INIMPUTÁVEL PERIGOSO
MEDIDA DE INTERNAMENTO EM ESTABELECIMENTO DE SEGURANÇA
LIMITE TEMPORAL MÁXIMO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
Sumário

1 - A lei é omissão quanto à duração do internamento em caso de concurso de ilícitos praticados pelo inimputável.
2 - Quando esteja em causa o referido concurso de ilícitos, a jurisprudência maioritária alinha-se no sentido de que não há lugar à realização de cúmulo jurídico de medidas de segurança.
3 - Em consonância com o n.º 2, do art. 92.º do CP, o limite máximo da medida de internamento, em caso de concurso de ilícitos típicos, é o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime mais grave praticado pelo inimputável, sem prejuízo da cessação da medida logo que se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que deu origem ao internamento.
4 - Em caso de condenação do agente, por factos diversos, em pena e em medida de internamento, o artigo 99.º Código Penal consagra o princípio do vicariato na execução, a significar que, se a medida de segurança de internamento for aplicada a arguido condenado em pena de prisão efetiva, as sanções mantêm-se autónomas - artigo 77º., nº. 4 do Código Penal -, mas o internamento prevalece, iniciando-se de imediato e descontando-se nele a pena de prisão - artigo 99º, nº 1, do Código Penal.

Texto Integral

Acordam, em Conferência, na 5ª. Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

O arguido AA, melhor identificado nos autos, foi declarado inimputável e simultaneamente autor de factos integradores de dois crimes de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º., nº1 do Código Penal, pelo que, nos termos do artigo 91º. do Código Penal, lhe foi imposta a medida de internamento em estabelecimento de segurança.

 Nos referidos autos foi proferido despacho, em 4/10/24, com o seguinte teor:

“O internado AA pela prática de factos que correspondem a crimes contra as pessoas e são abstratamente puníveis com pena de prisão inferior a 8 anos.

Em concreto, tem a cumprir os seguintes períodos de internamento:

I. Máxima de 3 [três] anos e 4 [quatro] meses, à ordem do processo n.º 117/19.... do Juízo de Local Criminal do Seixal - Juiz 2, pela prática de factos objectivos que correspondem aos ilícitos típicos do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, sem período mínimo – essa medida acabará quando se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem – e pelo período máximo de 3 [três] anos e 4 [quatro] meses.

II. Máxima de 5 [cinco] anos, à ordem do processo n.º 595/20.... do Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 3, pela prática de factos objectivos que correspondem aos ilícitos típicos do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, sem período mínimo – essa medida acabará quando se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem – e pelo período máximo de 5 [cinco] anos.

De acordo com o cômputo de medida de segurança devidamente homologada pelo tribunal de condenação (artigos 502.º e 506.º, ambos do Código de Processo Penal) internado iniciou o cumprimento da medida de segurança em 26/11/2023 [à ordem do processo n.º 117/19....], o prazo máximo da aludida medida de segurança de internamento, que é de 3 [três] anos e 4 [quatro] meses, completa-se no dia 28/01/2027 [descontado o 1 mês e 29 dias referentes à medida de coação prisão preventiva e 1 dia de detenção aplicados nesse processo [1]  o qual já foi descontado no termo previsto para o dia 28/01/2027].

Impõe-se descontar 4 meses e 13 período em que o internado esteve ligado à ordem do processo n.º 248/19.....

Assim, calcula-se com base nos elementos constantes dos autos, como data de duração máxima das duas medidas de segurança o dia 13 de Setembro de 2031.”

Inconformado com este despacho veio o Ministério Público interpor recurso, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que seguidamente se transcrevem:

 1. No processo 117/19.... foi aplicada a AA a medida de segurança de internamento pelo período de 3 anos e 4 meses e, no processo 595/20...., a medida de segurança de internamento pelo período de 5 anos, sem fixação de período mínimo.

2. AA foi internado a 26.11.2023

3. Foi condenado no processo 248/19.... na pena de 5 meses de prisão, em cumprimento dessa pena esteve ligado à ordem desses autos desde 13.07.2023 até 26.11.2023 (4 meses e 13 dias).

Esteve preso preventivamente à ordem do processo 1382/23.... desde 27.06.2023 até 13.07.2023 (16 dias).

Foi detido no dia 21.05.2019 no processo 117/19.... (1 dia).

E este preso preventivamente à ordem daquele mesmo processo desde 19.07.2019 até 16.09.2019 (1 mês e 28 dias).

4. Em 04.10.2024 foi proferido o despacho no processo 1573/19.... que se passa a transcrever:

O internado AA pela prática de factos que correspondem a crimes contra as pessoas e são abstratamente puníveis com pena de prisão inferior a 8 anos.

Em concreto, tem a cumprir os seguintes períodos de internamento:

I. Máxima de 3 [três] anos e 4 [quatro] meses, à ordem do processo n.º 117/19.... do Juízo de Local Criminal do Seixal - Juiz 2, pela prática de factos objectivos que correspondem aos ilícitos típicos do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, sem período mínimo – essa medida acabará quando se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem –e pelo período máximo de 3 [três] anos e 4 [quatro] meses.

II. Máxima de 5 [cinco] anos, à ordem do processo n.º 595/20.... do Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 3, pela prática de factos objectivos que correspondem aos ilícitos típicos do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, sem período mínimo – essa medida acabará quando se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem – e pelo período máximo de 5 [cinco] anos.

De acordo com o cômputo de medida de segurança devidamente homologada pelo tribunal de condenação (artigos 502.º e 506.º, ambos do Código de Processo Penal) o internado iniciou o cumprimento da medida de segurança em 26/11/2023 [à ordem do processo n.º 117/19....], o prazo máximo da aludida medida de segurança de internamento, que é de 3 [três] anos e 4 [quatro] meses, completa-se no dia 28/01/2027 [descontado o 1 mês e 29 dias referentes à medida de coação prisão preventiva e 1 dia de detenção aplicados nesse processo (1), o qual já foi descontado no termo previsto para o dia 28/01/2027]. Impõe-se descontar 4 meses e 13 período em que o internado esteve ligado à ordem do processo n.º 248/19.....

Assim, calcula-se com base nos elementos constantes dos autos, como data de duração máxima das duas medidas de segurança o dia 13 de Setembro de 2031.

5. A operação numérica efectuada para o cálculo do fim do internamento não se deve traduzir na soma dos limites máximos das duas medidas de segurança de internamento, como foi decidido.

A acumulação material dos limites máximos das medidas de segurança de internamento, conforme foi efectuado na decisão ora em recurso, redunda numa decisão desproporcionada e violadora, por isso, do disposto no art. 40º, nº3 do Código Penal.

Deverá atender-se apenas à medida de internamento mais grave.

Daí que, e tendo em conta os descontos a efectuar indicados atrás no ponto 3, que totalizam 5 meses e 58 dias, a data da duração máxima do internamento, tendo em consideração a medida de segurança de internamento aplicada mais grave, a de duração máxima de 5 anos, será até 29.04.2028.

Pois, a lei não estabelece regras para o cálculo da sucessão dessas medidas.

E, por isso, importará ter em consideração os princípios gerais do direito e as regras já estabelecidas na lei, designadamente no Código Penal.

Estatui o nº3 do art. 40 do Código Penal:

«3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente».

E estabelece o art. 78º, nº3 do Código Penal:

«3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior».

Para o caso de pluralidade de medidas de segurança aplicadas inexiste lugar a cúmulo jurídico, tal qual inexiste lugar a cúmulo material.

No entanto, face ao vazio legal, não se pode olvidar o princípio da proporcionalidade da medida de segurança face à perigosidade do agente, definido na norma acima indicada.

E não se pode descorar o facto do internamento consistir numa medida preventiva fundada na perigosidade do agente e que visa o tratamento e ressocialização do indivíduo.

Quando a situação de perigosidade cessar não se justifica perpetuar a medida de segurança.

O art. 92º do Código Penal, define:

«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, o internamento finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.

2 - O internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável».

E, face ao comando de todas as normas atrás mencionadas, afigura-se que a situação de pluralidade de medidas de segurança de internamento será a de englobamento de todos os factos.

Neste sentido vejam-se o acórdão do STJ de 16.10.2013, proferido no processo 300/10.1GAMFR, publicado em www.dgsi.pt, o acórdão do STJ de 22.09.2004, proferido no processo 2813/04, publicado na CJ, ano XII, Tomo III, pág. 159 e ss., o Ac. STJ de 13 de 16 08.07.2003, publicado na CJ, ano XI, Tomo II, pág. 236 e ss., Acs. do TRC de 11.10.2023, proferido no processo 676/19.5PBDLD, e 21.02.2018, proferido no processo 618/14.4PBVIS, difundidos em www.dgsi.pt., e ac. de 15.07.2011, proferido no processo 170/06.4TAMTS.

6. Certo é que existem duas decisões em que foram aplicadas medidas de internamento.

Porém, não obstante isso, e conforme o decidido no acórdão de 16.07.2010, da 1ªVara Criminal do Porto1, “a duração de uma pluralidade de medidas de segurança de internamento há-de ser determinada, em concreto, em sede da respectiva execução, pelo Tribunal que a acompanha e decide da necessidade da sua prossecução ou cessação (no caso, o Tribunal de Execução de Penas), considerando os limites mínimos e máximos mais elevados das várias medidas que tenham sido aplicadas ao agente inimputável, que determinarão os limites temporais da execução, por natureza necessariamente conjunta  e simultânea, de todas”, cabe ao tribunal de execução de penas englobar toda a factualidade que conduziu à aplicação das medidas de segurança em causa e ponderar tão só a mais elevada.

Assim, seguindo a posição assumida no acórdão atrás indicado e as regras e princípios legais acima expostas, a acumulação material dos limites máximos das medidas de segurança de internamento, conforme foi efectuado na decisão ora em recurso, redunda numa decisão desproporcionada e violadora, por isso, do disposto no art. 40º, nº3 do Código Penal.

Daí que, em tendo em conta os descontos a efectuar, a duração máxima do internamento, ponderando-se apenas a medida mais elevada, de 5 anos, será 29.04.2028.

7. De todo o modo, mesmo a considerar-se que o cômputo das medidas de segurança a efectuar consiste na soma dos limites máximos das duas medidas aplicadas (8 anos e 4 meses), como foi decidido, a data definida para o fim das mesmas, o dia 13.09.2031, não se mostra correcta.

Não foram efectuados os descontos de todos os períodos de privação da liberdade sofridos pelo internado.

Por força do disposto no art. 99º, nº1 do Código Penal a medida de segurança de internamento é executada antes da pena de prisão e, assim, o período de tempo que o internado esteve privado da liberdade à ordem do processo 248/19.... (13.07.2023 até 26.11.2023 (4 meses e 13 dias), tem de se considerar no cumprimento da medida de segurança.

Por sua vez, tendo em conta o comando do nº1 do art. 80º do Código Penal, o tempo de detenção e prisão preventiva sofridos pelo internado nos processos 117/19.... e 1382/23.... terá de se reflectir no internamento.

Na decisão em recurso o tempo de prisão preventiva sofrido no processo 1382/23...., desde 27.06.2023 até 13.07.2023 (16 dias), não foi atendido com a justificação de que já havia sido observado no processo 248/19.... o que, salvo o devido respeito, não se poderá acolher.

No entanto, a pena determinada no processo 248/19.... ainda não foi cumprida, o tempo que esteve ligado a esses autos, sem tomar em conta a prisão preventiva do processo 1382/23...., foi de 4 meses e 13 dias.

Por isso, importará também, ao contrário do decidido, descontar os mencionados 16 dias de prisão preventiva sofridos à ordem do processo 1382/23.... desde 27.06.2023 até 13.07.2023.

Pelo que a data da duração máxima das duas medidas de internamento será de 29.08.2031.

Importará descontar 5 meses e 58 dias.

Pois, o internado esteve ligado ao processo 248/19...., desde 13.07.2023 até 26.11.2023 (4 meses e 13 dias).

Esteve ligado à ordem do processo 1382/23.... desde 27.06.2023 até 13.07.2023 (16 dias) em prisão preventiva.

Foi detido no dia 21.05.2019 no processo 117/19.... (1 dia).

E esteve preso preventivamente à ordem do processo 117/19.... desde 19.07.2019 até 16.09.2019 (1 mês e 28 dias).

Esses períodos de tempo, que totalizam 5 meses e 58 dias, não podem deixar de ser observados na duração do internamento.

E, dessa forma, a data de 13.09.2031 calculada como sendo a da duração máxima das duas medidas de segurança em causa não se afigura correcta.

Estando internado desde 26.11.2023, descontando-se os períodos de privação da liberdade que sofreu, a data de duração máxima das duas medidas de segurança de internamento é 29.08.2031.

Nestes termos, e pelos mais que V. Ex.as, com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo provimento ao recurso farão JUSTIÇA

A Exmº. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação no parecer que emitiu pronunciando-se nos seguintes termos:

“ (…)3. 1. O internado AA, foi condenado no processo 117/19...., do Juízo Local Criminal do Seixal, J2, pela prática de factos objetivos que correspondem aos ilícitos típicos do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na medida de internamento pelo período máximo de 3 [três] anos e 4 [quatro] meses, sem período mínimo, acabando a medida quando se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem

3. 2. No âmbito do processo n.º 595/20.... do Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 3, pela prática de factos objetivos que correspondem aos ilícitos típicos do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código, na medida de internamento pelo período máximo de 5 {cinco} anos, sem período mínimo, terminando a medida quando se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.

3.3. Tendo sido condenado no processo 248/19...., na pena de 5 {cinco} meses de prisão, da qual cumpriu 4{quatro} meses e 13{treze}.

3.4. No processo 382/23...., esteve detido preventivamente 16{dezasseis} dias.

 3.5. No processo 117/19...., esteve detido 1{um} dia e cumpriu prisão preventiva de 28 {vinte e oito} dias.

3.6. Estando internado desde o dia 26.11.2023 e descontando o tempo indicado em 3.3., por força do disposto no art.º 99.º n.º 1 do C.P.,(seguindo de perto o Acórdão do STJ de 07.02.2018, disponível in www.dgsi.pt “ A solução consagrada na reforma de 1995, com o art.º 99.º, do CP, consiste, fundamentalmente, na adoção de um princípio de vicariato: a medida de segurança de internamento é executada antes da pena de prisão a que o agente tiver sido condenado; a duração da medida privativa da liberdade é descontada na da pena; e a execução do eventual resto de pena fica sujeita a um regime especial, nomeadamente, no que respeita à liberdade condicional)

Importando ainda descontar o tempo de detenção e de prisão preventiva, indicados em 3.4 e 3.5., por força do disposto no art.º 80.º n.º 1 do CP.

(…) Nestes termos a data de duração máxima das duas medidas de internamento ocorrerá em 29.08.2031 e não o dia 13.09.2031, como consta do despacho recorrido, o qual não efetuou o desconto indicado em 3.4.

*

 4. Discordando a Sr.ª Procuradora da República da operação numérica efetuada no despacho recorrido do cálculo a determinar a data do fim do internamento, inexistindo norma legal para o calculo da sucessão das medidas de segurança, a solução haverá de ser encontrada de acordo com os princípios gerais de direito penal, nomeadamente o disposto no art.º 40.º, n.º 3 e 78.º n.º 3 do Código Penal, pelo que a duração das duas medidas de internamento, deverá ser encontrada considerando os limites mínimos e máximos mais elevados das duas medidas aplicadas ao internando; isto é; o limite mínimo de três anos e quatro meses e o limite máximo de cinco anos, sob pena de violação do disposto no art.º 40 n.º 3 do CP.

Pelo que a duração máxima do internamento ocorrerá em 29.04.2028 .

5. Todavia, há que ter presente as medidas de segurança, não tendo uma medida única, mas apenas um limite máximo não podem, naturalmente, ser objeto de operações de cúmulo jurídico, por se tratar de medidas sem um quantum específico, embora, no entendimento de António Miguel Veiga, in, Revista Julgar n.º 23-2014, “Concurso De Crimes Por Inimputáveis Em Virtude de Anomalia Psíquica, “Cúmulo” De Medidas de Segurança”, pag. 263 e seg se possa admitir “uma aplicação analógica não perfeita das normas dos arts. 30.º, 77.º e 78.º C.P., a efectivação de um “cúmulo” entre medidas de segurança. E a aplicação analógica será então, como acabámos de referir, não perfeita, no sentido de que, atendendo aos valores em jogo, e por todo o já exposto, não poderá valer aqui, em rigor, a estrita regra inerente ao conhecimento superveniente do concurso, prevista no art.º 78.º C.P., no tocante à anterioridade do facto em causa no segundo julgamento relativamente à decisão ocorrida na primeira audiência. Cremos, pois, que o problema merece atenção legislativa expressa de iure condendo. Em suma, e tendo em conta tudo o já argumentado, sugere-se de seguida a redacção para uma norma a criar, que se entende correctamente inserida, do ponto de vista sistemático, sob o art.º 91.º-A C.P., com a epígrafe “Aplicação de medida de internamento única..”.

Todavia de jure condito, inexistindo norma nesse sentido, pode equacionar-se a adoção de solução idêntica aquela que foi seguida na decisão judicial do TEP, ocorrendo a duração máxima das duas medidas de internamento em 29.08.2031, sem prejuízo, naturalmente, da cessação da medida logo que se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.”

Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação
Delimitação do objeto do recurso

Como decorre do disposto no artigo 412º, nº 1º. do Código de Processo Penal, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, com exceção daquelas que forem de conhecimento oficioso.

A motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

Assim, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita prende-se com o limite máximo da duração da medida de segurança que o recorrente considera não respeitar os critérios legais.

III. Do mérito do recurso

A questão suscitada no presente recurso em apreciação, prende-se com o limite máximo da duração da medida de segurança de internamento.

O internamento de inimputáveis que praticaram um ou mais factos ilícitos típicos e que devam ser considerados perigosos, encontra-se regulado nos artigos 91.º e segs. do Código Penal.

Preconiza o artigo 91º., do Código Penal, que:

“- Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20.º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie.

2 - Quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, o internamento tem a duração mínima de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.”

Por sua vez, o artigo 92º. do Código Penal estabelece que:

“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, o internamento finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.

2 - O internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável.”

Como decorre do nº. 2 deste artigo 92º. o limite máximo da medida de internamento é o limite superior da pena aplicável ao crime cometido. Sucede, porém, que, em caso de concurso de crimes, como a situação que nos ocupa, o legislador, pura e simplesmente, não previu a situação.

Assim, quando esteja em causa o cometimento, pelo inimputável, de mais do que um facto ilícito típico - (concurso de ilícitos) -, a jurisprudência maioritária alinha-se no sentido de que não há lugar à realização de cúmulo jurídico de medidas de segurança.

Conforme se pode ler no Acórdão do STJ, de 16.10.2013, in www.dgsi.pt., “a lei não prevê outro limite para além do estabelecido nesse preceito [n.º 2 do art. 92.º]. Por outro lado, o art. 77.º do CP não admite o cúmulo jurídico de penas abstratas. Por fim, a acumulação material dos limites máximos das molduras penais redundaria numa medida completamente desproporcionada, violando-se assim o disposto no n.º 3 do art. 40.º do CP. A única solução que se mostra compatível com o sistema é, pois, a aplicação do n.º 2 do art. 92º. o limite máximo da medida de internamento, em caso de concurso de crimes, é o da pena correspondente ao crime mais grave.”

Também o Acórdão do STJ de 28/05/2008, in wwwdgsi.pt., assinala que “Da hermenêutica do art. 92.º do CP resulta que a própria lei estabelece imperativamente o prazo máximo absoluto da medida de segurança de internamento, qual seja o limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável (...), não deixando ao tribunal qualquer possibilidade de o afastar.»

No mesmo sentido se lê no sumário do Acórdão do STJ, de 7/02/18, in www.dgsi.pt., “ VI - Em consonância com o n.º 2 do art. 92.º do CP, o limite máximo da medida de internamento, em caso de concurso de ilícitos típicos, é o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime mais grave praticado pelo inimputável.

VII – Pela própria natureza da medida de segurança, está afastada qualquer coisa como uma determinação judicial do quantum da medida de segurança.”

O artigo 92º., nº. 2 do Código Penal estabelece, pois, um limite máximo para a medida de segurança por referência ao limite máximo da moldura penal prevista para o tipo de ilícito correspondente ao crime mais grave, dentro do qual a verificação da cessação da perigosidade há de determinar o momento concreto do término da medida.

Cumpre ainda destacar que, em caso de condenação do agente, por factos diversos, em pena e em medida de internamento, o artigo 99.º Código Penal consagra o princípio do vicariato na execução, isto significa que, se a medida de segurança de internamento for aplicada a arguido condenado em pena de prisão efetiva, as sanções mantêm-se autónomas - artigo 77º., nº. 4 do Código Penal -, mas o internamento prevalece.

Assim sendo, o internamento inicia-se de imediato, descontando-se nele a pena de prisão, artigo 99º. 1 do Código Penal.

Ao prazo máximo de duração da medida de segurança impõe-se ainda o desconto da detenção e prisão preventiva sofrida pelo arguido na medida de segurança aplicada, tal como acontece relativamente às penas, artigo 80º., nº1 do Código Penal.

O instituto do desconto assenta na ideia básica de que as privações de liberdade que o agente tenha sofrido devem, por razões que radicam em imperativos de justiça material, ser imputadas ou descontadas no cumprimento da pena a que o agente venha a ser condenado, neste sentido Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 297.

Ora, no caso em apreço, o arguido, declarado inimputável, praticou factos ilícitos típicos que correspondem ao crime de roubo, previsto pelo artigo 210º., nº1 , do Código Penal punível em abstrato com pena de prisão de 1 ano a 8 anos, a duração máxima da medida de segurança não pode exceder 8 anos, por ser esse o limite máximo da punição abstrata correspondente ao crime mais grave praticado pelo  arguido que  se enquadra no tipo previsto e punido pelo artigo 210º., nº1  do Código Penal  “ (....) com pena de prisão até oito anos”), sem prejuízo de o internamento findar quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.

No caso vertente a medida de segurança teve o seu início de execução em 26/11/2023, efetuando-se o seguinte desconto de 16 dias de prisão preventiva sofridos à ordem do processo 1382/23....; 4 meses e 13 dias, em cumprimento de pena, à ordem do processo nº. 248/19...., 1 dia de detenção à ordem do processo 1382/23...., e 1 mês e 28 dias, em prisão preventiva, à ordem do processo 117/19.... - o que perfaz um total de 5 meses e 58 dias, o limite temporal máximo ocorrerá em 07/05/31.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam os juízes na 5ª. Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em revogar o despacho recorrido e em consequência decidem:

- declarar que o limite temporal máximo das medidas de segurança em execução ocorrerá em 07/05/31, sem prejuízo de o internamento findar quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem,

- em conceder provimento ao recurso, com os fundamentos acima expostos.
Notifique.
Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, e revisto pelas restantes signatárias.

                                                           ***
Coimbra 12 de Março de 2025

Maria da Conceição Miranda

Maria Alexandra Guiné

Sandra Rocha Ferreira

[1]  Esteve sujeito à medida de coação prisão preventiva, no âmbito do processo nº1382/23...., desde 27/06/2023 até 13/07/2023 – período este referente à medida de coação que já foi descontado na liquidação de pena efetuada no Processo nº248/19...., pelo que, não poderá ser novamente descontado