CASO JULGADO FORMAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DILIGÊNCIAS DE PROVA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Sumário


- O princípio do contraditório, é um princípio fundamental do processo civil que reconhece às partes o direito a exporem as suas razões, o direito a serem ouvidas e a exercerem uma influência efetiva na marcha do processo, garantindo às partes uma efetiva participação no andamento do processo.
- Não há violação deste principio quando, apresentado requerimento por uma das partes e ouvida a outra parte, o juiz indefere o requerimento sem ouvir a parte requerente sobre o teor da resposta da parte contrária.
- Estando no processo as posições de ambas as partes relativamente ao teor do requerimento formulado, o juiz está apto a proferir decisão sobre o requerido, não havendo que ocorrer notificação para o requerente responder à resposta da parte contrária..
- Por outro lado, juntando a parte aos autos um requerimento, o mesmo pode ser deferido ou indeferido, pelo que, o requerente tem de perspetivar a prolação de decisão que negue a sua pretensão, não sendo a decisão proferida uma decisão surpresa só pelo facto de indeferir a pretensão formulada pela parte requerente.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

No âmbito de um processo de reivindicação de propriedade, em que é Autora AA e RR. BB e mulher CC, em sede de despacho saneador, foi proferido o seguinte despacho:

BB E CC, RR. nos autos acima identificados, na sequência da notificação dos documentos juntos aos autos pela Direção Geral do Território, vieram expor que “só agora foi possível confirmação das coordenadas do imóvel em questão, pelos RR., uma vez que os RR. são pessoas sem conhecimentos técnicos para verificação de quaisquer coordenadas”, salientando que “as coordenadas referidas pela Direção Geral do Território não correspondem à localização dos prédios em questão, estando por isso erradas”, i.e., alegou que “as coordenadas geográficas dos prédios em questão são as seguintes: ...(Lat,Long):...,-... .

Concluem os RR. que devem serem estas “as coordenadas geográficas a indicar à Direção Geral do Território, para obtenção dos voos digitais dos anos 2007, 2010, 2012 e 2015 e sua junção aos autos”, por tal junção se mostrar “relevante e essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa em apreço”.

Por sua vez, a Autora AA alegou que a DGT informou em 17 de abril de 2024 que o concelho ... não possui cadastro predial e alegou ainda que as coordenadas agora indicadas pelos RR. são distintas das referidas pela DGT.
Conclui a Autora que os RR. nada alegaram para justificar o requerido, com o fundamento de que não indicaram os factos que pretendem demonstrar com este novo requerimento de prova, pugnando a final pelo seu indeferimento.
Cumpre apreciar e decidir.
Uma vez que as coordenadas referidas pela Direção Geral do Território, para localização dos prédios em questão, são distintas das ora indicadas pelos RR., este Tribunal não pode ordenar as diligências requeridas pelos RR. por existir essa divergência insanável quanto às ditas coordenadas, as quais são condição sine qua non da sua realização.

Face ao ora exposto, indefere-se as diligências requeridas, nesta sede, pelos RR.. Sem custas pelo incidente, atenta a simplicidade da questão. Notifique e Registe (artigo 153º/4 do CPC). “
           
Inconformados vieram os Réus recorrer formulando as seguintes Conclusões:

1- O presente recurso incide sobre o Despacho SANEADOR com a refª ...86, uma vez que entende a apelante que o Tribunal fez uma errada apreciação e interpretação das regras jurídicas, proferindo, assim, uma decisão contrária às normas legais e ao direito, porquanto eliminou um meio de prova anteriormente admitido por Despacho com a Refª ...23 .
2- Com o Despacho proferido a 08-04-2024 com a refª ...31 o qual admitiu os meios de prova documental juntos pelas partes e ordenou as notificações às entidades requeridas nos respetivos articulados, o Tribunal vinculou-se à realização das diligências de prova requeridas pelos RR., nomeadamente à notificação da Direção Geral do Território para juntar as planta referentes aos prédios da A. e RR. existente à data dos anos de 1990 e 2000, quer da planta existente à data do ano de 2011, quer do ano de 2013.
3- A produção de tal meio de prova, formou caso julgado formal nos termos do art.º 620.º /n.º 1 do CPC, o que devia ser respeitado no Saneamento dos autos, o que não aconteceu.
4 - O requerimento junto aos autos a 28-05-2024 com a refª ...20, não corresponde a um novo meio de prova requerido ao Tribunal a quo, na errada interpretação que este Decidiu, mas a um meio já deferido e aceite pelo Tribunal.
5- As coordenadas foram fornecidas e adiantadas pela D. G. do Território, mas sem certeza das mesmas - motivo pelo qual solicitou a confirmação aos autos, razão pela qual não há qualquer erro imputável aos RR., nem à DGT, mas apenas e tão só uma indicação para melhor identificação, o que se afigura útil e razoável, além de necessário para a certeza jurídica. Por conseguinte, não se verifica qualquer divergência insanável, mas um mero esclarecimento.
6- Mostra-se essencial a notificação a Direção Geral do Território da resposta dos RR. à solicitação da mesma para confirmação do local e voos pretendidos, com as coordenadas e anos dos voos já indicados pelos RR por requerimento, acompanhada da imagem obtida pelo google e juntas aos autos pelos RR. a fl s… com a contestação, o que o Tribunal não realizou.
7- Destarte, em cumprimento do Princípio e Dever de Gestão Processual, previsto pelo artº 6 do CPC e ainda, do Princípio da Cooperação, constante do artº 7 do CPC - sempre o Tribunal recorrido deveria ter notificado os apelantes para esclarecer e/ou pronunciarem-se sobre a dita “divergência” sob pena de eventual indeferimento, antes de a indeferir, evitando desse modo uma decisão surpresa, o que não foi cumprido!
8 - A Decisão Saneadora viola o direito ao contraditório dos RR., uma vez que os mesmos não foram notificados pelo Tribunal do Despacho datado de 02-10-2024 com a refª ...75 para se pronunciarem.
9 - A Decisão recorrida constitui uma dupla violação da oportunidade contraditória dado à A./ Recorrida, a qual teve uma tripla oportunidade para contraditar, e os RR apenas uma, configurando Decisão nula por violação do contraditório em prejuízo dos RR.
10 - Paralelamente, a Decisão recorrida violou o Princípio da Igualdade das partes - artº 4 do CPC -, porque foi conferida à A. uma oportunidade (ou melhor, três oportunidades) que os RR não tiveram (apenas uma oportunidade), o que constitui uma nulidade que se invoca, nulidades supra invocadas conforme previsto pelo art.º 195.º/n.º1 do CPC.
11 - O que os RR pretendem, tão somente, é que o meio de prova admitido seja concretizado, devendo ser anulado o Saneador na parte que indeferiu este meio de prova, sendo substituído por outra Decisão que oficie à DGT a indicação das coordenadas do local e da fotografia em causa, para identificação territorial concreta e resposta pela DGT, tudo em abono da verdade e da recolha de factos nos termos do artº 5 do CPC.

TERMOS EM QUE, com o Douto suprimento de V/Exas, deve o presente Recurso de Apelação merecer provimento, julgando – o procedente e, em consequência, alterar-se a decisão recorrida, sendo substituída por outra que ordene a realização do meio de prova nos termos requerido, devendo sere devolvidas ao recorrentes as taxas de justiça liquidadas por conta do presente recurso, fazendo V. Exas., como sempre, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
           

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A Autora apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

1º…O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do mesmo.
2º…Por requerimento de 17.10.2024 com referência citus ...04 os recorrentes reclamaram do Despacho Saneador e invocaram as nulidades agora invocadas em recurso.
3º…Tais nulidades e reclamação foram já decididas por despacho de 5/11/2024, com a ref....81, tendo sido indeferidas quer a reclamação, quer as nulidades invocadas.
4º… É do Despacho de 5.11.2024, que os recorrentes deveriam ter recorrido.

Sem prescindir:
5º..O Tribunal deferiu a notificação do Instituto Geográfico do Exército e Instituto Geográfico Português para fornecer plantas do levantamento geodésico e cadastral em relação à Rua ..., ..., ..., tal como requerido pelos réus na Contestação.
6º..A Direção Geral do Território veio informar que ... não possuía cadastro predial, logo não poderia fornecer tais plantas.
7º..Tal resposta da DGT foi notificada aos réus em 17.04.2024, sendo que estes, no prazo legal de 10 dias, nada disseram e/ou requereram.
8º…Os réus vieram apenas em 28.05.2024 (decorrido mais de um mês) com um novo requerimento onde pedem imagens aéreas, com coordenadas que, nem a Autora nem o Tribunal têm como aferir se são sequer dos prédios em questão e se têm interesse para o objeto do processo porque os réus também não alegam o que pretendem provar com tais elementos.
9º..Além do Princípio do Dever de Gestão Processual e Cooperação existe também o Princípio da Auto Responsabilidade das partes segundo o qual estas sofrem as consequências jurídicas da sua negligência ou inépcia na condução do processo, não podendo o Tribunal substituir-se às partes, nos elementos e momentos próprios para agirem.
10º..Não há, assim, qualquer nulidade conforme decidido por despacho de 5.11.2024, no qual foi indeferida a nulidade invocada.
11º..O Tribunal ordenou a notificação da A. para exercer o contraditório quanto ao requerido pelos réus em 28.05.2024 (despacho que ordena uma notificação é despacho de mero expediente que não é passível de recurso, mas mesmo que o fosse já transitou em julgado).
12º..A resposta da A. foi notificada aos réus nos termos das notificações entre mandatários.
13º..Não podem vir os réus responder à resposta da autora (em que a mesma limitou-se a exercer o contraditório).
14º..A esta resposta da A. não tinham os réus direito de resposta.
15º..Não há qualquer nulidade por violação do contraditório.
16º..Tal como decidiu o despacho de 5.11.2024.

Nestes termos deve o recurso ser julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida, e o prosseguimento dos autos, com o que se fará JUSTIÇA!!
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Os Factos com interesse para a decisão da causa são os que constam do relatório da presente decisão e ainda os seguintes:

- Na contestação os RR. requereram, nomeadamente e com interesse para o caso em apreço, o seguinte:

A.2- Requer-se a notificação do INSTITUTO GEOGRÁFICO DO EXÉRCITO, sito na Av. ..., ... ..., para juntar a planta do levantamento geodésico cartográfico e cadastral elaborado em Portugal existente à data dos anos de 1990 e 2000, quer da planta existente à data do ano de 2011, quer do ano de 2013 em relação ao Lugar ... - Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., na melhor escala para na mesma serem susceptíveis de identificação as delimitações do prédio urbano da A. e dos rústicos, quer através de marcos, muros, sebes, arbustos, árvores, valados e outros meios de vedação de prédios rústicos e acesso aos mesmos;
A.3- Requer-se a notificação Instituto Geográfico Português com estatuto de Autoridade Nacional de Geodesia, Cartografia e Cadastro, para juntar a planta do levantamento geodésico cartográfico e cadastral elaborado em Portugal existente à data dos anos de 1990 e 2000, quer da planta existente à data do ano de 2011, quer do ano de 2013 em relação ao Lugar ... - Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., na melhor escala para na mesma serem susceptíveis de identificação as delimitações do prédio urbano da A. e dos rústicos, quer através de marcos, muros, sebes, arbustos, árvores, valados e outros meios de vedação de prédios rústicos e acesso aos mesmos; ”
- Por despacho proferido a 08-04-2024, foram admitidos os documentos juntos pelas partes e ordenadas as notificações que tinham sido requeridas nos articulados.
- Após notificação da Direção Geral do Território, veio esta, a 17/4/2024 informar que no concelho ... não existe cadastro predial, no entanto, podiam fornecer fotografia aérea juntando para o efeito imagem em anexo, para confirmação do local pretendido e, informando para a zona os voos disponíveis,
- Ambas as partes foram notificadas dessa informação a 17/4/24.
- Em 28/5/24, os RR. vieram dizer o seguinte:
1º Só agora foi possível confirmação das coordenadas do imóvel em questão, pelos RR., uma vez que, os RR. são pessoas sem conhecimentos técnicos para verificação de quaisquer coordenadas;
2º Sendo que, as coordenadas referidas pela Direção Geral do Território não correspondem à localização dos prédios em questão, estando por isso erradas,
3º Na verdade, as coordenadas geográficas dos prédios em questão são as seguintes: ...(Lat,Long):...,-...,
4º Devendo pois, serem estas as coordenadas geográficas a indicar à Direção Geral do Território, para obtenção dos voos digitais dos anos 2007, 2010,2012 e 2015 e sua junção aos autos- o que se requer,
5º Imagens de voos esses, cuja junção se mostra relevante e essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa em apreço.”
- Em face deste requerimento, o Sr. Juiz determinou a notificação da A. para se pronunciar sobre o mesmo, tendo a referido que se opunha à realização de tais diligências, uma vez que o agora requerido pelos réus não tem a ver com o anteriormente pedido, pelo que é meio de prova novo, nem as coordenadas agora indicadas têm a ver com as referidas pela DGT.
- No despacho saneador, o Sr. Juiz a quo pronunciou-se sobre o requerido pelos RR. nos termos referidos no relatório da presente decisão.
- Em 17/10/24, vieram os RR. arguir a nulidade do referido despacho por violação do princípio do contraditório, por não ter sido dado aos RR. a possibilidade de se pronunciarem sobre a resposta da A. ao seu requerimento. Vieram ainda reclamar desse mesmo despacho dizendo, nomeadamente, que o tribunal deveria ter notificado os RR. para esclarecer a dita “divergência” sob pena de eventual indeferimento, de modo a evitar uma decisão surpresa, mas que tal não foi feito.
- Em 5/11/24, foi proferido despacho julgando improcedentes as pretensões dos RR. vertidas no requerimento de 17/10/24.
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Questão prévia:

A Autora vem dizer que os RR. deveriam ter recorrido do despacho de 5/1/24 e não do despacho saneador, no entanto, foi no despacho saneador que foi indeferida a pretensão dos RR, sendo que no mencionado despacho de 5/1/24, o Sr. Juiz apenas se pronuncia sobre a nulidade invocada e indefere a reclamação, reiterando o que foi dito anteriormente relativamente às diligências requeridas pelos RR. em 28/5/24.
Deste modo, o despacho de 5/1/24 nada decidiu quanto às aludidas diligências, limitando-se a reiterar o que já tinha decidido no despacho anterior.
Assim, bem fizeram os RR. em recorrer do despacho saneador, sendo certo que o recurso é tempestivo.
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Questão a decidir:
- Verificar se foi violado o caso julgado formal;
-Verificar se foi violado o princípio do contraditório;
- Verificar se é de admitir a diligência requeridas pelos Réus.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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Da alegada violação do caso julgado formal

Os RR. vêm alegar que foi violado o caso julgado formal formado pelo despacho que deferiu as diligências por eles requeridas na contestação, não podendo assim, o Sr. Juiz vir posteriormente a indeferi-las.
                 
Segundo o disposto no art. 620º, nº 1, do C. P. Civil, as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
“O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas exceções, designadamente a que decorre do art. 595º, nº 3, quanto à apreciação genérica de nulidades e exceções dilatórias” (v. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 745).
Na situação em análise, entende-se que a segunda decisão não violou o caso julgado formal formado pela primeira.
Com efeito, na primeira decisão deferiu-se “a notificação do INSTITUTO GEOGRÁFICO DO EXÉRCITO, sito na Av. ..., ... ..., para juntar a planta do levantamento geodésico cartográfico e cadastral elaborado em Portugal existente à data dos anos de 1990 e 2000, quer da planta existente à data do ano de 2011, quer do ano de 2013 em relação ao Lugar ... - Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., na melhor escala para na mesma serem susceptíveis de identificação as delimitações do prédio urbano da A. e dos rústicos, quer através de marcos, muros, sebes, arbustos, árvores, valados e outros meios de vedação de prédios rústicos e acesso aos mesmos”
                      
Na segunda decisão indeferiu-se o requerimento dos RR.  no sentido de se solicitar à Direção Geral do Território voos digitais dos anos 2007, 2010, 2012 e 2015, indicando para o efeito novas coordenadas, pois no seu entender, as fornecidas por aquela Direção Geral estavam erradas.
Como se vê, o objeto de cada um dos despachos é distinto, não só quanto aos documentos pretendidos, mas também quanto às datas de obtenção dos mesmos.  
Não têm, pois, razão os RR. ao invocar o caso julgado formal.
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Da alegada violação do princípio do contraditório:
Os RR. entendem que foi violado o princípio do contraditório porque o Tribunal recorrido deveria ter notificado os apelantes para esclarecer e/ou pronunciarem-se sobre a dita “divergência” sob pena de eventual indeferimento, antes de a indeferir, evitando desse modo uma decisão surpresa.
Entendem ainda que a decisão recorrida violou o Princípio da Igualdade das partes - artº 4 do CPC -, porque foi conferida à A. oportunidade de se pronunciar antes do despacho.

Vejamos:
O princípio do contraditório, é um princípio fundamental do processo civil que reconhece às partes o direito a exporem as suas razões, o direito a serem ouvidas e a exercerem uma influência efetiva na marcha do processo, garantindo às partes uma efetiva participação no andamento do processo.
O princípio do contraditório emana de um outro princípio que se traduz na exigência constitucional do direito de ação ou direito de agir em juízo através de um processo equitativo (artigo 20.º da CRP).
O referido princípio encontra-se legalmente consagrado, designadamente, no art. 3º, nº 3 do C. P. Civil.
Diz-nos este preceito que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
A violação do contraditório consubstancia uma nulidade (v. art. 195º, nº 1 do C. P. Civil) quando a omissão do ato ou formalidade que a lei prescreve possa influenciar a decisão da causa, devendo ser invocada no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento da mesma, perante o tribunal onde foi cometida.
No entanto, conforme se decidiu nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 11/1/11, da Relação de Coimbra de 13/11/12 e da Relação de Évora de 10/04/14 e no  nosso Acórdão desta Relação, de 8/11/2018 (todos in www.dgsi.pt ), estando a nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório sancionada/coberta por uma decisão judicial, a respetiva arguição poderá ocorrer em sede de recurso interposto dessa mesma decisão.
Na verdade, conforme explica o Professor Miguel Teixeira de Sousa no blog do IPCC em comentário ao Acórdão da Relação de Évora de 30/06/2016, a nulidade processual decorrente da violação do princípio do contraditório é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C.), dado que, sem a prévia audição das partes, o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão.

No caso em apreço, conforme se verifica da análise do processado, acima resumida, o Sr. Juiz, em face da apresentação do requerimento ora em causa por parte dos RR, notificou a A. para se pronunciar sobre esse requerimento, em 5 dias, para declarar se concorda com o aí alegado e requerido, embora a mesma já tivesse sido notificada           desse mesmo requerimento, pelo Il . Mandatário dos RR. Em resposta a esta notificação, A A. pronunciou-se no sentido de ser indeferida a pretensão dos RR..
Estando no processo as posições de ambas as partes relativamente à requeridas diligências, o juiz está apto a proferir decisão sobre o requerido, não havendo que ocorrer notificação para os RR. responder à resposta da A..
Por outro lado, juntando a parte aos autos um requerimento, o mesmo pode ser deferido ou indeferido, pelo que, o requerente tem de perspetivar a prolação de decisão que negue a sua pretensão, não sendo a decisão proferida uma decisão surpresa só pelo facto de indeferir a pretensão formulada pela parte requerente. Não houve, pois, violação do princípio do contraditório, nem violação do princípio da igualdade das partes, uma vez que o Requerente, no seu requerimento, teve oportunidade de expor as razões de facto e de direito que fundamentavam a sua pretensão.

Da requerida diligência:
                
Como acima se viu, quando foi analisada a questão da violação do caso julgado formal, as diligências requeridas aquando da apresentação da contestação e as que foram requeridas em 28/5/24, são diversas, por terem diferente objeto.
O requerimento de 28/5/24 consiste, pois num novo requerimento probatório.
No caso do(s) réu(s), o requerimento probatório deve ser apresentado com a contestação (v. art. 572º, d), do C. P. Civil).
O requerimento probatório pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar, nos termos do disposto no art. 598º do C. P. Civil.
Caso a audiência prévia não se realize, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil anotado, 2º vol., 3ª ed., pág. 644) entendem que deve ser consentida a alteração do requerimento probatório no prazo geral de 10 dias contados da notificação do despacho saneador, ainda que tal conduza à retificação do despacho de programação da audiência final, por considerarem que não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia. (No mesmo sentido Ac. R.L. de 30/4/19  in www.dgsi.pt)    

Conforme referem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 704 – anot. ao art. 598º) “O requisito mínimo [para que possa ocorrer alteração do requerimento probatório] é que tenha sido anteriormente apresentado algum requerimento probatório, podendo a alteração traduzir-se, se necessário, na indicação de outros meios de prova que não tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova já enunciados.”

No mesmo sentido, Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 519) referem que “a alteração do requerimento probatório pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento que então se altera. Essa modificação pode, todavia, ser da mais diversa ordem, desde a ampliação do rol de testemunhas – dentro dos limites fixados por lei –, até à apresentação de diferentes meios de prova, passando pelo requerimento de notificação das testemunhas já arroladas”.
Deste modo, não tendo havido audiência prévia, quer a A., quer os RR., poderiam requerer a alteração dos requerimentos probatórios até 10 após a notificação do despacho saneador.
No caso, as novas diligências de prova foram requeridas antes da prolação deste despacho, pelo que, o respetivo requerimento foi tempestivamente apresentado, tendo o Sr. Juiz procedido ao seu indeferimento por considerar que “as coordenadas referidas pela Direção Geral do Território, para localização dos prédios em questão, são distintas das ora indicadas pelos RR., este Tribunal não pode ordenar as diligências requeridas pelos RR. por existir essa divergência insanável quanto às ditas coordenadas, as quais são condição sine qua non da sua realização.”.
Ora, insanáveis porquê?
Pode existir uma razão para a divergência. Os RR., aliás apresentam uma: o facto de as coordenadas referidas pela Direção Geral do Território não corresponderem à localização dos prédios em questão, estando por isso erradas.
Assim, no caso, não se justificava o indeferimento liminar do respetivo requerimento com fundamento na divergência na indicação das coordenadas, já que os RR. apresentaram razão para essa divergência e nada nos autos nos diz que não têm razão. Na verdade, nada nos diz que não foi a Direção Geral do Território a errar na indicação das coordenadas dos prédios.
De qualquer forma, se o Sr. Juiz entendia que existiam irregularidades no requerimento probatório, deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando a parte a suprir a deficiência que no seu entender existia.
O convite ao aperfeiçoamento insere-se nos deveres de gestão processual e de cooperação genericamente previstos nos arts. 6º e 7º do C. P. Civil e visa, no espírito e filosofia que estão subjacentes ao novo Código de Processo Civil, a prevalência de decisões “que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma, cabendo (…) evitar deficiências ou irregularidades puramente adjetivas que impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais”, através “de um poder mais interventor do juiz”, “respeitando os princípios fundamentais da igualdade das partes e do contraditório” (v. preâmbulo da Lei nº 41/2013 de 26 de junho).
Questão diversa é saber se as diligências requeridas são pertinentes, mas não nos cabe analisar essa matéria, uma vez que a mesma não faz parte do objeto do presente recurso.
Impõe-se assim, a revogação do despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que se pronuncie sobre a pertinência das diligências solicitadas pelos RR., podendo ao mesmo anteceder despacho que convide os RR. a esclarecer a divergência referente às coordenadas dos prédios ou a determinar a notificação da DGT para indicar se as coordenadas dos prédios são efetivamente as indicadas por essa Direção Geral, em face do exposto pelos Réus.
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a prolação de novo despacho nos termos acima expostos.
Custas pela Recorrida.
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Guimarães, 30 de janeiro de 2025

Alexandra Rolim Mendes
Raquel Baptista Tavares
José Cravo