporcionou à mais velha.
Acresce o dano da afetação sexual, que no caso lhe impõe uma restrição parcial ao nível da sua realização sexual.
Tais danos, porque relevantes, merecem a tutela do direito, ponderando que em nada contribuiu para o acidente …. a situação económica do lesado e às demais circunstâncias do caso, nomeadamente pela sua juventude, entendendo-se como equitativo, na presente data, que o valor destinado a ressarci-los se cifre em €175.000,00”;
- pela Autora BB:
“Segundo jurisprudência uniformizada pelo Acórdão Uniformizador do STJ n.º 6/2014 de 9.01.2014, publicado no Diário da República nº. 98, 1ª Série, de 22.05.2014: “Os artigos 483º n.º 1, e 496º n.º 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.”, introduzindo uma leitura atualista de tais preceitos legais (cfr. Ac. do S.T.J. de 15.12.2022, Proc. n.º 550/14.1T8PVZ.P1.S1).
Estamos perante os chamados danos não patrimoniais indiretos ou reflexos (ou de ricochete, segundo a doutrina brasileira) sofridos, no caso pelo cônjuge, em consequência dos danos sofridos pelo lesado, que assumam particular gravidade.
… é indiscutível a gravidade das lesões sofridas pelo Autor, com quem a primeira Autora era casada e com quem tinha estruturada a sua vida familiar, que integrava ainda duas filhas, de dois e sete anos à data do acidente.
Destacamos que a primeira Autora acompanhou desde o primeiro momento o seu marido, permanecendo no hospital, em detrimento do acompanhamento das filhas, sendo esta quem, numa primeira fase, era a destinatária das informações médicas, já que o Autor não estava em condições de as receber.
Temeu pela vida do seu marido e pela viabilidade da sua recuperação, acompanhou o seu sofrimento, as suas dificuldades, dando-lhe o apoio necessário à medida que este ia recuperando a sua autonomia.
Teve que lidar com a filha mais velha, que com 7 anos carecia de explicações sobre o sucedido.
Passou a ter que assumir, sozinha, os destinos do agregado familiar, situação que não ocorreria se não fosse o evento lesivo.
Foi a primeira Autora que cuidou do Autor, quer no período que mediou entre a alta hospitalar e o período em que integrou o Centro de Reabilitação ..., altura em que estava o mesmo totalmente dependente da ajuda de terceiros, quer posteriormente e até à presente data, o que para além do desgaste físico, comporta um desgaste emocional relevante.
É também a primeira Autora que testemunha, como cônjuge, a irritabilidade, a revolta, a tristeza e a quase recusa em sair do seu marido.
Em suma, vê-se agora confrontada com a situação atual do marido, uma pessoa totalmente diferente daquela que era anteriormente, cujas sequelas não lhe permitem acompanhá-la, quer na dinâmica familiar diária, privando-a do auxílio que lhe era prestado, quer nos momentos de lazer, como antes acontecia, tendo que lhe continuar a prestar apoio nas suas dificuldades diárias.
Assim, posto que o cônjuge é normalmente afetado com o sofrimento do outro, seja ao nível da preocupação, angústia ou do apoio que lhe presta, a situação em apreço exorbita essa normal preocupação, já que a afetação demonstrada traduz-se num grave sofrimento permanente e numa alteração na vida da primeira Autora que se vem a reconduzir a um intenso e grave dano não patrimonial que merece a tutela do direito.
Assim, a esse título, afigura-se-nos justa e adequada fixar tal indemnização no montante de €40.000,00.
Notório é igualmente o reflexo que a afetação da capacidade sexual do seu marido tem no seu direito à sexualidade, afetação que sendo parcial, não deixou de ser fixada no grau 5, numa escala de 7 de gravidade crescente.
Há quem defenda que a tutela do direito de uma pessoa à sexualidade dentro do casamento ou de um relacionamento estável, terá que ser encarada como um direito de personalidade.
Assim, a esse título, e porque a afetação é parcial, afigura-se-nos justa e adequada fixar tal indemnização no montante de €15.000,00”.
- pelas Autoras CC e DD:
“Reclamam as Autoras CC e DD, filhas dos primeiros Autores, o pagamento de uma indemnização, respetivamente nos montantes de €27.000,00 e €20.000,00 a título de danos não patrimoniais decorrentes do sinistro e sequelas que para o Autor, seu pai, resultaram.
A Autora CC tinha 7 anos à data do acidente, idade em que tinha já consciência da longa ausência do pai enquanto permaneceu internado, do estado em que este se encontrava, dos receios sentidos quanto à sobrevivência, quanto mais não fosse pelo ambiente familiar de tristeza e ansiedade que a rodeava, da transformação ocorrida e da privação que passou a ter da companhia do seu pai e da sua interação.
Passou assim a ter que se adaptar a um pai diferente, numa idade em que revelando consciência para percecionar o ocorrido, não tinha ainda a maturidade necessária para compreender e processar toda a situação na sua plenitude.
Estes danos são relevantes e, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, afigurando-se-nos justo e equitativo fixar tal indemnização no montante de €12.500,00.
Relativamente à Autora DD, que tinha dois anos à data do acidente e, como tal, sem que tivesse maturidade para se aperceber do ocorrido, releva o período em que não pode beneficiar da companhia do seu pai e a circunstância do seu pai estar limitado na companhia e interação que lhe pode proporcionar.
Não deixando de ser graves tais danos, são todavia menores aos da sua irmã, motivo pelo qual se fixa a sua indemnização no montante de € 10.000,00” (negrito nosso).
Estabelece o art. 496º que: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E o nº 4, do referido artigo, que O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.
Resulta, assim, do referido nº1 a admissibilidade genérica do ressarcimento dos danos não patrimoniais. Como dele decorre, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando, pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito.
Antunes Varela define danos não patrimoniais como sendo “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[17].
Luís Manuel Teles Menezes Leitão define-os como “aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido”[18].
Tais danos só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, sendo a aludida gravidade um conceito relativamente indeterminado, a apurar, objetivamente, caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. A gravidade mede-se por um critério objetivo, de normalidade e bom senso prático. A gravidade deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc”[19] .
Enunciam-se alguns danos não patrimoniais que têm sido, recentemente, considerados pela jurisprudência merecerem a tutela do direito como: a perceção que o lesado, mesmo em estado de não (pelo menos completa) consciência, possa ter da situação em que se encontra, do grau de irreversibilidade das lesões, a destruição de um projeto de vida de casal, a impotência sexual de que fique a padecer o lesado bem como o consequente dano de seu cônjuge ou companheiro, a perda de qualidade de vida do sujeito[20].
No caso em apreço, não existem dúvidas, como bem refere o Tribunal a quo que as consequências do sinistro relativamente aos autores revestem elevada gravidade, como bem foi decidido, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais. Por graves, têm os Autores direito a ser indemnizado por eles, como a própria Ré reconhece, cabendo determinar o quantum a atribuir.
Ora, de harmonia com o princípio geral expresso no art. 562º, do C Civil, a obrigação de indemnizar implica a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, repondo-se as coisas no lugar em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Visa-se a eliminação deste, devendo a indemnização equivaler ao montante do dano imputado (v. nº2 do art. 566º).
Porém, estando em causa a lesão de interesses imateriais, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro é impossível e também o é a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, apenas se podendo atenuar, minorar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pelo lesado.
E “se a indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, pelo menos, permite atribuir ao lesado determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida sendo, em qualquer caso, melhor essa compensação do que nenhuma. A atribuição dessa compensação não representa qualquer imoralidade, uma vez que não resulta do comércio de bens não patrimoniais, representando, pelo contrário, uma sanção ao ofendido por ter privado o lesado das utilidades que aqueles bens lhe proporcionavam”[21].
Nos termos do nº4, do 496º, o montante da indemnização a atribuir será fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em conta a extensão e gravidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifique ponderar. Este tipo de indemnização será fixado segundo o bom senso e o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494º.
E daqui resulta que a indemnização por danos não patrimoniais “não se reveste de natureza exclusivamente ressarcitória, mas também cariz punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento do lesante”[22].
Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto, Processo 108/08.4TBMCN.P1, de 8/7/2010, “refere “inter alia”, o Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460-444: “(...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização», «aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc”[23].
Estes preceitos devem ser aplicados com prudência, pois a sua aplicação tem como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais[24], como entende Galvão de Telles, Direito das Obrigações, 7ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 357, nota 1, o que pode, por isso, gerar injustiças para os lesados, a beliscar a certeza e segurança jurídicas, fins sempre tidos em vista na administração da justiça.
Como afirma Dario Martins de Almeida[25], “pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. …A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”. Como é sabido, a satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é suscetível de equivalente[26]. “É, assim, razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante”[27].
E a indemnização por danos não patrimoniais tem em vista compensar de alguma forma o lesado pelos sofrimentos e inibições que sofrera em consequência do evento danoso, compensação que só será alcançada se a indemnização for adequada e significativa do ponto de vista financeiro e não meramente simbólica.
Tal compensação deve “ser proporcionada à gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”[28]. E para haver uma efetiva compensação têm de ser ponderados os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo.
A lei ao, através da remissão feita no art. 496°, n°4 “para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório"[29].
Também no Acórdão do STJ de 13/7/2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1, se refere “Como ensina o Sr. Prof. Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só compensar o dano sofrido, mas também reprovar, de algum modo, a conduta lesiva[30].
Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir para sancionar a conduta do agente. Todavia, no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.
Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver"[31].
Analisando a prática dos tribunais, constatamos que os quantitativos indemnizatórios, que antes eram quase simbólicos, têm vindo progressivamente a subir nos últimos anos.
In casu, foi violada a integridade física do Autor, que viu o acidente causar-lhe os graves danos corporais graves apontados, que lhe deixaram sequelas permanentes enormemente incapacitantes e merecedores da tutela do direito, também graves sendo os danos não patrimoniais sofridos pelas Autoras como bem analisou o Tribunal a quo.

Ora, perante o extenso e grave circunstancialismo fáctico a atender e tendo em conta, designadamente, a idade do autor à data do acidente, a experiência traumática e perturbadora que sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, o período de convalescença, as treze cirurgias de elevada complexidade, uma delas de amputação do braço, a fisioterapia e os tratamentos a que teve de se submeter, o quantum doloris, o dano estético e todas as sequelas de que ficou a padecer, inclusive a nível sexual, as dores, a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente, antes o mesmo se deveu a culpa grave e exclusiva do condutor do veículo segurado na ré, e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência[32], afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização, por ele pedida, de 180.000,00 €, para a reparação de todos os referidos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, incluindo o dano sexual, que apenas é de mais 5.000,00€ que a fixada pelo Tribunal a quo. Dada a gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelas Autoras, entende-se deverem ser as mesmas compensadas, como por elas peticionado na petição inicial, a Autora BB (para além dos 40.000,00€ que lhe foram atribuídos pelos danos não patrimoniais alegados na petição inicial), ainda, ressarcida pelo dano sexual, com mais 35.000,00€ (a acrescer aos 15.000,00€, da condenação em 1ª instância), na integral procedência da ampliação do pedido que efetuou (de 50.000,00€, relativamente a este dano).
Assim, fixada a indemnização por danos não patrimoniais com base na equidade entende este Tribunal dever intervir, para assegurar a igualdade, no caso, de extrema gravidade, sendo que os 1ºs Autores, à data do acidente, com 37 e 36 anos de idade, viram a sua vida, alegre, em todas as vertentes, inclusive sexual, tornar-se num sofrimento que deixou tão graves sequelas, físicas e psíquicas, inclusive a nível sexual, e as outras Autoras, filhas do casal, à data com 7 e 2 anos de idade, foram privadas de ter o pai, com saúde, para as poder auxiliar e amparar pela vida fora e, mesmo, da mãe, que necessitou de auxiliar o pai, tendo-se, por isso, visto privadas de ambos os pais, por longos meses, em total alteração do projeto de vida da família.


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2.2.3 - Da despesa referente ao trabalho prestado pela recorrente BB ao Autor no período de novembro de 2019 a junho de 2024.

Não cumpre fixar qualquer montante indemnizatório pela ajuda prestada pela Autora BB ao Autor no referido período dado não resultar provada perda salarial da mesma para poder prestar o apoio e o auxílio e o transtorno, inerente à ajuda que resultou demonstrado ter sido prestada, foi já considerado e valorado ao nível dos danos não patrimoniais que se entendeu a ressarcir, com as importâncias que se reputam de adequadas (de 40.000,00€ + 50.000,00€, no total de €90.000,00€).

2.2.4- Das despesas futuras previsíveis (com adaptação de veículo e equipamento, designadamente, médico, incluindo a prótese cosmética).

Insurge-se a Ré apelante contra a condenação, a título de despesas futuras previsíveis, na quantia de 120.000,00€, reputando-a excessiva, desproporcional e violadora do princípio do pedido, entendendo não razoável a necessidade de substituição do veículo a cada cinco anos e que o Tribunal a quo não descontou o valor do carro a substituir. E sustenta que mesmo levando em linha de consideração o dado como provado em 101. e 102., atenta a idade do Apelado à data da sentença e a esperança média de vida para as pessoas que nasceram em 1981, a admitir o valor de 15.000,00€ a cada substituição, seriam 4 substituições a efetuar, o que representaria um valor máximo de 60.000,00€, sendo que a este valor será de descontar o valor comercial dos veículos a substituir (30%) e a este valor deverá, ainda, descontar- se o efeito de capitalização de 1/4, perfazendo um valor final de 31.500,00€.

Mais conclui valer o exposto para os demais danos/despesas futuras: a) esponja de cabo alongado: apenas deveriam ser consideradas, no limite, 13 substituições, o que perfaz um valor máximo de 390,00€; b) Ortótese para o pé (duas unidades), com 25 substituições, logo 3.750,00€; c) Palmilha, com 25 substituições perfazem 750,00€; d) Tala de posicionamento, com 25 substituições perfazem 4.250,00€; e) Tripé, com 25 substituições perfazem 1.000,00€; f) Banco de duche, com 5 substituições perfazem 400,00€; g) Cordões elásticos, com 25 substituições perfazem 250,00€; h) Tábua para preparação de alimentos, com 5 substituições perfazem 500.00€.

Cumpre deixar claro não ter havido violação do princípio do pedido, pois que o pedido foi deduzido, como decorre do requerimento apresentado pelos Autores, em 15/1/2024, de ampliação do pedido.

E bem considerou o Tribunal a quo:

“A título de despesas futuras previsíveis, apurou-se que o Autor, para preservar a sua autonomia em termos de deslocações, carece de um veículo automóvel adaptado à sua condição física, cujo custo ascende a €15.000,00, acrescido de IVA, com necessidade de proceder à sua substituição a cada cinco anos.

Para a fixação da indemnização a esse título ter-se-á que ter em consideração a esperança de vida à nascença, que para os homens nascidos em 1981, como é o caso do Autor, cifra-se, segundo dados disponibilizados pelo Pordata, em 68,2 anos.

Porém, no Ac. da Ac. RE de 25.05.2017 (Proc. n.º 8430/05.5TBSTB.E1) considerou-se a atual esperança de vida à nascença, sendo que igualmente adotaremos tal critério, ou seja, considerar-se-á a esperança de vida de 78,4 anos, para os indivíduos do sexo masculino (segundo os dados da Pordata).

Para além disso, ter-se-á em conta a data da consolidação médico-legal das legais, ou seja, 13.12.2021, por ser aquela que corresponde ao momento a partir do qual já não há expectativa de obter melhorias ou evoluções positivas das sequelas apresentadas e em que a necessidade se estabilizou, o que significa que até perfazer 78 anos, e porque nessa data havia completado 40 anos, restava-lhe uma esperança média de vida estimada de 38 anos, terá que substituir a viatura oito vezes, no que despenderá €120.00,00.

O mesmo raciocínio e método de cálculo se aplica às ajudas técnicas descritas no facto 104º, a saber:

a) Esponja de cabo alongado, com um custo estimado de €30,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de dois anos;

Desde 13.12.2021 e até aos 78 anos precisará de a substituir dezanove vezes, no que despenderá €570,00;

b) Ortótese para o pé (duas unidades), com um custo estimado de €150,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

Desde 13.12.2021 e até aos 78 anos precisará de a substituir trinta e oito vezes, no que despenderá €5.700,00;

c) Palmilha, com um custo estimado de €30,00, sem IVA, e com uma periodicidade de um ano;

Desde 13.12.2021 e até aos 78 anos precisará de a substituir trinta e oito vezes, no que despenderá €€1.140,00;

d) Tala de posicionamento, com um custo estimado de €170,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

Desde 13.12.2021 e até aos 78 anos precisará de a substituir trinta e oito vezes, no que despenderá €6.460,00;

e) Tripé, com um custo estimado de €40,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

Desde 13.12.2021 e até aos 78 anos precisará de o substituir trinta e oito vezes, no que despenderá €1520,00;

f) Banco de duche, com um custo estimado de €80,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de cinco anos;

Desde 13.12.2021 e até aos 78 anos precisará de o substituir oito vezes, no que despenderá €640,00;

g) Cordões elásticos, com um custo estimado de €10,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de um ano;

Desde 13.12.2021 e até aos 78 anos precisará de os substituir trinta e oito vezes, no que despenderá €380,00;

h) Tábua para preparação de alimentos, com um custo estimado de €100,00, sem IVA, e uma periodicidade de substituição de cinco anos;

Desde 13.12.2021 e até aos 78 anos precisará de a substituir oito vezes, no que despenderá €800,00;

Totaliza o valor a despender com as ajudas técnicas (automóvel adaptado incluído) a quantia de €137.210,00, que acrescida de IVA à taxa em vigor atualmente, ou seja de 23%, perfaz €168.768,30”.

Ora, bem resulta a necessidade das referidas ajudas técnicas, pelo menos, desde a referida data da consolidação médico legal das lesões.

Com efeito, bem decidiu o Tribunal a quo em face aos factos que resultaram provados, sendo que se provou a necessidade do Autor de veículo adaptado e sendo a sua duração limitada (5 anos) tem a Ré de suportar não só a primeira adaptação mas todas as subsequentes. Tais adaptações, necessárias e motivadas pelo estado em que o Autor foi colocado no acidente, vão ser necessárias durante toda a vida do Autor.

Acresce que, sendo o veículo que o Autor adquirir e mandar adaptar de sua propriedade, apesar de se impor à Ré que suporte o custo da adaptação, por a necessidade dela ter resultado do estado em que o Autor foi colocado no acidente, nenhuma razão existe para descontar o que quer que seja, sendo, mesmo, que as adaptações, são especificamente direcionadas ao concreto estado do Autor e, por isso, não aproveitáveis, como as restantes ajudas técnicas, após o seu uso.

Outrossim, não tendo sido apresentada oposição pela Ré, designadamente a impugnar os factos ou a deduzir defesa por exceção, quando notificada do requerimento de ampliação do pedido, com alegação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor, não o pode, agora, vir fazer nas alegações de recurso nem cabe a este Tribunal apreciar questões novas não colocadas em 1ª instância nem aí decididas.

Da necessidade de substituição do veículo, de cinco em cinco anos, decorre que as novas adaptações a ser efetuadas têm de ser suportadas pela Ré por toda a vida, provável, do Autor.

E, também, o restante material referido, de que o Autor necessita, tem de ser substituído sendo de impor à Ré que suporte o respetivo custo, como bem decidiu o Tribunal a quo.

E, como acima vimos - cfr. os suprarreferidos Acórdãos -, atualmente a esperança média de vida dos homens situa-se acima dos 78 anos de idade, sendo esta a idade a atender, bem tendo o Tribunal a quo decidido, o que se mantém. Tendo resultado verificada a necessidade das despesas em causa para proporcionar maior mobilidade, conforto e comodidade do Autor, não podem estas ajudas ser negadas sob pena de a indemnização não ressarcir a totalidade dos danos e não poder ser tida como justa, que se impõe no respeito pela dignidade da pessoa humana.

Os custos relativos à prótese cosmética, sua substituição e vigilância, necessária para maior conforto e comodidade do Autor, tal como os da outra prótese referida na parte dispositiva da sentença, são, também, a suportar pela Ré, sendo, tal como a outra prótese, a relegar para ulterior liquidação.


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3. Da redução do quantum indemnizatório por antecipação de capital.

Pretende a Ré apelante a redução, em ¼, das importâncias a pagar com antecipação de capital.

Ora, bem considerou o Tribunal a quo que poderia ser ponderada dedução, por o capital ser entregue ao Autor de uma só vez, a poder gerar frutos, mas bem entendeu não ser de proceder a qualquer dedução, pois que se atravessa um período de inflação.

Dadas as reais necessidades do Autor, incapaz de angariar o seu sustento, que não vão parar, sendo previsível que com o avançar da idade, naturalmente, se agravarão, e o Autor irá ter de lhes fazer face, previsivelmente, com acrescidos custos, nada se nos afigura cumprir descontar não se procedendo a qualquer redução por antecipação de capital.


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4. Do início do vencimento de juros relativamente aos danos futuros.

Insurge-se a Ré apelante contra a condenação de juros referentes às despesas futuras e danos patrimonial futuro desde a citação para a ação/notificação do requerimento de ampliação do pedido, entendendo deverem começar a contar com a sentença.

Considerou o Tribunal a quo “Quanto aos demais valores arbitrados, os juros, igualmente à taxa de 4%, serão contabilizados desde a data da citação, nos termos do disposto no art. 805º … n.º 3 do C.C., e até efetivo e integral pagamento. ... Sobre os montantes relativos a despesas futuras previsíveis (adaptação de veículo e outras ajudas técnicas), no valor total de €168.768,30, serão os juros de mora contabilizados desde a data da notificação à Ré da segunda ampliação do pedido (15.01.2024) e até efetivo e integral pagamento”. Assim o considerou quanto a estas, por só nesta data ter sido dado conhecimento à Ré da ampliação do pedido, sendo que quanto ao dano patrimonial futuro, alegado na petição inicial e aí atuado o respetivo direito à indemnização, bem foram fixados juros de mora a contar da citação, ao abrigo do estatuído na referida disposição legal.

Com efeito, consagra o nº 3, do art. 805º, do Código Civil, “… tratando-se … de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”.

Contudo, o AUJ do STJ n° 4/2002, de 9/5, (Diário da República n.° 146/2002, Série I-A de 2002-06-27) estabeleceu: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.° 2 do artigo 566° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n.°3 (interpretado restritivamente), e 806.°, n.° 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

Assim, a regra é a de na indemnização pecuniária, por facto ilícito ou pelo risco, o devedor se constituir em mora com a citação, pelo que os juros de mora serão devidos desde aí, só assim não ocorrendo, por força de interpretação restritiva do nº3, do 805.°, conforme o referido AUJ, quando a indemnização em causa tiver sido objeto de cálculo atualizado (como sucede na indemnização por danos não patrimoniais, situação em que é arbitrada com recurso à equidade e se vencem juros de mora, por efeito de interpretação restritiva do nº3, do artigo 805.°, a partir da decisão).

Como considerou a Relação de Coimbra “No âmbito da responsabilidade civil pela prática de facto ilícito, os juros de mora só são devidos desde a citação, quando a indemnização fixada não for objecto de actualização na sentença. Existindo esta actualização, só são devidos desde a data da sentença”[33] (sendo que “O montante da indemnização devida por danos não patrimoniais deve ser fixado, primordialmente, com recurso a critérios de equidade, conjugado com as circunstâncias do caso concreto, designadamente, o grau de culpa do agente e a situação económica do lesante e do lesado, de modo a que o valor atribuído se mostre como justo para compensar o dano sofrido”[34] e, assim, os juros só são devidos desde a sentença atualizadora).

Estabelece, pois, o nº3, do art. 805º uma forma de atualização da indemnização fundada em responsabilidade extracontratual, destinando-se a ressarcir os prejuízos resultantes da demora do processo, a contrabalançar a desvalorização da moeda entretanto ocorrida[35].

O aspeto decisivo da conjugação dos regimes em causa, o do nº2, do art. 566º e o do nº3, do art. 805º, “passa pela consideração de que, no que respeita ao não cumprimento tempestivo da obrigação de reparação do dano, «não pode ocorrer uma duplicação da forma de actualizar o quantum indemnizatório», da mesma forma que constitui um princípio axial do regime da obrigação de indemnizar a impossibilidade de reparação repetida do mesmo dano”[36].

Não podendo haver repetida reparação do mesmo dano também não pode, no que concerne ao não cumprimento tempestivo da obrigação de reparação do dano, ocorrer uma duplicação da forma de atualizar o quantum indemnizatório.

Não tendo havido atualização do referido quantum, por decisão em que se leve em conta a correção monetária entre o momento da citação e o da decisão, ao abrigo do nº2, do art. 566º, isto é, não sendo a decisão atualizadora, os juros vencem-se a contar da citação, nos termos do nº3, do art. 805º, do Código Civil, um antídoto à inflação.

No caso, estando em causa danos patrimoniais futuros e despesas futuras, não foram estes danos calculados no estrito recurso à equidade, tendo relevado reais prejuízos e custos. Acresce que os factos a densificar tais pedidos foram alegados na petição inicial e no requerimento de ampliação do pedido, por referência aos momentos da sua apresentação, com um valor conforme a esse momento, pelo que bem foram fixados os juros do montante a atribuir pelos danos patrimoniais futuros a contar da citação e os juros da importância das despesas futuras desde a data da notificação do requerimento de ampliação do pedido onde tais despesas foram alegadas e peticionadas (atos pelos quais se levou o conhecimento das pretensões e dos factos que as sustentam à parte contrária, devedora).

Não tendo este Tribunal procedido, quanto a estes danos, a atualização de valores indemnizatórios, não havendo duplicação da indemnização por aplicação dos dois regimes, não sendo a decisão atualizadora, são os juros de mora quanto ao dano patrimonial futuro devidos desde a data da citação para a ação e quanto às despesas futuras desde a data de notificação do requerimento de ampliação do pedido, como bem decidiu o Tribunal a quo.
Assim, procedem, embora parcialmente, as conclusões da apelação dos Autores e improcedem as da Ré.

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As custas do recurso dos Autores são da responsabilidade dos recorrentes e da recorrida na proporção do decaimento (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).
As custas do recurso da Ré são da responsabilidade da recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).

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III. DECISÃO


Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
a) julgar a apelação dos Autores parcialmente procedente e, em consequência:
i) revogam, em parte, a decisão recorrida, condenando-se a Ré, ainda, no seguinte:
- a pagar mais 10.000,00 euros (dez mil euros) ao Autor de indemnização pelo dano biológico por ele sofrido e mais 5.000,00 euros (cinco mil euros) de compensação pelos danos não patrimoniais que o mesmo sofreu;
- a pagar mais 35.000,00 euros (trinta e cinco mil euros) à Autora BB, de compensação pelos danos não patrimoniais que a mesma sofreu;
- a pagar mais 14.500,00 euros (catorze mil e quinhentos euros) à Autora CC, de compensação pelos danos não patrimoniais que a mesma sofreu;
- a pagar mais 10.000,00 euros (dez mil euros) à Autora DD, de compensação pelos danos não patrimoniais que a mesma sofreu;
- a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar ulteriormente relativa aos custos de substituição e vigilância da prótese cosmética do membro superior esquerdo,
mantendo-se, no restante, a sentença recorrida.
ii) julgar a apelação da 1ª Ré improcedente.


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Custas do recurso dos Autores por apelantes e apelada na proporção do decaimento e custas do recurso da Ré pela apelante.


Porto, 24 de março de 2025

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Teresa Pinto da Silva
Carlos Gil
__________________
[1]Com efeito, fixada foi, até, já, jurisprudência no sentido de “Nos termos da alínea c), do nº1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, nas alegações” - AUJ de 17/10/2023, proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 e v., ainda, Decisão do STJ de 27/9/2023, proferida no proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1.
[2] Tem o referido ponto a seguinte redação: “10) O veículo de matrícula QX circulava na sua via, no sentido ... –..., no seu sentido ascendente, a uma velocidade não concretamente apurada;”
[3] Tem o referido ponto a seguinte redação: “15) Junto ao sinal Stop, o HV abrandou a marcha;”
[4] Tem o referido ponto a seguinte redação: “19) Apesar de se ter desviado para a sua direita, o Autor não teve como evitar o sinistro e embateu na lateral traseira da viatura HV;” ,
[5] Os pontos 101) e 102) dos factos provados têm a seguinte redação:
“101) A adaptação de um automóvel à condição física do Autor terá um custo, nunca inferior a €15.000,00;”;
“102) Sendo que, sensivelmente a cada cinco anos terá necessidade de proceder à sua substituição”,
[6] A referir “Avaliação da necessidade de produtos de apoio” “Para otimizar a eficácia nas atividades da vida diária, o examinando beneficiaria também dos seguintes produtos de apoio: Adaptações automóveis, de acordo com as restrições médias identificadas na sua carta de condução, para que o examinando seja independente nas deslocações exteriores de longo percurso” v. pág. 17.
[7] José de Sousa Dinis, Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 29 e seg
[8] Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág. 936.
[9] Ibidem, págs 936 e 937.
[10] Acórdão do STJ de 19/5/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1, acessível in dgsi.net
[11] Ac. TRC de 25/10/2022, proc. 2546/20.5T8LRA.C1, acessível in dgsi.pt
[12] Acórdão do STJ 10/11/2016, proc. 175/05.2TBPSR.E2.S1, in dgsi.net
[13] Referido Ac. RC de 25/10/2022, proc. 2546/20.5T8LRA.C1, acessível in dgsi.pt
[14] Cfr. Ac. RP de 4/4/2024, proc. 347/21.2T8PNF.P1, acessível in dgsi.pt
[15] Cfr. Ac. da RP de 3/6/2024, proferido no proc. nº 9774/21.4T8PRT.P1, Relator: Manuel Fernandes, acessível in dgsi.pt), onde se refere: “De acordo com os enunciados fatores, considerando que o autor ficou afetado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 19 pontos, temos que a perda patrimonial anual corresponde a € 3.442,30 [(€ 1.294,10 x 14) x 19%], o que permitiria alcançar, ao fim de 54 anos de vida (considerando-se, neste ponto, que à data do acidente o autor contava 24 anos de idade e que a sua esperança média de vida se situa nos 78 anos de idade), o montante de € 185.884,20”.
No Ac. da RP de 8/5/2023, proc. 21244/17.0T8PRT.P1 (Relatora: Fátima Andrade) considerou-se: “Considerando que o A. à data do acidente com 23 anos de idade, estava desempregado, que o salário médio nacional em tal data era de € 925,00 e que o A. ficou afetado de uma incapacidade de 61 pontos impeditiva da atividade profissional habitual, permitindo apenas que esse lesado exerça outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnica desde que não exijam a execução de tarefas complexas, entende-se adequado e recorrendo a critérios de equidade fixar o valor indemnizatório a título de dano patrimonial futuro no montante de € 400.000,00 tal como peticionado pelo autor”.
[16] Cfr. Ac. 10/7/2024, proc. 2074/19.1T8PNF.P1, acessível in dgsi.pt, onde se escreve “…Para efeitos de indemnização, autónoma, do dano biológico, na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico (sendo as demais vertentes de tal dano, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais). Tal indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma capitis deminutio na vertente geral, deverá compensá-lo, mesmo que não imediatamente refletida em perdas salariais ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da restrição às oportunidades profissionais à sua disposição quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas. Sendo inviável estabelecer o seu quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, deve recorrer-se à equidade (art. 564º, nº2 e 566º nº3, ambos do Código Civil) dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função da gravidade das sequelas sofridas” e “É adequada, necessária e proporcional a importância de 600.000,00 € para indemnizar o dano biológico sofrido por lesado que à data do acidente era estudante e contava 15 anos de idade, que nenhuma contribuição teve para a produção dos danos e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 59%, tendo o período de défice temporário total sido de 23 dias e o de défice temporário parcial de 1280 dias”.
[17] Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 6ª ed., l°, pág .571.
[18] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 14ª edição, Almedina, págs. 328.
[19] Antunes Varela, Idem, p. 600
[20] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, 1º vol., 2017, Almedina, pág 648
[21]Luís Menezes Leitão, Ibidem, pág. 330.
[22] Idem, pág. 331
[23] Acórdão da Relação do Porto, proc. 108/08.4TBMCN.P1 de 8/7/2010, in www.dgsi.pt
[24] Ana Prata (Coord.), idem, pág. 644
[25] Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed., Almedina. Pág. 73/74.
[26] Em sentido contrário, Ana Prata (Coord.), idem, pág 647, Diversamente do que por vezes se lê, os danos não patrimoniais são suscetíveis de avaliação pecuniária, pois são objeto de indemnização e esta é em dinheiro na esmagadora maioria dos casos. Os interesses lesados, esses sim, é que são não patrimoniais.
[27] Vaz Serra, RLJ, Ano 113º, p. 104.
[28] P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1, Coimbra, p. 501
[29] Idem p. 607 e segs.
[30] Vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª Edição, Almedina, pag. 605, nota 4.
[31] Acórdão do STJ de 13/7/2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in dgsi.net
[32] Cfr., in dgsi.net, entre outros:
- Ac. da RP de 8/5/2023, proc. 21244/17.0T8PRT.P1 (Relatora: Fátima Andrade) onde se considerou: “Levando em consideração a total ausência de culpa do autor na produção do acidente que à data do acidente era um jovem de 23 anos de idade; a sua modesta condição económica; a imensa gravidade das lesões sofridas pelo autor que implicaram um défice funcional permanente de 61 pontos e a prolongadíssima recuperação – até à consolidação médico-legal das lesões decorreram sensivelmente dois anos e meio; o quantum doloris fixado no grau 6 de uma escala de 7 , a permanência para o resto da vida das dores físicas, incómodo e mal estar que as sequelas lhe provocam e que o acompanharão para o resto da vida, entende-se ser de arbitrar a título de danos não patrimoniais o valor de € 175.000,00”.
- Cfr. referido Ac. 10/7/2024, proc. 2074/19.1T8PNF.P1, acessível in dgsi.pt, onde se escreve “ A indemnização por danos não patrimoniais, a fixar por equidade, visa, além compensar o dano sofrido, reprovar a conduta culposa do autor da lesão. Tal compensação deve traduzir a ponderação da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, da situação económica deste e a do lesado e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, a idade do lesado, as desvantagens que este tenha sofrido e os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares, nos termos do nº4, do art. 496º e art. 494º, ambos do Código Civil. Os preceitos anteriormente referidos devem ser aplicados com prudência e bom senso, pois têm como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais, o que é suscetível de gerar injustiças absolutas e relativas para os lesados, devendo, para as evitar, seguir-se critérios que permitam obter um modelo indemnizatório que conduza a uma maior igualdade, certeza e segurança jurídica, sem se perder de vista as circunstâncias do caso;” e “É adequada, necessária e proporcional a importância de 200.000,00 € para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo referido jovem lesado que, em consequência do acidente, além do mais, sofreu “esfacelo grave da região clavicular direita com arrancamento da porção clavicular do ECM, com ausência da mobilidade da mão, do cotovelo e do ombro e, ainda com ausência de sensibilidade no território dos nervos radial, cubital e mediano; esfacelo supra-clavicular com constatação de arrancamento pré-ganglionar do plexo braquial; esfacelo do cotovelo direito e constatação de integridade do nervo cubital, feridas no hemitorax esquerdo, cotovelo direito e nos dois joelhos, fratura do terço externo da clavícula, abundantes potenciais de desnervação em repouso e ausência de potenciais de unidade motora na tentativa de contração dos músculos infraespinhoso, deltóide, bicipide flexor radial do carpo, extensor comum e 1º interósseo dorsal direitos, e ainda com sinais de desnervação no grande dentado direit; grave lesão axonal ganglionar ou infraganglionar a nível dos ramos primários anteriores de raízes C5, C6, C7 e C8 direitas ou coexistência de lesão a nível dos troncos primários superior, médio e inferior do plexo braquial com lesões a nível de raízes; alterações de sinal dos músculos da coifa dos rotadores e da própria goteira para-vertebral direita que pode traduzir edema neurogénico; alteração do sinal dos músculos escalenos direitos, associada a uma desorganização estrutural com perda da própria morfologia habitual e do sinal dos troncos, divisões e cordões que constituem o plexo braquial direito; fratura dos pratos da tíbia da perna esquerda”, tendo sido submetido a quatro cirurgias, uma delas que, dada a complexidade, teve a duração de 12 horas e ficado com cicatrizes, a padecer de dores para toda a vida, depressão, necessidade de tomar medicação e do referido défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e que teve um quantum doloris no grau 6/7, um dano estético permanente no grau 6/7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 6/7, repercussão permanente na atividade sexual no grau 4”.
[33] Ac. da RC de 28/3/2023, proc. 1822/19.4T8LRA.C1, acessível in dgsi.pt.
[34] Ibidem.
[35] Cfr. Ac. do STJ de 9/3/2004, proc. 03B4269, acessível in dgsi.pt
[36] Maria da Graça Trigo/Mariana Nunes Martins, Comentários ao Código Civil, Direito das Obrigações em geral, Universidade Católica Editora, in anotação ao artigo 805º, pág. 1132 e seg.