INSOLVÊNCIA
LEGITIMIDADE
PRESSUPOSTOS
PATRIMÓNIO
LIQUIDEZ
Sumário

Sumário (do relator) – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil.
I – Se a situação de insolvência, enquanto estado patrimonial do devedor, é, de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do CIRE, o único pressuposto necessário da insolvência, não tem o credor, quer disponha ou não de título executivo, de, previamente ao pedido de insolvência, instaurar contra o devedor uma acção executiva, ou de a continuar, caso já a tenha instaurado
II – Quando a insolvência é requerida por um terceiro, que não o devedor, incumbe ao requerente alegar e provar a verificação de algum ou de alguns dos factos enunciados taxativamente nas várias alíneas que compõem o nº 1 do artigo 20º do CIRE.
III – Mostra-se preenchido o facto-índice constante da alínea b) do nº 1 do artigo 20º do CIRE quando – sendo devedora à Requerente do valor de 1.203.655,64 €  – a Requerida esteja obrigada a pagar-lhe a prestação mensal de 40.000,00 €, tendo como única receita o valor mensal de 26.550,00 €.
IV – Mesmo que o devedor possua um activo superior ao passivo, cabe-lhe demonstrar a sua “viabilidade económica”, ou seja, que tem capacidade bastante para assegurar o cumprimento das suas obrigações na data do respectivo vencimento.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. ARES LUSITANI - STC, S.A., sociedade com sede em Edifício Colombo, Torre Oriente, Avenida do Colégio Militar, n.º 37 F – 4.º piso, 1500-180 Lisboa, e com o número único de pessoa coletiva e matrícula 514657790, veio, na qualidade de credora, intentar a presente acção declarativa com processo especial, requerendo a declaração de insolvência de ACTITUR – ARQUITETURA E ENGENHARIA, S.A., com sede em Rua da Impala, n.º 33, piso 2, sala 02.3, 2710-070 Sintra, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Sintra, sob o número de pessoa coletiva 501902554.
Alegou para tanto, em síntese, que possui um crédito sobre a Requerida, decorrente da prestação de várias garantias bancárias no montante de cerca de 1.203.655,64 € e que esta não possui meios para proceder ao pagamento das dívidas vencidas.
Conclui que a Requerida se encontra em situação de insolvência, cuja declaração peticiona, ao abrigo do artigo 20º, nº 1, alíneas a), b), c), d), e) g) e h) do Código da Insolvência  e da Recuperação de Empresas (doravante designado pela sigla CIRE).
Regularmente citada, a Requerida deduziu contestação, articulado onde alega que o meio adequado para satisfazer a pretensão da Requerente é a prossecução da ação executiva, que ainda se encontra ativa e que corre os seus termos contra a Requerida sob o n.º 600/23.0T8SLV, no Juiz de Execução de Silves - Juiz 1 e que o seu património é mais do que suficiente para proceder ao pagamento dos valores em dívida. Daí que conclua pela improcedência da acção.
Finda a audiência de julgamento foi proferida sentença, que, julgando procedente a acção, declarou a insolvência da Requerida.
É desta sentença que vem interposto recurso, pela Requerida, que o termina alinhando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
I. O fim do processo de insolvência é, perante um devedor que se encontre insolvente, “a satisfação pela forma mais eficiente possível dos direitos dos credores”, como se assinala no preâmbulo do DL n.º 53/2004 de 18 de Março, acolhendo-se expressamente este entendimento no art.º 1º, n.º 1 do CIRE, ao definir a finalidade do processo de insolvência.
II. Enquanto que a acção executiva, visando a satisfação do direito do credor, se caracteriza pela penhora dos bens necessários à satisfação do crédito do exequente, cfr. art.º 735º, n.º 3 do CPC.
III. O processo de insolvência, visando a satisfação dos direitos dos credores do devedor, que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, caracteriza-se pela apreensão de todo o património desse devedor, para responder como garantia comum de todos os seus débitos.
IV. Por isso é que alguma doutrina, designa o processo de insolvência como “execução universal” em contraponto com a “execução singular” para classificar a acção executiva.
V. Conforme consta do alegado em sede de oposição, a Requerente recebeu de garantia e tem penhorado a seu favor frações autónomas do identificado Hotel Ondamar, na ação executiva que corre os seus termos contra a Requerida sob o n.º 600/23.0T8SLV, no Juiz de Execução de Silves - Juiz 1, cujas penhoras ascendem ao valor total de € 4 082 712,90, cfr. Auto de Penhora junto na oposição como Doc. 6.
VI. Ora, ao estar pendente uma ação executiva para cobrança do crédito titulado pela Requerente, cujas penhoras ascendem ao valor de quatro milhões de euros, que ultrapassa o valor da divida, a apresentação da presente ação de insolvência corresponde a um exercício abusivo do direito por parte da Requerente, por não ter, previamente, esgotado, a cobrança do crédito,
VII. Não constituindo, assim, esta acção de insolvência qualquer forma acrescida de tutela do direito da Requerente, nem tampouco, obtendo a Requerente qualquer utilidade, de forma célere, para a cobrança do seu crédito.
VIII. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter decidido que o processo de insolvência não é o meio processual adequado para a Requerente obter a satisfação do seu crédito;
X. Mas, sim, através da acção executiva que já está a correr os seus termos e no âmbito da qual pode o património penhorado ser colocado à venda e ser a Requerente ressarcida do seu crédito.
X. O Tribunal a quo entendeu estar também preenchida a al. b) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE.
XI. Em primeiro, entre o Banco Espírito Santo, Novo Banco e Requerente e a Requerida existe um longo processo de negociações e quer os anteriores credores, quer a Requerente sempre tiveram e têm a seu favor bens imóveis dados de garantia e bens imóveis penhorados que a serem liquidados, voluntária ou judicialmente, são susceptíveis de satisfazer o pagamento à Requerente.
XII. No âmbito dos acordos celebrados, a Requerente tem vindo a receber valores provenientes quer da venda de prédios,
XIII. Quer através do recebimento de prestações mensais.
XIV. A Requerida nunca se recusou a negociar e entregou sempre bens à Requerente como garantia, o que evidencia a boa fé e a vontade em cumprir com as suas obrigações.
XV. Pelo que, na realidade e expurgando as moratórias e, tendo em conta o último acordo, resulta da matéria de facto dada como provada que foi liquidado mais de 40% da dívida no último ano de 2023.
XVI. Atente-se no que vem dito no seguinte Acórdão:
“(…)
Outrossim cumpre evidenciar que não obstante o valor global dos créditos do requerente ser de € 651 390,64, o que pode qualificar-se como um valor elevado e a circunstância de o incumprimento de um desses créditos se reportar a 19.09.2010, bem como o facto de o rendimento dos requeridos se situar apenas em € 2 400,00 mensais, não cremos que seja suficiente para se poder concluir pelo preenchimento do pressuposto da al. b) do nº 1 do art.º 20º, que exige a “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
Na verdade, as circunstâncias do incumprimento in casu, nomeadamente o facto de em relação a um dos créditos esse incumprimento se situar em 19.09.2010, não pode nem deve ser valorado como revelador de impossibilidade de satisfação da generalidade das outras obrigações, ao contrário do pretexta o requerente. Para assim concluir basta reler a factualidade provada para se evidenciar que aquele crédito se enquadra no âmbito de uma relação mais vasta entre requerente e requeridos e que desde o inicio de 2011 decorreram várias negociações tendentes a encontrar solução para satisfação de todos os créditos, considerando ainda que os mesmos estão garantidos por hipoteca sobre imóveis, que os requeridos sempre procuraram dar andamento ao processo negocial (…) (sublinhado e negrito nosso), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 877/13.0YXLSB.L1-6, de 04/12/2014, in www.dgsi.pt
XVII. Aliás, resulta da matéria de facto dada como provada que a Requerida fez o que estava ao seu alcance para cumprir com a obrigação, a saber:
(…).
XVIII. Assim, não podia o Tribunal a quo ter decidido que a Requerida pelo montante da obrigação e pelas circunstâncias do incumprimento revela a impossibilidade de satisfazer a generalidade das suas obrigações.
XIX. Efectivamente, a Requerente apenas adquiriu o crédito no ano de 2020, pelo que todos os acordos e negociações anteriores foram com o Banco Espírito Santo e Novo Banco, em que no ano de 2014 assistiu-se ao colapso do BES, ano da assinatura do contrato, o que trouxe instabilidade ao processo.
XX. E, em Fevereiro de 2018 houve a renegociação com o Novo Banco, sendo que a Requerente adquiriu o crédito no ano de 2020, pelo que, não teve intervenção no mesmo, tendo adquirido o crédito no estado em que ele se encontrava.
XXI. Ficou provado os acordos que foram celebrados com a entrega de bens imóveis de garantia,
XXII. A liquidação de património com a entrega dos valores à Requerente,
XXIII. E, ainda, a liquidação de capital à Requerente,
XXIV. O que revela, assim, que a Requerida sempre colaborou e negociou com a Requerente e, de boa fé, entregou como garantia bens imóveis, o que revela a intenção séria de cumprir com as suas obrigações.
XXV. Acresce ainda e resulta da matéria de facto dada como provada que a Requerida apenas deixou de cumprir com a obrigação que detinha para com a Requerente,
Ou seja,
XXVI. Existe apenas uma suspensão do pagamento de forma individualizada, perante um único credor,
XXVII. E, não uma suspensão generalizada do cumprimento das suas obrigações.
XXVIII. O Tribunal a quo violou a al. b) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE e deveria ter julgado que a Requerida pela falta de cumprimento da obrigação não revela a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
XXIX. O Tribunal a quo ignorou que a Requerida detém participação social na sociedade que faz a exploração do Hotel Ondamar, a sociedade InterluxHotel, Lda. e com a distribuição de resultados, a Requerida aumentará o seu rendimento, permitindo desta forma ficar com mais rendimento e liquidez.
XXX. Aliás, consta da matéria de facto dada como provada que:
(…).
XXXI. Ora, o Tribunal a quo bem sabia que a Requerida tem participação social na entidade que explora o Hotel Ondamar e que, por sua vez, existe uma distribuição dos fluxos gerados por esta, pelo que, não podia ignorar e concluir que a única fonte de rendimento mensal da Requerida é apenas a prestação mensal devida pela exploração do Hotel Ondamar.
XXXII. No que respeita ao património da Requerida, o Tribunal a quo desconsiderou por completo e fez tábua rasa do património da Requerida dado de garantia à Requerente,
XXXIII. O Tribunal entendeu que as frações do Hotel Ondamar estão hipotecadas a favor de outras entidades, sendo que o seu valor global ascende a cerca de € 15 000 000,00.
XXXIV. Ignorando que, o Hotel Ondamar é composto por 99 frações, das quais 55 estão hipotecadas à Segurança Social, cfr. Doc. 12 junto com a oposição,
XXXV. No entanto, a Segurança Social ainda tem constituído a seu favor a hipoteca sob o Edifício Impala, cfr. Doc. 12 junto com a oposição,
XXXVI. Sendo que, o Edifício Impala está avaliado em € 11.180.000,00, cfr. Doc. 13 junto com a oposição.
XXXVII. A Requerente mantém ainda a hipoteca e penhora das 18 frações, no valor de € 4.082.712,90, cfr. Auto de penhora junto na oposição como Doc. 6.
XXXVIII. Do exposto, o património hipotecado a favor da Segurança Social é suficiente para cumprir com as obrigações junto da Segurança Social, sem que o património penhorado e dado de garantia a favor da Requerente seja atingido.
XXXIX. Pelo que, as frações do Hotel Ondamar dadas de garantia são suficientes e superam em muito os valores das obrigações, não sendo verdade que o Hotel Ondamar seja apenas o único activo que possa responder pelas responsabilidades.
XL. O Tribunal considerou ainda que em Setembro de 2023, o prejuízo da Requerida ascendia já a € 1.126.111,40 negativos.
XLI. Ora, estão registados mais de € 900.000,00 como custo de mercadoria, resultado da venda do imóvel de Olhão, por valor muito inferior ao registado na contabilidade.
XLII. Acresce ainda que, há que ter em conta o valor de mais de € 800.000,00 registados em amortizações, as quais têm em conta quer as amortizações do activo aceites fiscalmente, quer as não aceites fiscalmente, originadas pelas reavaliações realizadas, com suporte às avaliações do activo em conformidade com as regras contabilísticas.
XLIII. Em suma, o resultado contabilístico não é demonstrativo da capacidade de tesouraria da sociedade e é errado fazer-se tal juízo.
XLIV. Reitera-se e resulta da matéria de facto dada como provada que a Requerida apenas deixou de cumprir com a obrigação que detinha para com a Requerente,
Ou seja,
XLV. Existe apenas uma suspensão do pagamento de forma individualizada, perante um único credor,
XLVI. Não se verificando uma suspensão generalizada no cumprimento das obrigações.
XLVII. A Requerida com a continuidade da sua actividade comercial iria ter capacidade de saldar, ao longo do tempo, os débitos em causa.
XLVIII. Ficou, assim, demonstrado e resulta da matéria de facto como provada que não existe por parte da Requerida:
i. Suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas;
ii. Falta de cumprimento de mais obrigações que, pelo seu montante ou circunstâncias, revelem a impossibilidade em satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
iii. Fuga dos administradores ou abandono do local em que esta exerce a sua actividade principal;
iv. Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
v. Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito da Requerente em ação executiva que corre os seus termos contra a Requerida;
vi. Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamento, previstos no CIRE;
vii. Incumprimento generalizado, nos últimos 6 meses, de dívidas tributárias, contribuições e quotizações para a Segurança Social, rendas de locação, financeira ou outras, ou de empréstimos garantidos por hipoteca;
viii. Manifesta superioridade do passivo sobre o activo;
ix. O atraso superior a 9 meses na aprovação e depósito das contas, que ocorreu por vicissitudes alheias à Requerida e não por conduta culposa ou negligente da sua parte.
Por sua vez, a Requerente apresentou contra-alegações, que terminou do seguinte modo:
1. (…).
2. (…).
3. (…).
4. (…).
5. Não assiste razão à Recorrente, tendo, outrossim, o Tribunal a quo feito devida interpretação e aplicação do direito em função da matéria de facto fixada nos autos – contra a qual, de resto, a Recorrente não se insurge.
6. Em primeiro lugar, a Recorrida tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência da Recorrente, sendo sua credora e entendendo que se encontram preenchidos os requisitos da situação de insolvência, sendo o processo de insolvência o meio adequado, não se extraindo de qualquer norma do CIRE que a pendência de uma execução singular obsta à instauração de uma execução universal.
7. Ademais, a instauração dos presentes autos não configura um exercício abusivo do direito de ação por parte da Recorrida, desde logo, porque a entender-se assim, no concreto caso dos autos, sustentar-se-ia que a Recorrida teria de esgotar a venda de todo o património penhorado para posteriormente poder recorrer ao processo de insolvência, o que equivaleria a adiar sine die o ressarcimento do respetivo crédito, posto que a Recorrente, comprovadamente, não tem meios financeiros para pagar o que deve à Recorrida nem capacidade de os gerar, seja por via dos seus ativos seja por via do recurso ao crédito junto de terceiros.
8. Pelo que, outra coisa não é de entender se não pela legitimidade da Recorrida e pela licitude do exercício por esta do direito de ação tendo em vista a declaração de insolvência da Recorrente, não lhe sendo exigível outro comportamento, improcedendo as alegações e conclusões de recurso.
9. Em segundo lugar, a Recorrente entende que o Tribunal a quo não poderia ter dado por verificado o facto-índice vertido na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, ou seja, a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
10. As alegações e conclusões de recurso têm necessariamente de improceder em face da factualidade fixada nos autos e o direito aplicável, posto que basta o incumprimento de uma obrigação vencida que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
11. O facto é que a Recorrente é responsável pelo pagamento do crédito da Recorrida desde 2014, na qualidade de garante hipotecária, tendo-se assumido como devedora e principal pagadora do referido crédito em 2023, e, ao longo de 10 anos, não obstante por diversas vezes interpelada para proceder ao pagamento das quantias em dívida (cfr. factos provados 30, 31 e 51), apenas procedeu a pagamentos parciais do crédito (i) com a venda do Imóvel de Olhão (€ 487.750,00) e (ii) com o pagamento de prestações ao abrigo do acordo celebrado em 2023 (€ 280.000,00),
12. Relevando também referir que a Recorrente incumpriu o Acordo Actitur, daí emergindo que a mesma, de um lado, não dispõe de € 40.000,00 mensais para honrar os compromissos assumidos e, de outro lado, não consegue vender património seu para pagar as suas dívidas.
13. A isto acresce ter ficado provado nos autos que o único rendimento mensal que a Recorrente aufere se cifra em € 26.500,00 acrescido de IVA, bem assim como que a Recorrente deve à Interluxhotel € 854.552,90 (facto provado 58 da Decisão Recorrida) e que todas as empresas participadas pela Recorrente, com excepção da Interluxhotel, estão inativas ou em situação de insolvência (cfr. facto provado 53 da Decisão Recorrida) – não tendo sido identificados nos autos quaisquer outros rendimentos e/ou fonte de rendimento e/ou meio de obtenção adicional de liquidez (incluindo por via do recurso ao financiamento junto de terceiras entidades).
14. Adicionalmente, a Recorrente não juntou aos autos qualquer elemento que pudesse fazer prova da atual situação financeira e respetiva liquidez da Interluxhotel, tampouco que pudesse presumir que esta última iria proceder a qualquer tipo de distribuição de liquidez para os seus acionistas num curto espaço de tempo e, bem assim, qual seria a proporção a receber pela Recorrente, que, note-se, não é a única acionista da Interluxhotel (sendo, aliás, minoritária, como se constata do organograma junto no artigo 10.º da petição inicial – não contestado -, detendo apenas 20% do capital social da Interluxhotel, na medida em que os restantes 80% são detidos pela Impalagest, entretanto, declarada insolvente (cf. facto provado 65 da Decisão Recorrida).
15. No mais, dispondo a Recorrente – como ficou provado nos autos - de um rendimento de apenas € 26.500,00 mensais acrescidos de IVA-, ressalta à saciedade que tal montante é absolutamente insuficiente para a pagar o crédito da Recorrida, mas também para proceder ao pagamento da generalidade das suas obrigações, designadamente da dívida vencida à Segurança Social – independentemente da sua origem -, no montante de € 8.341.457,40 a título de contribuições, € 3.617.929,21 de juros de mora e € 83.358,79 de custas (cfr. facto provado 62 da Decisão Recorrida).
16. Improcedem, pois, as alegações e conclusões de recurso da Recorrente nesta sede, outra coisa não podendo concluir-se se não pelo preenchimento do facto-índice vertido na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
17. Por fim, como decorre da própria letra da lei, basta a verificação de algum dos factos elencados no citado preceito para que a insolvência seja declarada, não tendo a Recorrente logrado demonstrar a sua solvência, como lhe competia.
18. Desde logo, não dispondo a Recorrente de contabilidade devidamente organizada e auditada, a Recorrente jamais poderia fazer prova da sua solvência, não podendo entender-se que qualquer documento junto pela Recorrente aos autos possa ser considerado idóneo para o mencionado fim.
19. Ainda assim, da prova produzida nos autos, resulta que a única faturação da Recorrente consiste nos supra mencionados € 26.500,00 mensais acrescidos de IVA, sendo que o ativo da Recorrente é composto, além do Hotel Ondamar (claramente insuficiente para saldar as dívidas vencidas), por participações sociais noutras empresas - as quais, com exceção da Interluxhotel, estão inativas ou em situação de insolvência (cfr. facto provado 53 da Decisão Recorrida) – e créditos de € 1,5 milhões de euros de difícil realização e sobre os quais não foram constituídas as respetivas imparidades (cfr. facto 55 da Decisão Recorrida),
20. Mais resultando que o resultado líquido do ano de 2022 ascendeu a mais de € 700.000,00 negativos (cfr. facto provado 56) e que em Setembro de 2023, o prejuízo da Recorrente ascendia já a € 1.126.111,40 (cfr. facto provado 57) – que redunda na existência, em concreto, de uma situação económica e financeira insuficiente.
21. Ora, para demonstrar a sua solvência, o devedor tem que demonstrar que tem possibilidades de cumprir de imediato o seu passivo vencido, resultando evidenciado nos autos que a Recorrente não dispõe de liquidez nem de meios de obtenção de liquidez para pagar/cumprir de imediato ou a curto prazo o seu passivo vencido, desde logo o crédito da Recorrida, por montante superior a € 1.200.000,00!
22. No mais, fácil é de ver que o património imobiliário da Recorrente – o Hotel Ondamar –, além das restrições à respetiva comercialização, não tem valor de mercado suficiente para pagar as dívidas vencidas da Recorrente – incluindo a dívida à Recorrida e os € 15.000.000,00 à Autoridade Tributária e à Segurança Social (sendo para o caso dos autos irrelevante se estas dívidas se encontram garantias por património de terceiros ou não),
23. E, bem assim, que qualquer valor que as frações hipotecadas para garantia do crédito da Recorrida possam ter não pode ser considerado para efeitos de aferir da solvência da Recorrente, porquanto não é realizável/não é passível de se traduzir em liquidez no imediato e/ou no curto prazo.
24. Também não merece acolhimento a alegação da Recorrente ao afirmar que não pode ser considerada insolvente, porquanto o resultado contabilístico (superior a € 1.100.000,00 negativos, a Setembro de 2023) não é demonstrativo da capacidade de tesouraria da sociedade, porquanto nos autos nenhuma prova foi feita pela Recorrente a propósito da sua capacidade de tesouraria, não tendo sido apresentados fluxos de caixa do período mais recente nem mapas previsionais de geração de caixa futuros,
25. Decorrendo dos factos provados e da documentação aos autos, outrossim, (i) que, entre 2022 e Setembro de 2023, a situação financeira e patrimonial da Recorrente sofreu uma (ainda mais) acentuada degradação – já que em 2022 os resultados líquidos negativos superiores a € 750.000,00 – e (i) que a capacidade de geração de tesouraria por parte da recorrente é praticamente inexistente – como se constata dos saldos de caixa anual francamente reduzidos apresentados pela Recorrente.
26. Pelo exposto, é correto o entendimento do Tribunal a quo ao decidir que a Recorrida não logrou, em qualquer fase do processo, carrear para os autos os elementos e documentos suscetíveis de fazer a necessária demonstração de que se encontra solvente, não obstante a verificação de factos presuntivos da situação de insolvência.
27. À luz do exposto, em face da factualidade dada como provada nos presentes autos – contra a qual a Recorrente não se insurge -, encontra-se verificada a situação de insolvência da Recorrente, devendo, por isso, ser mantida a Decisão Recorrida que declarou a insolvência da Recorrente.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelo recorrente define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, de acordo com as alegações de recurso, as questões a apreciar são:
- legitimidade e falta de interesse em agir do Requerente na instauração do presente processo de insolvência; e
- verificação dos pressupostos para a declaração de insolvência.
2.1. Legitimidade da Requerente para requerer a insolvência da Requerida.
Conclui a Recorrente que  “não constituindo, (…) esta acção de insolvência qualquer forma acrescida de tutela do direito da Requerente, nem tampouco, obtendo a Requerente qualquer utilidade, de forma célere, para a cobrança do seu crédito (…), deveria o Tribunal a quo ter decidido que o processo de insolvência não é o meio processual adequado para a Requerente obter a satisfação do seu crédito, mas, sim, através da acção executiva que já está a correr os seus termos e no âmbito da qual pode o património penhorado ser colocado à venda e ser a Requerente ressarcida do seu crédito.” (cf. conclusões VII, VIII e IX das alegações recursórias).
Porém, a execução prévia não é requisito legal para qualquer credor requerer a insolvência do devedor.
Com efeito, por força do disposto no artigo 20º, nº 1 do CIRE, tem legitimidade activa para requerer a declaração de insolvência de um devedor, entre outros, “qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito”, desde que se mostre preenchido algum dos factos elencados nas suas várias alíneas. Assim, “qualquer credor, comercial ou civil, comum ou preferente, pode exercer o poder de propor a abertura do processo de insolvência/requerer a declaração de insolvência do devedor, e, embora a norma o não refira expressamente, são irrelevantes o objecto (prestação da coisa ou prestação de facto) e o montante do crédito”.[1] Por isso, estando apenas em causa a legitimidade processual (que não a legitimidade substantiva), sempre que a declaração de insolvência seja requerida por um credor, “não se exige que ele produza prova da qualidade que alega (por exemplo, através da apresentação de um título executivo), mas tão-só que ele proceda à justificação do crédito, através da menção da origem, da natureza e do montante do seu crédito (cfr. artigo 25º, nº 1 do CIRE)”.[2] Daí ser completamente desnecessário o recurso a uma prévia execução, para, de forma a justificar o seu crédito, obter um título executivo. Se assim fosse, qualquer titular de um crédito litigioso estaria impedido de requerer a declaração de insolvência, o que não acontece.[3]
Assim, quando o processo de insolvência é accionado por um credor, este só tem “de justificar a sua legitimidade processual, de demonstrar a sua qualidade de credor, que é requisito do seu direito de acção judicial”.[4] Ou, como já dizia SOUSA MACEDO, “não se exige título executivo por o crédito ser posteriormente verificado, bastando um juízo sumário para se determinar a legitimidade do credor”.[5]
No caso dos autos, a Requerente alegou ser credora do Requerida de uma dívida já vencida, tendo, por isso, instaurado contra ela uma acção executiva, execução essa no âmbito da qual “logrou apenas vender o “Imóvel de Olhão”, tendo (…) recebido a este título o montante de EUR 498.750,00 em 21 de setembro de 2023, não tendo, até à data, logrado vender qualquer das Frações do Hotel Ondamar, apesar de a tal estar obrigada nos termos do disposto na Cláusula 5.1 b) do Acordo – “pelo menos, 2 (duas) Frações (…) até 31.12.2023 e posteriormente (ou seja, entre 01.01.2024 e 31.12.2024) uma média de 3 apartamentos por semestre (…)” (cf. artigos 73º, 74º, e 75º do requerimento inicial).
Como acertadamente sustenta o tribunal a quo na sentença impugnada, não existe norma que impeça o credor que disponha de título executivo, de requerer a insolvência do seu devedor, sem previamente recorrer à acção executiva, iniciando-a ou mantendo-a, quando já pendente.
Contudo, no entendimento da Recorrente, a presente acção de insolvência não constitui “qualquer forma acrescida de tutela do direito da Requerente”, não sendo o meio para, de forma célere, poder cobrar o seu crédito.
Apesar de a Recorrente o não mencionar, poderá estar a referir-se à “falta do interesse em agir”. Com efeito, a excepção dilatória de falta de interesse em agir, reconhecida por alguma doutrina como pressuposto processual[6], “consiste na indispensabilidade de o autor recorrer a juízo para a satisfação da sua pretensão, podendo dizer-se que o autor só tem interesse em agir quando não dispõe de outros meios (extrajudiciais) que permitam realizar, com semelhantes garantias, aquela pretensão”.[7]
No caso da insolvência, o interesse em agir terá como pressuposto a existência de um interesse na respectiva declaração. Como refere CATARINA SERRA, “aquilo que o autor, seja ele quem for, pretende é a obtenção de uma sentença judicial que declare a situação de insolvência e desencadeie o funcionamento dos mecanismos jurídicos adequados às necessidades especiais de tutela criadas por aquela situação”.[8] É certo que quando o requerente é um credor o que ele visará primeiramente é a satisfação do seu crédito, mas a verdade é que a sua iniciativa desencadeia outros efeitos, que não apenas o seu, designadamente “a protecção da economia, em particular dos agentes económicos que potencialmente podem agir no comércio com o insolvente, obstando ao perigo real do seu alastramento com base numa cadeia de incumprimentos”.[9]
No caso em apreço, sendo a Requerente titular de um crédito de valor avultado sobre a Requerida, não ficou demonstrado que seria certa a sua satisfação no âmbito do processo executivo. Acresce que são conhecidos outros credores da Requerida de quantias muito mais elevadas.
Assim, tendo a Requerente invocado outros factos indiciadores da situação de insolvência da Requerida, designadamente, o incumprimento do seu crédito desde 2023, a existência de avultada dívida à Segurança Social e a ausência de rendimentos suficientes e de acesso a crédito que permitissem à Requerida pagar as dívidas vencidas, temos de reconhecer que tem interesse na instauração do processo de insolvência, de forma a este cumprir as finalidades consagradas no artigo 1º do CIRE.
Em suma, se a situação de insolvência, enquanto estado patrimonial do devedor, é, de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do CIRE, o único pressuposto necessário da insolvência, não tem o credor, disponha ou não de título executivo, de, previamente ao pedido de insolvência, instaurar contra o devedor uma acção executiva, ou de a continuar, caso já a tenha instaurado.[10]
Assim, não se verificando as excepções dilatórias invocadas, improcedem as conclusões I a IX das alegações de recurso.
3. A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
1. A Requerente é uma sociedade anónima que tem como objeto a “realização de operações de titularização de créditos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos adquiridos”.
2. A Requerida, por sua vez, é uma sociedade anónima que tem como objeto a “construção imobiliário e turísticas, exercício da indústria de construção civil e obras públicas, comercialização de matérias de construção, compra de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento e venda de imóveis, prestação de serviços de arquitetura e engenharia, coordenação e fiscalização de obras.”
3. A Requerida obriga-se pela assinatura do Presidente do Conselho de Administração ou de procurador ou mandatário da sociedade, nos termos do referido mandato, atualmente JR..
4. JR. é presidente do Conselho de Administração da Requerida desde a data da respetiva constituição em 14.12.1992, bem como, titular de participação representativa do capital social da mesma de 98,59%, através de outras sociedades do grupo.
5. A Requerida é proprietária do Hotel Ondamar, consistindo a sua atividade principal na gestão de propriedade do referido Hotel, através da cedência da sua exploração à sua participada Interluxhotel – Hotelaria, Restauração e Entretenimento, Lda. (“Interluxhotel”) que é a sociedade efetivamente responsável pela sua operação.
6. A Requerida integra um complexo grupo de sociedades, comummente designado Grupo Impala.
7. O Grupo Impala, embora atuando em várias áreas de negócio, tem uma forte presença no setor da edição de revistas, tais como a Nova Gente, a Maria, a VIP e a TV7Dias.
8. Fazem parte do Grupo Impala, além da Requerida, entre outras, as sociedades Impalagest – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca da Madeira) (doravante “Impalagest”), DescobrirPress – Serviços Editoriais e Gráficos, S.A. (doravante “DescobrirPress”), e Monte Vista – Hotelaria e Turismo, Lda. (doravante “Monte Vista”).
9. Por contrato de cessão de créditos e escritura pública de cessão de créditos hipotecários, ambos celebrados em 02.04.2020, a Requerente adquiriu ao Novo Banco, S.A. (doravante “Novo Banco”), um conjunto de créditos de que este era titular acompanhado dos respetivos juros, garantias e acessórios, entre os quais os créditos que este detinha, sobre a Impalagest,
10. À data da cessão, os referidos créditos encontravam-se garantidos por hipotecas voluntárias de 1.º grau constituídas pela Requerida sobre bens imóveis integrantes do respetivo património.
11. A Requerida foi notificada da cessão de créditos referida, na qualidade de garante, a par da mutuária (Impalagest) e do avalista (JR.), por cartas registadas e datadas de 08.05.2020.
12. A Requerente é a actual titular dos créditos sobre a Requerida e, bem assim, sobre a Impalagest e JR., anteriormente detidos pelo Novo Banco.
13. Os referidos créditos da Requerente são geridos pela sociedade Reviva Capital, S.A., que atua, designadamente, enquanto sua representante em todos os contactos mantidos e que se mostrem necessários com a Requerida e garantes, facto do qual a requerida foi oportunamente informada.
14. Em 29.10.2014, o Novo Banco, S.A., na qualidade de mutuante, celebrou com a Impalagest, na qualidade de mutuária, com o Sr. JR., na qualidade de avalista, e com a Requerida, na qualidade de prestadora de garantia hipotecária, o contrato de financiamento n.º 001614000027582, no montante inicial de capital de EUR 2.100.000,00.
15. Para garantia das obrigações decorrentes Contrato de Financiamento foram prestadas/constituídas as seguintes garantias:
a. Livrança em branco subscrita pela Impalagest e avalizada pelo Sr. JR.;
b. Hipoteca específica de primeiro grau sobre 12 frações autónomas - AF, AT, AG, BJ, CO, CP, CQ, CR, DC, DE, DF, DG - que integram um aparthotel localizado em Albufeira, designado por Hotel Ondamar, propriedade da Requerida;
16. Nos termos do Contrato de Financiamento, o capital mutuado seria reembolsado mediante o pagamento de prestações mensais e sucessivas de capital, acrescidas de juros, durante um período de 60 meses.
17. A Impalagest incumpriu as suas obrigações de pagamento ao abrigo do Contrato de Financiamento, tendo pago apenas nove prestações mensais de capital entre 2014 e 2018.
18. Assim, a pedido da Impalagest, em Fevereiro de 2018, o Contrato de Financiamento foi objeto de uma reestruturação, atenta a incapacidade revelada pela Impalagest para cumprir o plano de reembolso previamente contratado.
19. A aludida reestruturação foi formalizada por meio de um contrato de reestruturação do financiamento, ao qual foi atribuído o número ROC06042/17, no dia 28.02.2018, ali intervindo o Novo Banco, a Impalagest e, bem assim, o Sr. JR., na qualidade de avalista, e a Requerida, na qualidade de prestadora de garantia hipotecária.
20. O Contrato de Reestruturação importou a constituição pela Requerida de hipotecas adicionais sobre outras frações – BO, BZ, CA, CF, CG e CJ – integradas no aparthotel situado em Albufeira, comummente e doravante designado por Hotel Ondamar.
21. Conforme consta do Contrato de Reestruturação do financiamento, a dívida decorrente do financiamento ascendia, à data de 28.02.2018, ao valor de € 2.198.392,47, incluindo as seguintes quantias:
a. € 2.001.300,00 a título de capital vencido e não reembolsado;
b. 108.292,57 a título de juros remuneratórios vencidos e não pagos;
c. € 81.219,43 a título de juros de mora; e
d. € 7.580,47 a título de imposto.
22. A reestruturação acordada entre as partes previa um período de carência de capital de aproximadamente dois anos, devendo o valor mutuado ser reembolsado em prestações mensais de capital, com início em janeiro de 2020 e fim em 2029.
23. Findo o referido período de carência, apenas foi efetuado o pagamento das duas primeiras prestações de capital que se venceram em janeiro e fevereiro de 2020, no valor total combinado de € 23.333,32, uma vez que a mutuária beneficiou da moratória legal ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março, vendo suspensas as obrigações de pagamento de capital e juros ao abrigo do Contrato de Financiamento entre março de 2020 e abril de 2021.
24. Na data da cessão de créditos supra referida, ou seja, em 02.04.2020, os créditos adquiridos pela Requerente perfaziam o valor total de € 2.271.013,79, a saber:
a. € 2.175.059,15 a título de capital;
b. € 95.954,64 a título de juros capitalizados durante o período da moratória de capital e juros, i.e., correspondente ao período de 29.02.2020 a 02.04.2020.
25. Findo o período da moratória legal, a partir de Abril de 2021, a Requerente interpelou, por diversas vezes, a Impalagest e a Requerida para proceder ao pagamento das prestações de juros que se venciam mensalmente, sendo que apenas foi paga a prestação que se venceu em Maio, no final de Junho de 2021.
26. As diversas fracções autónomas hipotecadas correspondem a partes dispersas do Hotel Ondamar, incluindo a boîte, o restaurante, a zona de lazer e um escritório tratando-se, por isso, de frações sem autonomia.
27. Volvido um ano desde a data de instauração de acção executiva pela Requerente contra a Requerida, que corre termos junto do Juiz 1 do Juízo de Execução de Silves sob o n.º 600/23.0T8SLV, e apesar dos esforços encetados, não se logrou vender qualquer uma das fracções hipotecadas do Hotel Ondamar e ali penhoradas.
28. Também em Abril de 2021, a Requerente instaurou o Procedimento Cautelar de Arresto contra o Sr. JR., o qual sob o n.º 2285/21.0T8STR correu termos junto do Juiz 4 do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.
29. No âmbito do referido processo foi determinado, por sentença proferida a 06.10.2021, o arresto dos bens imóveis, melhor identificados na referida sentença, ambos da propriedade do Sr. JR..
30. Mantendo-se o incumprimento das obrigações de pagamento, em 01.10.2021, a Requerente, por cartas registadas e datadas de 01.10.2021, interpelou a Impalagest, JR. e a Requerida para proceder ao pagamento das quantias em dívida, sob pena de declarar o vencimento antecipado de todas as prestações e proceder ao preenchimento da livrança.
31. Na ausência de qualquer pagamento, em 11.10.2021, mediante cartas registadas, a Requerente declarou o vencimento antecipado das quantias devidas ao abrigo do Contrato de Financiamento e interpelou a Impalagest, JR. e, bem assim, a Requerida, para procederem ao pagamento da integralidade dos valores em dívida.
32. Neste seguimento, foram iniciadas negociações entre as partes com vista a alcançar um acordo quanto aos termos e modo de pagamento dos montantes em dívida, o qual só veio a concretizar-se em Dezembro de 2021.
33. Nesse contexto, em 17.12.2021, foi celebrado um Acordo de Reconhecimento de Dívida e Reembolso (doravante, “Acordo”), de que são partes a Requerente, a Impalagest, JR., a Requerida e a Monte Vista – Hotelaria e Turismo, Lda. (“Monte Vista”), nos termos do qual foi acordado um Plano de Pagamentos e constituídas novas hipotecas para garantia do crédito da Requerente.
34. Nos termos do Acordo, a Impalagest e o Sr. JR. declaram e reconhecem expressamente (i) ser devedores da Requerente do montante de € 2.246.559,28 (dois milhões, duzentos e quarenta e seis mil, quinhentos e cinquenta e nove euros e vinte e oito cêntimos), acrescido de juros à taxa Euribor a doze meses, acrescida de 4% ao ano até integral e efetivo pagamento; bem como (ii) as restantes obrigações contratualmente previstas, que a Requerida e a Monte Vista declaram expressamente conhecer e aceitar.
35. Para garantia do cumprimento das obrigações previstas ao abrigo do Acordo, foram constituídas, por escritura pública, novas hipotecas a favor da Requerente, conforme infra melhor descritas:
a. Pelo avalista JR.:
i. uma hipoteca de primeiro grau sobre o Imóvel Quinta da Manobra, (doravante “Imóvel Quinta da Manobra”), no Casal de São Domingos, freguesia de União das Freguesias de Casével e Vaqueiros, concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o número 112, da freguesia de Casével, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1297 e na matriz predial rústica sob o artigo 32, secção B, que tem atualmente o valor patrimonial tributário conjuntado de € 133.889,92, conforme resulta da certidão predial que se junta como DOC. 12;
ii. uma hipoteca de segundo grau sobre o Imóvel Terras Novas, (doravante “Imóvel Terras Novas”), freguesia de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o número 6456, da mesma freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 9659, que tem atualmente o valor patrimonial tributário de € 395.180,10, conforme resulta da certidão predial que se junta como DOC. 13;
iii. uma hipoteca de segundo grau sobre o prédio urbano, denominado lote 49, situado na Quinta da Marinha (doravante “Imóvel Quinta da Marinha”), Freguesia e Concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número 3460, da freguesia de Cascais e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 14383, tendo a hipoteca a favor da ora Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 4372 de 2022/08/23, conforme resulta da certidão predial que se junta sob DOC. 14 ;
b. Pela Monte Vista:
i. uma hipoteca de primeiro grau sobre prédio rústico que está situado em Travessados (doravante “Imóvel Carvoeiro”), freguesia de União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro, concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o número 45, da freguesia de Carvoeiro e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 18, secção AA, que tem atualmente o valor patrimonial tributário de € 47,27, tendo a hipoteca a favor da ora Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 3333 de 2022/02/161. (O Imóvel Carvoeiro, propriedade da Monte Vista, foi vendido mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 28.09.2022, pelo que a referida hipoteca constituída a favor da Requerente foi devidamente cancelada);
c. Pela Requerida:
i. uma hipoteca de primeiro grau sobre o prédio urbano correspondente a terreno para construção situado em Marim (doravante “Imóvel Olhão”), freguesia de Quelfes, conselho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número 2902, da freguesia de Quelfes, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 157, Secção U, que tem atualmente o valor patrimonial tributário de € 1.020,00, tendo a hipoteca a favor da ora Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 4713 de 2022/06/242.
36. O referido Acordo não constituiu qualquer novação parcial ou total das respetivas obrigações e responsabilidades, mantendo-se as garantias anteriormente prestadas, nomeadamente o aval pessoal de JR. e a hipoteca sobre as 18 frações autónomas que integram o Hotel Ondamar, constituídas pela Requerida.
37. O Acordo previa o reembolso da totalidade da dívida até ao dia 15.11.2022, nos termos do plano de reembolso acordado e com recurso ao produto da venda de determinados imóveis hipotecados a favor da Requerente.
38. Sucede que, chegados a 15.11.2022, a dívida não foi integralmente reembolsada.
39. Após negociações, o Acordo foi objeto de aditamento celebrado pelas mesmas partes, em 16.01.2023, nos termos do qual foi acordado alterar a Data de Reembolso Final bem como alguns termos e condições.
40. Nos termos do Aditamento, a Impalagest e o Sr. JR. declararam e reconheceram expressamente (i) ser devedores da Requerente do montante de € 1.946.794,08 (um milhão, novecentos e quarenta e seis mil, setecentos e quarenta e seis euros e oito cêntimos), acrescido de juros à taxa Euribor a doze meses, acrescida de 6.5% ao ano até integral e efetivo pagamento; bem como (ii) as restantes obrigações contratualmente previstas, que a Requerida e a Monte Vista declararam expressamente conhecer e aceitar, devendo a integralidade da dívida ser paga à Requerente até 15.05.2023.
41. O Aditamento foi apenas celebrado porquanto, a fazer fé no transmitido pela Impalagest, a venda do imóvel Quinta da Manobra estaria prevista para janeiro de 2023, o que permitiria o reembolso de parte dos créditos.
42. Sem prejuízo, no âmbito do referido Aditamento, a Impalagest liquidou prestações de capital que perfazem o valor de € 51.000,00.
43. Decorrente da falta de conclusão da venda do Imóvel Quinta da Manobra no prazo definido, a Requerente, ao abrigo da Cláusula 10.1 alínea i) do referido Acordo, conforme alterado pelo Aditamento, declarou o vencimento antecipado da totalidade das obrigações decorrentes do Acordo, as quais se tornaram, por este efeito, imediatamente devidas e exigíveis, mediante carta registada e datada de 24.03.2023.
44. Aqui chegados, foi proposto pelos Devedores à Requerente a celebração de um acordo que permitisse impedir a declaração de insolvência da Impalagest.
45. Porque a Impalagest não reunia condições para proceder ao pagamento dos créditos da Requerente, o pagamento dos montantes em dívida seria efetuado através de fundos provenientes da venda de fracções do Hotel Ondamar, propriedade da Requerida, e do pagamento de prestações mensais com os fluxos gerados pela operação do referido Aparthotel, gerida pela Interluxhotel que, por sua vez, é controlada pela Requerida e pela acionista desta (a Impalagest).
46. Em 13.07.2023, foi celebrado o referido Acordo de Reconhecimento de Dívida, Reembolso e Pagamento em Prestações (doravante, “Acordo Actitur”), nos termos do qual a Actitur, ora Requerida, por nisso ter interesse, expressamente reconheceu, se confessou devedora e se assumiu como principal pagadora dos créditos da Requerente sobre a Impalagest, à data, no montante de € 1.982.405,63.
47. Mais a Requerida se comprometeu a reembolsar os montantes em dívida à Requerente através de 18 pagamentos mensais, iguais e sucessivos, no valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros), cada um, entre 13 de Julho de 2023 e 13 de Dezembro de 2024.
48. E comprometeu-se, ainda, a reembolsar antecipadamente os montantes em dívida logo que fosse recebido o preço da venda dos imóveis dados em garantia, nomeadamente o “Imóvel de Olhão” e as fracções hipotecadas do Hotel Ondamar, que se encontravam penhorados no âmbito do processo executivo melhor identificado supra, sendo o eventual montante em dívida remanescente a liquidar integralmente até à Data de Final de Reembolso, ou seja, até ao dia 31 de Dezembro de 2024.
49. Sucede que, a Requerida, em 13.02.2024, incumpriu as obrigações a que se encontrava adstrita, não tendo procedido ao pagamento da prestação mensal de € 40.000,00 (quarenta mil euros) vencida na referida data.
50. Adicionalmente, no âmbito do processo executivo, a Actitur logrou apenas vender o “Imóvel de Olhão”, tendo a Requerente recebido a este título o montante de € 498.750,00 em 21 de Setembro de 2023, não tendo, até à data, logrado vender qualquer das Fracções do Hotel Ondamar,
51. Apesar de a tal estar obrigada nos termos do disposto na Cláusula 5.1 b) do Acordo – “pelo menos, 2 (duas) Frações (…) até 31.12.2023 e posteriormente (ou seja, entre 01.01.2024 e 31.12.2024) uma média de 3 apartamentos por semestre (…)”;
52. Apesar de devidamente interpelados para o efeito, nem a Requerida, nem a Impalagest e/ou o Sr. JR., sanaram o incumprimento, na sequência do que, findo o prazo concedido, se venceram antecipadamente todas as obrigações ao abrigo do Acordo Actitur, o qual foi considerado definitivamente incumprido.
53. O crédito titulado pela Requerente sobre a Requerida, o Sr. JR. e a Impalagest cifra-se, na presente data, no montante global de € 1.203.655,64 a título de capital, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento.
54. Acresce que, de acordo com a última informação financeira (não auditada) de Setembro de 2023 da Requerida, o valor do seu activo tangível, no qual se inclui o Hotel Ondamar, era de cerca de 6 (seis) milhões de euros, porém, todas as empresas participadas pela Requerida, com excepção da Interluxhotel, estão inactivas ou em situação de insolvência.
55. De acordo com informação financeira de 2019 e 2020, as últimas contas depositadas e auditadas da Requerida, verifica-se que o próprio Revisor de Contas, em Reserva expressa na Certificação Legal de Contas relativa ao exercício findo em 31-12-2020, refere que “a rubrica de Outros investimentos financeiros inclui valores de cerca de 1,3 milhões de euros referentes a participação em sociedade brasileira sobre a qual não dispomos de informação objetiva relativa à sua situação financeira e patrimonial, pelo que não podemos emitir opinião sobre o valor referenciado.”.
56. Adicionalmente, o próprio Revisor Oficial de Contas, sobre o valor de “Outros créditos a receber” com referência a 31.12.2020, refere que o mesmo inclui 1,5 milhões de euros que se afiguram “de difícil realização e sobre os quais não foram constituídas as respectivas imparidades”.
57. O resultado líquido do ano de 2022 ascendeu € 759.703,42 negativos.
58. Em Setembro de 2023, o prejuízo da Requerida ascendia já a € 1.126.111,40 negativos.
59. A Requerida tem uma faturação mensal de € 26 540,00 + IVA, totalmente proveniente da prestação paga à requerida pela concessionária encarregue da exploração do Hotel Ondamar – Interluxhotel – da qual a requerida é devedora de € 854.552,90.
60. O VPT (valor patrimonial tributário) de todas as fracções hipotecadas do Hotel Ondamar corresponde a € 4.082.712,90;
61. O valor patrimonial das áreas comuns do Hotel Ondamar corresponde a € 2.807.840,40.
62. A AT declarou que a requerida tem a sua situação tributária regularizada, nos termos do art. 177º-A, do CPPT.
63. A Segurança Social declarou que a requerida tem dívidas a título de contribuições no montante de € 8.341.457,40, juros de mora no valor de € 3.617.929,21 e custas no montante de 83.358,79.
64. O Banco de Portugal declarou que a requerida não tem responsabilidades de crédito registadas perante aquela entidade.
65. A empresa de avaliação “CASAOL, Avaliação e Gestão de Projetos imobiliários atribuiu ao Hotel Ondamar o valor de mercado de € 11.166.700,00, na data de 24 de Abril de 2019, sem ter em consideração a inexistência de título constitutivo do empreendimento, exigido pelo RJET (DL n.º 39/2008, de 07.03), e obrigatório para a celebração de quaisquer contratos de transmissão ou promessa de transmissão de fracções.
66. A sociedade comercial Impalagest – Consultadoria De Gestão, S.A. (Zona Franca Da Madeira) foi declarada insolvente por sentença proferida em 29.07.2024 no processo n.º 2305/24.6T8FNC, do Juízo de Comércio do Funchal, ainda não transitada em julgado.
4. Foram considerados “não provados” os seguintes factos:
a) A Requerente recebeu de garantia bens imóveis, cujos valores superam em muito o valor do seu crédito.
b) O Hotel Ondamar, onde parte das fracções se encontra hipotecada a favor da requerente, tem um valor de mercado suficiente para liquidar a dívida vencida da requerente.
c) O património hipotecado a favor da Segurança Social é suficiente para cumprir com as obrigações junto da Segurança Social, sem que o património penhorado e dado de garantia a favor da Requerente seja atingido.
d) A sociedade Galparque - Diversão e Turismo, Lda., dona e legitima proprietária do prédio rústico, com a área de 348.000m2, sito em Tojeiras, Vila Nova da Barquinha, é titular de estudo de viabilidade económica e financeira para o mesmo prédio em que o valor do projeto seria na ordem dos € 85 milhões, cuja rendibilidade se situa em cerca de 16%, em que o capital acionista pode obter um “prémio” de 160% sobre o valor investido (€ 30 milhões), e que no estado em que se encontra é suficiente para o pagamento dos créditos exigidos.
e) A requerida possui disponibilidade financeira para liquidar os créditos vencidos.
5. Fixada a matéria de facto, cumpre agora analisar a segunda questão colocada pelas alegações recursórias.
Para a Recorrente, o tribunal a quo violou a alínea b) do nº 1 do artigo 20º do CIRE, pois ignorou que esta “detém participação social na sociedade que faz a exploração do Hotel Ondamar, a sociedade InterluxHotel, Lda. e com a distribuição de resultados, a Requerida aumentará o seu rendimento, permitindo desta forma ficar com mais rendimento e liquidez.” (cf. conclusão XXIX).
Analisemos, pois, se os factos dados por provados são suficientes para se concluir pela situação de insolvência da Recorrente. Para tanto, iremos recorrer a parte da fundamentação vertida no Acórdão desta Relação de 23/04/2024 (proc. 3598/18.3T8BRR-D.L1), de que fomos relator.
5.1. Desde há muito tempo que o direito falimentar português tem adotado o critério da “cessação de pagamentos” – que outros preferem designar de “critério de fluxo de caixa”[11] – para indiciar a situação de insolvência do devedor, segundo o qual se considerava em situação de falência quando este cessasse os pagamentos, aos seus credores, das suas dívidas vencidas. Este critério continua a ser o adoptado pelo artigo 3º do CIRE, cujo nº 1 determina que se considera em situação de insolvência “o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.[12] Com efeito, como sintetiza MARCO GONÇALVES, “nos termos do art. 3º, a verificação da situação de insolvência é aferida em função da incapacidade ou da impossibilidade do devedor para cumprir as suas obrigações vencidas, independentemente, portanto, do balanço ativo e passivo da sua situação patrimonial.”[13]
De forma a incentivar ou estimular os legitimados, designadamente os credores, a pedirem a insolvência do devedor, o legislador veio estabelecer no artigo 20º do CIRE um conjunto de factos presuntivos da insolvência, com o objectivo de lhes permitir “o desencadeamento do processo, fundado na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir daí, fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas”.[14]
Por isso, quando a insolvência é requerida por um terceiro, que não o devedor, incumbe ao requerente alegar e provar a verificação de algum ou de alguns dos factos enunciados taxativamente nas várias alíneas que compõem o nº 1 do artigo 20º do CIRE. Segundo a doutrina, esses factos “são indícios ou sintomas da situação de insolvência  (factos-índice) (…) através dos quais, “normalmente, a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza”, permitindo a “verificação de qualquer um deles presumir a situação de insolvência do devedor e que é condição necessária para a iniciativa  processual dos responsáveis legais pela dívidas do devedor, dos credores e do Ministério Público”.[15]
E, pese embora caiba ao devedor provar a sua solvência nos termos do artigo 30º, nº 4 do CIRE, é ao requerente não devedor que pertence o ónus de alegar e provar esse facto-índice[16], que é, nas palavras de CATARINA SERRA, “condição necessária, mas não suficiente do pedido de declaração de insolvência”.[17]
5.2. No caso dos autos, foi entendimento do tribunal a quo estar indiciada a insolvência da Requerida em resultado da verificação do facto-índice constante da alínea b) do nº 1 do artigo 20º do CIRE, ou seja, “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
Assim, face ao teor daquele facto-índice, impunha-se à Requerente provar não apenas a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações por parte da Requerida, mas também que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, este revelava a impossibilidade de o devedor, no caso, a Requerida, satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.[18] Contrariamente ao que ocorre no facto-índice da alínea a), neste não se exige o incumprimento generalizado relativamente a vários credores, bastando-se com uma única dívida, desde que “tal seja susceptível de revelar, atenta a natureza da obrigação, o montante da dívida ou as circunstâncias do incumprimento, a inviabilidade económica-financeira do devedor”.[19]
Como ficou provado, a Requerida, após ter celebrado com o Novo Banco um contrato de financiamento, deixou de pagar as quantias em dívida, sendo certo que, passados quase 10 anos, depois de incumprir o “Acordo Actitur”, ainda deve à actual titular dos créditos, a ora Requerente (cessionária),  o montante global de 1.203.655,64 €, a título de capital mais juros de mora vincendos até integral pagamento, tudo isto depois de lhe ter instaurado uma execução para cobrança dos montantes em dívida, no âmbito da qual apenas se obteve a receita de 498.750,00 € em resultado da venda de um imóvel penhorado.
Em suma, como se conclui na sentença impugnada, “desde a celebração do financiamento inicial com o Novo Banco (29.10.2014) até à presente data foi reembolsado com o produto da venda de ativos hipotecados (Imóvel sito Olhão e Imóvel sito Carvoeiro), e apenas € 280.000,00 pagos por meio de transferências bancárias pela Requerida, ao abrigo do plano prestacional previsto no Acordo Actitur.”
Desde então mais nenhuma pagamento foi efectuado à Requerente.
Assim, cremos que o ónus probatório da Requerente foi alcançado, mostrando-se preenchido o facto-índice constante da alínea b) do nº 1 do artigo 20º do CIRE, o que leva a presumir a situação de insolvência da Requerida.
Essa presunção não foi ilidida, uma vez que a Requerida, salvo o devido respeito pela posição assumida nas suas alegações, não demonstrou que aquele facto-índice não se verifica, nem, apesar disso, demonstrou a sua solvência, como lhe competia, tendo em conta o disposto no artigo 30º, nº 4 do CIRE.[20]
A afirmação da Recorrente de que “as frações do Hotel Ondamar dadas de garantia são suficientes e superam em muito os valores das obrigações” não contraria a realidade dos factos, que redunda na falta de liquidez da Requerida. Com efeito, resultou provado que o único rendimento da Requerida, no valor mensal de 26.550,00 €, acrescido de IVA, provêm da prestação que lhe é paga pela concessionária encarregue da exploração do Hotel Ondamar – Interluxhotel – da qual a Requerida é devedora de 854.552,90 € (cf. nº 58 dos factos provados). Este rendimento único, não é suficiente para o pagamento pontual da generalidade das suas obrigações vencidas, nomeadamente o crédito da Requerente, cuja prestação mensal ascende ao valor de 40.000,00 €. Acresce que não está provado que a Requerida aufira quaisquer outros rendimentos, sendo certo que também não identificou qualquer outra forma de obter liquidez, de forma a possibilitar o pagamento das suas dívidas.
Refere ainda a Recorrente  que “o património hipotecado a favor da Segurança Social é suficiente para cumprir com as obrigações junto da Segurança Social, sem que o património penhorado e dado de garantia a favor da Requerente seja atingido” (cf. conclusão XXXVIII da alegações recursórias). Porém, a prova da “inexistência da situação de insolvência”, a que se refere o artigo 30º, nº 3, in fine, do CIRE, não se faz provando que o seu activo é superior ao passivo, mas sim provando-se que se tem acesso ao crédito ou que se detém liquidez suficiente para cumprir as obrigações vencidas. Na verdade, tanto a doutrina como a jurisprudência sustentam que “a inexistência de uma situação de insolvência não se faz alegando, nem mesmo provando, que o ativo é superior ao passivo, sendo o conceito de solvabilidade relevante o da liquidez para cumprimento pontual das obrigações vencidas, o que não corresponde necessariamente à existência de um património superior ao passivo”.[21] [22]
Assim, mesmo que a Recorrente tivesse provado que o valor de mercados dos imóveis dados de garantia à Segurança Social e os penhorados a favor da Requerente era superior ao seu passivo – o que, na realidade, não conseguiram –, ficou demonstrado que está impossibilitada de cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas, por falta de meios de pagamento ou de bens de liquidez suficientes (v.g., dinheiro em caixa e depósitos bancários, créditos bancários vencidos, produtos e títulos de crédito fácil e oportunamente convertíveis em dinheiro).[23] Mesmo que o devedor possua um activo superior ao passivo, cabe-lhe demonstrar a sua “viabilidade económica”, ou seja, que tem capacidade bastante para assegurar o cumprimento das suas obrigações na data do respectivo vencimento.[24]
Por fim, a circunstância de a Requerida deter participação social na sociedade InterluxHotel, Lda. e de, eventualmente, poder aumentar o seu rendimento com a distribuição de resultados daquela sociedade, em nada altera o juízo de insolvência. Para efeito da apreciação de insolvência do devedor, “é irrelevante que este alegue e/ou demonstre a possibilidade de cumprir, no futuro, as suas obrigações, já que a lei presume a insolvência do devedor com fundamento na sua incapacidade, presente e actual, de cumprir as obrigações já vencidas.”[25]
Assim, temos de concluir que se acham preenchidos os pressupostos legais tendentes à declaração de insolvência, por verificação dos factos presuntivos da insolvência constantes do artigo 20º, nº 1, alínea b) do CIRE.
Improcedem, pois, na totalidade, as alegações de recurso.
6. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela massa insolvente (artigos 303º e 304º do CIRE).

Lisboa, 11 de Março de 2025
Nuno Teixeira
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
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[1] Cfr. CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 116.
[2] Cfr. CATARINA SERRA, Ob. Cit., pág. 117.
[3] No sentido do reconhecimento da legitimidade dos titulares de créditos litigiosos para requerer a insolvência do devedor, cfr. STJ, Ac. de 17/11/2015 (proc. 910/13.5TBVVD-G.G1.S1), e Ac. de 29/03/2012 (proc. n.º 1024/10.5TYVNG.P1.S1), ambos disponíveis em www.direitoemdia.pt.
[4] Cfr. CATARINA SERRA, A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito – O problema da natureza do processo aplicável à insolvência no Direito Português, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 264.
[5] Cfr. Manual de Direito das Falências, volume I, Almedina, Coimbra, 1964, pág. 383. Na jurisprudência, ver o Ac. do TRC de 03/03/2020 (proc. 3422/19.0T8VIS.C1), disponível em www.dgsi.pt/jtrc.
[6] Cfr. neste sentido, CASTRO MENDES e TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 371.
[7] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Ob. Cit., pág. 681.
[8] Cfr. A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito – O problema da natureza do processo aplicável à insolvência no Direito Português, pág. 263.
[9] Cfr. TRC, Ac. de 28/05/2013 (proc. 1275/12.8TBACB-B.C1), disponível em www.direitoemdia.pt, onde se concluiu não se verificar a excepção dilatória de falta de interesse em agir “quando o credor instaura processo, tendo em vista a declaração de insolvência do devedor, na pendência de acção executiva por si intentada, ainda que nesta não se encontre demonstrada a insuficiência dos bens penhorados para satisfazer o crédito do exequente, quando fundamenta o seu pedido no nº 1 do artigo 3º do CIRE, invocando a verificação de outros factos-índice de insolvência que não o previsto na alínea f) do nº 1 do artigo 20º daquele diploma.”
[10] Cfr. neste sentido TRG, Ac. de 15/11/2018 (proc. 3016/18.7T8GMR-C.G1), disponível em www.direitoemdia.pt.
[11] Para MENEZES LEITÃO, “o devedor é insolvente logo que se torna incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem”(cfr. Direito da Insolvência, 5ª Edição, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 73).
[12] Também no ordenamento jurídico espanhol se considera que “se encontra em estado de insolvência actual o devedor que não possa cumprir regularmente as suas obrigações exigíveis” (tradução nossa)  - cfr artigo 2º, nº 3 do Texto Refundido de la Ley Concursal.
[13] Cfr. MARCO CARVALHO GONÇALVES, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Coimbra, 2023, pp. 81-82. No entanto, o nº 2 do artigo 3º do CIRE dá-nos uma noção adicional  de insolvência – situação patrimonial líquida manifestamente negativa – de aplicação exclusiva às pessoas colectivas e aos patrimónios autónomos, por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente.
[14] Cfr. TRP, Ac. de 14/09/2010 (proc. 6401/09.1TBVFR.P1), disponível em www.dgsi.pt/jtrp.
[15] CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 120. Sobre o carácter presuntivo da insolvência atribuído aos factos-índice do nº 1 do artigo 20º do CIRE  ver, na jurisprudência, TRL, Ac. de 22/04/2010 (proc. 1577/08.8TBALQ-C.L1-8), Ac. de 04/05/2010 (proc. 26139/09T2SNT-C.L1-7) e TRP, Ac. de 14/09/2019 (proc. 2793/08.8TBVNG.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[16] Neste sentido, cfr. ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, volume I, 3ª Edição, Almedina, 2021, pág. 120.
[17] Cfr. Ob. Cit., pág. 120.
[18] Mesmo quando esteja em causa apenas o incumprimento de uma única obrigação, este facto-índice considera-se preenchido quando esse incumprimento for susceptível de revelar a inviabilidade económica do devedor, tendo em conta a natureza da obrigação, o montante da dívida ou as circunstâncias do incumprimento, (cfr. neste sentido, de entre os mais, TRL, Ac. de 25/10/2012, proc. 1808/11.7ALQ.L1-8, Ac. de 12/05/2015, proc. 961/14.2T8VFX.L1-7, TRG, Ac. de 24/09/2015, proc. 4831/15.9T8GMR.G1, TRL, Ac. de 24/11/2016, proc. 26094/15.6T8SNT-B.L1-6, TRC, Ac. 24/10/2017, proc. 214/17.4T8SEI-B.C1, e TRE, Ac. de 05/12/2019, proc. 5388/19.7T8STB-B.E1, todos disponíveis em www.direitoemdia.pt).
[19] Cfr. MARCO CARVALHO GONÇALVES, Ob. Cit., pág. 90.
[20] Como refere MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual do Direito da Insolvência, 7ª Edição, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 55, “é sobre o devedor que recai o ónus da provar a sua solvência, devendo para tal basear-se na escrituração legalmente obrigatória para o seu caso, devidamente organizada e arrumada, ressalvado o disposto no nº 3 do art. 3º (art. 30º, nº 4)”.
[21] Assim decidiu esta Relação no recente Acórdão de 05/03/2024 (proc. 1588/23.3T8BRR), que tratou de situação semelhante à dos presentes autos, em que o relator deste acórdão interveio como adjunto. No mesmo sentido, cfr. na doutrina, CATARINA SERRA, Ob. Cit., pág. 56, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Ob. Cit., pág. 28, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, volume I, 13ª Edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 131 e MARCO CARVALHO GONÇALVES, Ob. Cit., pág. 83, e, na jurisprudência, TRC, Ac. de 01/06/2020 (proc. 375/19.8T8GRD-C.C1) e TRL, Ac. de 31/10/2023 (proc. 2343/22.3T8VFX-B.L1-1), ambos disponíveis em www.direitoemdia.pt.
Também no ordenamento jurídico espanhol se entende que “se um devedor possuir bens constituídos por ativos fixos (tangíveis) que não possam ser convertidos em dinheiro num curto espaço de tempo para pagar as dívidas, poderá ser declarado insolvente desde que se verifique a situação de insolvência” (tradução nossa) – cfr. AGUSTIN MACIAS CASTILLHO e RAMÓN JUEGA CUESTA [coordinadores], Texto Refundido de la Ley Concursal comentado, Lefebvre, Madrid, 2023, anotação ao artigo 2º da Ley Concursal, pág. 39).
[22] Contudo, a lei adopta ainda como critério adicional de insolvência o da superioridade do passivo em relação ao activo, tratando-se de pessoas colectivas ou de patrimónios autónomos, em relação aos quais nenhuma pessoa singular responda (cfr. artigo 3º, nº 2 do CIRE).
[23] Cfr. COUTINHO DE ABREU, Ob. Cit., pág. 130.
[24] Cfr. TRC, Ac. de 16/02/2016 (proc. 2519/15.0T8LRA-A.C1), disponível em www.direitoemdia.pt.
[25] Cfr. MARCO CARVALHO GONÇALVES, Ob. Cit., pág. 89.