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OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
VALOR DA OBRIGAÇÃO
DIVERGÊNCIA ENTRE AS PARTES
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
CUSTOS DE COBRANÇA
Sumário
A obrigação é ilíquida quando não se encontra determinada em relação à sua quantidade, carecendo da efetivação de cálculos aritméticos ou do apuramento de factos que permitam a sua quantificação. A divergência das partes em relação ao valor da obrigação não confere automaticamente à obrigação um carácter ilíquido. Apenas as prescrições presuntivas se fundam na presunção de cumprimento (artº 312º do CC), pelo que, estando em causa prescrição extintiva, é irrelevante que a R. não tenha alegado o pagamento. Em relação a custos de cobrança dois regimes são aplicáveis, dependendo da respetiva origem: o do artº 7º do DL 62/2013 de 10 de maio e o do regime de custas de parte. Importa, assim, distinguir entre custos de cobrança extrajudicial (de natureza administrativa ou outra) e custos de cobrança judicial (honorários com advogados, etc.), sendo exigível a alegação da sua origem.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
Em 23/11/2023 Metropolitano de Lisboa, E.P.E. intentou procedimento de injunção, posteriormente transmutado em ação de processo comum, contra Ar Telecom – Acessos e Redes de Telecomunicações, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 463.382,93, a título de capital em dívida, acrescido de juros de mora vencidos, no valor de € 28 511,01, e vincendos. Mais peticionou a condenação da R. no pagamento das quantias de € 40,00 a título de custos de cobrança, e de € 153,00, a título de taxa de justiça.
Alegou, em síntese, que entre requerente e requerida (anteriormente denominada por JAZZTEL Portugal – Serviços de Telecomunicações, S.A.) foi celebrado um contrato de aluguer de fibra ótica escura e de prestação de serviços de manutenção, em 25/10/2001, por um período de 5 anos (termo a 25.10.2006). No âmbito da referida transação comercial a requerente alugou fibra ótica escura e prestou os serviços de manutenção, sendo devido pela requerida o pagamento do preço definido a ser pago antecipada e trimestralmente, entre os dias 1 e 15 do primeiro mês de cada trimestre, com prazo de pagamento de 30 dias após emissão da fatura. Após várias interpelações para liquidar as faturas - entre as quais a última enviada por carta registada com AR a 10/10/2023 -, a requerida não respondeu nem liquidou a dívida titulada pelas faturas vencidas, no total de € 463.382,93. Nos termos do contrato são devidos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa Euribor de um mês acrescida de 1%, conforme estabelecido no n.º 3 da cláusula 5.ª do Contrato, referentes aos últimos 5 anos, conforme estabelecido no art. 310.º d) do Código Civil.
A R., notificada em 12/12/2023, deduziu oposição. Alegou, em síntese, que em 01.04.2003, o requerente e a requerida firmaram uma adenda ao contrato, reduzindo temporariamente, entre 01.04.2003 a 31.12.2003, os troços de fibra ótica escura alugados, bem como as infraestruturas cedidas e os serviços prestados pelo ML e, consequentemente, o custo associado. Findo este período, a requerida desde logo propôs a realização de reuniões com o objetivo de proceder a uma atualização do contrato, através da análise e revisão das condições comerciais em vigor e consequente implementação de novas condições ajustadas à realidade praticada no mercado da fibra. Após a realização de algumas reuniões em 25.10.2004 e 13.01.2005, em que o requerente se mostrava disponível para rever as condições contratuais, a requerida dirigiu várias missivas ao requerente no sentido de concretizar e formalizar o novo acordo, às quais aquele nunca respondeu. A requerida não aceitou os valores faturados pela requerente e procedeu à devolução das faturas emitidas, por as mesmas se encontrarem em desacordo com os preços em discussão pelas partes desde o início de 2005. Ao caso é aplicável o prazo de prescrição de 5 anos quanto às rendas ou alugueres e aos inerentes serviços de manutenção (artº 310º, als. b) e g) do CC), pelo que na data em que o requerimento de injunção foi proposto, os créditos reclamados mostravam-se prescritos. A exigência do pagamento das referidas prestações é atentatória da boa-fé, consubstanciando um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. A renegociação e estipulação de novas condições contratuais no âmbito do contrato de aluguer de fibra ótica escura celebrado criou expectativas e uma situação de confiança na requerida, por parte do requerente, frustrando as expectativas criadas na requerida e quebrando a legítima confiança depositada, violando os deveres de boa-fé e de lealdade que se lhe impunham, valendo-se da prolação apenas e só por si causada e mantendo-se inertes até ao fim do contrato para continuar a faturar. Mais alegou que não são devidos os valores reclamados a título de custos de cobrança e de taxa de justiça.
A A., notificada para responder à matéria de exceção, pugnou pela sua improcedência, tendo alegado que emitiu as faturas ao abrigo do contrato e pelo preço estipulado na cláusula 5ª e anexo 5, tal como temporariamente, a redução do preço ao abrigo do Adicional 1, prazo após o qual, de acordo com o invocado pela R, iniciaram as partes conversações no sentido da renegociação e estipulação de novas condições contratuais. Mais alegou que a requerida confessou no artº 18º da oposição que é devedora do preço, tendo devolvido as faturas por estarem em desacordo com o preço entretanto estipulado. A R. alegou a existência de modificações substanciais da relação contratual firmada com repercussões no preço, impendendo sobre a R., que invoca o facto modificativo, a obrigação de promover tal apuramento, tendo o ónus de o quantificar. Aduziu que, tratando-se de dívida ilíquida, a prescrição só começará a correr, assim que o direito puder ser exercido, ou seja, quando a dívida se tornar líquida, pelo que, nos termos do disposto no art.º 306.º n.º 1 do Código Civil, o direito do A. não se encontra prescrito porquanto ilíquido.
Com dispensa de realização de audiência prévia foi proferido despacho saneador sentença, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, decido absolver a Ré do pedido. Custas pela Autora.”
A A. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“A. A Recorrente impugna a Sentença Judicial em que, tendo sido julgada “a presente ação totalmente procedente por provada”, em virtude de não terem sido dados como provados alguns factos que o deveriam ter sido e a mesma aplicar erroneamente o Direito a esses mesmos factos não tendo valorado devidamente os mesmos.
Com efeito,
B. Deverá ser tomado em consideração, e aditado à matéria de facto provada o artigo 3.º da fundamentação do Requerimento de Injunção, porquanto a Recorrente não se manteve inactiva desde o vencimento da dívida até ao momento da propositura da injunção, tendo ao longo dos anos interpelado extrajudicialmente a Recorrida para pagamento das faturas em dívida, facto este que não foi contestado em sede de oposição à injunção, nem a montante valorado na Sentença Judicial em crise.
C. Deste facto a aditar à matéria de facto provada decorre que a Recorrente não se encontra em abuso de direito na vertente venire contra factum proprium, porquanto sempre foi relembrando a Recorrida da existência da sua dívida.
D. Acresce que a Recorrida justificou a falta de pagamento das faturas alegando que o respetivo valor correto não se encontra ainda fixado invocando a existência de negociações entre as partes para a fixação do valor do montante devido à Recorrente.
E. O artigo 306.º do Código Civil determina no seu n.º 1 que “O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido” o que, no caso presente, apenas ocorre quando a dívida for líquida.
F. Acresce que, na presente ação, a Recorrida veio invocar expressamente a iliquidez da dívida afirmando que os valores reclamados pela Recorrente na ação encontravam-se pendentes de um acordo e de negociações entre as partes.
G. A alegação da iliquidez e inexigibilidade da dívida pela Recorrida traduz uma situação de venire contra factum proprium e, nessa medida, mostra-se incompatível com a alegação da prescrição da dívida.
H. Ou seja, não é lícito ao devedor alegar simultaneamente a prescrição da dívida e a sua inexigibilidade.
I. Pelo que a sentença proferida pelo tribunal, ao considerar prescrita a dívida, quando a Recorrida alega a sua inexigibilidade violou o disposto no n.º 1 do artigo 310.º do Código Civil.
J. A Recorrente tem o direito a ser ressarcida pelos custos de cobrança nos termos do disposto no art. 7º do DL nº 62/2013, de 10 de maio - diploma que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento de transações comerciais, transpondo a Diretiva 2011/7/EU -, ao prever uma indemnização de 40 euros a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, de caráter automático, e autónomo em relação às taxas de justiça.
K. Aliás, reforce-se: em nenhum articulado foi referido pela Recorrida que havia procedido ao pagamento.
L. Ora, as negociações invocadas e o suposto valor delas resultante configuram um facto novo, trazido aos autos pela Recorrida, que configura um facto modificativo. Ora, a prova do facto incumbe à parte que o invoca, logo daqui decorre que se o valor é outro que não o peticionado pela ora Recorrente, é àquela que incumbe indicar e provar.
M. Assim, não se pode considerar a dívida em causa nos autos como líquida e por conseguinte não se pode ter como iniciada a contagem do prazo prescricional de 5 anos, não estando reunidos os pressupostos para a verificação da prescrição de tais créditos.
N. Ademais, não poderá igualmente ser a Recorrente condenada ao pagamento dos “custos de cobrança” por não ter provado os mesmos. Como supra referido os custos de cobrança (que pressupõe o aditamento do facto provado referido em B.) em valor mínimo de 40,00€ são devidos independentemente de prova. Estes são de caráter automático, e autónomo em relação a eventuais taxas de justiça que se venham a peticionar ao abrigo do disposto no art. 7.º do DL n.º 62/2013, de 10/05, constituindo parte integrante do formulário do requerimento de injunção entregue tratando-se de uma estatuição legal que garante um valor mínimo compensatório à parte lesada que pode ter incorrido em despesas que não as teria, se não fosse o incumprimento – incumprimento este que foi admitido por confissão, e independentemente de ganho de causa.
Nestes termos e nos demais de Direito julgados aplicáveis, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação interposto pela Recorrente e, em consequência ser revogada a Sentença Judicial proferida em 10.09.2024, na parte em que julgou verificada a exceção perentória de prescrição e, em consequência absolveu a Requerida do pedido, e substituída por outra, que julgue improcedente a exceção invocada, sendo a Requerida condenada no pagamento dos valores peticionados em sede de requerimento de injunção.
A R. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, sem que tenha formulado conclusões.
*
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“1. A Requerida é uma sociedade que tem por objeto a atividade de operador de redes de telecomunicações e de prestação de serviços de telecomunicações no território nacional.
2. A Requerente é uma empresa pública que tem por objetivo manter e desenvolver o funcionamento regular do serviço público de transporte coletivo fundado essencialmente no subsolo da cidade de Lisboa e zonas limítrofes.
3. Entre Requerente e Requerida (anteriormente denominada por JAZZTEL Portugal – Serviços de Telecomunicações, S.A.) foi celebrado o contrato n.º 72/2021- ML - Contrato de Aluguer de Fibra Óptica Escura e de Prestação de Serviços de Manutenção, em 25.10.2001, por um período de 5 anos.
4. Nos termos da Cláusula Terceira do Contrato, o objeto englobava (i) o aluguer de fibra ótica escura, com a utilização das calhas técnicas existentes, condutas de ventilação e outros acessos, e a ocupação de espaços de salas técnicas e (ii) os serviços de manutenção à estrutura de rede.
5. Como contrapartida, a Requerida obrigou-se ao pagamento trimestral, entre os dias 1 e 15 do primeiro mês de cada trimestre, dos valores constantes da Tabela de Preços junta como Anexo 5 ao Contrato.
6. A Autora emitiu e enviou à Ré as seguintes faturas:
- Fatura n.º 25341, no montante de € 63 630,00, emitida a 14.10.2005 e vencida a 13.11.2005, referente ao 4.º trimestre de 2005;
- Fatura n.º 25343, no montante de € 190 892,23, emitida a 24.10.2005 e vencida a 23.11.2005, referente ao 1.º, 2.º e 3.º trimestre de 2005;
- Fatura n.º 26091, no montante de € 128 016,60, emitida a 28.04.2006 e vencida a 28.05.2006, referente ao 1.º, 2.º trimestre de 2006;
- Fatura n.º 26177, no montante de € 64 008,30, emitida a 21.07.2006 e vencida a 20.08.2006, referente ao 3.º trimestre de 2006;
- Fatura n.º 26266, no montante de € 16 835,06, emitida a 19.10.2006 e vencida a 18.11.2006, referente ao 4.º trimestre de 2006.
7. Nos termos da Cláusula 5ª, nº 3, do Contrato, os juros de mora são calculados à taxa Euribor de um mês acrescida de 1%.
8. Em 01/04/2003, as partes firmaram uma adenda ao referido Contrato, reduzindo temporariamente, entre 01/04/2003 a 31/12/2003, os troços de fibra ótica escura alugados, bem como as infraestruturas cedidas e os serviços prestados.
9. Prazo após o qual iniciaram as partes conversações no sentido da renegociação e estipulação de novas condições contratuais.
10. Após a realização de algumas reuniões em 25/10/2004 e 13/01/2005, a Ré dirigiu várias missivas à Autora no sentido de concretizar e formalizar o novo acordo, às quais a Autora nunca respondeu.
11. A Ré não aceitou os valores faturados pela Autora e procedeu à devolução das faturas emitidas, por as mesmas se encontrarem em desacordo com os preços em discussão pelas partes desde o início de 2005.
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Do aditamento aos factos provados
2. Da iliquidez e inexigibilidade dos créditos reclamados/da prescrição
3. Dos custos de cobrança *
1. Do aditamento aos factos provados
A apelada pugnou pela rejeição do recurso da decisão de facto por não ter sido observado o disposto no artº 640º do CPC, concretamente a especificação dos concretos meios de prova.
A apelante pretende que seja aditado aos factos provados o constante do ponto 3 do requerimento de injunção, por não ter o mesmo sido impugnado na oposição. Entende decorrer de tal factualidade que não se manteve inativa desde o vencimento da dívida até ao momento da propositura da injunção, tendo ao longo dos anos interpelado extrajudicialmente a Recorrida para pagamento das faturas em dívida, daqui concluindo que não se encontra em abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium.
Para o efeito invocou o disposto o artº 567.º, n.º 1, do CPC – preceito manifestamente inaplicável, pois a R. apresentou oposição, pelo que cremos que a sua indicação decorre de lapso material, pretendendo-se invocar o disposto no artº 574º, nº 2, 1ª parte, atenta a fundamentação apresentada (facto admitido por acordo, porquanto não impugnado).
Dispõe o artº 574º, nº 2 do CPC que “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”.
A pretensão da apelante deve ser apreciada ao abrigo do disposto nos artºs 607º, nº 4, 2ª parte (ex vi do artº 663º, nº 2) e 662º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais a Relação, mesmo oficiosamente, pode e deve “tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” – e não no âmbito da impugnação de facto, nos termos do artº 640º do CPC.
O ponto 3 do requerimento de injunção é do seguinte teor: “Após várias interpelações para liquidar as faturas abaixo elencadas - entre as quais a última enviada por carta Registada com AR a 10.10.2023 -, a Requerida não respondeu nem liquidou a divida titulada pelas seguintes faturas vencidas: (…)”
A R. não impugnou especificadamente o facto em causa. Todavia, a alegação de “várias interpelações para pagamento das faturas” encontra-se em oposição com o conjunto da peça processual oposição apresentada pela R., em particular com o teor dos artºs 42º a 46º, pelo que não há que considerar admitida por acordo a factualidade constante do ponto 3 do requerimento de injunção.
A apelante labora em equívoco ao pretender, por esta via, afastar o abuso de direito que lhe foi imputado pela R.. É que a decisão recorrida não conheceu deste fundamento invocado pela defesa, tendo a ação sido julgado improcedente com fundamento na prescrição.
Pelo exposto, não se procede ao pretendido aditamento à matéria de facto provada.
* 2. Da iliquidez e inexigibilidade dos créditos reclamados/da prescrição
Defende a apelante que, alegando a R. que o crédito da A. é ilíquido e inexigível, o prazo da prescrição apenas começa a correr quando a dívida for líquida, nos termos do disposto no artº 306º, nº 1 do CC. Mais aduziu que estando em causa prescrição presuntiva, não pode a mesma proceder uma vez que a R. não alegou o pagamento. Entende, ainda, que as negociações invocadas e o suposto valor delas resultante configuram um facto novo, trazido aos autos pela R., que configura um facto modificativo, cuja prova incumbe à parte que o invoca; se o valor é outro que não o peticionado pela ora A., é àquela que incumbe indicar e provar.
Dispõe o artº 306º do CC que:
“1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.
2. A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.
3. Se for estipulado que o devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a prescrição só começa a correr depois da morte dele.
4. Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado.”
É o nº 4 que regula a contagem do prazo da prescrição no caso de dívida ilíquida.
Importa, pois, determinar se está em causa dívida ilíquida.
”A obrigação é ilíquida quando não se encontra determinada em relação à sua quantidade, carecendo da efetivação de cálculos aritméticos ou do apuramento de factos que permitam a sua quantificação. “ [i]
“I – A mera circunstância de ser controvertido o valor da obrigação – por força de desacordo ou divergência das partes relativamente à verificação ou interpretação de determinados factos ou circunstâncias – não é bastante para conferir à obrigação um carácter ilíquido.
II – Para que se possa falar em obrigação ilíquida é necessário que o seu valor não esteja apurado ou não seja conhecido das partes (ou, pelo menos, do devedor), quer porque está dependente de factos ou operações adicionais que ainda não ocorreram ou não foram realizadas, quer porque esses factos ou operações ainda não foram levados ao conhecimento do devedor, de tal forma que este não está em condições de saber qual o exacto conteúdo da sua obrigação.
III – Se a indefinição do valor da obrigação resulta apenas da circunstância de as partes estarem em desacordo acerca do preço previamente contratado, não estamos perante uma obrigação ilíquida, ainda que, por efeito da prova produzida acerca do facto controvertido, a obrigação venha a ser fixada pelo tribunal em valor inferior àquele que era peticionado pelo credor.” [ii]
A A./apelante não alegou nem peticionou a condenação da R. em dívida ilíquida, antes formulou pedido líquido, em conformidade com as faturas discriminadas no requerimento de injunção, cada uma delas com montante determinado. Por seu turno, a R. não aceitou os valores das referidas faturas, discordando dos mesmos, alegando que decorreram negociações para alteração dos valores devidos, sem resultado firmado.
Não só não foi peticionada dívida ilíquida, como a R. nunca assim a qualificou.
Em suma, os créditos reclamados são líquidos.
A A. e a R. celebraram um contrato de aluguer de fibra ótica escura, com a utilização das calhas técnicas existentes, condutas de ventilação e outros acessos, e a ocupação de espaços de salas técnicas e serviços de manutenção à estrutura de rede, incumbindo à R. o pagamento trimestral, entre os dias 1 e 15 do primeiro mês de cada trimestre, dos valores constantes da Tabela de Preços junta como Anexo 5 ao Contrato.
Os créditos reclamados pela apelante respeitam a alugueres, serviços de manutenção e juros. Os serviços de manutenção constituem uma prestação periodicamente renovável. Como referido na sentença “surgem no âmbito de obrigações duradouras cuja exigibilidade surge reiterada e periodicamente ao longo da duração do contrato respetivo mas com autonomia entre a prestação periódica e a relação jurídica unitária de onde deriva.”
O artº 310º do CC estabelece que:
“Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
“As razões justificativas das prescrições de curto prazo do artº 310º, do C.C. são a da protecção da certeza e segurança do tráfico, a conveniência de se evitarem os riscos de uma apreciação judicial a longa distância, principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos e, “last but not the least”, evitar que o credor deixasse acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar a situações de ruína económica” [iii]
Ao invés do defendido pela apelante é aplicável aos alugueres, serviços de manutenção e juros o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artº 310, als. b), d) e g) do CC.
Trata-se de prescrição extintiva e não presuntiva. A esta referem-se os artigos 312º a 317º do CC.
Apenas as prescrições presuntivas se fundam na presunção de cumprimento (artº 312º do CC), pelo que é absolutamente irrelevante que a R. não tenha alegado o pagamento.
E não restam dúvidas de que, nos termos do disposto no artº 306º, nº 1 do CC, o prazo da prescrição dos alugueres e serviços de manutenção começou a correr na data do vencimento/exigibilidade de cada uma das faturas, ou seja, em 13/11/2005, 23/11/2005, 28/05/2006, 20/08/2006 e 18/11/2006.
Os juros reclamados estão também sujeitos ao prazo prescricional de 5 anos (alínea d) do artº 310º).
O artº 323º do CC estabelece que:
”1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.”
O requerimento de injunção deu entrada em 23/11/2023 e a R. foi notificada em 12/12/2023, pelo que nesta última data já tinham decorrido 17 anos sobre a data de vencimento da última fatura.
A apelante alega que, em resposta à exceção deduzida pela R. na oposição, aceitou, por confissão, o reconhecimento por parte daquela, da dívida em apreço, resultante do vertido no artigo 18 da oposição, e do facto de a mesma, em local algum ter referido que tinha pago ou liquidado as referidas faturas. A alegação prende-se com a tese defendida de que está em causa uma prescrição presuntiva, fundamento já apreciado.
O artº 18º da oposição é do seguinte teor: “A Requerida não aceitou os valores faturados pela Requerente e procedeu à devolução das faturas emitidas, por as mesmas se encontrarem em desacordo com os preços em discussão pelas partes desde o início de 2005.”
Sobre o reconhecimento do direito dispõe o artº 325º do CC que:
1. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido. 2. O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.”
Ainda que do artº 18º da oposição fosse possível extrair o reconhecimento do direito, não tinha o mesmo a virtualidade de interromper a prescrição, porque quando a oposição foi apresentada (em 08/01/2024) já se mostrava exaurido o prazo de 5 anos. As causas de interrupção da prescrição apenas relevam se verificadas no decurso do respetivo prazo prescricional e não depois de esgotado o mesmo.
Salienta-se que no requerimento de injunção a A. peticionou os juros de mora “referentes aos últimos 5 anos, conforme estabelecido no art. 310.º d) do Código Civil”. Tais juros mostram-se prescritos, nos termos do disposto no artº 310º, al. d) do CC.
Conclui-se, assim, pela verificação da prescrição em relação a todas as quantias referentes a alugueres, serviços de manutenção e juros, mostrando-se prejudicados os demais argumentos expendidos, designadamente a existência de uma situação de venire contra factum proprium decorrente da alegação da iliquidez e inexigibilidade da dívida pela R., por se mostrar incompatível com a alegação da prescrição da dívida.
3. Do custo de cobrança
Apenas em sede do presente recurso veio a apelante defender que o custo de cobrança de € 40,00 peticionado é devido, nos termos do disposto no artº 7º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, sendo automático e autónomo em relação a eventuais taxas de justiça, não dependendo de prova.
Dispõe o preceito citado que “quando se vençam juros de mora em transações comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente.”
Nos termos do disposto no artº 3º, al. a) “para efeitos do presente diploma, entende-se por «atraso de pagamento», qualquer falta de pagamento do montante devido no prazo contratual ou legal, tendo o credor cumprido as respetivas obrigações, salvo se o atraso não for imputável ao devedor;”
Perante a factualidade provada não se tem por assente o “atraso no pagamento”, tal como definido, ao que acresce que, havendo que distinguir entre custos de cobrança extrajudicial (de natureza administrativa ou outra) e custos de cobrança judicial (honorários com advogados, etc.), impunha-se que a A./apelante tivesse discriminado em que consistia o custo reclamado, pois dois regimes são aplicáveis, dependendo da origem do custo: o do artº 7º do DL 62/2013 e o do regime de custas de parte.
Ora, no requerimento de injunção a única alusão a tal custo é efetuada no ponto 5, nos seguintes termos: “A estes valores acresce o pagamento de €40,00 a título de custos de cobrança e taxa de justiça no montante de € 153,00”, o que é manifestamente insuficiente para que tal verba possa ser considerada devida ao abrigo do diploma citado.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 22/02/2024 [iv] : ”Relevante para a interpretação da norma em causa importa ainda ter presente o previsto no preâmbulo do DL n.º 62/2013, de 10 de Maio, a saber: “Os credores devem ser ressarcidos de forma justa dos custos suportados com a cobrança de pagamentos em atraso, incluindo os custos administrativos e internos associados com essa cobrança. Conforme previsto na directiva, é estabelecido um valor fixo de 40,00 EUR a título de indemnização pelos custos administrativos e internos associados à cobrança dos pagamentos em atraso, que acresce aos juros de mora devidos, sem prejuízo de o credor poder exigir indemnização superior por danos adicionais resultantes do atraso de pagamento do devedor ou pelos custos incorridos pelo credor com o recurso a serviços de advogado, solicitador ou agente de execução”.
E à luz da letra deste preceito, bem como do que consta do respectivo preâmbulo deste Decreto-Lei, é também nosso entendimento que da compatibilização da norma do art. 7º com o regime relativo às custas de parte, somos forçados a concluir que os “custos de cobrança” aludidos naquela só podem respeitar à cobrança extrajudicial – por exemplo, quando o credor contrata os serviços de um advogado, solicitador ou agente de execução para interpelar o devedor, mas tais custos em nada têm haver com os honorários respeitantes à acção propriamente dita e que só em sede de custas de parte são exigíveis. O mesmo ocorre com os encargos igualmente previstos nas custas de parte, mas que não se reportam a honorários, estes reportar-se-ão aos devidos na acção e não aos eventualmente ocorridos em sede extrajudicial. (…)
Porém, não basta a Autora invocar tal preceito para lhe ser devido tal montante, pois no caso também não alega a que se reportam tais custos, por forma a aferir da sua razoabilidade e por último, já havia indicado no âmbito das facturas peticionadas despesas com cobrança. Por fim, os eventuais custos para a instrução do processo podem efectivamente integrar as custas de parte ( cf. artº 25ºdo RCP) e como tal serão tidas em conta.”
Era no requerimento de injunção que a A. devia ter alegado a origem/natureza dos referidos custos, para que aos mesmos se aplicasse o respetivo regime legal. Não o tendo feito no momento oportuno, precludiu-se o direito de o fazer posteriormente.
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.
Lisboa, 30 de janeiro de 2025
Teresa Sandiães
Maria Teresa Lopes Catrola
Vitor Manuel Leitão Ribeiro
_______________________________________________________ [i] Ac. STJ de 30/10/2023, proc. nº 569/22.9T8CHV-B.G1.S1, www.dgsi.pt [ii] Ac. RC de 23.10.2012, proc. nº 2073/10.9T2AVR.C1, in www.dgsi.pt [iii] Ac. R.L. de 09/05/06, proc. nº 1815/2006-1, in www.dgsi.pt [iv] proc. nº 28180/22.7T8LSB.L1-6, in www.dgsi.pt