1. O condenado ao cometer um facto típico, ilícito e culposo no período de vigência da liberdade condicional que lhe foi concedida, infringiu o mais básico propósito de inserção social ínsito à cominação de uma pena: a interacção em liberdade com os demais cidadãos, abstinente da prática de actos criminosos.
2. É inequívoco que o condenado, ao praticar os crimes poucos meses depois de libertado condicionalmente, e numa altura em que devia ainda estar «em estado de graça» pela clemência e benesse da medida que lhe havia sido aplicada, frustrou as concretas finalidades que basearam a sua libertação condicional.
3. A decisão de revogação de uma liberdade condicional tem de ser tomada, obrigatoriamente, com base na situação fáctica existente no momento em que se encerra a discussão dos seus pressupostos.
4. Consequentemente, o tribunal tem de ponderar o peso que os incumprimentos devem representar para o juízo de prognose que tinha sido formulado anteriormente, aquando da concessão da liberdade condicional.
5. Por esta razão, a revogação apenas deverá ser aplicada quando o condenado apresentar indícios sérios de que irá reincidir ou quando a não revogação da liberdade condicional seja contraproducente para a sua ressocialização.
6. No caso, não se pode dizer que se gerou um efeito automático de revogação da liberdade condicional pela mera notícia do cometimento de mais um crime pelo arguido – o tribunal opinou que foi infirmado o juízo de prognose favorável anteriormente realizado, até pelo facto de ter sido cometido um crime da mesma natureza de alguns dos crimes que foram outrora praticados por ele e com base nos quais estava em cumprimento de pena até à sua libertação, por concessão da liberdade condicional, e num tão curto prazo de tempo, cumprindo, assim, o desiderato do artigo 56º, nº 1 do CP.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - RELATÓRIO
1. No Processo relativo à eventual revogação de concedida liberdade condicional [incidente de incumprimento – artigo 185º e 186º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, doravante CEPMPL), no âmbito do Pº 687/13.... do Juízo de Execução de Penas de Coimbra (Juiz ...), recorre o arguido AA da decisão da Mmª Juíza, datada de 3 de Novembro de 2024, que decidiu julgar verificado o incumprimento da liberdade condicional, revogando-lhe, assim, a liberdade condicional que lhe havia sido concedida.
Fá-lo, concluindo, a final, o seguinte (em transcrição):
A. O presente Recurso é interposto porquanto se considera ter sido incorretamente apreciada a decisão, por erróneas subsunção dos factos ao Direito, violando-se assim o disposto no art. 56º do Código Penal.
B. Atento ao disposto no artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal, a liberdade condicional deverá ser revogada se no decurso da mesma o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e com isso revelar que as finalidades que estavam na base da concessão dessa liberdade não puderam, por meio dela, ser alcançados.
C. O ponto de diferenciação que deve ditar a manutenção ou a revogação da medida de liberdade condicional perante a prática pelo agente de novo crime durante o período da referida medida traduz-se na verificação das finalidades que estiveram na base da decisão de concessão da liberdade condicional e se estas podem ou não ser ainda alcançadas.
D. Estando em causa condenação pela prática de novo crime, importa ponderar essencialmente a relação temporal entre a data da concessão da liberdade condicional e a data em que foram praticados os novos factos; a relação entre os tipos de crime praticados; a análise das circunstâncias da prática do novo crime e, bem assim, a evolução das condições de vida do condenado.
E. Assim, demonstra-se imperativo, analisar, in casu, se estão preenchidos os dois pressupostos cumulativos para que a revogação da liberdade condicional possa operar,
F. Por um lado se no decurso da mesma o condenado cometeu crime pelo qual veio a ser condenado; e se, as finalidades que estavam na base da concessão dessa liberdade não foram , por meio dela, alcançadas.
G. Concluindo diremos não se encontrar preenchido o segundo pressuposto, pelas razões que seguidamente se invocam.
H. A liberdade condicional referente ao presente processo decorre de 25.09.2018 até 26.12.2020,
I. Se atentarmos nos relatórios elaborados nos autos de acompanhamento da Execução da Liberdade Condicional constatamos uma evolução positiva, um esforço do condenado,
J. O cumprimento de pena do condenado, a pena sofrida decorria da prática de crimes contra o património, conforme informação constante dos autos e conforme comumente sabido, a prática de tais crimes era potenciada pelo facto de o condenado ser consumidor de substancias estupefaciente,
K. Daí também o facto de ser uma medida imposta no seu percurso de ressocialização a abstinência, acompanhamento e tratamento de tais consumos,
L. O que o condenado conseguiu, efetivamente o mesmo realizou testes negativos de consumo de estupefacientes a que foi sendo alvo, o que demonstra efectiva ressocialização, determinante aliás no percurso do condenado para o afastamento das praticas delituosas,
M. É certo que no âmbito dos autos 3269/20...., por factos praticados em 04.01.2019, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla e falsificação na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
N. Ouvido o condenado esclareceu a razão de ter praticado tal crime, logrando ainda explicitar que à data ainda não tinha conseguido deixar totalmente adição de que era vitima, o que poderá ter influído no seu juízo de censura aquando a prática de tais actos.
O. Explicitou também que tal situação ocorreu numa fase inicial da sua ressocialização e preteritamente ao nacimento dos seus filhos gémeos.
P. Volvidos já mais de 5 anos inexiste qualquer outra condenação apontada ao condenado,
Q. O crime que perpetrou, censurável que é, não é da mesma tipologia dos crimes que fora condenado,
R. O condenado encontra-se familiarmente integrado, S. O condenado tem 2 filhos menores, e companheira,
T. Durante todo o período de liberdade condicional, foi mantendo contactos com o técnico da cumprindo com o ali determinado
U. Foi seguido no CAT, relativamente ao seu problema de toxicodependência, V. Assim, torna-se indispensável assegurar se a prática do crime colocou ou não em causa as finalidades que estiveram na base da determinação da liberdade condicional.
W. O condenado cumpriu com as obrigações decorrentes da era seguido no CAT, esteve sempre presente nas entrevistas com o técnico da DGRSP e encontrava-se inserido a nível familiar.
X. Conseguiu libertar-se dos consumos que detinha, mantendo-se abstinente conforme esclareceu o tribunal.
Y. A pratica do crime suscitada ocorreu há já mais de 5 anos sem noticia de nova incidência,
Z. Revelando que as finalidades que estavam na base da concessão da liberdade condicional puderam, ainda que no limite, ser alcançadas.
AA. Não obstante a condenação sofrida, tal situação não se pode afigurar, por si só, geradora da revogação da liberdade condicional.
BB. O artigo 64.º do Código Penal prevê, por remissão para o artigo 56.º do mesmo diploma legal, a ponderação abrangente da personalidade e das condições de vida do arguido, do modo como adequou ou não a sua conduta e modo de vida aos deveres impostos aquando da concessão da liberdade condicional.
CC. Não sendo legalmente admissível a revogação da liberdade condicional como efeito ope legis da prática de um crime, no decurso da liberdade condicional.
DD. Tal só poderá suceder caso, após analisadas as circunstâncias da prática do novo crime, o comportamento anterior e posterior aos factos e as características de personalidade do arguido reveladas no seu trajeto de vida, nas suas condições pessoais e no modo de execução do crime, se conclua que os fins de prevenção geral e especial implicados na aplicação das penas e também na concessão da liberdade condicional resultaram frustrados e, portanto, só com o cumprimento da pena remanescente da pena serão restaurados.
EE. O arguido levou uma vida familiar e de trabalho desde a concessão da liberdade condicional, pelo que não se afigura adequado revogar a mesma.
FF. O arguido cumpriu sempre com os seus deveres, mantendo uma atitude colaborante e consentânea com o cumprimento dos deveres constantes da sentença que lhe determinou a liberdade condicional.
GG. Mais, foi sempre acompanhado no CAT relativamente ao seu problema de toxicodependência, revelando uma capacidade de entendimento face ao reconhecimento dos seus problemas e considerando a necessidade de efetuar um efetivo tratamento à sua dependência.
HH. Pelo que será contraditório afirmar que as finalidades da pena não foram alcançadas, quando o arguido viveu e se comportou desde a concessão da liberdade condicional, conforme firmado, mantendo uma conduta socialmente adequada e dedicada, estando empenhando no seu tratamento e reinserção social.
II. O arguido apresenta motivação para prosseguir um modo de vida normativo e socialmente responsável, sem registo de incumprimentos, mantendo assiduidade nas consultas para o tratamento da toxicodependência, cumprindo os objetivos para o seu tratamento, e revelando ainda assiduidade nas entrevistas com o técnico da DGRSP.
JJ. Fazendo um esforço sério e consistente para tratar a sua dependência, o que conseguiu,
KK. Pelo que a revogação da liberdade condicional quando existe um percurso positivo do condenado acarretará mormente um retrocesso no processo de ressocialização do arguido que será necessariamente repercutido no seu agregado e necessariamente nos seus filhos menores.
LL. Julgamos que efetivamente é ainda possível realizar um juízo de prognose favorável a merecer uma derradeira oportunidade.
MM. Ao analisarmos a fundamentação que recai sobre a decisão ora recorrida resulta entre o mais que o Tribunal a quo para sustentar a revogação da liberdade condicional utiliza o facto de o condenado se encontrar sujeito a medida de coacção de prisão preventiva, o que se revela manifestamente reprovável e censurável,
NN. Porquanto, o arguido iniciou julgamento nos mencionados autos e poderá eventualmente ser absolvido,
OO. sendo manifestamente censurável a alusão a tal facto para fundamentar a
decisão ora recorrida!
PP. Vem sendo, lamentavelmente recorrente, que a avaliação do incumprimento, a audição do condenado e a consequente decisão do Tribunal de Execução de Penas venha a constituir formalmente o cumprimento das disposições legais, proferindo-se decisões automáticas pré-concebidas e sem uma verdadeira análise do caso concreto,
QQ. Mais do que efetiva ponderação do caso concreto e da concreta subsunção dos pressupostos de revogação ao caso concreto, a prática traduz-se numa imensurável decisão pré concebida, sem verdadeira análise de fundo, limitando-se a cumprir formalidades, e sem acesso a uma verdadeira iustitia , o que muito se lamenta.
RR. Entendemos não estrem verificados os pressupostos de revogação da liberdade condicional, pois que as finalidades subjacente à concessão da liberdade condicional, ainda se têm como alcançadas.
SS. Pelo que, inexistindo motivos que justifiquem a revogação da liberdade condicional, sendo esta a ultima ratio, e não estando legalmente enquadrados os pressupostos cumulativos de revogação da liberdade condicional, temos que a decisão posta em causa viola o disposto no art. 56º do Código Penal.
TT. Devendo em conformidade ser o despacho proferido revogado e substituído por outro que determine a não revogação do regime de liberdade condicional concedido ao condenado.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, Devendo em conformidade ser o despacho proferido revogado e substituído por outro que determine a não revogação do regime da liberdade condicional concedido».
2. A Magistrada do Ministério Público de 1ª instância respondeu ao recurso, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
3. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, doravante, CPP, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea b), do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, nº 1, 123º, nº 2, 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se se verificam, in casu, os pressupostos do incumprimento da liberdade condicional concedida ao arguido que possam justificar a decisão de revogação da dita liberdade condicional, averiguando-se ainda se foi preterida alguma formalidade legal nesse incidente de incumprimento.
2. A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição):
«I. RELATÓRIO
Os presentes autos foram instaurados na sequência de uma comunicação efectuada ao abrigo do disposto no artigo 184.º n.º2 do CEPMPL, relativamente à condenação de AA pela prática de um crime no decurso da liberdade condicional que lhe foi concedida, o que constitui circunstâncias susceptível de conduzir à revogação daquela situação.
condenado, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 185º, n.º 2, do CEPMP.
substâncias estupefacientes, pelo que pugna pela não revogação da liberdade condicional, tudo nos termos melhor desenvolvidos no requerimento que apresentou.
II.1. DOS FACTOS
Mostra-se provada a seguinte matéria de facto com interesse para a boa decisão da causa:
1. Por sentença proferida no apenso B, foi concedida ao condenado AA liberdade condicional com efeitos a partir do dia 25.09.2018 até ao dia 26.12.2020, quando o mesmo se encontrava a cumprir sucessivamente as seguintes penas:
a) Uma pena de 7 anos de prisão, aplicada no processo n.º 520/13...., pela
prática de cinco crimes de roubo;
b) Uma pena de 92 dias de prisão subsidiária, aplicada no processo n.º 683/12...., prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, resultante da conversão da pena de 180 dias de multa.
2. A referida liberdade condicional ficou sujeita ao cumprimento das seguintes obrigações por parte do condenado:
a) Fixar residência, que não poderá alterar por prazo superior a 8 dias sem prévia autorização deste Tribunal de Execução das Penas, na Rua ..., .... ... ..., sendo a morada ora fixada a considerada nos autos para futuras notificações;
b) Apresentar-se aos Técnicos da Equipa de Reinserção Social no prazo de 5 dias após a sua libertação e, aceitando a sua tutela, cumprir as ordens legais e recomendações que lhe sejam transmitidas – Equipa Lisboa Penal 4, na Rua ..., ... ...;
c) Iniciar no prazo de 10 dias actividade laboral, justificando perante aos Técnicos da Equipa de Reinserção Social o não início dessa actividade naquele prazo; nessa impossibilidade, deverá inscrever-se no Centro de Emprego aproveitando oportunidades que apareçam;
d) Não praticar crimes, não acompanhar com pessoas ou frequentar lugares relacionados com o crime e com o consumo de estupefacientes; não contactar
com os elementos que o acompanharam na prática dos crimes;
e) Manter-se abstinente de estupefacientes submetendo-se a rastreios para aferir
dessa abstinência, caso seja determinado pela reinserção social.
3. Por sentença, já transitada em julgado, proferida no processo n.º
3269/20...., AA foi condenado pela
prática, como reincidente, de um crime de burla, previsto pelo artigo 217.º n.º1
do Código Penal, numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e pela prática de um
crime de falsificação de documentos, previsto pelo artigo 256.º n.º1 do Código
Penal, numa pena de 200 dias de multa, à razão diária de € 5,00, dando-se como
provados, para o efeito, os seguintes factos:
1. A ofendida “UNICRE, Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, é uma instituição financeira de crédito que, entre outras actividades, concede créditos pessoais.
2. Em data não concretamente apurada, mas anterior ou contemporânea ao dia 04/01/2019, o arguido AA, com recurso a programa informático de edição de imagens, adulterou três escritos, denominados “Recibos de Vencimento”, referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro do ano de 2018, nos quais inseriu o seu nome, as menções de que tinha a categoria de “OPERADOR/A DE ARMAZÉM A”, como entidade patronal a sociedade “A... S.A.”, e que tinha auferido os vencimentos líquidos, respectivamente, de € 892,557, € 1.580,35 e € 940,39.
3. Subsequentemente, no dia 04/01/2019, pelas 18:41:40 horas, o arguido remeteu à ofendida, através do site www.unibanco.pt, um pedido de crédito pessoal do valor de € 5.000,00, a ser pago em 84 meses, por si preenchido, com os seus dados pessoais, tendo inserido, nos campos relativos à sua informação profissional, os seguintes dados: – Cargo ou função: “OPERADOR LOGISTI”; – Ano de admissão: “2011”; – Vencimento mensal líquido: “980€”; – Nome da empresa: “A...”; – Morada: “AEROPORTO ..., RUA ..., ...”; – Localidade: “...”.
4. Conjuntamente com o pedido de adesão, o arguido remeteu uma factura da NOS como comprovativo de morada, um comprovativo com a identificação da conta bancária por si titulada no Banco 1..., com o IBAN PT50....5.5, uma cópia do seu cartão bancário, uma cópia do seu Cartão de Cidadão e a cópia dos recibos de vencimento que o mesmo adulterou nos termos explicitados em 2. Supra.
5. Após análise do pedido de crédito e dos elementos supra referidos, remetidos pelo arguido, a ofendida aprovou a atribuição do pedido e, no dia 11/02/2019, processou a transferência bancária da quantia € 5.000,00, a partir da sua conta, com o IBAN
PT50. ..., para a conta titulada pelo arguido, com o IBAN
PT50....5.5.
6. O arguido deu à quantia de € 5.000,00, que recebeu da sociedade ofendida, o destino que entendeu por conveniente, em seu proveito, tendo, no dia 12/02/2019, procedido ao levantamento em numerário do montante de € 4.910,00.
7. O arguido não procedeu ao pagamento, à ofendida, de qualquer montante, referente ao aludido crédito de € 5.000,00.
8. O arguido nunca exerceu qualquer função profissional remunerada para a pessoa colectiva “A... S.A..”.
9. Ao adulterar três recibos de vencimento, o arguido agiu com o propósito concretizado de criar a aparência de que se encontrava empregado, ao serviço da sociedade “A... S.A..”, auferindo a correspondente retribuição mensal, bem sabendo que tal não correspondia à verdade, que a ficção que criou constituía um facto juridicamente relevante e que, dessa forma, lesava a segurança e confiança no tráfico jurídico.
10. Ao ter fabricado, na sua íntegra, os mencionados recibos de vencimentos, e os ter utilizado, posteriormente, para os remeter à ofendida, conjuntamente com o pedido de adesão, também por si preenchido, com a falsa indicação de que se encontrava empregado da pessoa colectiva sociedade “A... S.A..”, auferindo o correspondente vencimento mensal, o arguido agiu com o propósito concretizado de criar a ilusão, junto da ofendida, de que se encontrava, efectivamente, a exercer uma actividade profissional remunerada para, desse modo, lhe ser atribuído, como foi, um crédito no valor de € 5.000,00.
11.Após ter recepcionado o crédito do valor de € 5.000,00, na conta por si titulada, como consequência necessária e directa do erro em que fez laborar a ofendida, o arguido utilizou a quantia em causa, em seu proveito, tendo actuado, desde o momento em que adulterou a documentação supra referida e a remeteu, conjuntamente com o pedido de adesão, com o propósito concretizado de não restituir à ofendida, como não restituiu, em momento algum, o referido montante, tendo assim obtido um enriquecimento patrimonial ilegítimo e causado à ofendida o correspondente prejuízo, bem sabendo que actuava contra a vontade da mesma.
12. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo e não podendo ignorar que as suas condutas eram proibidas por lei e consubstanciavam a prática de ilícitos criminais.
13. O arguido já foi condenado, para além do mais, por acórdão proferido a 30/05/2014, transitado em julgado a 02/07/2014, no âmbito do Processo n.º 520/13...., que correu termos no Tribunal de Círculo ..., na pena de 7 anos de prisão, pela prática, nos dias 02/09/2012, 02/10/2012, 10/10/2012, 25/10/2012 e 25/09/2013, de 5 crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal.
14. O arguido encontrou-se preso, ininterruptamente: – à ordem do processo n.º
520/13...., a partir do dia 25/09/2013; – à ordem do processo n.º
683/12...., a partir do dia 26/03/2017, tendo cumprido 92 (noventa e dois) dias de
prisão subsidiária; – à ordem do processo n.º 520/13...., novamente, a partir do dia 25/06/2017 e até ao dia ../../2018, data em que foi libertado condicionalmente.
15. Desde a data em que ocorreram os crimes de roubo, nos dias 02/09/2012, 02/10/2012, 10/10/2012, 25/10/2012 e 25/09/2013, até à data da prática dos factos nos presentes autos, a 04/01/2019, e descontando o tempo em que o arguido se encontrou a cumprir pena de prisão efectiva, decorreram pouco mais do que 3 meses.
16. Assim, conclui-se que a condenação sofrida pelo arguido não foi suficiente para o afastar da criminalidade e conseguir a sua recuperação social, uma vez que o mesmo se revelou insensível às advertências ínsitas nessa condenação, em pena de prisão efectiva de 7 anos, continuando a demostrar uma acentuada propensão para a prática de crimes dolosos.
17. Efectivamente, ao praticar os crimes pelos quais vai agora acusado, o arguido demonstrou não ter atribuído qualquer significado à decisão condenatória anterior, não tendo a mesma produzido no arguido o desejado efeito de prevenção especial, uma vez que permaneceu insensível aos valores que a incriminação das condutas agora imputadas visam proteger.
18. Inexistem circunstâncias exteriores que, de algum modo, justifiquem os factos praticados, antes revelando a acentuada propensão do arguido para a prática de ilícitos criminais dolosos.
4. O condenado encontra-se a cumprir a referida pena de prisão desde 24.10.2024, tendo estado, porém, em prisão preventiva, à ordem do processo n.º
4/23...., entre 20.10.2022 e aquela data, por indícios fortes da prática de
um crime de tráfico de estupefacientes, período que lhe foi descontado no
cumprimento daquela pena.
19[2]. O arguido não completou o 4.º ano de escolaridade, tendo crescido num ambiente familiar marcado por comportamentos desviantes do progenitor, que era
consumidor de substâncias estupefacientes, situação que AA replicou
ao longo da sua vida.
20[3]. Do ponto de vista laboral, o condenado/libertado nunca manteve actividade
profissional estável e regular, dedicando-se, de forma intermitente, à venda
ambulante e sendo o seu agregado familiar sustentado sobretudo através de
subsídios sociais.
21[4]. No decurso do período de liberdade condicional, AA residiu
inicialmente em casa dos pais da companheira, na freguesia ..., onde
desenvolveu actividade laboral na venda ambulante e, pontualmente, na construção
civil.
22[5]. Em Setembro de 2019, regressou ao acampamento em ..., onde passou a residir com a companheira e os dois filhos menores, retomando o convívio com os
familiares e outros indivíduos conotados com práticas de natureza criminal.
23[6]. AA compareceu, de forma regular, às entrevistas agendadas com a DGRSP.
*
A prova dos factos supra descritos assentou nos diversos documentos e relatórios constantes dos autos, nomeadamente as certidões das decisões proferidas acerca da situação jurídico-penal do condenado, os relatórios de acompanhamento da execução da pena, valorando-se ainda, mediante apreciação crítica, o teor das declarações prestadas pelo condenado, no que se considerou relevante.
*
II.2. DO DIREITO
Segundo o disposto no artigo 56.º n.º1 do Código Penal (ex vi artigo 64.º do
mesmo diploma), a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no
seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reabilitação social ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Resulta, assim, destas disposições legais que, perante o incumprimento dos deveres que foram impostos ao condenado como condição de suspensão da execução da pena de prisão ou, no nosso caso, de concessão da liberdade condicional, o julgador deve formular um novo juízo de prognose relativamente à conduta futura daquele, tendo por base, tal como no momento da aplicação da pena, a sua personalidade e as suas condições de vida, mas também – e agora essencialmente – o comportamento do condenado durante o período de suspensão, procurando compreender as razões que subjazeram ao incumprimento verificado e concluir se elas alteram ou não a convicção formada acerca dos efeitos da suspensão da execução da pena de prisão no comportamento futuro do arguido.
Nas palavras de Figueiredo Dias, a revogação só deve ter lugar se algum evento
vier contrariar a convicção em que se estribou o juízo de prognose que esteve na base da
suspensão, ou seja, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro,
afastado da criminalidade (in Temas Básicos de Direito Penal, Ed. Almedina, pág. 356-357).
Com efeito, constituindo a liberdade condicional um “estímulo à reintegração na
sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última
etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade” com vista a que prossiga a sua
vida em conformidade com os valores sociais pelos quais deverá pautar o seu
comportamento, aquela medida só deverá manter-se enquanto a personalidade do agente, as suas condições de vida e a sua conduta posterior ao crime, revelem que ela é ainda adequada a satisfazer as finalidades preventivas, designadamente a afastar o delinquente da criminalidade.
Na verdade, este período de transição entre a reclusão e a liberdade, ao serviço da finalidade de ressocialização, é ainda tempo de cumprimento de pena e funciona como um teste à capacidade de resposta do condenado relativamente à sua efectiva preparação para manter em liberdade um comportamento normativo e ajustado às regras sociais, pretendendo-se, afinal, que, chegado o momento de sindicância da bondade do nosso juízo de prognose, o objectivo se revele atingido.
Veja-se, a propósito, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.09.2023
(proferido no processo n.º 433/14.5TXPRT-J.P1, disponível in www.dgsi.pt), onde se refere que o ponto de diferenciação que deve ditar a manutenção ou a revogação da medida penitenciária de liberdade condicional perante a prática pelo agente de um novo crime durante o período da dita medida traduz-se em apurar se as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de concessão da liberdade condicional podem ou não ser ainda alcançadas.
Assim, estando em causa o cometimento e condenação por novo crime,
importa ponderar em especial a relação temporal entre a data da concessão da liberdade
condicional e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de
crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, e, bem
assim, a evolução das condições de vida do condenado até ao momento em que importa
decidir.
Volvendo, então ao caso em apreço, parece-nos ser evidente que, apesar da
aparente postura cumpridora no que concerne à observância dos compromissos
relacionais com os serviços da DGRSP, o condenado/libertado manteve o padrão de
comportamentos delinquentes que já vinham marcando a sua vida, no passado,
continuando a praticar crimes, em manifesta negação do juízo que havia sido formulado
em seu benefício, sobre a sua capacidade para, uma vez regressado ao meio livre, se alhear das práticas criminais.
Com efeito, poucos meses depois do voto de confiança que lhe foi dado pelo
Tribunal, AA revelou não ter qualquer respeito pelas censuras que lhe foram anteriormente dirigidas, ao persistir em comportamentos ilícitos, levando-nos, pois, a concluir, objectivamente, que aquele não interiorizou minimamente a gravidade e desvalor das suas condutas, frustrando, por completo, a expectativa depositada na sua
capacidade de ressocialização quando lhe foi concedida a liberdade condicional.
Ora, como bem nota Figueiredo Dias, a propósito das situações análogas em que é praticado um crime no decurso da suspensão da execução da pena de prisão,
entre as condições da suspensão de execução da prisão avulta, naturalmente, a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período da suspensão: se a finalidade precípua desta pena de substituição é (...) a de afastar o delinquente da criminalidade, então, o cometimento de um crime durante o período da suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de
suspensão sempre supõe (in Direito Penal Português – in As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, pág. 355).
Por outro lado, durante todo o tempo decorrido após a concessão da liberdade
condicional, o condenado/libertado não foi capaz de concretizar uma efectiva mudança
de vida, mantendo-se inactivo e dependente dos subsídios sociais do Estado, no mesmo
ambiente desfavorável do ponto de vista social que lhe propiciou as práticas criminais,
tanto mais que se encontra novamente envolvido em situações de natureza criminal, ao
ponto de lhe ter sido aplicada prisão preventiva num processo, que se mantém pendente,
em que está fortemente indiciado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
Resulta, assim, de todo o exposto que se mostra irremediavelmente gorado o juízo de prognose efectuado relativamente à preparação do condenado para regressar à
liberdade antes do termo das penas que tinha para cumprir, para alem de que não é já,
também, socialmente tolerável manter os votos de confiança dados àquele, depois de ele
já ter demonstrado que não é deles merecedor, ao ter desprezado a oportunidade que lhe
foi dada para retomar um diferente rumo de vida, praticando um novo ilícito criminal.
E, nessa medida, impõe-se considerar verificado o incumprimento do regime de liberdade condicional que lhe foi concedido, revogando-o, ao abrigo do disposto no artigo 56.º n.º1 do Código Penal (ex vi artigo 64.º do mesmo diploma).
Pelo exposto, e ao abrigo das supra referidas disposições legais, decide-se julgar verificado o incumprimento da execução da liberdade condicional pelo condenado AA e, consequentemente, determinar o cumprimento do remanescente das penas de prisão que aquele se encontrava a cumprir.
*
Notifique e comunique (cf. artigo 185.º n.º7 do CEPMPL).
*
Oportunamente, vão os autos ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 185.º n.º 8 do CEPMPL
(…)».
3.1. Vem o arguido recorrer da decisão judicial que julgou verificado o incumprimento da liberdade condicional que lhe havia sido concedida a partir de 25.9.2018, revogando, assim, a mesma.
3.2. A questão a resolver prende-se com os pressupostos da revogação da liberdade condicional[7].
Já sabemos que tal instituto da liberdade condicional foi pensado pelo nosso ordenamento jurídico, corria o ano de 1893 (Decreto de 6 de Junho e Regulamento de 16 de Novembro), então com natureza graciosa, com o intuito de benefício ou prémio aos condenados, a título de estímulo e recompensa pela boa conduta na prisão, desta forma permanecendo até ao Código Penal de 1982 (sempre visto como incidente de execução da pena de prisão).
Passou então a fazer do plano global da função de ressocialização da intervenção penal, como claramente emerge do preâmbulo de tal Código: «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».
Trata-se, em Portugal, de um incidente da execução da pena de prisão (não devendo ser encarada como uma medida coactiva de socialização).
A liberdade condicional constitui, pois, uma medida de excepção que visa a suspensão do cumprimento da pena imposta, de molde a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, permitindo dessa forma que o recluso recobre o sentido de orientação social enfraquecido devido à reclusão.
3.3. No nosso caso, tal liberdade condicional foi concedida pelo TEP em 25.9.2018 ao arguido recorrente pelo período de 25.9.2018 a 26.12.2020.
Entretanto foi decidida a revogação de tal liberdade condicional em incidente próprio, decisão essa agora alvo de recurso.
Por expressa remissão do artigo 64º, nº 1 do Código Penal, doravante CP, os pressupostos da revogação da liberdade condicional estão regulados nos artigos 52º, 53º, nºs 1 e 2, 54º, 55º, alíneas a) a c), 56º, nº 1 e 57º do mesmo diploma.
Na parte que aqui primordialmente releva, determina o artigo 56º, nº 1 do CP que a suspensão da execução da pena de prisão – e, assim, in casu a concessão da liberdade condicional – é revogada sempre que, no seu decurso o condenado:
· alínea a): infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras e conduta impostos;
OU
· alínea b): cometer crime pelo qual venha a ser condenado,
e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas [já sabemos que este pressuposto é aplicável a ambas as alíneas e não só à alínea b)].
Nos presentes autos está em causa a revogação da liberdade condicional do recorrente com base no fundamento previsto na aludida alínea b) do artigo 56º, nº 1 do CP.
Na verdade, e em termos objectivos, desde logo se constata que por sentença transitada em julgado em 4.7.2024, proferida no processo nº 3269/20.... que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa – J..., o arguido foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática, pelo menos, em 4.1.2019 (actividade delituosa que se prolongou até o dia 12.2.2019), sempre necessariamente posterior à data em que foi libertado condicionalmente (25.9.2018) (logo, em pleno período de liberdade condicional, decretada, já o sabemos, em 25.9.2018 e iniciada nesse dia), de um crime de burla, p. e p pelo artigo 217º, nº 1 do CP e de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelos artigos 255º, alínea a) e 256ºn nº 1, alíneas b), c) e e) do CP (por este 2º delito foi condenado em pena de multa).
Note-se que aí foi o arguido condenado como REINCIDENTE, nos termos dos artigos 75º e 76º do CP.
Disse-se que assim é em termos objectivos, pois que, como o segmento final do artigo 56º, nº 1, alínea b) do CP impõe, está posta de lado a revogação ope legis da suspensão da execução da pena – e, bem assim, da liberdade condicional – como efeito automático da prática de um novo crime doloso no respectivo período.
Ou seja, a revogação da liberdade condicional, que repristina a pena de prisão cuja execução estava interrompida, não é uma sanção pela prática de um novo crime no respectivo período, pois que aqui está em causa, ainda, a vinculação da pena aos factores de prevenção.
Recorramos, aqui chegados, ao eloquente aresto da Relação do Porto, exarado em 13.9.2023 (Pº 433/14.5TXPRT-J.P1):
«O que releva é poder ou não formular-se um juízo sobre a insubsistência da anterior previsão positiva sobre a ressocialização e a eficácia preventiva da liberdade condicional. Porque os princípios da proporcionalidade e da necessidade da pena cobrem todo o respectivo processo aplicativo, e subsistem até à extinção da sanção imposta, a decisão de revogação da liberdade condicional é delimitada aos casos em que esse facto imponha a conclusão de que se frustrou o juízo de prognose que a havia fundamentado».
Já o aresto da Relação de Évora, datado de 28.4.2020 (Pº 1852/10.1TXEVR-O.E1), disserta assim:
«O “ratio” da aplicação, quer do instituto da suspensão da execução da pena, quer do regime da liberdade condicional, é o prognóstico favorável feito pelo tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias dos factos, que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhada ou não da imposição de deveres (ou) regras de conduta – sejam bastantes para o afastar da delinquência e satisfazer as necessidades da punição e atingir a sua reinserção.
Portanto, são recíprocas, as razões, quer da revogação da suspensão da execução da pena, quer da revogação da liberdade condicional, atendendo às supra mencionadas previsões legais, sendo que o citado art. 64º, do CP, manda aplicar ao regime da revogação da liberdade condicional, regras da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Como salientam Leal Henriques e Simas Santos “a liberdade condicional tem como objectivo criar um período de transição entre a prisão e a liberdade durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão” (in CP Anotado, Rei dos Livros 3 ª Edição, vol. 1, pag. 742), não esquecendo que a concessão da liberdade condicional deriva de um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade.
Sobre estas questões, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, § 521, pág. 344), refere: “... o que aqui está em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada”
Em anotação ao citado art.º 56.º, do CP, Leal-Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, 3.ª Edição, vol. I, Rei dos Livros, pág. 711, adiantam: “As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão”.
A alteração introduzida pela revisão de 1995, passou a resultar que mesmo o cometimento de novo crime no decurso do período da suspensão de pena é insuficiente, só por si, para determinar a revogação da pena de substituição. Pôs fim à anterior redacção “profundamente criticável do ponto de vista politico-criminal” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, “As consequências jurídicas do crime”, 2005, p. 356).
Como refere Odete Oliveira, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II, CEJ, 1998, p. 105: “O acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime doloso durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição”.
A revogação automática da pena de prisão suspensa findou, seguindo-se a Regra 10 da Recomendação Nº R (92) 16, adiantando a ideia de que “nos casos de desrespeito das condições ou obrigações impostas por essa sanção ou medida, não devem existir disposições na lei respeitantes à conversão automática em prisão de sanções ou medidas aplicadas.”
Portanto, a condenação por crime cometido no período, quer da suspensão da execução da pena de prisão, quer da liberdade condicional, não opera, automaticamente, a sua imediata revogação, devendo ser realizado, previamente, o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição e da sua reinserção, que ditará a opção entre o regime do art. 55º ou do art. 56º do Código Penal.
Cons. Sá Pereira e A. Lafayette, in Código Penal Anotado e Comentado, pág. 189 e Leal Henriques e Simas Santos Código Penal Anotado, Rei dos Livros, vol. I pág. 713, sobre esta questão, adianta: “A alínea b) do n.º 1 refere-se à prática criminosa, qualquer que seja. Não importa que se trate, v.g., de crime doloso. O que interessa é apurar se o crime cometido contradiz as finalidades da suspensão, tornando-as inalcançáveis. E tal não constitui tarefa fácil, «pois obriga a uma grande certeza relativamente às circunstâncias envolventes do crime». Da conclusão a que se chegar, no desempenho de tal tarefa, depende a actuação, em concreto, deste artigo (impositivo de revogação) ou do artigo anterior (que oferece ainda uma oportunidade”.
Alguma doutrina e jurisprudência entendem que só a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão ou de concessão de liberdade condicional, não puderam ser alcançadas, indicando, a título de exemplo, respectivamente:
- Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, 2ªed., p. 236, adianta que, em princípio, “só a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas” (o mesmo se aplicando ao regime da liberdade condicional), e,
- Os acórdãos de TRC 28.03.2012 e 11.05.2011, TRP 02.12.2009, TRE 25.09.2012, e o TRC, de 16-2-2017, proferido no processo n.º 1104/10.7TXCBR-M.C1 (todos disponíveis in www.dgsi.pt), este último, com o seguinte sumário: “I - Se o recorrente não se mostrou capaz de, em liberdade, prosseguir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; II - Se o arguido foi indiferente às obrigações que lhe foram impostas e pouco sensível aos efeitos do anterior período de reclusão; III - Com o cometimento do novo crime em pleno período de concessão da liberdade condicional (…); IV- Revela decididamente que o recorrente não estava em condições de cumprir as finalidades que estiveram na base da sua colocação em liberdade condicional, as quais não puderam, por meio desta, ser alcançadas, justificando-se a revogação da liberdade condicional”»[8].
3.4. QUID IURIS, no caso particular do arguido?
O tribunal entendeu que, perante a notícia da prática de um crime de burla e outro de falsificação de documentos durante o período da liberdade condicional, o arguido incumpriu o instituto, revogando-lhe a liberdade condicional.
E o seu raciocínio foi este (com sublinhados nossos):
· «Parece-nos ser evidente que, apesar da aparente postura cumpridora no que concerne à observância dos compromissos relacionais com os serviços da DGRSP, o condenado/libertado manteve o padrão de
comportamentos delinquentes que já vinham marcando a sua vida, no passado, continuando a praticar crimes, em manifesta negação do juízo que havia sido formulado em seu benefício, sobre a sua capacidade para, uma vez regressado ao meio livre, se alhear das práticas criminais.
· Com efeito, poucos meses depois do voto de confiança que lhe foi dado pelo Tribunal, AA revelou não ter qualquer respeito pelas censuras que lhe foram anteriormente dirigidas, ao persistir em comportamentos ilícitos, levando-nos, pois, a concluir, objectivamente, que aquele não interiorizou minimamente a gravidade e desvalor das suas condutas, frustrando, por completo, a expectativa depositada na sua capacidade de ressocialização quando lhe foi concedida a liberdade condicional (…).
· Por outro lado, durante todo o tempo decorrido após a concessão da liberdade condicional, o condenado/libertado não foi capaz de concretizar uma efectiva mudança de vida, mantendo-se inactivo e dependente dos subsídios sociais do Estado, no mesmo ambiente desfavorável do ponto de vista social que lhe propiciou as práticas criminais, tanto mais que se encontra novamente envolvido em situações de natureza criminal, ao ponto de lhe ter sido aplicada prisão preventiva num processo, que se mantém pendente, em que está fortemente indiciado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes».
A conclusão foi esta:
«Resulta, assim, de todo o exposto que se mostra irremediavelmente gorado o juízo de prognose efectuado relativamente à preparação do condenado para regressar à liberdade antes do termo das penas que tinha para cumprir, para alem de que não é já, também, socialmente tolerável manter os votos de confiança dados àquele, depois de ele já ter demonstrado que não é deles merecedor, ao ter desprezado a oportunidade que lhe foi dada para retomar um diferente rumo de vida, praticando um novo ilícito criminal».
Na verdade, e como decorre da factualidade apurada, o libertado, menos de 4 meses após lhe ter sido concedida a liberdade condicional, incorreu no cometimento de um novo crime contra o património (burla) e de um novo crime contra a vida em sociedade (falsificação), ilícitos estes por si já antes praticado por mais do que uma vez[9], tendo dado origem a condenações anteriores em penas efectivas de prisão.
Desta forma, e tendo cometido tais delitos (um dos quais da mesmíssima natureza dos praticados no Pº 520/13...., ou seja, crime contra o património, contrariando-se assim a alegação de recurso segundo a qual «o crime que praticou não é da mesma tipologia dos crimes que fora condenado» (sic – conclusão Q), conclui-se, sem necessidade de muito mais elaborada fundamentação, que o condenado ao cometer um facto típico, ilícito e culposo no período de vigência da liberdade condicional que lhe foi concedida, infringiu o mais básico propósito de inserção social ínsito à cominação de uma pena: a interacção em liberdade com os demais cidadãos, abstinente da prática de actos criminosos.
É inequívoco, pois, que o condenado, ao praticar os crimes poucos meses depois de libertado condicionalmente, e numa altura em que devia ainda estar «em estado de graça» pela clemência e benesse da medida que lhe havia sido aplicada, por sentença de 25.9.2018, frustrou as concretas finalidades que basearam a sua libertação condicional.
Repare-se: quatro meses após a sua libertação, não hesitou em, de novo, burlar terceiros, nada constando da matéria dada como provada nesse Pº 3269/20.... que possa confirmar aquilo que, à saciedade, a defesa vem alegando – que o arguido praticou estes factos «por causa das drogas» (palavras suas na audição de 8.10.2024, aí dizendo algo que só pode correr contra si: «acho que não fiz mal nenhum», demonstrando uma falta de juízo crítico flagrante relativamente às ilicitudes que vai cometendo).
Além disso, não temos qualquer certeza de que esteja longe dos produtos estupefacientes (tendo apenas a sua verbalização, não sendo conclusivos nesse sentido qualquer um dos relatórios da DGRSP existentes nos autos[10]).
O objectivo da liberdade condicional é “criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante a qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão” (n.º 9 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro), visando “uma adequada reintegração social do internado”.
Essa reintegração social foi, a nosso ver, frontalmente inviabilizada pelo condenado, infirmando o juízo de prognose favorável anteriormente feito e que esteve subjacente à concessão da liberdade condicional.
Nem se venha dizer que está provado que o condenado se afastou da criminalidade nestes 5 anos posteriores à sua libertação – basta ver (e não precisamos sequer de referenciar o processo criminal – aí respondendo pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes - onde, recentemente, esteve preso preventivamente, ainda sem condenação, e relativamente ao qual só pode usufruir da presunção de inocência) o Pº 91/21.... (cfr. fls 50), onde foi condenado pela prática, em 19.4.2021 (data não abrangida pela decisão de liberdade condicional), de mais um crime de roubo, aplicando-se-lhe então, uma pena de prisão com regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica.
Também se deu como provado na decisão recorrida que, a partir de Setembro de 2019, o arguido retomou o convívio com «outros indivíduos conotados com práticas de natureza criminal», desrespeitando também aqui a cláusula d) da decisão que lhe concedeu a liberdade condicional em 25.9.2018.
Tudo isto tem de relevar, minimizando completamente a circunstância de se encontrar familiarmente integrado e de ter sempre comparecido às entrevistas agendadas com a DGRSP (aqui, a sua elementar obrigação).
Já o vimos: esta decisão de revogação tem de ser tomada, obrigatoriamente, com base na situação fáctica existente no momento em que se encerra a discussão dos seus pressupostos.
Pela severidade que esta medida representa, esta deverá ser de última ratio tendo em conta a sua gravidade.
Consequentemente, o tribunal tem de ponderar o peso que este incumprimento deve representar para o juízo de prognose que tinha sido formulado anteriormente, aquando da concessão da liberdade condicional.
Por esta razão, a revogação apenas deverá ser aplicada quando o condenado apresentar indícios sérios de que irá reincidir ou quando a não revogação da liberdade condicional seja contraproducente para a sua ressocialização.
Destarte, apenas se deve considerar esta medida quando outra não consiga atingir o mesmo propósito.
No caso, e ao contrário do que defende em recurso, não se pode dizer que se gerou um efeito automático de revogação da liberdade condicional pela mera notícia do cometimento de mais um crime pelo arguido – o tribunal opinou que foi infirmado o juízo de prognose favorável anteriormente realizado, até pelo facto de ter sido cometido um crime da mesma natureza de alguns dos crimes que foram outrora praticados por ele e com base nos quais estava em cumprimento de pena até à sua libertação, por concessão da liberdade condicional, e num tão curto prazo de tempo, cumprindo, assim, o desiderato do artigo 56º, nº 1 do CP.
Tal novo crime – praticado apenas QUATRO singelos meses depois da sua libertação - revela personalidade delinquente e uma total indiferença pela condenação de que foi alvo, infirmando definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da concessão da liberdade condicional, isto é, da esperança de, por meio desta manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.
Como observa Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, p. 355, § 542, “o cometimento de um crime durante o período da suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe”.
Neste sentido se pronuncia o Acórdão da Relação de Coimbra de 1.2.2012, proferido no proc. nº 1574/10.3TXCBR-C.C1:
«Tendo o arguido praticado um novo crime doloso precisamente durante o período de liberdade condicional - crime de roubo, com violência física contra as pessoas, pelo qual foi condenado em pena de prisão -, é manifesto que a concessão da liberdade condicional não cumpriu a finalidade primacial, devendo por essa razão ser-lhe revogada».
A circunstância do tempo decorrido entre a prática dos crimes de 2019 e a decisão recorrida não nos incomoda.
Como bem assinala a Magistrada do MP de 1ª instância em eloquente argumentação:
«Os crimes que cometeu durante o período da liberdade condicional ocorreram, efectivamente, há mais de cinco anos, circunstância irrelevante, esse tempo foi o necessário para o recorrente ter cometido os crimes, investigarem-se os mesmos, realizar-se o julgamento e tornar-se definitiva a condenação.
Importa sim que os crimes foram cometidos pouco depois de ter sido libertado condicionalmente e, diga-se, ao contrário do que o recorrente defende, tal como os de roubo pelos quais cumpria pena, também um deles contra o património».
Portanto, concluímos que a concessão da liberdade condicional, na fase em que foi determinada, não obteve sucesso na sua função preventiva quer especial, quer geral, pois que não se se revelam afinal de forma suficiente sinais seguros de uma evolução pessoal decorrente de tal medida que se sobreponham àqueles parâmetros, e que possam justificar a manutenção da liberdade condicional enquanto medida de natureza excepcional.
A ponderação que aqui releva – em resultado de tudo quanto foi carreado para os autos e tudo o acima exposto – é a de que, no presente caso, as expectativas de reinserção não são manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da restituição à liberdade do condenado/recluso.
Daí que a Meritíssima Juiz do TEP de Coimbra não pudesse tomar outra decisão que não fosse a de revogar a liberdade condicional ao ora recorrente, não conseguindo a defesa convencer-nos de que esta decisão foi injusta ou desproporcionada, não se vislumbrando qualquer violação dos pressupostos ínsitos no artigo 56º do CP.
3.5. CONCLUINDO:
Não merece censura formal ou substancial a decisão de revogação da liberdade condicional.
III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs [artigos 513º, no 1, do CPP e 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa], sem prejuízo da aplicação do preceituado no artigo 4º, nº 1, alínea j) do RCP.
Coimbra, 22 de Janeiro de 2025
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09)
Relator: Paulo Guerra
Adjunto: Alexandra Guiné
Adjunto: Alcina da Costa Ribeiro
[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Em rigor este facto deveria ter o nº 5.
[3] Em rigor este facto deveria ter o nº 6.
[4] Em rigor este facto deveria ter o nº 7.
[5] Em rigor este facto deveria ter o nº 8.
[6] Em rigor este facto deveria ter o nº 9.
[7] Sendo da competência dos Tribunais de Execução de Penas o incidente de incumprimento da liberdade condicional [cfr. o artigo 138º, nº 4, alínea c) de t CEPMPL].
[8] Também o acórdão da Relação de Lisboa, datado de 17.3.2021 (Pº 1381/11.6TXLSB-G.L1-3), embora decidindo a final a favor do arguido, segue nesse diapasão:
«Como a revogação da liberdade condicional, repristina a execução da pena de prisão que estava interrompida e não pode, ela própria, ser uma sanção pela prática de um novo crime no respectivo período, se o condenado cometer outro crime, no decurso do prazo liberdade condicional, pelo qual venha a ser condenado, tal condenação só desencadeará a revogação da liberdade condicional, se resultar demonstrado que as finalidades que estavam na base da sua concessão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
E tal só sucederá se, depois de analisados, em concreto, o tipo de crime praticado, as condições em que foi cometido, a gravidade da conduta, as condições de vida do arguido e o seu comportamento até ao momento da decisão sobre a revogação da liberdade condicional, que não possam reputar-se estranhas à prática do novo crime ou dele dissociáveis, os seus antecedentes criminais, bem como, outras circunstâncias que se revelem pertinentes, se verificar o fracasso do prognóstico favorável relativamente ao comportamento do recluso, quanto à sua capacidade de interiorização dos valores ético-jurídicos que regem a vida em liberdade e o convívio social e de adequação da sua actuação de harmonia com esses valores».
[9][9] Em 1999, 2000 e 2013, crimes de roubo, em 2001, crime de furto e em 2004, crime de furto qualificado, todos crimes contra o património.
[10] Um deles refere a pendência dos Pºs 234/20.... e 259/19...., por alegados factos posteriores à libertação em 25.9.2018, por criminalidade ligada ao consumo de estupefacientes, embora sem condenação registada em CRC (logo, também aqui só pode ele usufruir da presunção de inocência).