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EXECUÇÃO
REJEIÇÃO PARCIAL
PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
USO INDEVIDO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Sumário
Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC – Da exclusiva responsabilidade do relator) 1. Numa execução em que só foram penhorados vencimentos, enquanto o agente de execução não entregar ao exequente os montantes que estão à sua ordem, na sequência de penhora no vencimento da executada (cfr. Art.º 779.º n.º 3 al.s a) e b) do C.P.C.), ainda pode ser proferido o despacho de rejeição da execução previsto no Art.º 734.º n.º 1 do C.P.C.. 2. O uso indevido do procedimento de injunção é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso e pode determinar o indeferimento liminar da execução. 3. A rejeição da execução, ao abrigo do Art.º 734.º n.º 1 do C.P.C., com esse fundamento, pode ser parcial, devendo a execução prosseguir relativamente à cobrança dos restantes créditos que correspondam à exigência do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, nos termos do Art.º 7.º do Regime Jurídico dos Procedimentos aprovados pelo Dec.Lei n.º 269/98 de 1 de setembro.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
A Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. veio intentar a presente ação executiva, em processo de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, contra DS, com vista o obter o pagamento da quantia de €701,56, tendo por título executivo um requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça.
Após realização de diligência de penhora e da citação da executada, veio a ser proferido despacho, datado de 22/10/2024, pelo qual foi ordenada a suspensão de todos atos de execução, alertando-se para a circunstância de no requerimento de injunção, que constituiu o título executivo, conter um pedido de pagamento indemnização devida pela “cessação antecipada do contrato sem justa causa”, o que poderia ser enquadrado como uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, de uso indevido do procedimento de injunção e conducente à rejeição da execução por vício na formação do título executivo, ao abrigo do disposto no Art.º 734.º do C.P.C., tendo a Exequente sido notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre tal matéria, ao abrigo do princípio do contraditório, bem como para juntar aos autos as faturas referidas no requerimento de injunção.
Por requerimento de 21/10/2024, veio a Exequente alegar, em suma, que foi efetuada e concretizada penhora de vencimento da Executada nos autos, nas seguintes datas e com os seguintes valores:
“a) recibo com data citius – 25/07/2024 - €82,77;
b) recibo com data citius 30/08/2024 - €108,48;
c) recibo com data citius 10.09.2024 - €197,19;
d) recibo com data citius 30.09.2024 - €367,76”
Com base nessa factualidade, defendeu a Exequente que já aconteceram atos de transmissão de bens penhorados nos autos, pelo que já não poderia o Tribunal conhecer oficiosamente da questão da exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, nos termos do artigo 734.º, n.º 1 do CPC.
Perante tal alegação, foi proferido despacho a 10/11/2024, requerendo ao Sr. AE que esclarecesse: “- Se procedeu a entregas de resultados ao exequente em datas anteriores ao despacho de 22.10.2024; ou - Se os pagamentos a que alude o exequente no requerimento em epígrafe correspondem às transferências da entidade patronal do executado, à ordem do Sr. Agente de Execução, no âmbito da penhora de vencimento, mas que ainda não foram entregues.”
Por comunicação de 21/11/2024, veio o Sr. AE responder que ainda não entregou quaisquer resultados à Exequente, bem como que os valores por esta referidos no seu requerimento dizem respeito a transferências da entidade patronal para a sua (do AE) conta bancária, não tendo tais valores sido por si entregues à Exequente.
Através do requerimento de 25/11/2024, veio a Exequente juntar aos autos as faturas subjacentes ao requerimento de injunção que deu origem ao título executivo invocado nesta execução.
Nesta sequência, veio a ser proferida sentença que julgou por verificada a falta de título executivo, por uso indevido do processo de injunção, indeferindo o requerimento executivo e rejeitando a execução, que declarou extinta, nos termos dos Art.s 734.º n.ºs 1 e 2 e 726.º n.º 2 al. a) do C.P.C..
É desta sentença que a Exequente vem agora interpôs de recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
i) A Sentença recorrida deve ser revogada pois nela se fez, salvo o devido respeito, errada aplicação do Direito.
ii) Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção por considerar que a exequente veio dar à execução requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes, além do mais, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato, com consequente falta de título executivo rejeitando deste modo a presente execução in totum.
iii) In casu, ora Recorrente, em 19.06.2024, apresentou à execução o requerimento de injunção 11980/24.0YIPRT ao qual foi aposta força executiva pelo BNI, no qual foi peticionado o pagamento de valores correspondentes a 5 faturas referente a serviço de telecomunicações e ainda à fatura A805079181 no valor de €338,02 referente aos encargos devidos pela cessação antecipada do contrato, acrescido dos respetivos juros de mora e de €76,50 de taxa de justiça, perfazendo assim a quantia exequenda de €701,56.
iv) Desde a sua entrada em juízo, e por via da penhora de vencimento que se encontrava em curso, já tinham sido pagos pela Entidade patronal:
refª citius 26098382, recibo de 25.07.2024, no valor de €82,77;
refª citius 26232514, recibo de 30.08.2024, no valor de €108,48;
refª citius 26284887, recibo de 10.09.2024, no valor de €197,19;
refª citius 26418606, recibo de 30.09.2024, no valor de €367,76.
v) Em 24.10.2024, foi a Exequente notificada do despacho que declarou a sustação dos autos, para, em 10 dias, querendo se pronunciar quanto à eventual rejeição da execução atento ao recurso indevido ao procedimento de injunção, o que, entende o tribunal, constitui exceção inominada de conhecimento oficioso, bem como, juntar aos autos as faturas identificadas no requerimento executivo/requerimento de injunção.
vi) Tendo a Exequente se pronunciado por requerimento de 07.11.2024, defendendo a adequabilidade do procedimento de injunção à cobrança de todas as quantias do requerimento de injunção, e a preclusão do conhecimento da referida exceção nos termos do artigo 734º nº. 1 do CPC, uma vez que o Executado já tinha sido citado nos autos, tendo optado por não deduzir embargos de Executado (tal como já havia feito em sede de procedimento de injunção) e atento aos pagamentos efetuados pela Entidade Patronal decorrentes da penhora de vencimento em curso.
vii) No entanto, decidiu o douto tribunal a quo que tal faculdade de conhecimento da exceção de uso indevido do procedimento de injunção não se mostraria precludida, concluindo pela rejeição total da execução, decisão de que ora se recorre e com a qual a Exequente não se pode conformar.
viii) Prevê o nº. 1 do artigo 734.º do CPC, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”,
ix) Salvo devido respeito por melhor opinião, e conforme se demonstrou em iv, se mostra precludida essa faculdade de conhecimento oficioso conducente a um eventual indeferimento liminar ou rejeição da execução, pois foram efetuados pagamentos pela Entidade Patronal nos autos decorrentes da penhora de vencimento que se encontrava em curso, e que o Executado apesar de regulamente citado em 06.09.2024, optou conscientemente por não apresentar Embargos de Executado à semelhança do sucedido em sede de procedimento de injunção onde não apresentou oposição.
x) Sem prescindir e para o caso de assim não se entender, o que não se concebe nem concede, sempre se dirá que, prevê o n.º 2 do citado preceito 734º e o n.º 3 do artigo 726º ambos do CPC o aproveitamento ainda que parcial da execução/indeferimento parcial.
xi) Entende a Exequente a admissibilidade (como tanto jurisprudência existente assim também o defende) de tais quantias serem peticionadas através do procedimento de injunção, mas conhecendo a controvérsia existente, pugna pelo prosseguimento ainda que parcial dos autos, já com quantias recuperadas, quanto às demais faturas referentes à prestações pecuniárias decorrentes do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes e sem controvérsia quando a sua peticionabilidade através de procedimento de injunção.
xii) Posição sufragada nos vários arestos proferidos recentemente pelo tribunal da Relação de Lisboa:
- em 10.10.2024 e 24.10.2024, relator Eduardo Petersen Silva, disponível em www.dgsi.pt, sumário:
I - O conhecimento da exceção inominada de uso indevido do procedimento de injunção é oficioso. II - O indeferimento liminar e a consequente absolvição por via desse uso indevido podem ser parciais;
- de 11.07.2024, Relator António Moreira, disponível em www.dgsi.pt cujo sumário parcialmente e na parte que aos autos interessa: 7- Estando-se perante a exceção dilatória do uso indevido do procedimento de injunção, bem como da consequente falta ou insuficiência do título executivo (que se formou com a aposição da fórmula executória no requerimento de injunção), impõe-se o aproveitamento desse título, na parte relativa aos pedidos e valores admissíveis no âmbito do procedimento de injunção, em obediência aos princípios da economia processual e do aproveitamento dos atos processuais.
- de 11.07.2024, Relatório António Santos, disponível na mesma plataforma digital, cujo sumário igualmente se transcreve e subscreve, na parte que importa aos presentes autos: 3. - O vício referido em 2., todavia, não afeta em todo o caso todo o título [por aposição da fórmula executória] que se haja formado no procedimento de injunção, mas apenas na parte em que o subjacente pedido não se ajuste á finalidade do referido procedimento, nos termos previstos no art.º 7º do diploma anexo ao DL 269/98; 4. – Em consonância com o referido em 3., impõe-se portanto apenas o indeferimento parcial do requerimento inicial executivo [cfr. art.º 726º, n.º 3, do CPC], quanto á parte do título afetada pelo vício referido em 4.2., devendo a execução prosseguia quanto ao restante; 5. – O referido em 3. e 4. consubstancia entendimento/interpretação que é a que melhor satisfaz e atende à unidade do sistema jurídico, concebendo o processo civil como um instrumento e um mero meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo.
xiv) Argumentação que não podemos deixar de sufragar, pois só assim; se cumpre o estabelecido no artigo 734º n.º 2 e 726º que permitem o prosseguimento ainda que parcial da ação executiva; se cumpre com finalidades para as quais os procedimentos de injunção foi criado – o de agilizar a vida económica (agilizar cobranças) e simultaneamente o de libertar os tribunais das ações declarativas subjacentes; se evita uma discriminação arbitrária e sancionatória dos credores, cumprindo-se o efetivo e racional princípio de aproveitamento dos atos processuais, por um princípio de utilidade, e porque em sede executiva se prevê realmente esse aproveitamento; se cumprem os princípios da economia processual e do aproveitamento dos atos processuais; se satisfaz e atende à unidade do sistema jurídico, concebendo o processo civil como um instrumento e um mero meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo; se cumprem os princípios da economia processual e do aproveitamento dos atos processuais; se satisfaz e atende à unidade do sistema jurídico, concebendo o processo civil como um instrumento e um mero meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo.
Pede assim que a decisão recorrida, que violou os Art.ºs 726.º n.º 3 e 734.º n.º 2 do C.P.C., seja revogada e substituída por outra que admita liminar ou parcialmente o requerimento executivo e mande prosseguir os autos.
A executada não respondeu ao recurso, não apresentando contra-alegações.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, as questões a decidir são:
a) A admissibilidade legal do despacho de rejeição oficiosa da execução; e
b) A rejeição parcial da execução por uso indevido do processo de injunção.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida não especificou de forma discriminada a factualidade em que assenta, mas dela resulta que relevou os seguintes factos documentados no processo:
1- A exequente veio instaurar a presente ação executiva para pagamento de quantia certa, destinada a obter o pagamento de €701,56, tendo por base um requerimento de injunção, que correu termos no Balcão Nacional de Injunções sob o n.º 11980/24.0YIPRT, ao qual foi aposta a fórmula executória e onde a ora Executada foi demandada a proceder ao pagamento do montante global de €701.56, sendo €614,35 a título de capital, €10,71 de juros de mora vencidos e €76,50 relativos à taxa de justiça paga, tendo nesse requerimento de injunção sido invocados os seguintes factos:
«Data do contrato: 06-08-2021
«Período a que se refere: a Contrato de Fornecimento de bens ou serviços»
«1- A Rte tem por objeto social a prestação de serviços de comunicações eletrónicas (fixas e/ou moveis), a conceção, construção, gestão e exploração de redes, infraestruturas e soluções de comunicações eletrónicas, assim como outras atividades complementares, subsidiárias ou acessórias das acima referidas;
«2- No exercício da sua atividade, a Rte celebrou com o Rdo um contrato de prestação de serviços de telecomunicações, no âmbito do qual aquela se obrigou a prestar o serviço contratado, de acordo com o tarifário escolhido pelo Rdo e este se comprometeu a efetuar, pelo período de tempo acordado, o pagamento atempado do respetivo preço;
«3- Ficou, ainda, estabelecido que, em caso de cessação antecipada do contrato sem justa causa, a Rte tem o direito de receber uma indemnização correspondente ao valor dos benefícios/vantagens concedidos na data da celebração do contrato e associados, designadamente ao custo da instalação, da ativação do serviço, da subsidiação de equipamentos e ofertas promocionais ou condições comerciais;
«4- Esta indemnização é calculada considerando: (período contratual acordado - n. meses em que os serviços estiveram ativos) x (benefícios e vantagens conferidos) / (período de fidelização);
«5- Assim e, em execuçã do contrato, os serviços foram prestados e, em consequência emitidas e enviadas as respetivas faturas para a morada indicada pelo Rdo, conforme descrição infra;
«6- Não tendo sido registada evidencia de correspondência devolvida e/ou reclamada;
«7- As faturas refletem mensalidades pré-acordadas, planos de preços, alugueres de equipamentos e comunicações efetuadas, nos montantes indicados;
«8- A Rte prestou os serviços, como contratado;
«9- Ao Rdo competia proceder ao pagamento das faturas (infra mencionadas) emitidas pela Rte, dentro do respetivo prazo - o que não veio a acontecer;
«10- E, apesar de interpelada para o efeito, o Rdo não procedeu, ate esta data, ao pagamento dos valores titulados pelas referidas faturas;
«11- Termos em que, não tendo atempadamente efetuado o pagamento das faturas entrou em incumprimento definitivo e deu causa a resolução do contrato pela A. (art.º 798, 801, 805 e 808 C.C.);
«Em consequência,
«12- Foi emitida e enviada ao Rdo a fatura correspondente a indemnização pelo incumprimento do período contratual acordado, nos termos referidos supra (3. e 4.), e
«13- E o Rdo também responsável pelo prejuízo que o incumprimento causa a Rte pois, atempadamente interpelada, não procedeu a respetiva liquidação;
«14- Assim sendo, nos termos dos art.º 804., 805., n.ºs 1 e 2 alínea a) e 806., todos do C.C., a Rte tem direito a indemnização correspondente aos juros de mora vencidos calculados desde as datas de vencimento das referidas faturas e sobre os respetivos montantes, ate integral e efetivo pagamento, a taxa legal aplicável (§ 3. do artigo 102. do Cód. Com., DL 62/2013, de 10 de Maio);
«15- Por último, o tribunal competente para dirimir o presente litígio, indicado pela ora Rte e escolhido em conformidade com o disposto no art.º 71., n.º 1, in fine do CPC.
«Proc.: LE…010 Conta N.: …252 NIC: … Data Contrato: 06/08/2021
«N. Fatura; Data Limite de Pagamento; Capital
«ago-23; A798892720; 13/09/2023; 74.95;
«set-23; A800951898; 13/10/2023; 109.82;
«out-23; A803015560; 14/11/2023; 88.88;
«nov-23; A805079181; 15/12/2023; 338.02
«Proc.: LE…230 Conta N.: …252 NIC: … Data Contrato: 06/08/2021
«dez-23; A807151044; 12/01/2024; 5.00
«Proc.: LE…359 Conta N.: …252 NIC: … Data Contrato: 28/12/2023
«dez-23; …854; 28/12/2023; -2.32». – Cfr. “Requerimento Executivo” de 27-06-2024 – Ref.ª n.º 25910068 - p.e. - e “Formulário” Ref.ª n.º 25910068 – p.e.);
2- Foi feita penhora de vencimento à executada, auferido na entidade na sociedade “Associação uma nova linguagem para a incapacidade” (cfr. “Auto de Penhora Editável (AE)” de 04-09-2024 – Ref.ª n.º 26259547 – p.e.) e, na sequência, a executada foi citada (cfr. “Citação postal de executado - positiva (AE)” de 24-10-2024 – Ref.ª n.º 26599113 - p.e.), não tendo deduzido oposição à execução;
3- A exequente veio informar os autos que a executada efetuou os seguintes pagamentos:
«a) recibo com data citius – 25/07/2024 - €82,77;
«b) recibo com data citius 30/08/2024 - €108,48;
«c) recibo com data citius 10.09.2024 - €197,19;
«d) recibo com data citius 30.09.2024 - €367,76 (cfr. “Execução - Requerimento para outras questões” de 07-11-2024 – Ref.ª n.º 26688944. p.e.);
4- O Agente de execução veio informar os autos que: «Nestes autos ainda não foram entregues resultados à exequente: «- Os valores a que alude a exequente no seu requerimento correspondem a transferências da entidade patronal do executado, no âmbito da penhora de vencimento, para a conta do signatário. - os valores ainda não foram entregues. «É o que cumpre, por ora, informar». (cfr. “Resposta a Solicitação do Tribunal (AE)” de 21-11-2024 – Ref.ª n.º 26790288 – p.e.).
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1- Da admissibilidade legal do despacho de rejeição oficiosa da execução:
A primeira questão suscitada na presente apelação tem a ver com a possibilidade legal de ser conhecida oficiosamente pelo juiz da execução qualquer questão que poderia determinar o indeferimento liminar da execução, mais concretamente, no caso, por inexistência ou inexigibilidade do título executivo, emergente da conclusão de que havia sido feito uso indevido do processo de injunção, que serve de título executivo nesta ação.
Essa possibilidade vem estabelecida no Art.º 734.º n.º 1 do C.P.C., que reza assim: «1. O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo».
No caso concreto, como resulta evidenciado dos autos, não houve transmissão dos bens penhorados. Na verdade, o que houve foi penhora no vencimento da executada, nos termos do Art.º 779.º do C.P.C., decorrendo do n.º 2 desse preceito que as quantias descontadas no salário devem ficar à ordem do Agente de Execução, mantendo-se indisponíveis até ao termo do prazo para a oposição do executado.
Só depois de decorrido o prazo de oposição, ou julgada improcedente a oposição apresentada, é que o agente de execução pode entregar esses montantes ao exequente (cfr. Art.º 779.º n.º 3 al. a) e b) do C.P.C.).
Ora, o que o Agente de execução veio esclarecer, a pedido expresso do Tribunal a quo, é que os alegados “pagamentos” feitos pela executada, são descontos no vencimento que ainda estão à ordem do Agente de execução. Logo, como muito bem foi decidido na sentença recorrida, ainda poderiam ser conhecidas, oficiosamente, das questões que poderiam determinar o indeferimento liminar da execução, ao abrigo do Art.º 734.º n.º 1 do C.P.C..
Improcede, portanto, nesta parte a apelação e as conclusões que sustentam o contrário.
2. Da rejeição parcial da execução.
A segunda questão suscitada na apelação tem-se revelado uma “vexata quaestio”.
Em todo o caso, cumpre dizer, antes de mais que nos termos do Art.º 1.º do diploma preambular que constitui o Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9, foi aprovado o “regime dos procedimentos para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00”.
Entre esses procedimentos está a injunção.
Decorre do Art.º 7.º, do regime de procedimentos assim aprovado, que a injunção tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o Art.º 1.º do diploma preambular, ou as obrigações emergentes de transações comerciais abrangidos pelo Dec.Lei n.º 32/2003 de 17/2.
Realce-se que, nos termos do Art.º 2.º n.º 2 al. a) do Dec.Lei n.º 32/2003 de 17/2, estão excluídos do âmbito de aplicação desse diploma «Os contratos celebrados com consumidores». O que é evidentemente o caso.
Portanto, não estando em causa especificamente obrigações emergentes de “transações comerciais” abrangidas pelo Dec.Lei n.º 32/2003 de 17/2, os requisitos que legitimam o recurso ao procedimento de injunção para cobrança de créditos de valor inferior a €15.000,00, são:
1- Que esteja em causa uma obrigação pecuniária inferior a €15.000,00;
2- Que essa obrigação respeite ao cumprimento de um contrato.
Ocorre que, como resulta do requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória e que serve de título executivo nesta ação, uma parte do pedido reportava-se ao pagamento duma indemnização contratual penal por violação do período de fidelização, mesmo sendo certo que estabelecida num contrato de prestação de serviços de telecomunicações celebrado entre Exequente e Executada.
Relativamente a este tipo de pretensões, de natureza indemnizatória, tal como referido na sentença recorrida, tem vindo efetivamente a ser entendido, de forma uniforme, que a injunção, porque se aplica apenas a “obrigações pecuniárias diretamente emergentes do cumprimento de contratos”, excluí do seu âmbito de aplicação quaisquer pedidos de indemnização, ainda que fundados em responsabilidade contratual, como é exemplo uma cláusula penal indemnizatória, designadamente em caso de cessação antecipada do contrato por violação do período de fidelização (vide: Paulo Duarte Teixeira in «Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção», revista Themis, VII, n.º 13, página 184, segundo o qual a cláusula penal que vise uma finalidade puramente indemnizatória está excluída do âmbito da injunção «desde logo porque não estamos perante uma obrigação pecuniária em sentido estrito mas sim perante uma indemnização pré-fixada, e depois porque a mesma não se baseia numa pretensão de cumprimento, mas sim meramente ressarcitória»).
Até aqui, parece que todos estamos de acordo.
O problema é o passo seguinte, que foi dado pela decisão recorrida, no sentido de que, mesmo havendo outras obrigações de natureza estritamente pecuniária e emergentes da exigência do cumprimento de um contrato, como sejam o não cumprimento das mensalidades faturadas, não é admissível qualquer possibilidade aperfeiçoamento do requerimento executivo, nem de aproveitamento da execução, na parte em que não tenha sido feito uso indevido da injunção.
É nesta parte que a divergência jurisprudencial tem sido absoluta, havendo entendimentos completamente divergentes, de que a sentença recorrida e as alegações de recurso fazem eco.
Assim, a sentença recorrida cita a propósito o acórdão do TRP de 15/01/2019, Processo n.º 141613/14.0YIPRT.P1, de cujo sumário se pode ler: «I - Só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não podem ser peticionadas naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. II - A cláusula penal, mesmo que se traduza numa quantia pecuniária desde logo fixada contratualmente, está excluída do âmbito da injunção por não se tratar de uma obrigação pecuniária em sentido estrito. III - Quando o autor/requerente use de forma indevida ou inadequada o procedimento de injunção verifica-se uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância. IV - Tal exceção dilatória inominada, afetando o conhecimento e o prosseguimento da ação especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento».
Em suma, defende-se que se verifica uma exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, de conhecimento oficioso, tal é inevitavelmente gerador da absolvição da instância, ao abrigo dos Art.s 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do C.P.C..
No mesmo sentido o acórdão do TRL de 10/10/2024 (Processo n.º 5820/24.8T8SNT.L1-6): «I. A tramitação da execução sumária não prevê a prolação despacho liminar (art.º 855.º, n.º 1, do CPC), mas tal não obsta a que o juiz venha a conhecer questões que sejam passíveis de conhecimento oficioso, designadamente as de falta ou de insuficiência do título executivo. II. O regime processual especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir o credor obter, por esta via, indemnização por encargos decorrentes da cobrança da divida. III. O uso indevido do procedimento de injunção (numa concreta situação que não permitia o recurso ao mesmo), sem oposição do requerido, do qual resulta a obtenção de um título executivo, inquina todo o processo, implicando a inaproveitabilidade total do título, justificando assim o indeferimento liminar in totum. IV. Não obstante a perda de economia processual que tal solução acarreta, a opção por um indeferimento liminar parcial (na dicotomia indeferimento liminar parcial/ indeferimento liminar in totum) apenas contribuiria para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção (quando tal direito não se lhes assistia), aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente. V. A prolação da decisão de indeferimento liminar da execução sem exercício prévio do contraditório não constitui violação do artigo 3.º do CPC» (idem, no mesmo sentido os acórdãos do TRL de 23/11/2021, Processo n.º 88236/19.0YIPRT.L1-7, o Acórdão do TRL de 28/04/2022, Processo n.º 28046/21.8YIPRT.L1-8 e o Acórdão do TRC de 14/03/2023, Processo n.º 14529/22.6YIPRT.C1).
Em sentido diametralmente oposto, vão os acórdãos mencionados proferidos neste Tribunal da Relação de Lisboa em 10.10.2024 – Proc. n.º 4709/23.2T8SNT.L1-6 – e a 24.10.2024 – Proc. n.º 9707/23.3T8LSB.L1 –, ambos relatados por Eduardo Petersen Silva e também disponíveis em www.dgsi.pt, donde decorre que: «I- O conhecimento da exceção inominada de uso indevido do procedimento de injunção é oficioso. II - O indeferimento liminar e a consequente absolvição por via desse uso indevido podem ser parciais». Ou ainda, deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, o acórdão de 6 de fevereiro de 2025 (proc. n.º 19143/19.0T8SNT.L1-6 - Relator: António Santos, disponível no meso sítio), de cujo sumário destacamos: «1. - O uso indevido do procedimento de injunção ocorre designadamente no caso de o respetivo pedido, no todo ou em parte, não se ajustar à respetiva finalidade nos termos previstos no art.º 7º do diploma anexo ao DL 269/98; 2. - Ocorrendo a situação referida em 1., verifica-se uma exceção dilatória inominada, a qual é de conhecimento oficioso, desencadeando a inevitável absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º, todos do Código de Processo Civil. 3. - O vício referido em 2., todavia, não afeta em todo o caso todo o título [por aposição da fórmula executória] que se haja formado no procedimento de injunção, mas apenas na parte em que o subjacente pedido não se ajuste á finalidade do referido procedimento, nos termos previstos no art.º 7º do diploma anexo ao DL 269/98; 4. - Em consonância com o referido em 3., impõe-se, portanto, apenas o indeferimento parcial do requerimento inicial executivo [cfr. Art.º 726º, nº 3, do CPC], quanto á parte do título afetada pelo vício referido em 4.2., devendo a execução prosseguia quanto ao restante; 5. - O referido em 3. e 4. consubstancia entendimento/interpretação que é a que melhor satisfaz e atende à unidade do sistema jurídico, concebendo o processo civil como um instrumento e um mero meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo».
Por nós, não havendo outra forma de o dizer, concordamos com esta última posição, pois se a lei prevê a possibilidade de rejeição parcial da execução, de indeferimento liminar parcial, seja da execução, seja do requerimento de injunção (se essa questão tivesse sido oportunamente colocada), e até permite o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo (ou mesmo da injunção, se essa questão tivesse sido colocada), o que permitiria que o título fosse restringindo à parte em que pode ser efetivamente válido e exequível, não vemos como não devam funcionar os princípios de economia processual e do máximo aproveitamento do processado, em conformidade com o que decorre do disposto no Art.º 193.º do C.P.C..
Em face deste entendimento, concordamos com as conclusões apresentadas no sentido exposto, devendo ser revogada a sentença recorrida que decidiu rejeitar totalmente a execução, a qual deve ser substituída por outra decisão que determine a rejeição parcial da execução relativamente à parte em que assenta no pedido de pagamento da indemnização contratual penal, devendo ser determinado que a execução deve prosseguir unicamente relativamente aos pedidos de pagamento de obrigações pecuniárias emergente da exigência do cumprimento do contrato.
Resta fazer um pequeno excurso em matéria de responsabilidade tributária relativamente às custas do presente recurso.
Temos de realçar, a este propósito, que a Recorrida não respondeu ao recurso e, em rigor, não deu causa ao mesmo.
Por outro lado, a decisão é parcialmente procedente à Recorrente.
Finalmente, tendo em atenção o disposto no Art.º 529.º do C.P.C., não existem encargos, não havendo também lugar ao reembolso de custas de parte por parte da Recorrida, enquanto parte vencida, porque, em rigor, esta última não foi vencida (cfr. Art.º 533.º do C.P.C.).
Assim, as custas resumem-se ao pagamento da taxa de justiça, que se mostra integralmente satisfeito pela Recorrente, ao apresentar o requerimento de recurso.
Dito isto, a Recorrente responde pelas custas do recurso, em função da regra geral da causalidade, na parte em que decaiu, e em função da regra do proveito, na parte em que obteve vencimento (cfr. Art.º 527.º n.º 1 do C.P.C.). Sendo certo que, nada mais será devido a esse título, pois a taxa de justiça já foi paga.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente por provada, revogando a decisão recorrida de rejeição total da execução, que assim deve ser substituída por outra que rejeite apenas parcialmente a execução, nomeadamente na parte em que por ela se pretendia a cobrança de valores relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato, determinado o prosseguimento dos ulteriores termos do processo de execução relativamente às obrigações pecuniárias que correspondam à exigência do cumprimento do contrato celebrado entre as partes, com vista à cobrança coerciva dessas quantias pela exequente.
- Custas pela Recorrente (cfr. Art.º 527.º n.º 1 do C.P.C.), nos termos supra referidos.
Lisboa, 11 de março de 2025
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Alexandra Castro Rocha