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DUPLA TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
NRAU
Sumário
Com a entrada em vigor do NRAU - Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro - deixou de se prever a hipótese de dupla transmissão do arrendamento, sendo este o regime aplicável à data do óbito da mãe da R., 23 de Agosto de 2022. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
I… intentou a presente acção declarativa de condenação em processo comum contra M…, peticionando a condenação da última a entregar o imóvel sito na Rua de …, devoluto e livre de pessoas e bens, bem como a pagar-lhe 2.900,00 (dois mil e novecentos euros), a título de indemnização pela utilização, a seu ver, sem título do imóvel.
Alega, em síntese, que a R. não tem qualquer direito para permanecer como arrendatária do locado uma vez que o facto constitutivo do direito alegadamente invocado pela Ré, a saber, o óbito de mãe, ocorreu depois da entrada em vigor das alterações ao Novo Regime do Arrendamento Urbano e o art.º 57.º do referido diploma apenas permite uma transmissão direta do arrendamento por morte do primitivo arrendatário. Acresce que a Ré nunca demonstrou que, no momento do óbito da sua mãe, o RABC do seu agregado familiar seria inferior a 5RMNA, nos termos e ao abrigo do artigo 57.º n.º 1, alínea f) do NRAU, com as alterações da lei n.º 13/2019 de 12 de Fevereiro.
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A R. contestou invocando que é aplicável ao caso o artigo 57.º da NRAU, designadamente o artigo 1.º alínea f) desde que o RABC do agregado seja inferior a 5 RMNA. Isto, porque, sustenta, o artigo 57.º da NRAU não tem um limite quanto ao número de transmissões.
Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida Sentença onde se decidiu julgar a acção totalmente improcedente e absolveu-se a Ré do pedido.
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Desta Sentença recorreu a A., Concluindo como se segue:
“1) A Recorrente não se pode conformar com a douta sentença de 1ª Instância, nem quanto aos seus fundamentos, nem quanto à análise da prova produzida em audiência de julgamento, e muito menos quanto às conclusões de direito que levaram à douta decisão de que se recorre.
2) A Recorrente é proprietária, e senhoria, no contrato de arrendamento da fracção sita na Rua de ...
3) Foi comprovado, por Depoimento e Declarações de parte, quer da Autora, quer da Ré, de que foi celebrado um contrato de arrendamento entre A…, tio da Autora, ao qual esta sucedeu por herança, e o pai da Ré, MA, que nessa data se tornou único titular do arrendamento.
4) Foi comprovado documentalmente e por declarações, que o titular do arrendamento, MA, faleceu há mais de 24 anos, ou exactamente em Novembro 1998.
5) Segundo Depoimento e Declarações de parte de Autora e Ré, o contrato foi transmitido por óbito do titular para o cônjuge D…, a qual veio a receber os respectivos recibos com a anotação “Transmissária”, conforme documentação comprovativa nos autos.
6) A “Transmissária”, mãe da Ré, e beneficiada com a transmissão do arrendamento do primeiro titular MA, faleceu em 23 de Agosto de 2022.
7) O Tribunal a quo actuou, como ele próprio reconheceu, nas transcrições em “Questão Prévia”, como algo que era extralegal, ao persistir durante toda a audiência de julgamento, em fomentar um acordo, quando a Ré não desejava pagar o valor pedido pela Autora, nem mesmo aceitar a celebração novo contrato de arrendamento, violando assim o Tribunal a quo o pretendido com o conteúdo dos artigos 594º e 604º do NCPC.
8) Para além desse proceder, veio o Tribunal a quo, mal, durante a audiência de julgamento, conforme transcrições, pronunciar-se sobre o mérito da acção, que para além de ter retirado a razão de ser da realização dessa audiência de julgamento, ainda exerceu pressão sobre a Autora e Recorrente para que fizesse acordo a todo o custo, afinal até em seu desfavor, e não na defesa do seu direito de senhoria a que teria direito.
9) A douta sentença de que se recorre vem decidir pela improcedência da acção e do pedido da Autora e Recorrente, não se podendo aceitar por ser contrário à norma legal que define, sem margem para qualquer dúvida, a matéria do direito de transmissão de arrendamento enquadrado no NRAU.
10) Dos Factos dados como provados, e apenas à cautela, deverá ser alterado o Facto “2” onde consta «. . . entre A… e MA, pais da Autora e da Ré respectivamente», para «. . . entre A… e MA, tio da Autora e pai da Ré respectivamente».
11) A Ré nunca invocou que entregaria o locado, que aceitava uma renda mensal mencionada na NJA, aliás não significativa (de €100,00 para €290,00), sendo que nunca desejou celebrar um contrato de arrendamento, e reconhece o Tribunal a quo de que tal foi oferecido pela Autora à Ré, mas que não concordava com a transmissão do arrendamento de que sua mãe, entretanto falecida, era titular, pois tal se encontrava caducado com o óbito desta.
12) A Ré reconhece nas suas declarações transcritas, de que o titular do arrendamento era o seu pai, quando o contrato foi celebrado em 1977, repetindo claramente que o seu pai é que era o titular, e que após o falecimento do seu pai (1998) o contrato de arrendamento foi transmitido à sua mãe, que faleceu em 2022.
13) A Ré não manifesta qualquer incapacidade, nem a invocou, apenas mencionou ser hipertensa, como metade de Portugal, e que não tem despesas especiais, pois nem as consultas de psicólogo paga, ainda que sendo destacado para a avaliação do Tribunal a quo, não releva para a norma legal caracterizar o direito à transmissão do arrendamento, ou a negação deste.
14) O Tribunal a quo falha o alvo quando começa a defender a sua tese, que leva até ao fim, na decisão da douta sentença de que se recorre, quando invoca o artigo 36º do NRAU, apelidando-o de salvaguardas às excepções expressamente previstas, que não se entende o que tal significa no caso concreto.
15) Não se consegue tampouco entender a menção que o Tribunal a quo faz do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, para depois concluir daí como o resolve fazer, sem o devido fundamento para as suas conclusões.
16) O Tribunal a quo, erradamente, e face ao objecto dos autos, a transmissão do arrendamento em segundo grau desse direito, faz indevidamente uma miscelânea entre o artigo 26º do NRAU e o artigo 85º do RAU.
17) O Tribunal a quo erra ao querer aplicar o artigo 26º do NRAU de forma diferente do que o legislador pretendeu, aliás vai mesmo mais longe querendo demonstrar que necessita de uma interpretação, ou mesmo considerado como não escrito, quando afinal o conteúdo do artigo é bem claro, mandando aplicar ao objecto dos presentes autos os artigos 57º e 58º do NRAU.
18) Não há lugar a quaisquer expectativas de facto, e assim se exprime a sábia Jurisprudência, inclusive vários Acórdãos do Tribunal Constitucional, que se pronunciam sobre a transmissibilidade do contrato de arrendamento e a possibilidade ou impossibilidade dela se concretizar, afastando o conceito que o Tribunal a quo vai buscar para justificar uma decisão, que salvo o devido respeito, não tem justificação.
19) Assim sendo, erra o Tribunal a quo ao defender uma tese de expectativas de factos subjectivos (não defendida pela Lei do direito da transmissão do arrendamento referente à Ré) expectativas que não apresentam qualquer protecção jurídica, sendo antes evidente que o Tribunal a quo, com tal tese, tenta corrigir o já proferido em audiência de julgamento, no que se revela não conseguido, pois no NRAU não se contemplam essas expectativas de facto, para, no caso concreto da transmissão do arrendamento da titularidade do pai da Ré para a mãe da Ré, quando do falecimento daquele em 1998, caducando esse direito à transmissão do contrato em causa, com o falecimento da mãe da Ré em 2022, não se criando expectativas protegidas juridicamente.
20) A expectativa de facto da Ré de ver o arrendamento transmitido para si, por falecimento da sua mãe, quando a Lei (NRAU) não o permite, é realmente uma mera expectativa de facto, e que infelizmente para a Ré, o Tribunal a quo também acolheu, sem o mínimo fundamento ou legitimidade legal para essa conclusão.
21) Aliás nem tal matéria de expectativas foi algo alegado pela Ré nos autos, porque afinal não existe qualquer direito ao direito de transmissão do contrato de arrendamento a seu favor.
22) O artigo 26º do NRAU remete para os artigos 57º e 58 desse Diploma, para os contrato de arrendamento habitacional existentes e transmitidos antes desse Diploma, aplicando-se transitoriamente os referidos artigos, o que no caso contrário da Ré, tendo o contrato sido celebrado em 1977, em que era titular o seu pai, e falecendo este em 1998, antes do NRAU, transmitiu-se à mãe da Ré, sendo que, falecendo esta em 2022 com o NRAU em vigor, é então de aplicar, sem mais, o artigo 57º do NRAU, por remissão do artigo 26º (e não considera-lo como não escrito, como o expressa o Tribunal a quo), e assim não é possível a Ré ter direito à transmissão do arrendamento, quando a sua mãe já era “transmissária” no referido contrato.
23) Bem mais grave é constatar-se que o Tribunal a quo considera, ou descobre requisitos como a idade e os rendimentos da Ré, para tentar justificar a não aplicabilidade simples e directa do artigo 57º n,º 1 do NRAU, o que não colhe, e muito menos para fazer improceder a acção no que diz respeito à Autora e Recorrente, como se verifica na douta decisão da sentença recorrida.
24) Contrário ao mencionado na sentença de que se recorre, nem a idade ou rendimentos são requisitos aqui apropriados no caso concreto, que extingam ou confiram o direito de não transmissão do identificado arrendamento nos autos.
25) Mas não é essa a questão em apreço, antes é tão simples como: existe ou não o direito da Autora, face ao NRAU de não aceitar nova transmissão do arrendamento, depois de uma primeira transmissão do pai da Ré, titular do arrendamento inicial, como esta reconhece, e quando ele faleceu em 1998, transferiu então para o seu cônjuge a posição de arrendatário, afinal como único permitido face ao NRAU, art.º 57º n.º 1.
26) Foram citados vários sábios Acórdãos que atestam e justificam a posição da Autora e Recorrente, e o não direito à transmissão por parte da Ré, Acórdãos que foram transcritos nas presentes Alegações e que se têm por reproduzidos.
27) O Tribunal a quo descurou por completo as normas legais que regulam a matéria em apreço, e comprovadas nos diferentes sábios Acórdãos invocados e transcritos.
28) Na análise do artigo 57º, n.º 1 e n.º 2 do NRAU, as alíneas mencionadas no n.º 1 do referido artigo, concorrem sucessivamente, e não cumulativamente, quando aplicadas na transferência de arrendamento na única vez possível e permitida por lei.
29) Em acréscimo se diria que nem a eventual menção de casa morada de família colhe para afastar a aplicação da não transmissão do arrendamento para a Ré, e assim do decretar do despejo, visando a Autora ter acesso à fracção sua propriedade, sendo-lhe entregue de imediato (ver Lei 31/2023 de 4 de Julho que revogou todos os impedimentos, esse e outros, que haviam sido decretados em face da pandemia COVID).
30) Pelo que entende a Autora e Recorrente que o contrato de arrendamento definido nos autos, caducou com o falecimento da “transmissária” mãe da Ré, algo que foi violado pelo Tribunal a quo na sua sentença recorrida, devendo ser entregue a fracção em causa devoluta e em bom estado, para além de se entender ter a Autora e Recorrente direito à parte do pedido que se prende com valor indemnizatório calculado desde Agosto de 2022, por não poder dispor livremente da sua propriedade, como a Lei define e permite.
31) Perante o conteúdo das presentes Alegações, e tendo em conta as suas Conclusões, entende a Recorrente que só pode proceder o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, nos seus precisos termos, e substituindo-a por decisão que confirme o Pedido nos presentes autos.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas.,
a. Deverá proceder o presente Recurso de Apelação;
b. Deverá revogar-se a sentença de que se recorre, em toda a sua extensão, procedendo integralmente o Pedido da Recorrente e Autora nos precisos termos;
c. Tudo com as inerentes consequências legais”.
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Contra-alegou a R., Concluindo:
“1. As alegações da recorrente, não indicam o efeito e o modo de subida do recurso interposto, conforme exige o disposto no artigo 637.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
2. No mais, a Recorrente não cumpriu com o ónus de alegar e formular conclusões imposto pelo disposto nos art.sº 639º e ss do CPC.
3. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil o recurso está delimitado pelas conclusões das alegações.
4. As conclusões de recurso da Recorrente não cumprem com os requisitos legais impostos, não constando estas enunciadas de forma precisa, concreta, ordenada e clara, bem como se mostram omissas quanto aos pontos da decisão de facto que a recorrente considera incorretamente julgados, pelo que impõe-se concluir pela não observância de tal ónus por parte da recorrente.
5. Tal facto inviabiliza a sua análise quanto ao recurso apresentado pela Recorrente, dificultando seriamente a formulação das presentes contra-alegações.
6. Do recurso interposto subentende-se que a Recorrente vem recorrer sobre as matérias de facto e de direito, não tendo, como já vem dito, cumprido com os ónus impostos pelo número 2 do art.º 639º e o ónus imposto no art.º 640º ambos do CPC.
7. Assim, não cumpriu a Recorrente nem o ónus de alegar, porquanto das alegações não resulta verdadeiramente uma análise crítica da sentença recorrida, pois a Recorrente não identifica os erros de facto e ou de direito, de que na sua opinião se encontrava ferida a decisão, não apresenta argumentos e razões válidas que conduzissem à revogação ou alteração da sentença recorrida,
8. Nem cumpriu igualmente a Recorrente o ónus de formular conclusões, porquanto não indica em concreto as normas jurídicas violadas, a indicação do sentido em que as normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ou, invocando a recorrente erro na determinação da norma aplicada, a norma jurídica alternativa que deveria ter sido aplicada ao caso, devendo ainda, conforme se extrai das al a), b) e c) do número 1 do art.º 640º alegar e concluir sobre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
9. Conclui-se assim que, deverá ser o recurso rejeitado uma vez que era exigível à Recorrente, sob pena de rejeição, a apresentação de conclusões de recurso elaboradas de forma clara e inequívoca, das quais resultasse os pontos que de facto considera incorretamente julgados, podendo os demais requisitos serem extraídos das alegações.
10. Neste sentido veja-se ainda conforme vem alegado, o que nos diz Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 165, “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” e acrescenta “são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art.º 635, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões”.
11. Termos em que, tendo a recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art.º 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.
12. O Douto Tribunal a quo fez uma apreciação acertada da prova, de todos os factos carreados para o processo e interpretou corretamente todos os preceitos legais aplicáveis, bem como conduziu todo o processo em estrita conformidade com os princípios legais aplicáveis, incluindo o contraditório, a adequação formal e a imparcialidade.
13. A douta sentença do qual a Recorrente recorre, não merece qualquer censura, devendo ser assim, confirmada.
14. No entanto, alega a Recorrente que o Tribunal a quo violou do disposto nos art.ºs 594º e 604º do CPC, mas sem qualquer razão, atendendo que da audiência de discussão e julgamento não resultou, a violação da fase para tentativa de conciliação conforme artigos 594º e 604º do NCPC.
15. Pois, como sobejamente é reconhecido e notório e conforme vem alegado, o novo código processo civil veio conferir várias alterações significativas, sendo que para o caso dos autos se diga que veio reforçar os poderes-deveres do juiz quanto à flexibilização, adequação formal e direção efetiva do processo com vista à justa composição do litígio em prazo razoável, isto é: reforçar o papel conciliador do Juiz no âmbito das suas intervenções.
16. Pelo que, da análise conjugada dos artigos 6º, 7º, 594º, 602º e 604º do CPC não podemos deixar de concluir que resulta claramente da lei que a Mma. juiz do Tribunal a quo podia e devia tentar conciliar as partes em qualquer fase do processo, incluindo durante a audiência de julgamento, sendo-lhe lícito mesmo após o início da produção de prova após a toma de declarações e ou depoimento de parte, questionar as partes se tinham interesse em tentar um acordo, antes de proferir a sentença, ao perceber que os elementos do caso indicavam uma possível convergência!
17. Pois, ouvida toda a gravação da audiência de discussão e julgamento, em que apenas houve lugar à tentativa de conciliação, declarações de parte e alegações, resulta claramente que a Mma. juiz do tribunal a quo tentou, o que sem dúvida fez sempre dentro dos seus poderes, harmonizar os interesses de ambas as partes, inclusive da Ré.
18. De igual forma, temos que ressaltar que não resultou no decurso da audiência, que a Mm Juiz do Tribunal a quo tenha exercido qualquer pressão para a realização de um acordo, muito menos em desfavor da recorrente!
19. Pois, sendo o objeto dos autos sobretudo uma questão de direito, que incidia quanto à interpretação do regime transitório previsto no NRAU do direito à transmissão do arrendamento por morte, é pois natural e totalmente compreensível que chegados à fase de julgamento o tribunal a quo já tivesse formulado a sua convicção e tentasse a conciliação das partes com vista a garantir os interesses das mesmas, não significando com isso que tenha tomado posição quanto ao mérito da acção!
20. A Recorrente alega ainda que a Douta Sentença recorrida padece de erro material no facto 2, erro esse que de facto se verifica mas do qual não se afigura relevo que influa na Douta decisão recorrida, sendo certo que nos termos dos números 1 e 2 do art.º 614º do CPC a Recorrente deveria ter pedido a correcção por simples despacho do juiz antes do recurso subir, o que a Recorrente não fez, devendo para o efeito ser rejeitado também nesta parte.
21. No mais, e conforme já vem alegado e sumariamente concluído, verifica-se que a Recorrente não conclui devidamente, uma vez que se limita a alegar de forma genérica, sendo exemplo disso o ponto 9 das suas conclusões, sem que para o efeito como era seu ónus, e que resulta do número 2 do art.º 639º do Código de Processo Civil indicasse a norma jurídica que considera ter sido violada, ou sentido com que a norma deveria ter sido interpretada e aplicada ou mesmo erro na norma aplicada e qual deveria ter sido aplicada ao caso dos autos.
22. Pelo que muito mal andou a Recorrente, sendo que o mesmo não se pode afirmar da douta sentença recorrida que analisou de forma exaustiva os factos provados, tendo concluído corretamente pela improcedência da ação, com base no regime jurídico aplicável, uma vez que contrariamente ao que vem alegado pela Recorrente com o falecimento da mãe da Ré, o contrato de arrendamento não caducou pelo que houve lugar ao direito de transmissão por morte desta à Recorrida!
23. Com efeito, conforme resulta da Douta Sentença é de se aplicar ao caso dos autos o regime transitório previsto nos art.ºs 26º e seguintes do NRAU atendendo a data da celebração do contrato de arrendamento sendo de se aplicar, nos termos do número 2 desse preceito legal, à transmissão por morte o disposto no artigo 57.º do NRAU.
24. E se dúvidas houvessem, clarifica o art.º 59º do NRAU que, o NRAU se aplica “às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”, pelo que é claro e cristalino que o direito à transmissão do arrendamento pela Ré, ora Recorrida é aferido em função da lei em vigor na data do óbito da sua mãe.
25. Assim, da conjugação dos supra citados preceitos legais e da prova produzida nos autos resulta sem margens para dúvidas que, no caso dos autos é de se aplicar o disposto na al f) do art.º 57º do NRAU, segundo o qual há direito à transmissão ao filho “que com ele convivesse há mais de cinco anos, com idade igual ou superior a 65 anos, desde que o RABC do agregado seja inferior a 5 RMNA”.
26. Pelo que bem andou o Tribunal a quo, uma vez que em face dos factos que foram dados como provados, especificamente nos pontos 4º, 6º, 9º, 10º e 11º provado ficou que a Ré reuniu os requisitos de idade, da residência efetiva no imóvel e de capacidade económica e por via disso concluiu e muito bem que, a Ré logrou provar factos extintivos do direito invocado pela Autora.
27. Caso assim não fosse, e tendo a Douta Sentença aplicado a interpretação restritiva da Recorrente, estaria o Tribunal a quo a violar e interpretar erradamente os requisitos objetivos e subjetivos previstos no artigo 57.º do NRAU, bem como os elementos de facto comprovados nos autos, e a contrariar o espírito do NRAU, que visa proteger a função social do arrendamento habitacional e assegurar a estabilidade habitacional dos membros do agregado familiar.
28. Face a tudo o exposto, é patente serem infundadas e insubsistentes todas as alegações da recorrente e que bem decidiu a Douta Sentença recorrida ao declarar a improcedência total da acção;
Termos em que,
Deve a Douta Sentença ser mantida nos seus precisos termos”.
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II. Do efeito do Recurso.
Foi proferido despacho a admitir o recurso interposto, como apelação, a subir nos próprios autos com tem efeito suspensivo, nos termos dos arts. 627.º, 629.º n.º 3, al. a), 631.º n.º 1, 638.º n.ºs 1 e 7, 641.º, 644.º n.º 1, al. a), 645.º n.º 1, al. a) e 647.º n.º 2, al. b), todos do Código de Processo Civil, o que se afigura correcto suprindo assim a omissão a este respeito verificada por parte da recorrente.
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III. Das Conclusões.
Nas suas contra-alegações de recurso vem a recorrida invocar que a recorrente não cumpre com os requisitos exigidos, quer pelo art.º 640º do Código de Processo Civil, sobre o que nos pronunciaremos infra, bem como do art.º 639º, invocando a este respeito:
“…4. As conclusões de recurso da Recorrente não cumprem com os requisitos legais impostos, não constando estas enunciadas de forma precisa, concreta, ordenada e clara, bem como se mostram omissas quanto aos pontos da decisão de facto que a recorrente considera incorretamente julgados, pelo que impõe-se concluir pela não observância de tal ónus por parte da recorrente.
5. Tal facto inviabiliza a sua análise quanto ao recurso apresentado pela Recorrente, dificultando seriamente a formulação das presentes contra-alegações…”
Dispõe o art.º 639º que:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”
Da simples leitura das Conclusões formuladas pela recorrente, que acima se transcreveram resulta evidente a falta de razão da recorrida; as conclusões estão perfeitamente enunciadas e delimitadas; as razões da discordância da recorrente estão expressas, bem como a menção às normas legais que entende terem sido violadas e as que entende serem aplicadas ao caso; a recorrida pôde responder ao recurso, da foram como igualmente ficou evidente nas contra-alegações igualmente transcritas.
Assim, não se verifica aqui qualquer irregularidade que obste ao recebimento ou ao conhecimento do recurso, salvo o que infra se dirá quanto à reapreciação da matéria de facto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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IV. Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que no caso concreto cumpre apreciar:
- Da correcção de lapsos;
- Da admissibilidade da reapreciação da matéria de facto;
- Saber se ocorreu erro de julgamento, não sendo admissível, à data do óbito da mãe da R. uma segunda transmissão do contrato de arrendamento, tendo o mesmo caducado e da fixação de indemnização.
***
V. Fundamentação de Facto:
Foi a seguinte a decisão da 1º Instância sobre a matéria de facto:
“1. Factos Provados:
1º
A Autora é dona e legítima possuidora da fração cave, identificada sob o artigo matricial urbano….
2.º
Em 31 de Agosto de 1977, foi celebrado contrato de arrendamento do locado identificado no ponto anterior, entre A… e MA, pais da Autora e da Ré respetivamente.
3.º
Posteriormente, com o óbito de MA em Novembro de 1998, foi o contrato de arrendamento transmitido por morte à cônjuge D…, mãe da aqui Ré.
4.º
Em 23 de Agosto de 2022, faleceu D…, e a aqui Ré enviou carta à Autora, a comunicar o óbito e o parentesco para efeitos de transmissão de contrato de arrendamento.
5.º
Por considerar que tal não se aplica ao caso concreto, a Autora respondeu à Ré propondo determinadas condições contratuais, nomeadamente a celebração de um novo contrato, para que a permanência no imóvel produzisse efeitos legais.
6.º
A Ré recusou a proposta e continuou a insistir no direito à transmissão do contrato de arrendamento, sem mais, tomando a iniciativa de depositar o valor da renda (€ 100,00) no banco CGD.
7.º
A Ré foi formalmente interpelada através de citação por notificação judicial avulsa (processo n.º 1828/23.9T8ALM) em 21 de Abril de 2023, para entrega do imóvel ou, querendo, e por ainda vontade da Autora naquele momento, a celebração de novo contrato de arrendamento.
8.º
Desde a data de tal interpelação, a Ré nada disse ou fez para devolver o imóvel devoluto de pessoas e bens à Autora, continuando a utilizar o imóvel.
9.º
A R. viveu grande parte da sua vida no locado em causa nos presentes autos, inclusive, foi cuidadora da sua mãe, que se encontrava doente, até ao fim da sua vida.
10º
A R. tem 69 anos pelo que, à data da morte de sua mãe, em 2022, a R. tinha 68 anos.
11º
Vive sozinha no locado, auferindo uma pensão mensal, no valor de cerca de 730€ (setecentos e trinta euros) euros, inferior ao SMN, ou seja, inferior a 760€ (setecentos e sessenta euros).
12º
O comprovativo de que o RABC do agregado era inferior a 5 RMNA foi-lhe entregue no dia 30 de junho de 2023.
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2.Factos Não Provados
De igual sorte, não se julgam demonstrados os factos que se mostrem em contradição com aqueles que se julgaram provados. Foram ainda expurgados os segmentos repetitivos, conclusivos e de Direito.”
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VI. Da correcção de lapso no Facto Provado 2.
Pretende a recorrente que se proceda à correcção do que ficou exarado em 2 dos Factos Provados, alegando que “10) Dos Factos dados como provados, e apenas à cautela, deverá ser alterado o Facto “2” onde consta «. . . entre A… e MA, pais da Autora e da Ré respectivamente», para «. . . entre A… e MA, tio da Autora e pai da Ré respectivamente».”
Entende a recorrente que tal factualidade resulta das declarações da recorrida, embora não concretize em que parte destas; ora a verdade é que a mesma se mostra perfeitamente inútil para a decisão da causa e do recurso e, de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo. A este propósito importa trazer à colação o Acórdão do STJ de 17/05/2017 (in www.dgsi.pt) no qual se decidiu que “O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.”.
Donde, o facto que se pretende ver corrigido é de todo irrelevante para o mérito da acção, pelo que não se determina a pretendida correcção dado o seu carácter inócuo.
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VII. Da reapreciação da matéria de facto.
Resulta das conclusões de recurso que a recorrente aborda questões relacionadas com matéria de facto, aparentado pretender que se aprecie as mesmas em sede de recurso.
O actual Código de Processo Civil introduziu um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, sujeitando a sua admissão aos requisitos previstos pelo art.º 640º do Código de Processo Civil.
Embora tal reapreciação tenha alcançado contornos mais abrangentes, não pretendeu o Legislador que se procedesse, no Tribunal Superior, a um novo Julgamento, com a repetição da prova já produzida nem com o mesmo limitar de alguma forma o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
Em caso de dúvida, porém, e como se encontra consagrado no artigo 414º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
Como se pode ler em Ana Luísa Geraldes, Impugnação, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610: “(…) em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte (…) O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.”
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o Tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Desta forma, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada convicção, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Posto isto, para que o Tribunal Superior assim se possa pronunciar sobre a prova produzida e reapreciar e decidir sobre a matéria de facto, sem que tal acarrete na verdade todo um novo julgamento e repetição da prova produzida, impõe-se à parte que assim pretende recorrer que cumpra determinados requisitos, previstos no citado art.º 640º do Código de Processo Civil:
“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Como sintetiza Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., pg. 165 e 166, o Recorrente deve:
- Indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
- Especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
- Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos;
- O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do artigo 662º, n.º 2, a), ou mesmo a produção de novos meios de prova nas situações referidas na alínea b);
- O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
Concomitantemente, o recurso deve ser rejeitado, total ou parcialmente, sempre que se verifique alguma das seguintes situações:
- Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, conf. art.º 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, b);
- Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados – art.º 640º, n.º 1, a);
- Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
- Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
Finalmente, a inobservância destes requisitos leva à rejeição (total ou parcial) do recurso para reapreciação de matéria de facto sem possibilidade de aperfeiçoamento (como defendido por Abrantes Geraldes, ob. cit., pg. 167).
Ora, lidas a motivação e conclusões do recurso, verifica-se que a Recorrente não cumpriu com o ónus que se lhe impunha, nomeadamente, não indicou os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados (por referência, naturalmente, aos pontos da matéria de facto assentes ou dos factos não provados constantes da Sentença); nem, por consequência, especificou relativamente a cada facto qual os meios de prova que, em seu entender, fundamentariam decisão diversa; nem formulou a decisão que, em seu entender, seria ser aquela que o Tribunal deveria ter tomado em relação aos concretos pontos de facto sobre os quais discordaria.
No seu recurso, a Recorrente limita-se a formular as razões da sua discordância de um modo genérico e vago, não sendo da competência desta Relação tentar delimitar o que assim ficou exposto, o que, aliás, levou igualmente a que a recorrida viesse referir a sua dificuldade em se pronunciar relativamente a este aspecto do recurso.
Deste modo, impõe-se a rejeição do recurso sobre a reapreciação da matéria de facto.
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VIII. Do Direito.
Nos termos do art.º 1311º do Código Civil: “1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.”
Nos presentes autos está assente o direito de propriedade do A. sobre o imóvel em que a R. habita e a A. aqui reivindica.
Perante esta demonstração do direito de propriedade, o possuidor só pode obstar à restituição da coisa se se conseguir provar uma de três coisas: que a coisa lhe pertence, por qualquer dos títulos admitidos em direito; que tem sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse - v.g. usufruto, arrendamento, retenção; que detém a coisa por virtude de direito pessoal bastante - v.g. um direito pessoal de gozo, para quem admita essa categoria – Conf. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II, INCM, 1979, pág. 848.
No caso, a R. invocava a transmissão do arrendamento por falecimento da sua mãe, ocorrido em 23 de Agosto de 2022 e a aqui Ré enviou carta à Autora, a comunicar o óbito e o parentesco para efeitos de transmissão de contrato de arrendamento, transmissão que a A. não aceitou uma vez que o arrendamento foi celebrado em 31 de Agosto de 1977, entre A… e MA, cujo óbito ocorreu em Novembro de 1998, tendo o contrato de arrendamento sido transmitido por morte à cônjuge D…, mãe da aqui Ré. À data do óbito da mãe da R. estava em vigor o art.º 57º do NRAU, que não prevê a dupla transmissão do arrendamento.
E de facto assim é.
À data do óbito do primitivo arrendatário estava em vigor o DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro na redacção do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, que previa nos seus art.ºs 83º e 85º:
“Artigo 83.º
Seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por morte, sem prejuízo do disposto nos dois artigos seguintes. (…)
Artigo 85.º
Transmissão por morte
1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver:
a) Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto;
b) Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano;
c) Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;
d) Afim na linha recta, nas condições referidas nas alíneas b) e c);
e) Pessoa que com ele viva há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente de pessoas e bens.
2 - Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o parente ou afim mais próximo e mais idoso.
3 - A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.”
Assim, à luz desse ordenamento jurídico, inexistindo comunicabilidade do arrendamento ao cônjuge do arrendatário [A comunicação do arrendamento ao cônjuge sobrevivo era defendida na doutrina, por José Alberto dos Reis, Transmissão do arrendamento (sobre o n.º 3 do § 1º da lei n.º 1.662), RLJ 79 (1947), 385-391 e 401-408 e 80 (1947), 2-9, 17-23 e 33-38 (386 e seg.s); por Sá Carneiro e Pinto Loureiro e Cunha Gonçalves; contra: Barbosa de Magalhães e Anselmo de Castro (Cf. António Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento Urbano anotadas, Almedina, 2014, pág. 153), até à entrada em vigor da Lei 2.030, de 22 de junho de 1948, que passou a prever a incomunicabilidade que vigorou até à entrada em vigor do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, sendo que actualmente prevê o art.º 1068.º do Código Civil que: “O direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente.”] previa no entanto a lei a transmissão do contrato ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto, sendo que nos termos do n.º 3 da mesma norma existia a possibilidade da dupla transmissão do arrendamento aos “…parentes e afins”.
Sucede que entretanto entrou em vigor o NRAU - Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro - NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (NRAU), onde deixou de se prever esta hipótese de dupla transmissão, dispondo, à data do óbito da mãe da R., 23 de Agosto de 2022 o art.º 57º, na redacção da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março:
“Transmissão por morte
1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva:
a) Cônjuge com residência no locado;
b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, com residência no locado há mais de um ano;
c) Ascendente em 1.º grau que com ele convivesse há mais de um ano;
d) Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de 1 ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou o 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;
e) Filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de um ano, com deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct..
f) Filho ou enteado que com ele convivesse há mais de cinco anos, com idade igual ou superior a 65 anos, desde que o RABC do agregado seja inferior a 5 RMNA.
2 - Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respetivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o ascendente, filho ou enteado mais velho.
3 - O direito à transmissão previsto nos números anteriores não se verifica se, à data da morte do arrendatário, o titular desse direito tiver outra casa, própria ou arrendada, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País.
4 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando ao arrendatário sobreviva mais de um ascendente, há transmissão por morte entre eles.
5 - Quando a posição do arrendatário se transmita para ascendente com idade inferior a 65 anos à data da morte do arrendatário, o contrato fica submetido ao NRAU, aplicando-se, na falta de acordo entre as partes, o disposto para os contratos com prazo certo, pelo período de 2 anos.
6 - Salvo no caso previsto na alínea e) do n.º 1, quando a posição do arrendatário se transmita para filho ou enteado nos termos da alínea d) do mesmo número, o contrato fica submetido ao NRAU na data em que aquele adquirir a maioridade ou, caso frequente o 11.º ou o 12.º ano de escolaridade ou cursos de ensino pós-secundário não superior ou de ensino superior, na data em que perfizer 26 anos, aplicando-se, na falta de acordo entre as partes, o disposto para os contratos com prazo certo, pelo período de 2 anos.”
Sobre a aplicação da Lei no tempo dispõe o art.º 59º do NRAU nos seguintes termos:
“1 - O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
2 - A aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil não determina a perda do direito de preferência por parte de arrendatário que dele seja titular aquando da entrada em vigor da presente lei.
3 - As normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável.”
O contrato em causa foi celebrado em 31 de Agosto de 1977, sendo-lhe aplicável o disposto pelo Código Civil, relativas ao contrato de locação e arrendamento, na redacção do Decreto-Lei nº 47344/66, de 25 de Novembro, diploma que aprovou o Código Civil na sua redacção originária.
Nos termos da al. d) do art.º 1051º do Código Civil, na redação que se manteve, apesar das sucessivas alterações do regime do arrendamento urbano, o contrato de locação caduca por morte do locatário.
No entanto, o artigo 1111º do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei 47344/66, de 25 de Novembro, dispunha:
“1. O arrendamento não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto, ou deixar parentes ou afins na linha recta que com ele vivessem, pelo menos, há um ano; mas os sucessores podem renunciar à transmissão, comunicando a renúncia ao senhorio no prazo de trinta dias.
2. A transmissão da posição do inquilino, estabelecida no número anterior, defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo;
b) Aos parentes ou afins da linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau ulterior.
3. A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.”
O citado artigo 1111º do Código Civil foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 293/77, de 20/06, tendo sido suprimida a palavra «primitivo», a seguir a arrendatário.
Com o Decreto-Lei 328/81, de 4 de Dezembro, o artigo 1111º do Código Civil passou a ter a seguinte redacção:
“1 - O arrendamento não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto ou deixar parentes ou afins, na linha recta, com menos de 1 ano ou que com ele vivessem pelo menos há 1 ano, mas os sucessores podem renunciar à transmissão, comunicando a renúncia ao senhorio no prazo de 30 dias.
2 - A transmissão da posição do inquilino, estabelecida no número anterior, defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo;
b) Aos parentes ou afins, na linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau ulterior.
3 - A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.”
Nova redacção foi conferida ao artigo 1111º do Código Civil, com a Lei nº46/85 de 20 de Setembro:
“1 - O arrendamento não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto ou deixar parentes ou afins, na linha recta, com menos de 1 ano ou que com ele vivessem pelo menos há 1 ano, mas os sucessores podem renunciar à transmissão, comunicando a renúncia ao senhorio no prazo de 30 dias.
2 - No caso de o primitivo inquilino ser pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, a sua posição também se transmite, sem prejuízo do disposto no número anterior, àquele que no momento da sua morte vivia com ele há mais de 5 anos em condições análogas às dos cônjuges.
3 - A transmissão da posição de inquilino, estabelecido nos números anteriores, defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo;
b) Aos parentes ou afins na linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau ulterior;
c) À pessoa mencionada no n.º 2.
4 - A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.
5 -…”.
Ao citado art.º 1111º do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 328/81, veio corresponder o artigo 85º do Regime de Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10, que revogou o direito anterior relativo às matérias reguladas no regime de arrendamento urbano, designadamente os artigos 1083º a 1120º do Código Civil; a Lei n.º 46/85, de 20/09 e o Decreto-Lei n.º 13/86, de 23/01 (cf. art.º 3º n.º 1, als. a), g) e h) do citado Decreto-Lei 321-B/90).
Ora, dispunha o artigo 51º do RAU que “O disposto neste diploma sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento têm natureza imperativa”, o que afasta a aplicação do art.º 59º, n.º 3 do NRAU.
E foi, como vimos, na vigência do RAU que ocorreu a transmissão do primitivo arrendatário à mãe da R.
Mas já o óbito da mãe da R. veio a ocorrer na vigência do NRAU, aplicando-se assim o art.º 57º deste diploma, como supra referido, o qual não prevê a ocorrência de uma segunda transmissão.
Tendo ocorrido a primeira transmissão do arrendamento nos termos referidos, não é possível invocar, como pretende a R., uma nova transmissão do contrato, porquanto esta não é legalmente admissível.
De facto, ao empregar a expressão primitivo arrendatário deve interpretar-se a vontade do legislador no sentido de apenas ser admissível a ocorrência de uma transmissão do contrato e não já uma sucessiva transmissão aos sucessores subsequentes.
Como pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto de 20/5/2024, proferido no Processo nº 6323/19.8T8MTS.P1, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/6323-2024-877857975, em que é abordada uma questão semelhante ao caso que agora nos ocupa: “A aplicação no tempo do NRAU encontra-se prevista no respectivo artigo 59º, nº 1, o qual dispõe que se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nesta data, sem prejuízo nas normas transitórias”, que constam dos artigos 26º a 58º do NRAU. Nas palavras de Luís Menezes Leitão [Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, Almedina, 10ª edição, pág. 189], “Trata-se de solução que se harmoniza com as regras gerais estabelecidas para a aplicação das leis no tempo. Efectivamente, face ao artigo 12º, nº 2, do Código Civil, sempre que a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal, de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos. Mas quando dispuser sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. Ora, a aprovação de um novo regime do arrendamento é manifestamente uma disposição sobre o conteúdo de relações jurídicas, pelo que deverá aplicar-se imediatamente aos arrendamentos já existentes”. E conclui, “A solução agora constante do NRAU é (…) a aplicação integral e imediata do novo regime, o que (…) está de acordo com as regras comuns em sede de aplicação da lei no tempo. Esta solução é, no entanto, objecto de algumas excepções, constantes das disposições transitórias referidas nos artigos 26º e 28º…”, respeitando as últimas disposições transitórias aos contratos habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do D.L. 321-B/90, de 15 de Outubro bem como aos não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do D.L. 257/95, de 30 DE Setembro (artigo 27º NRAU). Nestes casos, mantém-se igualmente em vigor o regime relativo à transmissão por morte, duração, renovação e denúncia, também em termos próximos aos que vigoraram no RAU e a que já nos referimos (art.º 28º NRAU), reafirmando-se assim a plenitude do vinculismo arrendatício…”. Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 4/12/2018 [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/12/2018, proferido no processo nº 6371/15.7T8SNT.L1.S2, acessível em www.dgsi.pt]: “I - Por força do disposto no art.º 12.º, n.º 2, do CC, o regime da transmissão do arrendamento (para habitação), não obstante celebrado em 1951, é o vigente à data do facto potencialmente idóneo a determiná-la – ou seja, na situação em apreço, do falecimento (em 14-08-2014) da então arrendatária, a mãe da ré –, em que já vigorava a Lei que aprovou o NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27-02, com as alterações conferidas pela Lei n.º 31/2012, de 14- 08), cujo art.º 59.º determina a aplicação deste novo regime do arrendamento urbano às relações contratuais anteriormente constituídas, sem prejuízo do estabelecido nas normas transitórias. II - De entre tais normas transitórias, a do art.º 57.º, que para o caso relevaria, não confere à ré o direito à (re)transmissão do arrendamento, uma vez que, em 14-08-2014, a sua mãe não era a primitiva arrendatária nem se verificava em relação a ela própria qualquer das hipóteses subsumíveis à previsão de tal norma. III - Com efeito, apenas a partir da referida Lei n.º 6/2006, ao aditar ao CC o art.º 1068.º, se instituiu a regra da comunicabilidade ao cônjuge do arrendatário do direito ao arrendamento de prédios urbanos e daí que a mãe da ré já fosse transmissária do arrendamento, desde 1972, na sequência do divórcio com o primitivo arrendatário e pai da ré. IV - Uma vez aplicado o regime em vigor ao tempo da ocorrência do facto determinante da transmissão ou da caducidade do contrato, não tem cabimento a alusão à violação do princípio da não retroatividade da lei, configurada pela ré como sendo restritiva de direitos, liberdades e garantias (arts. 17.º e 18.º da CRP). V - O regime mais restritivo da transmissibilidade do arrendamento que passou a vigorar com o NRAU para os contratos de arrendamento já anteriormente constituídos também não contende com a norma do art.º porque esta não regula, muito menos em termos absolutos, os relacionamentos intersubjetivos privados, antes encerra, uma injunção dirigida ao Estado no sentido de dever programar a sua atividade de modo a assegurar a todos os cidadãos «uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar». VI - À luz do regime pregresso, entre a vigência da versão original do CC de 1966 e a entrada em vigor do citado art.º 57.º do NRAU, a invocada expectativa a uma segunda transmissão do arrendamento só teria tido solidez no período em que vigorou o DL n.º 293/77, de 20- 07, durante o qual a morte de qualquer arrendatário, mesmo que não fosse o “primitivo”, facultava a ilimitada transmissão da posição contratual, já que o DL 328/81, de 04-12, veio, de novo, restringir aos casos de morte do “primitivo” arrendatário a ressalva posta à caducidade do arrendamento pela sua transmissão, o que o RAU (DL n.º 321-B/90, de 15- 10) manteve, tal como a lei actualmente vigente. VII - De todo o modo, a alegada expectativa não seria merecedora da tutela equivalente à da confiança na manutenção do direito que na esfera jurídica da ré eventualmente se tivesse desencadeado com o óbito da mãe e no momento deste, o único em que seria possível aferir do preenchimento, ou não, dos requisitos da pretendida transmissibilidade. VIII - E não tem fundamento o apelo à tutela da “posição de confiança na previsibilidade do direito”, porquanto a mera expectativa fundada na não alteração da lei só é legítima quando esta consubstancie uma violação da segurança jurídica e da confiança legítima, enquanto emanação da ideia de Estado de direito democrático (art.º 2.º da CRP), por constituir uma modificação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os respectivos destinatários não possam contar e não inspirada pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos”. No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 9/11/2023 [Acórdão do Tribunal da Reação de Guimarães, de 9/11/2023, proferido no processo nº 153/22.78VVD.G1, acessível em www.dgsi.pt.]: “A Lei nº. 6/2006 de 27/2, que criou o Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano (NRAU) instituiu normas transitórias, de aplicação imediata aos contratos de arrendamento celebrados antes do Regime Jurídico do Arrendamento Urbano (RAU), instituído pelo DL nº DL 321-B/90 de 15/10, sendo uma delas o art.º 57º, relacionado com a transmissão do arrendamento por morte do arrendatário”. Ainda no mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 2/7/2019 [Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2/7/2019, proferido no processo 21543/17.1T8LSB.L1-7, acessível em www.dgsi.pt. Nesse Acórdão, abordada a questão da aplicação do artigo 57º do NRAU e não do artigo 1106º do Código Civil, refere o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão citado que “Poderia contudo objetar-se que tal conclusão conduziria a um tratamento menos favorável que o decorrente da aplicação do art.º 1106º n.º 1 al. c) do CC, e como tal implicaria uma violação do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13º da Constituição da República, na medida em que este permitiria a transmissão do direito ao arrendamento para habitação em caso de morte do arrendatário quando lhe sobreviva “pessoa que com ele vivesse em economia comum há mais de um ano”, só não se aplicando tal regra por se tratar de contrato de arrendamento celebrado em data anterior à entrada em vigor do RAU. Contudo, cremos que tal entendimento não colhe, porque as duas situações não são iguais, nem sequer equiparáveis. Com efeito, o art.º 1106º do CC, na redação que lhe foi conferida pelo DL n.º 6/2006 de 23/3, e posteriormente alterado pela Lei n.º 31/2012 de 14/8, aplica-se aos contratos de arrendamento mais recentes, os quais foram outorgados num momento em que o arrendamento urbano já não se achava limitado pela rigidez do regime anterior, à luz do qual os contratos de arrendamento urbano, especialmente os destinados para habitação constituíam vínculos rígidos de duração multigeracional. Nessa medida, a evolução legislativa foi claramente no sentido de aligeirar o rigor e rigidez do regime do arrendamento vinculístico. É por isso à luz destas considerações que devemos encarar as regras consagradas no art.º 57º do NRAU, as quais visam obviar a uma excessiva prorrogação da vigência dos contratos outorgados antes da entrada em vigor do RAU e do NRAU, reduzindo os casos de transmissão do arrendamento a situações justificadas por especiais razões assistenciais. No caso vertente, o réu não se enquadra em nenhuma dessas situações, não se descortinando qualquer razão para crer que se encontra em situação semelhante àquela em que se encontraria caso o contrato de arrendamento dos autos tivesse sido celebrado na vigência do RAU. Basta referir que caso tivesse sido outorgado na vigência do RAU, a renda teria sido fixada de acordo com as regras do mercado, e com toda a certeza não seria de € 83,15, como no caso sucede; o contrato seria outorgado por prazo não superior a 5 anos; e não ficaria sujeito a renovação automática, obrigatória e forçada …. Estas as razões pelas quais cremos que os diferentes regimes se aplicam a situações diferentes, pelo que as diferenças entre os mesmos não violam o princípio da igualdade, nomeadamente na sua vertente da igualdade material (tratar de forma diferente o que é diferente, na medida dessa diferença).”]: “O NRAU veio de novo regular esta matéria de novo no CC, agora no art.º 1106º n.º 1 do referido código. Contudo, esta disposição legal não se aplica ao caso dos autos, visto que o art.º 27º do NRAU estabelece expressamente que relativamente aos contratos para fins habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do RAU se aplicam as disposições constantes do Capítulo II do NRAU, aqui se incluindo o art.º 57º, que tem por epígrafe “transmissão por morte”. Porém, relativamente a este, não é aplicável a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 13/2019, de 12-02, por a mesma ter sido publicada e entrado em vigor muito depois do decesso da falecida mãe do réu, e posteriormente à propositura da presente ação (que teve lugar em 04-10-2017), sendo certo que das disposições transitórias da Lei 13/2019 não resulta coisa diversa”. Ora, dispõe o artigo 27º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a alteração introduzida pela Lei 31/2012 (vigente à data do óbito de CC), que é aplicável aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, o regime previsto no capítulo II do NRAU, sendo que, por remissão do artigo 28º da Lei 6/2006 (vigente à data do óbito de CC), há que ter em consideração o disposto no art.º 26º, concretamente o que se dispõe no n.º 2, que determina a aplicação do disposto no art.º 57º do NRAU quanto à transmissão por morte. No caso, a questão que se coloca é a da caducidade do contrato de arrendamento por morte do arrendatário que sucedeu ao primitivo arrendatário. Tratando-se de contrato previsto no art.º 27º do NRAU, é-lhe aplicável o regime de transmissão de arrendamento previsto no art.º 57º do mesmo diploma, em detrimento do regime previsto no art.º 1106º do CC. Resulta da matéria de facto provada que o contrato de arrendamento foi celebrado em 1 de Fevereiro de 1971, entre o autor e BB. O direito de arrendamento sobre o locado foi posteriormente transmitido à mulher de BB, CC, falecida no mês de Outubro de 2018, encontrando-se a residir no imóvel, à data do seu óbito, o réu. Atento o disposto no artigo 57º do NRAU, na redacção conferida pela Lei nº79/2014[10], de 19/12 (vigente à data do óbito da arrendatária), com o falecimento de CC, mãe do Réu, a posição de arrendatário não se transmitiu para este porque a falecida já tinha sucedido naquela posição ao primitivo arrendatário. Conforme se explicou, à data do decesso da mãe do Réu, o artigo 57º do RNAU, na redacção da Lei 79/2014, não previa uma segunda transmissão do contrato. Em suma, tendo sido o contrato de arrendamento celebrado no ano de 1971, antes do início de vigência do RAU, à transmissão por morte do arrendatário aplica-se o disposto nos art.ºs 57º e 58º do NRAU, por força dos artigos 26º, nº 2, 27º e 28º deste mesmo diploma legal. O artigo 1106º, n.º 1, do Código Civil não se aplica ao caso dos autos, visto que o art.º 27º do NRAU estabelece expressamente que relativamente aos contratos para fins habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do RAU se aplicam as disposições constantes do Capítulo II do NRAU, aqui se incluindo o art.º 57º que tem por epígrafe “transmissão por morte”.
Pelo exposto impõe-se concluir pela procedência do recurso interposto, revogando-se a decisão proferida na 1ª Instância e, julgando-se a acção procedente, inexistindo fundamento para a permanência da R. no locado, por via da caducidade do contrato de arrendamento, deve a R. ser condenada na restituição do imóvel à A.
Peticiona ainda a A. uma indemnização de 2.900,00 (dois mil e novecentos euros), a título de indemnização pela utilização sem título do imóvel.
Dispõe o art.º 1045º do Código Civil que:
“1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro. “
O momento da constituição em mora é determinado pelo art.º 1053º do Código Civil: “Em qualquer dos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051.º, a restituição do prédio, tratando-se de arrendamento, só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade ou, sendo o arrendamento rural, no fim do ano agrícola em curso no termo do referido prazo.”
A caducidade do contrato operou em 23 de Agosto de 2022, pelo que de Setembro de 2022 a Fevereiro de 2023 a indemnização a fixar era de 600,00 €, por a renda ser de 100,00 € mensais e desde essa data a indemnização corresponde a 200,00 €, a calcular desde Março de 2023 até ao presente mês de Março de 2025, sendo a mesma superior ao pedido formulado a condenação deve porém conter-se dentro dos limites de tal pedido, nos termos do art.º 609º do Código de Processo Civil.
Tendo a R. procedido ao depósito de quantias equivalente à renda em causa, reconhece-se à A. o direito a proceder ao levantamento de tais quantias, para pagamento da indemnização aqui fixada.
Apenas só mais uma palavra para referir que as questões suscitadas no recurso relativamente à tentativa de conciliação, não fazendo parte do objecto do processo, não são igualmente susceptíveis de apreciação por igualmente não se configurarem como objecto de recurso.
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IX. Das Custas do Recurso.
Vencida na causa é a Recorrida a responsável pelo pagamento das custas devidas, nos termos do art.º 527, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente o Recurso interposto, revogando-se a Sentença proferida, condenando-se a R. a restituir o imóvel à A., bem como no pagamento à A. da peticionada quantia de 2.900,00 (dois mil e novecentos euros), a título de indemnização pela utilização sem título do imóvel, reconhecendo-se à A. o direito a proceder ao levantamento das quantias que a R. tem depositado a título de renda, para pagamento da indemnização aqui fixada.
Custas pela Apelada.
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Registe e notifique.