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EXECUÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
LIVRANÇA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
INTERPELAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Sumário
I-A interpelação feita a um dos executados sobre os valores em divida, é uma mera carta de interpelação extrajudicial, não resultando do seu teor, nem valendo como carta de resolução do contrato de mútuo subjacente a emissão da livrança dada à execução. II-Em consequência, não se pode contar do termo do prazo de interpelação para cumprir, o inicio do prazo de prescrição do contrato de mútuo.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO:
Por apenso à execução que SCALABIS - STC, S.A. move contra A, B, C e D, deduziu esta última os presentes EMBARGOS DE EXECUTADO, invocando, para tanto, em síntese, a prescrição da obrigação subjacente à livrança dada em execução.
Em resposta, o(a) exequente/oposto(a) pugnou pela improcedência do presente incidente.
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Saneados os autos, foi proferido saneador sentença que decidiu julgar improcedentes os presentes embargos de executado.
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Inconformada com o teor da decisão, dela interpôs recurso a embargada, D , concluindo da forma seguinte:
A. Considerando a fundamentação de facto aferida pelo Meritíssimo Juiz a quo estamos em crer que houve factos materiais relevantes para a boa decisão da causa que foram incorretamente julgados.
B. Ao contrário do que afirma o Meritíssimo Juiz a quo, houve incumprimento do mutuário, tendo sido enviada interpelação pelo credor, a 28 de Maio de 2015, para cumprimento e simultaneamente termo resolutivo.
C. Se é certo que, para a prescrição ter ocorrido é necessário que tenha havido uma declaração do credor, dirigida ao devedor (mutuário), considerando vencida a totalidade da dívida, também é certo que essa declaração decorre da interpelação feita a 28 de Maio de 2015
D. Mais se reitera que daquela missiva decorriam dois fins, uma era a interpelação para pagamento, estabelecendo um prazo de cinco dias de calendário para que os mutuários efectuassem o embolso, a outra era o termo resolutivo aposto, onde perentoriamente afirmaram que, caso não ocorra o referido pagamento naquele prazo, e “sem outro aviso” (palavras a própria exequente) estaria declarado o “vencimento antecipado/resolução daqueles contratos, passando imediatamente” os mutuários “ a ser devedor(es) de 20.456,85€, a que acresce a mora à taxa contratual(...)”.
E. Descora o Douto Tribunal a quo que não foi declarado o vencimento da dívida e consequente resolução do contrato, porque, erradamente (salvo melhor opinião), considerou que a dita missiva estaria apenas a interpelar ao pagamento em falta, e não a declarar o vencimento da dita dívida.
F. O entendimento do Meritíssimo Juiz acerca da utilização da palavra “promover” pela Embargada, servindo de base ao seu entendimento de que a dívida não estaria prescrita, encetando todo um raciocínio questionável.
G. Mais longe se foi decidindo o que o que estava aqui em causa não era a obrigação exequenda mas a obrigação subjacente à livrança - obrigação cambiária aposta na livrança, contrariamente ao propugnado pela jurisprudência e doutrina.
H. Ora, se o escopo da lei, mormente o artigo 310.° do Código Civil, é evitar que da acumulação de juros com quotas de amortização possa originar uma acumulação de contas perniciosa para o devedor, estabelecendo assim um prazo curto de prescrição, e que a obrigação decorrente do aval, sendo acessória em relação à obrigação principal, cai por terra perante a prescrição da mesma.
I. Não podemos esquecer o carácter acessório e secundário da obrigação cambiária. No caso concreto ela só existiu alicerçada à obrigação exequente.
J. Mas mais, configurando uma situação de claro abuso de direito, 8 anos depois da resolução do contrato, mais concretamente a 28 de Julho de 2023, a Embargada emite “nova declaração resolutiva”, apesar já emitida em 2015, tentando ludibriar a sua inércia e apor uma data subjacente a uma livrança, garantia de uma dívida entretanto prescrita, configurando um claro abuso de direito.
K. Vem a Embargada abusivamente preencher o título, esquecendo que já não estava em tempo, uma vez que por parte do portador o preenchimento da livrança não pode não pode ocorrer ad eternum, sob pena de configurar uma situação de abuso de direito, uma vez que a obrigação cambiária mostrando-se delimitada pela relação causal e pelas suas vicissitudes, não pode deixar de lhe estar subordinada, nomeadamente ao preenchimento da livrança por parte do portador.
Pelo exposto e com o mui douto suprimento de Vossas Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, a presente acção totalmente improcedente e ser a Embargante absolvida do pedido, com fundamento na prescrição da dívida exequenda e consequente violação da norma prevista na alínea e) do artigo 310.° do Código Civil e bem assim como do artigo 70° da LULL.
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A embargante respondeu ao recurso, em contra-alegações, concluindo da forma seguinte:
I.A ora Contra-Alegante partilha do entendimento do douto Tribunal a quo de que não verifica a prescrição do Obrigação Exequenda, tendo em consonância julgado os embargos de executado totalmente improcedentes.
II. Em suma, executando-se a obrigação cambiária que não está prescrita, não poderá a embargante, na qualidade de avalista, opor à exequente
a exceção de prescrição da obrigação do contrato subjacente para justificar uma recusa de cumprimento da sua própria obrigação cambiária.
III. Ficou claro que existia um incumprimento dos mutuários, tendo sido enviada uma carta de interpelação extrajudicial em 28 de Maio de 2015.
IV. Acresce que, ao contrário do – erradamente – alegado pela Recorrente e como bem decidido pelo Tribunal a quo, essa missiva não se traduzia numa resolução do contrato, mas apenas numa simples comunicação tendo em vista a regularização da mora sob pena de procedimento judicial
V. In casu, a cláusula 15.3 das Condições Gerais do contrato, apenas se consignou que em caso de incumprimento do contrato pela parte devedora o Credor teria a possibilidade, a faculdade, de proceder à resolução imediata do mesmo e ao vencimento antecipado da obrigação de reembolso, exigindo o pagamento imediato da dívida perante a interpelação de todos os devedores.
VI. Factual é que, conforme Documento n.° 5 junto com o Requerimento Executivo e não impugnado pela Embargante, agora Recorrente o contrato foi alvo de resolução em 28 de Julho de 2023.
VII. Acresce que, a obrigação exequenda que se executa não é a obrigação subjacente à livrança, mas a própria obrigação cambiária aposta na livrança.
VIII. Por sua vez, a Embargante, ora Recorrente não alegou o dito preenchimento abusivo da livrança, cingindo-se a uma eventual prescrição da obrigação subjacente à obrigação Exequenda, estando assim precludido esse argumento.
IX. Não subsistindo qualquer dúvida quanto à qualidade em que intervêm a Recorrente no título Executivo, não poderia alegar a prescrição da obrigação subjacente e consequentemente não merecerá qualquer reparo, a esse nível, a Sentença recorrida.
X. No mais, a jurisprudência considera que, se encontra vedado ao avalista opor a alegada prescrição da obrigação subjacente.
XI. Neste sentido, entre outros, cite-se o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça no processo n.° 758/22.6T8AGD-A.P1.S1 de 07/12/2023 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.° 3070/20.1T8LLE-A.E1 de 07/04/2022 ambos disponíveis para consulta inwww.dgsi.pt
XII. Sem prescindir, e ainda quanto à prescrição da obrigação subjacente sempre se dirá que, salvo o devido respeito por opinião contrária, estamos perante uma situação que exige a aplicação do prazo ordinário da prescrição de vinte anos, previsto nos termos do Artigo 309.° do Código Civil.
XIII. O caso em análise não é, nem pode ser subsumível à previsão constante da alínea e) do Artigo 310.° do Código Civil, uma vez que estamos perante uma única obrigação que, embora passível de ser fracionada no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo.
XIV. Em aditamento ao previamente alegado na contestação, veio a agora Recorrente alegar que a Recorrida agiu com manifesto abuso de direto, aquando do preenchimento da livrança.
XV. Não pode a Recorrida deixar de salientar que não vislumbra o motivo pelo qual a Recorrente considera existir um preenchimento da livrança, que, no seu entendimento, se apresenta como violador dos limites impostos pela boa-fé.
XVI. O mero decurso do tempo ou inércia do Recorrente não conduz automaticamente, e sem mais, à convicta crença de que mais nada será exigido ao devedor.
XVII. A este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/20/2021, no Processo n° 7268/18.4T8LSB-A.L1.S1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/20/2017, no Processo n.° 1732/14.1TBTVD-A.L1-7.
XVIII. O mesmo se dirá quanto à falsa indicação de uma “nova declaração resolutiva”, quando efetivamente só existiu uma declaração que é a presente – e não impugnada - como Documento n.° 5 do Requerimento Executivo.
XIX. Conclui-se assim que os fundamentos alegados não poderão
proceder, por falta de fundamento legal, não merecendo qualquer reparo a
Sentença Recorrida, devendo manter-se nos exatos termos em que foi proferida.
Termos em que V. Exas, negando provimento ao recurso e mantendo, em
conformidade, a douta decisão recorrida.
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QUESTÕES A DECIDIR:
1- Se o direito de exigir o pagamento da quantia exequenda se encontra prescrito e se o avalista poderá arguir tal defesa em sede de embargos à execução.
2- Se ocorre abuso de direito.
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II — FUNDAMENTAÇÃO
A. FACTOS
Tendo por base os elementos documentais juntos aos autos de execução — título executivo e requerimento executivo —, a documentação junta no presente apenso, e a não impugnação dos mesmos, julgo provados os seguintes factos com interesse para o conhecimento e apreciação da causa:
1. A 10 de janeiro de 2024, foi apresentado à execução ordinária n.° 346/24.2T8FNC, em apenso, uma livrança, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual consta como data de emissão “2011-07-14” e como data de vencimento “2023-08-11”.
2. No verso da livrança consta, precedida da expressão “Bom para aval aos subscritores” a assinatura da embargante.
3. A livrança foi assinada em branco, tendo os dizeres aí apostos sido preenchidos em data posterior.
4. A embargante assinou documento escrito em que concedia autorização a que o credor preenchesse a livrança no caso de incumprimento do contrato subjacente — cf. cláusula 14.1, do documento n.° 1 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Nesse contrato, consta que o credor, a título de empréstimo, entregou aos subscritores da livrança, o montante de 21.340€, a ser restituído em prestações, em 120 prestações mensais, em que se incluía capital e juros remuneratórios, e a pagar no dia 1 de cada mês.
6. Na parte respeitante ao prazo de carência consta “0”.
7. Tal contrato encontra-se datado de 14.07.2011.
8. Nesse contrato constam como mutuários A .......... , J ............ e B ............
9. Na cláusula 15.3 consta que o credor pode: «optar por considerar vencidas todas as prestações vincendas (...) desde que o(s) Mutuário(s) não regularize(m) os pagamentos em falta no prazo de 15 dias após terem sido interpelados para o efeito»
10. Na sequência de não terem ocorrido mais pagamentos, o credor enviou ao executado A............... . a seguinte missiva datada de 28 de maio de 2015:
Assunto: Responsabilidades vencidas e não pagas ao Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.,
Interpelação para pagamento.
Exm°s Senhores
Como é do conhecimento de V.Exa(s), na presente data encontra-se em incumprimento o montante global de 4.356,61 Euros, a que acresce a mora à taxa contratual, fruto dos Contratos celebrados entre Vª Exa (S) e o Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., (doravante referido por “Banif”, os quais passamos a identificar:
Contrato Inicio de Incumprimento Montante de Incumprimento
Crédito pessoal mais taxa fixa:-3.500 2014-04-01
4.356,61
A situação supra descrita mantém-se dado que resultaram infrutíferos todos os esforços extrajudiciais levados a cabo pelo Banif.
Numa derradeira tentativa, extrajudicial, a liquidação do montante referido no primeiro paragrafo, interpelamos Vª Exa (S) para o pagamento daquele no prazo que para o efeito fixamos em 5 (cinco) dias de calendário, contados desde a presente data.
Caso não se verifique a liquidação dentro do prazo aludido no parágrafo precedente, iremos, sem outro aviso, promover a declaração de vencimento antecipado/resolução daqueles contratos, passando imediatamente, Vª Exa (S) a ser devedores de 20.456,85 Euros, a que acresce a mora à taxa contratual, resultante de:
Contrato Montante de Incumprimento
Crédito pessoal mais taxa fixa: 3.500 Euros 20.456,85 Euros
Consequentemente irá o Banif promover todas as diligências judiciais destinadas a obter o integral ressarcimento do seu crédito, executando as garantias prestadas em todas as nefastas consequências de tal procedimento.
Recordamos que os valores não pagos nas datas de vencimento são comunicados à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal como créditos vencidos ou abatidos. Acresce que, lhe serão imputadas todas as despesas judiciais, honorários de advogados e agentes de execução.
Sem mais, subscrevemo-nos na expectativa do solicitado.
Com os melhores cumprimentos.
Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.
Gabinete de Contencioso – Direcção de Recuperação de Créditos
-Está ainda provado que:
11-A 11 de Setembro de 2011 foi celebrado um contrato de mútuo
(Crédito Pessoal Mais), pelos então sócios de uma sociedade por quotas, junto do Banif e do qual foi avalista a ora Executada, à data casada com J......... (cfr. Doc. Contrato de mútuo)
12-Por deliberação do Concelho de Administração do Banco de Portugal, datada de 20 de Dezembro de 2015, foi aplicada uma medida de resolução ao BANIF e na qual foi constituída a sociedade Oitante, S.A.
13-Por sua vez, a Oitante cedeu os seus créditos à InSolve II LX S.A.R.L. em 2016. Esta por sua vez cedeu à LX Investment Partners III, S.A.R.L.. E por fim, em 2022, foram cedidos à ora Executante.
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DE DIREITO:
Nos embargos de executado, a embargante invocou a prescrição da obrigação subjacente, a resolução do contrato de mútuo celebrado com os devedores principais e o abuso de direito.
A sentença recorrida não acolheu a posição defendida pela embargante, julgando os embargos improcedentes.
Ora o documento que serve de suporte à ação executiva reveste natureza cambiária e é legalmente qualificado como livrança (cfr. artigo 75º, da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças – doravante, abreviadamente, LULL.).
Trata-se de um título de crédito dotado das características da incorporação, literalidade, abstração e autonomia. O crédito cambiário está compenetrado com o documento, sendo a titularidade deste que decide a titularidade daquele, decorrendo do princípio da abstração que a relação cartular se distingue da relação jurídica fundamental, de tal modo que a assunção da obrigação cartular não determina a novação da obrigação subjacente, que não se presume, devendo ser demonstrada, funcionando, portanto, como datio pro solvendo (neste sentido, Abel Delgado, Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças Anotada).
O título abstrai da obrigação subjacente, tal não significa, porém, que a obrigação cambiária exista sem causa: a obrigação abstrata significa apenas uma obrigação cuja causa não está determinada ou não é necessário determinar; apesar de abstratos os títulos de crédito têm uma causa, mas, ao contrário do que acontece nos títulos causais a causa não exerce uma influência decisiva, direta e imediata na vida do título (Pinto Coelho/Guilherme Moreira, Letras, Volume II, p.46).
Visto isto, a Recorrente assinou a livrança na qualidade de avalista.
O aval consiste no negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa garante o pagamento da letra ou livrança por parte de um dos seus subscritores (avalizado).
O aval representa assim uma nova obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente de um signatário da letra ou da livrança.
A obrigação do avalista é, pois, uma obrigação de garantia (garantia da obrigação do avalizado): garante o cumprimento pontual do direito cambiário, consistindo numa garantia prestada à obrigação cartular do avalizado.
No que diz respeito aos efeitos do aval, dispõe a lei que o avalista é responsável da mesma maneira que o avalizado (artigo 32°, n.° 1 e 77°, n.° 3, da LULL): tal significa que o avalista responde perante as mesmas pessoas, nas mesmas condições e na mesma medida em que responde o avalizado.
No caso, a livrança foi entregue ao Exequente sem estar preenchida, ou seja, estamos perante o que usualmente se designa de uma letra em branco.
Trata-se de prática comum nos negócios com a banca, prática quase sem exceção no financiamento bancário a sociedades.
Nos dizeres de Filipe Cassiano dos Santos é aquilo a que comummente se chama livrança-caução ou livrança-garantia: embora estruturalmente não estejamos perante uma caução ou uma garantia, a sua existência reforça a posição do banco como credor, sobretudo se, como é comum, à sociedade como “subscritor em branco” se juntarem sócios e (ou) gerentes ou administradores seus como “avalistas em branco” – a função prática desempenhada por um título assim emitido é a de caucionar ou garantir, adicionalmente ao património da sociedade, as dívidas desta – In Revista de Direito Comercial, 08.03.2000, “Livrança em branco, pacto de preenchimento e aval”, pag. 199.
A admissibilidade da letra ou da livrança em branco, apesar de não estar expressamente contemplada na respetiva Lei Uniforme, é indiscutida à luz do artigo 10° da LULL.
Dispõe este preceito que se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave. Por esta disposição, a letra pode ser emitida ou passada em branco, desde que o documento seja posteriormente preenchido nos termos fixados no art.° 1° da Lei Uniforme, passa a produzir todos os efeitos próprios da letra. Esclarece Ferrer Correia que: “Não é indispensável que a letra contenha todos os requisitos exigidos no art.° 1° logo no momento de ser passada. Nem há qualquer contradição entre os preceitos dos art.°s 1° e 2° e o do art.° 10°. De acordo com os art.°s 1.° e 2.°, não pode produzir efeitos como letra o escrito a que falte qualquer dos requisitos apontados pela lei como essenciais. Simplesmente, nenhum destes textos determina o momento em que a letra deve apresentar-se integrada por todos os seus elementos essenciais. Esta questão é resolvida pelo art.° 10.°; por ele ficamos a saber que, para tal efeito, decisivo não é o momento da emissão da letra, mas sim o do vencimento. Pode, deste modo, uma letra ser emitida em branco; é óbvio, porém, que a obrigação que incorpora só poderá efectivar-se desde que no momento do vencimento se encontre preenchida. Se o preenchimento se não fizer antes do vencimento, então o escrito não produzirá efeito como letra, de harmonia com os art.°s 1.° e 2.° - In “Lições de Direito Comercial”, 1956, III, pág.126 ss.
O preenchimento da letra em branco terá de efetuar-se no respeito do acordo de preenchimento. No contrato de preenchimento, as partes estabelecem os termos em que a letra deve ser completada, nomeadamente o seu montante e a data de vencimento, visto que, como sucede, em regra, no momento da sua subscrição a dívida não se mostra apurada ou vencida
Vencida e não cumprida a obrigação causal é preenchida a letra, a qual deverá ser paga na data do vencimento.
Mas sendo a letra entregue em branco ao beneficiário para em momento posterior a preencher, fica com a obrigação de o fazer nos precisos termos acordados, ou seja, estabelecer a quantia efetivamente em dívida e o respetivo prazo de pagamento
Estando o título no âmbito das relações imediatas, pode o emitente/subscritor defender-se contra o tomador invocando o preenchimento abusivo, competindo-lhe o ónus de provar esse completamento desconforme ao acordado.
Nas relações imediatas, isto é, nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente de convenções extracartulares, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstrata, ficando sujeita às exceções que nessas relações pessoais se fundamentam.
No caso do avalista, uma vez que a relação subjacente ou imediata que justifica o aval é a que liga o avalista ao avalizado, a priori, aquele não integra o círculo das relações do sujeito cambiário imediato, nomeadamente das que respeitam ao portador e emitente ou criador do título.
Todavia, nada obsta a que o avalista seja intencionalmente envolvido na relação causal da obrigação do avalizado. Tudo depende da existência de um acordo ou convenção extracartular que vincule ou implique o próprio avalista, envolvendo-o na relação causal que diz diretamente respeito ao avalizado e ao credor deste (neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 26.11.2013, acessível em www.dgsi.pt).
Havendo um pacto de preenchimento a que o avalista adere, está
construído o elo de ligação deste com a relação subjacente à obrigação cambiária do avalizado e ao direito do seu credor.
Forma-se então uma relação causal do tipo triangular: se o avalista não pode opor-se ao preenchimento do título pelo credor da obrigação subjacente nos termos do pacto, também lhe é lícito defender-se com a mesma relação fundamental que autorizou o preenchimento do título nesses mesmos termos.
A participação no acordo para o preenchimento associa o avalista à relação causal da subscrição do título, que, por isso, a pode discutir livremente com o respetivo credor.
Não é essa a situação dos autos ou pelo menos, não foi alegado nem resulta que assim tenha sido. O pacto de preenchimento provado nos autos limita-se aos termos da livrança, conforme provado em 4.
Como se sabe a prescrição é uma forma de extinção de direitos e correspondentes deveres em consequência do seu não exercício durante um determinado período de tempo, no reporte ao artigo 298°, do Código Civil, sendo o seu regime jurídico injuntivo, estabelecendo no artigo 309°, do mesmo diploma, que o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, prevendo também as designadas presunções de curto prazo, isto é, de cinco anos – cf. art.° 310° do Código Civil
Não se confundindo com prescrições presuntivas, mostram-se consagradas com o fim de evitar que o credor retarde a exigência de créditos que se renovem periodicamente, onerando excessivamente a prestação do devedor, com fundamento não só na posição deste último, mas também referenciando-se, razões de ordem geral, atinentes à paz jurídica e à segurança
Entre os casos de prazo de prescrição de cinco anos, prevê-se no artigo 310°, alínea d), “Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (...)” e na alínea e) “As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;”, sendo conhecido o dissídio jurisprudencial, que ressalta das alegações do recorrente no que concerne ao prazo de prescrição aplicável aos contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fraccionada, isto é, realizada em prestações, traduzida num acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital, integrada pelo capital e juros.
A resposta, no sentido aliás já dominante, foi dada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 6/2022, publicado no Diário da República n.° 184/2022, Série I, de 22.09.2022, fixando a seguinte Uniformização de Jurisprudência:
"I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.° alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação."
"II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.° daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
No caso dos autos, o que está em causa, é uma interpretação do teor da carta descrita na matéria de facto no ponto 10°, quanto a saber se é uma carta resolutiva, ou apenas uma interpelação para pagar, decorrente da mora
Adiantamos desde já que o elemento literal da mesmo aponta claramente para uma interpelação para pagar, no sentido de uma interpelação admonitória e não uma carta resolutiva em si. Aliás, foi enviada apenas a um dos contratantes do contrato de mútuo, o executado A, como bem refere a sentença objecto de recurso.
Não produz efeitos como carta resolutiva, não sendo de contar a partir dai o prazo de prescrição da obrigação subjacente.
Já o prazo prescricional previsto no artigo 70.° da LULL conta-se a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador.
A embargante surge no titulo cambiário como avalista.
Como se sabe, o aval é também um verdadeiro acto cambiário, origem de uma obrigação autónoma.
Significa isto que, o dador do aval não se limita a responsabilizar-se pela pessoa por honra de quem presta o aval, mas assume a responsabilidade abstracta, objectiva pelo pagamento da letra (vide Abel Pereira Delgado, LULL Anotada, 4ª ed., 156).
A embargante foi demandada apenas enquanto obrigada cambiários e, enquanto tal, a obrigação cambiária não se encontra prescrita.
A questão da prescrição do direito cartular identifica-se com a questão da existência de um eventual prazo-limite para o preenchimento da livrança em branco. Saber se ocorre a prescrição pressupõe, evidentemente, saber qual é data de vencimento da obrigação cartular pois começa aí, em princípio, a contar-se o prazo de prescrição.
Não foi invocado o preenchimento abusivo, ficando prejudicada a apreciação de tal questão.
Isto não impede que se veja que uma coisa é saber se é admissível, em face do Direito, preencher a livrança com a data com que foi preenchida e uma coisa diferente é saber se o direito cartular prescreveu.
Veja-se, levando às últimas consequências a distinção entre as duas questões, o que diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30.09.2003 (Proc. 03A2113):
“A prescrição da obrigação cambiária conta-se a partir da data do vencimento e essa data é a que consta do título e não aquela que, eventualmente, deveria constar de acordo com o pacto de preenchimento”.
O Ac da RG de 8-10-2020, Proc. nº 1932/12.9TJVNF-A.G1, Relatora CONCEIÇÃO SAMPAIO, publicado inwww.dgsi.pt, refere o seguinte: IV - O nosso legislador não consagrou um limite temporal ao preenchimento do título em branco. O teor do artigo 10° da LULL, aponta para a desconformidade entre o preenchimento da letra e o que designa por «acordos realizados», remetendo, por esta via, para o conteúdo do pacto de preenchimento ou os termos da relação subjacente V - Se não há violação do pacto de preenchimento, numa letra em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70.° da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da obrigação subjacente.
No caso dos autos, não estamos no domínio das relações imediatas, e a obrigação cartular é a causa de pedir da acção executiva.
Dai que, não seja admissível a discussão da obrigação subjacente como bem refere a sentença objecto de recurso. Pese embora o acima exposto, fica prejudicada a apreciação da questão relativa à prescrição do contrato de mutuo celebrado entre as partes ou dos juros devidos. Tal como não cabe discutir nestes autos se ocorreu resolução do contrato ou mera interpelação para cumprir, equivalente a interpelação admonitória, sendo certo que o documento transcrito nos sugere ter sido este o caso e não propriamente uma declaração resolutória do contrato celebrado entre o credor inicial e o devedor A.
A sentença recorrida, abstraindo de a exploração feita em torno da expressão promover, decidiu bem ao considerar que a carta em causa não é uma carta resolutiva mas uma Interpelação para pagamento, decorrente da mora, como aliás resulta do seu teor literal.
Portanto, também não é adequado dizer que a livrança tinha que ser preenchida a partir da data constante da carta.
Não descurando a questão bem analisada na sentença objecto de recurso, de que os efeitos de uma eventual resolução do contrato só seriam produzidos se a carta tivesse sido enviada a todos os interveniente no contrato, o que não sucedeu, tendo sido enviada apenas ao mutuante A.
Não tendo sido invocado o preenchimento abusivo, a data nela aposta é aquela que vale para efeitos de contagem do prazo de prescrição cambiária.
Quanto ao preenchimento e aos seus termos, o que nos parece claro que se pode extrair do artigo 10° da LULL é que, ainda que o mesmo corresponda ao exercício de um poder atribuído pela LULL ao portador do título a quem o mesmo foi entregue voluntaria e conscientemente incompleto (ou seja com a intenção de deixar o seu ulterior preenchimento ao cuidado de outrem), o exercício desse poder de preenchimento do título há-de ser conforme à vontade que presidiu à assinatura do título em branco, seja essa vontade expressa e corporizada no pacto escrito de preenchimento (se existir) ou tácita ou implícita, decorrendo da própria relação fundamental que determinou a criação do título cambiário (neste sentido o acórdão
Da Relação do porto de 07.01.2019, disponível emwww.dgsi.pt).
Ora foi provado e não está impugnado que:
1.A 10 de janeiro de 2024, foi apresentado à execução ordinária n.° 346/24.2T8FNC, em apenso, uma livrança, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual consta como data de emissão “2011-07-14” e como data de vencimento “2023-08-11”.
2. No verso da livrança consta, precedida da expressão “Bom para aval aos subscritores” a assinatura da embargante.
3. A livrança foi assinada em branco, tendo os dizeres aí apostos sido preenchidos em data posterior.
Desde 2023-08-11 não decorreu o prazo de três anos que constitui o prazo de prescrição cambiária, nos termos do artigo 70° da LULL.
Não resulta que a Recorrente, enquanto avalista, se mostre envolvida na relação causal e, como tal, não pode discutir os vícios ou exceções decorrentes da relação subjacente.
É inaplicável aos autos a doutrina do Ac. da Relação de Coimbra acima citado. Donde, não é licito à embargante discutir a relação subjacente, sendo certo que a carta que está na génese da tese da prescrição que alega só foi enviada a um dos executados, como bem refere a sentença objecto de recurso.
Também, a Embargante não veio excecionar o preenchimento abusivo da letra como fundamento na resolução do contrato.
O que veio foi invocar a prescrição da relação subjacente, o que não lhe era licito, como bem refere a sentença objecto de recurso Quanto ao preenchimento e aos seus termos, o que nos parece claro que se pode extrair do artigo 10° da LULL é que, ainda que o mesmo corresponda ao exercício de um poder atribuído pela LULL ao portador do título a quem o mesmo foi entregue voluntaria e conscientemente incompleto (ou seja com a intenção de deixar o seu ulterior preenchimento ao cuidado de outrem), o exercício desse poder de preenchimento do título há-de ser conforme à vontade que presidiu à assinatura do título em branco, seja essa vontade expressa e corporizada no pacto escrito de preenchimento (se existir) ou tácita ou implícita, decorrendo da própria relação fundamental que determinou a criação do título cambiário (neste sentido o acórdão da Relação do porto de 07.01.2019, disponível emwww.dgsi.pt).
Nas impressivas palavras de Ferrer Correia, “ninguém subscreve um documento em branco para que a pessoa a quem o transmite faça dele o uso que lhe aprouver; quem emite uma letra ou livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher sob certos e determinados termos.” op. cit., pág. 484.
Quanto à questão da limitação temporal, o nosso legislador não consagrou de forma expressa um limite temporal ao preenchimento do título em branco.
A este propósito defende Carolina Cunha que a circunstância de a lei não estipular um prazo fixo para o preenchimento da livrança (pois que é raro existir a previsão de um prazo fixo ou uma data limite para o preenchimento da letra ou da livrança) não significa que não possa extrair-se, por via interpretativa, uma limitação temporal: seguramente que não correspondia à vontade das partes, reconstituída com as ferramentas objectivistas proporcionadas pelo nosso ordenamento jurídico e integrada, se necessário, com auxílio correctivo da boa-fé (art. 239° CCiv), que o credor pudesse preencher e accionar o título cinco, dez ou mesmo doze anos depois da verificação do facto que legitimava esse comportamento” – In Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, pág. 204 e sgs.
Adianta que “o problema não está tanto num abuso de direito cuja apreciação passe pela avaliação da idoneidade da confiança que a inactividade do credor seja susceptível de inculcar no devedor; o problema está em que as partes, ao colocarem o devedor numa situação de «quase sujeição» face ao exercício do poder potestativo de preenchimento do credor, não podem – porque a ordem jurídica não tolera – deixar absolutamente em aberto o limite temporal de semelhante sujeição”.
Argumenta que a discrepância entre a prescrição ordinária (vinte anos, artigo 309°, do Cód. Civil) e a prescrição cambiária (três anos, artigo 70° da LULL)
exprime uma valoração legislativa: a exigência de que o credor cambiário exerça rapidamente o seu direito. Por isso, considera que é incontornável a exortação legal a que o credor, uma vez exercitável o direito cambiário, efetivamente o exerça num breve espaço de tempo.
Nas hipóteses de subscrição em branco, o direito cambiário torna-se exercitável a partir do momento em que o respetivo portador está legitimado a preencher o título, ou seja (tipicamente) a partir da ocorrência do incumprimento e eventual resolução do contrato fundamental. A partir de então, advoga a Autora que “se é verdade que o credor não está propriamente obrigado a preencher o título nesse exacto momento, a verdade é que impende sobre si o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário contra o obrigado principal. Se persistir em preencher e/ou accionar o título para lá desse limite temporal, ou em indicar uma data de vencimento posterior a ele, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10° LU e, por referência, à data de vencimento correcta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito.” – ob. cit. págs. 205-206).
No sentido da limitação temporal, decidiu também o acórdão da Relação de Coimbra de 11.06.2019, no qual se sumariou que :
“A possibilidade conferida ao mutuante de preencher livremente a livrança, designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento, confere-lhe um poder de dilatar infinitamente no tempo a cobrança do crédito cambiário, revelando-se, essa possibilidade, desde logo, de uma forma ostensiva, desproporcionalmente desvantajosa para o mutuário, o qual fica, por um período de tempo ilimitado, sujeito a uma indesejável situação de incerteza, o que contraria os ditames da boa-fé objectiva nos contratos sujeitos ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais constante do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro (RCCG).
Uma liberdade total na inserção das datas de emissão e de vencimento de uma livrança subscrita em branco permitiria ao credor defraudar os interesses públicos e do devedor que presidem ao instituto da prescrição dos créditos cambiários, proporcionando a criação de direitos de crédito imprescritíveis, sendo certo que o nosso ordenamento não permite uma renúncia antecipada à prescrição – art.° 302°, n.° 1, do C. Civil – e comina com a nulidade os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais de prescrição – art.° 300° do C. Civil –, o que suscita até a hipótese de invalidade do previsto naquela cláusula, por força do art.° 280° do C. Civil.
Destinando-se a livrança subscrita em branco a facilitar a cobrança do crédito em causa, na hipótese de se verificar o incumprimento da respectiva obrigação, resolvido o contrato, com fundamento nesse incumprimento, a boa-fé determina que a livrança seja coincidentemente preenchida com a resolução do contrato, iniciando-se, a partir desse momento, a contagem do prazo de prescrição previsto no art.° 70° da LULL.” - disponível emwww.dgsi.pt.
Os argumentos invocados são, indubitavelmente, impressivos, mas cremos que não são conformes com a lei.
Ainda que seja discutível a opção legislativa, em particular do ponto de vista do obrigado cambiário que fica sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título em branco, certo é que, de facto, de iure constituto não se mostra consagrada essa limitação temporal (neste sentido, o acórdão da Relação do Porto, de 07.01.2019, disponível emwww.dgsi.pt)
Tal não significa, sem mais, que decorrente desta opção legislativa a data de vencimento que venha a ser aposta no título em branco é, qualquer que ela seja, de admitir
Na verdade, a orientação jurisprudencial, depois de numa primeira fase ter entendido que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implicava a estrita validade da data de vencimento que o portador viesse a incluir no título, tem vindo a adotar, de forma quase unânime, o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70° da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento
Alicerça-se este entendimento no teor do artigo 10° da LULL, que aponta uma discrepância essencial: a desconformidade entre o preenchimento da letra e o que designa por «acordos realizados».
Portanto, o preenchimento do título será abusivo quando desconforme com os “acordos realizados”
Como se afirma no citado acórdão da Relação do Porto, de 07.01.2019, “o preenchimento da data de vencimento não pode prescindir do que, nesse conspecto, foi pactuado entre as partes e do que ambas (obrigado e credor que intervieram no acordo) podiam objectivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação ao pacto outorgado das regras de interpretação previstas no artigo 236° do Cód. Civil”.
Logo, a resolução da questão do preenchimento abusivo ou indevido da letra implica necessariamente a consideração do exato teor do respetivo pacto de preenchimento, sendo certo que esta questão não foi posta em causa nos presentes autos.
Portanto, o desfasamento temporal, em si, designadamente, entre a data da resolução do contrato de mútuo e a data do preenchimento da letra em branco, nunca seria suscetível de violar os acordos realizados entre o portador e os avalistas.
A propósito, acrescenta-se no acórdão do STJ de 04.07.2019 que “mesmo que os termos acordados não atribuíssem à exequente tal margem de discricionariedade, atento o regime normativo da prescrição, sempre seria discutível se o simples decurso do tempo sem exigência do cumprimento das obrigações bastaria para configurar uma situação de abuso do direito” – disponível em www.dgsi.pt
Com efeito, tem sido afirmado pela jurisprudência que o mero decurso do prazo, sem mais, não permite ao devedor invocar uma legítima confiança na renúncia por parte do credor ao exercício dos direitos que lhe assistem.
Neste sentido, decidiu-se no acórdão desta Relação de Guimarães de 2609-2019 que “Não basta o mero decurso de um longo período de tempo entre o momento em que um crédito é exigível e aquele em que é exigido pelo credor para que se possa desde logo concluir pelo abuso do direito, seja na perspetiva do venire contra factum proprium (tendo em atenção que a omissão se pode ainda considerar como um comportamento do agente), seja na da suppressio (focada diretamente no não exercício do direito). Não há razões para, na suppressio, em que está em causa a omissão do credor em exercer o seu direito em determinado período, sem exceder aquele que as normas da prescrição entendem ser ainda admissível, prescindir das demais circunstâncias exigíveis para que o venire contra factum proprium opere: que a justificação da confiança esteja relacionada com o credor (que lhe seja imputável ou, pelo menos, que seja fundada em factos que lhe não são alheios ou que deles deva ter conhecimento) e que tenha ocorrido um investimento de confiança por parte do devedor ou pelo menos, um prejuízo que, não fosse a passividade do credor, aquele não sofreria” – disponível emwww.dgsi.pt
Em suma, como se afirma acórdão do STJ de 20-10-2015 “uma livrança em branco pode prescrever, mas isso só sucederá quando, dentro das relações imediatas, se prove, através do acordo extracartular/pacto de preenchimento, que foi fixado, um outro vencimento diferente do indicado no título” - disponível em www.dgsi.pt.
Em face do exposto, à luz da lei vigente, cremos não ser possível sustentar-se que a livrança em apreço se encontra prescrita, pois que não resulta demonstrado que, à luz do pacto de preenchimento, o portador tivesse que nela inserir obrigatoriamente como data de vencimento a data da exigibilidade da obrigação ou, ainda, no máximo, a data correspondente aos três anos subsequentes a partir daquela data.
Tendo presente o que vem exposto, improcedem todas as questões
suscitadas pela Recorrente, sendo de confirmar a sentença objecto de recurso.
DECISÃO
*
Nos termos vistos, acordam os Juízes da 8ª Secção em julgar improcedente
a apelação, confirmando a sentença objecto de recurso.
Custas a cargo da embargante.
Lisboa, 30/01/2024
Maria Amélia Ameixoeira
Carla Matos
Maria do Céu Silva