DECISÃO SINGULAR
Sumário


I. Incidentes pós-decisórios não interrompem nem suspendem o decurso do prazo para interposição de recurso de acórdão que conheceu a final do objeto do processo.
II. Sendo interposto recurso, as nulidades devem arguir-se na respetiva motivação e conclusões, podendo o tribunal recorrido repará-las.

Texto Integral

I - Relatório:

Nestes autos, foram proferidos em 1.ª instância um despacho interlocutório e a decisão condenatória.

O despacho:

Face ao invocado pelo arguido AA, foi proferido em 1.ª instância, despacho, indeferindo o pedido que formulou no sentido de o Sr. Perito, Eng.º BB, vir dar integral cumprimento ao determinado por despacho que o notificou para juntar aos autos todos os documentos (em papel e digitais) que, tendo-lhe sido entregues no decurso da Perícia e que não constem dos Apensos, possam relevar para as conclusões que retira e para entregar a fórmula de cálculo das fichas.

A decisão condenatória:

O Tribunal de 1.ª instância condenou o arguido pela prática dos seguintes crimes: -----------

- em 2012, de um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo artigo 377.º, n.º 1, com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea d) ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses anos de prisão (respeitando ao procedimento do Centro Educativo da ...);

- nos anos de 2010 e 2011, de três crimes de participação económica em negócio, p. e p. pelo artigo 377.º, n.º 1, com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão para cada um deles (respeitando aos procedimentos de ..., ... e ...)

- em 2012, de um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo artigo 377.º, n.º 1, com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea d) ambos do Código Penal na pena de 1 ano e 2 meses de prisão (por referência ao procedimento de ...).

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 anos 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, mediante a condição de pagar ao lesado demandante, no prazo da suspensão, da quantia de € 15.000,00, a considerar na quantia devida pela indemnização civil em que foi condenado, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do CP.

Foi, ainda julgado o pedido de indemnização civil do demandante IGFEJ, parcialmente procedente por provado, e em consequência foi decidido, além do mais, condenar os demandados CC, DD, EE, FF e AA a pagar solidariamente ao demandante a quantia de cento e trinta e seis mil e setenta euros e um cêntimo, à qual devem ser deduzidas as quantias retidas a título de caução de dez por cento nos procedimentos do Palácio de Justiça da ..., do Centro Educativo da ... e do Palácio de Justiça de ....

Não se conformando o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do despacho e da decisão condenatória.

Por acórdão do Tribunal da Relação de 28 de agosto de 2024 foi decidido, julgar improcedentes o recurso interlocutório e o recurso principal, mantendo-se o despacho de 8 de Junho de 2023 e confirmando a decisão condenatória recorrida.

O arguido, notificado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, arguiu de invalidade quanto à não realização de audiência de julgamento em segunda instância, sem que lhe tenha sido facultado o contraditório, à composição do Tribunal, à preterição dos vistos legais e a inconstitucionalidades.

A Relação por acórdão de 5 de novembro de 2024 indeferiu a arguição.

Inconformado, interpôs o arguido AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido em 28 de Agosto de 2024 conjugadamente com o acórdão de 5 de Novembro de 2024.

Recurso que não foi admitido por despacho de 10 de janeiro de 2025, com fundamento na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, tendo em conta que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação confirmou o acórdão proferido em primeira instância e nenhuma das penas aplicadas é superior a 8 anos.

O recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos dos artigos 405.º do CPP, invocando, em síntese, que os artigos 400.° e 432.° do CPP, admitem o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão recorrido, composto pelas decisões conjugadas proferidas em 28 de agosto e 5 de novembro de 2024, centrando-se na alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP e no julgamento de inconstitucionalidade decorrente do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 597/00, para depois referir que o direito à realização da audiência em sede de recurso integra manifestamente o catálogo dos direitos fundamentais do arguido, nos termos do disposto no artigo 32.°, n.º 1 da CRP e 6.°, n.º 1, da CEDH, sendo a decisão composta pelos mencionados acórdãos recorrível, para o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto nos artigo 399.°, 400.°, n.º 1, alínea c), a contrario sensu, 432°, n° 1, alínea b), do CPP e 32.º, n.º 1, da CRP e 6.°, n.º 1, da CEDH.


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Cumpre decidir:

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II - Fundamentação:

1. O reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça conjuntamente do acórdão proferido em 28 de agosto de 2024 e do acórdão de 5 de novembro de 2024.

São, porém, decisões judiciais proferidas em recurso, de natureza diferente, sendo diferente o regime de impugnação.

Assim:

i. O acórdão que indeferiu as arguições:

O recurso interposto do acórdão de 5 de novembro de 2024 que indeferiu as arguições do arguido contra o acórdão anteriormente proferido nos autos, não tem autonomia relativamente à decisão que julgou o objeto do recurso, não mais sendo que um complemento daquela, destinado exclusivamente a suprir nulidades de que pudesse enfermar. Razão pela qual não pode, em matéria de recorribilidade ter pressupostos diferentes da decisão que complementa.

E a decisão que complementa, o acórdão de 28 de agosto de 2024, não admite recurso, nem no segmento em que negou provimento ao recurso do despacho da 1.ª instância, nem na parte em que negou provimento ao recurso da decisão condenatória.

ii. o acórdão de 28 de agosto de 2024:

1. É manifestamente extemporâneo o recurso do acórdão ora em referência porque o requerimento de interposição somente foi apresentado pelo arguido depois da prolação do acórdão que indeferiu as arguições e que foi prolatado dois meses depois de aquele ter sido notificado ao recorrente, através dos ilustres mandatários por si constituídos.

Razão pala qual não pode ser admitido.

a. segmento em negou provimento ao recurso do despacho da 1.ª instância:

2. Da norma constante da leitura conjugada do disposto nos artigos 432º n.º 1 alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, estabelece a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º”.

No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito.

O acórdão da Relação na parte em que julgou improcedente o recurso interposto do despacho interlocutório proferido em 1.ª instância, cabe na previsão da referida norma.

Com efeito, nessa parte o acórdão em causa, ao manter o despacho da 1.ª instância não conheceu, e muito menos a final, do objeto do processo.

No caso de recurso interlocutório, a decisão da Relação julga definitivamente a questão. Decisão definitiva no grau admissível que constitui a regra geral do artigo 427.º, em conjugação com o artigo 399.º, ambos do CPP.

Assim sendo, o recurso não é admissível face ao disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP.

b. segmento que confirmou a decisão condenatória:

3. O critério de admissibilidade do recurso para o STJ reporta-se à pena concretamente aplicada, ou seja, a pena em que o arguido foi condenado na decisão recorrida.

A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.

Deste preceito destaca-se a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito que estabelece serem irrecorríveis “os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

No caso, o acórdão da Relação, confirmou a decisão da 1.ª instância que aplicou ao arguido a pena única de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, pela prática dos crimes enunciados.

Havendo dupla conformidade, como resulta diretamente das normas adjetivas citadas, o acórdão da Relação, tirado em recurso, só admite recurso ordinário para o STJ se tiver sido aplicada ao recorrente, pena superior a 8 anos.

Não sendo esse o caso dos autos, resulta não ser recorrível em mais um grau, o acórdão confirmatório, conforme decorre do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP.

4. Ainda que não houvesse dupla conformidade o acórdão da Relação, também não admitiria recurso.

Estabelece esta norma conjugada que não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os “acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância.”.

No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito. O arguido foi condenado em 1ª instância. E, ademais, não foi aplicada pena privativa da liberdade.

Estamos, isso sim, perante um acórdão que aplicou uma pena de substituição de pena de prisão, isto é uma pena não privativa da liberdade. Pena suspensa que, por natureza, definição e pelo modo de execução, (o que é valido para as penas de substituição, quer seja a substituição por multa, suspensão da execução ou por prestação de trabalho a favor da comunidade) não constitui uma pena privativa da liberdade ambulatória.

5. Quanto ao Acórdão n.º 597/00, de 20 Dezembro de 2000, proferido pelo Tribunal Constitucional no seu processo n.º 643/00, invocado pelo ora reclamante, ademais versar sobre o anterior regime de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça e concretamente sobre a conformidade constitucional da irrecorribilidade de acórdão da Relação “quando se põe termo à causa por questões de direito processual penal”, que aqui, evidentemente não se verifica (no caso o acórdão negou confirmou a decisão condenatória, conhecendo do mérito da causa), acresce que incidiu sobre situação em que ao crime pelo qual o aí arguido foi ali condenado era aplicável pena de prisão superior a 8 anos, o que não é o caso dos presentes autos (sendo que, no vigente regime de recurso, o critério da pena aplicável foi substituído pela da pena aplicada) e ainda que naquele caso, o não recebimento do recurso alicerçava-se na alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP (repete-se, com diferente redação), enquanto nestes autos o despacho reclamado, para não admitir o recurso, se fundou na alínea f) do n.º 1 do citado artigo.


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III - Decisão:

6. Nestes termos, indefere-se a reclamação deduzida pelo arguido AA.

Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Notifique-se.


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Lisboa, 24 de fevereiro de 2025

O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

Nuno Gonçalves