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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PRISÃO EFECTIVA
PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL
Sumário
I - A suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e às circunstâncias do facto. Contudo, a pena de prisão só deve ser suspensa na sua execução se for adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição em termos de prevenção geral, ou seja, à defesa do ordenamento jurídico que o caso concreto requer. II - O crime de violência doméstica pelos efeitos nefastos que causa, mas simultaneamente pela dificuldade de interiorização social dos seus danos, para as pessoas das vítimas e para a sociedade em geral, e da gravidade do seu cometimento, exigem para a reposição da força e validade da norma violada e para desencorajar a sua prática a efetividade da pena aplicada.
Texto Integral
I – RELATÓRIO
1 – C veio interpor recurso da Sentença proferida no p.p. dia 30 de setembro de 2024, na qual se decidiu: 2) condenar a arguida, C, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº2, alínea a) do Código Penal, numa pena de 3 (três) anos de prisão, a cumprir de forma efetiva; 3) condenar a arguida, C, na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, pelo período de 5 (cinco) anos, nos quais a arguida se encontra proibido de contactar a vítima e de se aproximar da sua residência e do seu local de trabalho; 4) condenar a arguida, C, na pena acessória de proibição de porte de armas, pelo período de 5 (cinco) anos; 5) condenar a arguida, C, na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica; 6) condenar a arguida, C, no pagamento ao ofendido, F, de uma indemnização no valor de €3.000,00 (três mil euros);
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Para o efeito apresentou as conclusões que se seguem: I. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito e de facto da sentença proferida nos presentes autos, nomeadamente quanto à não suspensão da execução da pena de prisão, que condenou a arguida pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º n.º 1 alínea b) e n.º 2, alínea a) do Código Penal, numa pena de 3 (três) anos de prisão, a cumprir de forma efetiva. E ainda, quanto aos factos dados como provados nos pontos 7. e 16. da douta sentença. II. O Tribunal a quo considerou provado que “7. Em data não concretamente determinada, a arguida C mandou F bloquear os contactos telefónicos dos pais” e que “16. A arguida C continuou a afastá-lo da sua família e dos seus amigos, impedindo os contactos.” III. Em sede de contestação, a arguida requereu a junção “das faturas detalhadas entre o dia 1 de janeiro de 2020 a 30 de setembro de 2021, entre o número (………) que corresponde ao do Arguido e o n.º (………..), que corresponde ao pai deste, L, de forma a comprovar com regularidade com que estes sempre falavam, o que se considera essencial para a descoberta da verdade”. IV. Acontece que, o MM Juiz do Tribunal a quo veio indeferir este requerimento probatório. V. No entanto, salvo o devido respeito, a arguida ora Recorrente discorda do despacho em causa porque, o que se pretende são os dados de faturação do telemóvel do arguido, para se aferir o registo de chamadas nomeadamente com o pai deste, uma vez que, ao contrário do que alega o arguido, as chamadas eram geralmente diárias. VI. Logo, no nosso entender a não obtenção de tais dados viola o direito de defesa da arguida ora Recorrente, uma vez que, este é o único meio probatório que contraria os factos pelos quais a arguida vem a ser condenada. VII. Tratando-se assim, de um meio de prova indispensável para a descoberta da verdade por se entender, que o depoimento do pai do arguido pela natureza da relação familiar destes, irá ao encontro da versão dos factos trazida pelo arguido. VIII. Os registos de faturação são o único meio de prova que permitirá contrariar a versão dos factos do arguido e permitirá à arguida exercer devidamente o seu direito de defesa. Aliás, se os factos que o assistente e arguido imputa à arguida fossem verdadeiros, porque razão este se opunha à obtenção de tal documento? A oposição do arguido demonstra claramente que este não pretende colaborar com a descoberta da verdade material do factos. IX. Por outro lado, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, apesar da declaração de inconstitucionalidade, ficaram intocáveis e, por isso, são convocáveis no caso em apreço os seguintes normativos: artigo 189º n.º 2 e 167º, ambos do Código de Processo Penal, artigo 6º da Lei n.º 41/2004 de 18.08 e artigo 14º n.º 3 da Lei n.º 109/2009 de 15.09. X. Assim, de acordo com estes normativos é permitida a obtenção e junção aos autos de dados armazenados, in casu, de registos da realização de comunicações, “dados de tráfego”, que podem ser solicitados em qualquer fase do processo, por decisão do juiz, desde que a diligência se revista de relevância probatória, isto é, de acordo com o critério de mera necessidade para a prova e com o juízo proporcionalidade previsto no artigo 18º n.º 2 da CRP. XI. Por outro lado, ainda, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou ainda o disposto no artigo 355º n.º 1 do CPP. Com efeito, de acordo com esta norma, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas na audiência. XII. Pelo que, se requer com os fundamentos expendidos, que a decisão recorrida seja revogada, qual deverá ser substituída por outro que defira o requerido pela arguida, nomeadamente a junção das faturas detalhadas entre 1 de janeiro de 2020 a 30 de setembro de 2021, do número (……….). XIII. O Tribunal a quo considerou também insuficiente e inadequado ao caso concreto, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º do Código Penal. XIV. Ora, segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/11/2017, “Os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão vêm enunciados no art. 50.º, n.º 1 do Código Penal. - O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos. - O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” XV. No presente caso, tendo em conta que a arguida foi condenada numa pena de 3 (três) anos de prisão, portanto não superior a 5 (cinco) anos de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado. XVI. Resta agora saber se também o pressuposto material de aplicação da execução de prisão se verifica tendo em conta a factualidade dada como provada na sentença. XVII. Da factualidade dada como provada na sentença resulta que a arguida já tinha sido condenada, no âmbito do processo n.º 1174/15.1PWLSB, pela prática de um crime de furto simples e um crime de dano simples, tendo-lhe sido aplicada uma pena única de 270 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), numa quantia total de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros). XVIII. Do exposto, resulta que anteriormente à presente condenação, a arguida nunca foi condenada por um crime da mesma natureza. XIX. Nem nunca lhe foi aplicada uma suspensão da execução de prisão, nos termos do artigo 50º do Código Penal. XX. Para além disto, e tal como resulta dos factos dados como provados na douta sentença, a arguida encontra-se a trabalhar, exercendo funções como auxiliar de Lar, onde aufere um rendimento coincidente com o ordenado mínimo nacional. Reside com o filho, na Rua (…………), onde tem despesas de água, eletricidade e serviços de telecomunicações. XXI. Estando por esse motivo, bem integrada quer social quer familiarmente. XXII. Logo, o Tribunal a quo ao aplicar a pena efetiva de 3 (três) anos de prisão efetiva à arguida, procurou apenas utilizar a pena como “instrumento de retribuição”. XXIII. Ora, segundo o Professor Figueiredo Dias a pena criminal tem como fins a retribuição e a prevenção (geral e especial). XXIV. Assim sendo, não pode a pena traduzir-se apenas num mal para quem a sofre, é necessário usar desse mal para alcançar a finalidade precípua de toda a política criminal, a “prevenção”. XXV. Ora, segundo a sentença proferida pelo Tribunal a quo “olhando às exigências de prevenção especial de ressocialização (...), considera-se que a mesma não reúne os fatores necessários para se conseguir uma ressocialização da mesma, afastado da prática de crimes da mesma natureza ou de outra, em liberdade”. XXVI. No entanto, e tal como vem referido na douta sentença, quando perguntado à arguida sobre a possibilidade de ser sujeita a um tratamento psiquiátrico, o que poderia ser uma condição de uma suspensão da pena, a mesma afirmou que “sim”. XXVII.A sujeição da arguida a um tratamento psiquiátrico iria, dessa forma, acautelar o fim de prevenção especial de ressocialização da pena, e consequentemente, poderia ser condição de uma suspensão da execução da pena de prisão. XXVIII. A suspensão da pena pode revestir três modalidades: a modalidade simples (artigo 50º do CPP), a modalidade de acompanhamento de um regime de prova (artigos 53º e 54º do CP), e ainda, a modalidade de subordinação ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta (artigos 51º e 52º do CPP). XXIX. Assim sendo, a imposição de deveres e regras de conduta à arguida, nomeadamente a sujeição a um tratamento psiquiátrico, acautelaria a reparação do mal do crime e a ressocialização da mesma, evitando que cometesse novos crimes. XXX. Sem prescindir sempre se diga que, face à matéria dada como provada, a pena de prisão de 3 (três) anos aplicada é manifestamente excessiva. XXXI. A determinação da pena de prisão deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção. XXXII. Ora, in casu, convém ter em linha de conta que a arguida, desde o momento da prática dos factos que tem vindo a melhorar a sua vida, deixando de receber o subsídio de desemprego, encontrando-se a laboral como auxiliar de Lar. XXXIII. Nem nunca mais tentou estabelecer qualquer tipo de contacto com o ofendido. XXXIV. O que demonstra desde já, capacidade para se conseguir uma ressocialização em liberdade. XXXV. Para além de que, vem ainda o Acórdão do Tribunal da relação de Coimbra referir que “II - No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas) (...)” XXXVI. Ficando assim, demonstrado pelo comportamento da arguida, após a prática dos factos, que a simples censura do facto e a ameaça de prisão serão suficientes para, em concreto, realizar de forma adequada as finalidades de punição em causa, e que a mesma interiorize, de facto, aquele desvalor, perante a iminência de privação efetiva da liberdade, e que não volte a praticar estes factos. XXXVII. Logo, o pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão, encontra-se também preenchido. XXXVIII. Não justificando, no caso concreto, as exigências de prevenção especial e geral a aplicação de uma pena de prisão, mas sim uma suspensão da execução da pena de prisão na modalidade de subordinação ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta (artigos 51º e 52º do CPP). Termos em que e nos demais de direitos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência: a) Ser deferida a junção das faturas detalhadas entre 1 de janeiro de 2020 a 30 de setembro de 2021, do número (………); b) Ser aplicada ao caso concreto, a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do artigo 50º n.º 1 do Código Penal; FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!
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O recurso foi recebido por despacho de 24 de outubro de 2024, tendo o MP apresentado resposta na qual concluiu nos termos que se transcrevem: O Juiz tem que efetuar um juízo de prognose capaz de antecipar se a suspensão da pena levaria a um ponto de inflexão, de ressonância afetiva na vida da Arguida, o que fez e concluiu pela negativa. A Suspensão nem sempre é possível. Se é desejável, nem sempre é compatível com as exigências de Prevenção, como não foi, in casu. Tratando-se de um trabalho árduo, o juiz não pode no entanto abster-se de o levar a cabo - tendo em conta que a conjunção de necessidades de prevenção geral face ao bem jurídico lesado e cuja validade da norma que o protege tem de ser reafirmada, e, por outro lado, tendo em conta necessidades de prevenção especial que as qualidades da personalidade do arguido infirmam, podem, todas estas, não permitir ao Juiz o preenchimento do juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade para não voltar a delinquir. A fundamentação da Sentença concluiu pelo facto de as exigências de prevenção geral serem in casu muito elevadas. A Arguida demonstrou em sede de audiência de julgamento, ausência total de empatia. A tentativa de suicídio do Ofendido não foi suficiente para travar esta conduta da Arguida, que a continuaria se não tivesse sido travada pela família. A Arguida manteve sempre um discurso autocentrado, sendo notório que não tem qualquer consciência da ilicitude e do desvalor da sua conduta. A Arguida manteve total alheamento para com o sofrimento humano, centrando-se unicamente na sua pessoa. A Arguida, em sede de audiência de julgamento, tentou repetidamente humilhar e rebaixar o ofendido, tanto na sua ausência como na sua presença. O Tribunal chegou a uma conclusão que o Ministério Público partilha: “O Tribunal formou a convicção que a suspensão da pena e uma mera ameaça de prisão, criaria nesta Arguida em concreto, um sentimento de impunidade relativamente aos factos que praticou, atendendo à sua falta de consciência no desvalor da conduta”. O circunstancialismo de apenas ter registado contra si um único antecedente criminal não consubstancia só por si a existência de factualidade que permita ao Tribunal concluir por um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento, O crime de violência doméstica […], que integra o padrão de criminalidade violenta [cfr. artigo 1º, alínea j), do Código de Processo Penal], impõe elevadíssimas exigências de prevenção geral, que demandam firmeza na punição, situando-se o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico [abaixo do qual se colocaria em causa a crença da comunidade na efetiva proteção/tutela dos bens jurídicos], num nível muito elevado, quanto a este tipo de crime. (Sublinhado nosso). Nestes termos e noutros de Direito que V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores, suprirão, deverá ser negado provimento ao Recurso, mantendo-se a Sentença recorrida, nos seus precisos termos. Fazendo Vossas Excelências Justiça!
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Verifica-se dos autos que a arguida interpôs recurso do despacho proferido nos autos no dia 08-02-2024.
Este recurso foi admitido por despacho de 27-02-2024, tendo o MP apresentado a competente resposta.
Por força do disposto no art.º 412.º, n.º 5 do CPP havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse.
Analisadas as motivações e conclusões de recurso verifica-se que a recorrente não expressou diretamente o seu interesse na decisão do recurso. Mas tem que se entender que tem interesse na sua decisão uma vez que no recurso da decisão final retoma as razões da sua discordância relativamente àquela decisão o que aliás verte também nas conclusões.
Assim, apreciar-se-á tal recurso, antes, por precedência lógica, do apresentado contra a Sentença.
O Despacho proferido no dia 08-02-2024 tem o seguinte teor: Na contestação apresentada pela arguida C, a mesma apresentou requerimento probatório, no qual requereu “que sejam requeridas as faturas detalhadas entre 1 de janeiro de 2020 a 30 setembro de 2021, entre o número (……….) que corresponde ao do Arguido e o nº (……….), que corresponde ao do pai deste, L, de forma a comprovar a regularidade com que estes sempre falavam, o que se considera essencial para a descoberta da verdade”. Explicou no texto da contestação que tal requerimento é no sentido de “comprovar a regularidade diária com que estes sempre falaram”, por ser “falso que a arguida em momento algum, tivesse mandado o arguido bloquear os contactos telefónicos entre este e os seus pais”. Atento o princípio do contraditório foi dada a oportunidade de pronúncia ao Ministério Público e ao arguido/assistente, F. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que tais datas não poderão mais ser solicitadas à operadora, considerando teor do o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, mais invocando o artigo 6º, nº3 da Lei 41/2004, de 18 de agosto, devidamente conjugado com o disposto artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho. Também o arguido/assistente, F, veio referir que aquela junção se trataria de uma violação do direito à reserva da intimidade, designadamente de uma pessoa (pai do arguido) que não é sequer parte nos presentes autos. Além do mais indica que o pai do arguido/assistente se encontra arrolado como testemunha, pelo que poderá esclarecer o Tribunal; mais invocando o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do artigo 6º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, “As entidades referidas no nº 1 do artigo 4º devem conservar os dados previstos no mesmo artigo pelo período de um ano a contar da data da conclusão da comunicação” - ano esse que já passou atendendo às datas indicadas pela requerente. Ademais, refere o artigo 9º, nº1 da mesma Lei que “a transmissão dos dados referentes às categorias previstas no artigo 4º só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, deteção e repressão de crimes graves” – não sendo possível afirmar desde já que o facto que assistente/arguida pretende demonstrar com aquele requerimento seja impossível ou muito difícil obter doutra forma, uma vez que ambos os arguidos/assistentes poderão prestar declarações do Tribunal e o pai do arguido, conforme indicado, se encontra arrolado como testemunha. Assim, sem necessidade de mais considerações e atendendo ainda às demais normas legais citadas pelo Ministério Público, indefere-se o requerimento probatório da arguida/assistente.
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As conclusões do recurso apresentado contra este despacho são as seguintes: I – Vem a arguida acusada de um crime de violência doméstica, estando em causa os seguintes factos na acusação pública: “Desde o início do matrimónio que C demonstrou uma personalidade controladora e possessiva, vasculhando o conteúdo do telemóvel de F, controlando as chamadas que este efetuava, bloqueando alguns dos seus contactos, impedindo o mesmo de se aproximar de familiares e amigos, controlando, igualmente, os movimentos dos seus cartões de multibanco. 4. Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, C apelidava, frequentemente, F de: “porco”, dizendo-lhe:” não te lavas”, “preguiçoso”, “estás sempre deitado”, causando-lhe sofrimento e humilhação”. II – Da acusação particular relevam ainda os seguintes factos: A partir da data em que começaram a viver em Salvaterra de Magos, o comportamento de C que sempre tinha sido algo controlador, mas ao qual nunca o assistente se opôs devido ao estado de paixão em que se encontrava, começou a tomar outras proporções. 4) A arguida começou então a controlar o telemóvel do assistente querendo sempre verificar quais as chamadas que este fazia ou recebia, quais as mensagens que este enviava ou recebia. 5) Quando a arguida saía de casa, quer por breves instantes, quer ainda quando saía por mais tempo, geralmente sempre cerca de dois dias dizendo que ia para Setúbal tomar conta de umas enteadas, começou a obrigar o requerente a ter o seu telemóvel ligado numa aplicação que permite ter a câmara do telemóvel ligada, podendo assim verificar sempre onde este estava. 6) Nessas alturas, a arguida por vezes ligava a câmara do seu telemóvel, mas a mais das vezes o assistente não a via, mas sabia que era visto. 7) A partir de determinada altura, a arguida passou a impedir que o assistente saísse de casa sozinho e mesmo quando pretendia ir a casa dos pais desde apenas o podia fazer se acompanhado por esta. 8) Sendo que em relação aos pais do assistente a arguida, nomeadamente em relação ao pai deste, vendo que os mesmos não se encontravam “confortáveis” com a relação entre ambos, acabou por lhe mandar bloquear os contactos telefónicos de ambos. (…) 13) Daí em diante, a arguida continuou a exercer pressão psicológica sobre o assistente e esta tornou-se cada vez mais intensa, controlando-o em todos os seus movimentos, controlando a relação com os seus familiares e com os seus colegas de trabalho. 14) De forma a impedir que as relações sociais do assistente sequer existissem, evitando ao máximo os contactos com os seus pais e irmãos. (…)” III – Face aos factos pelos quais vem acusada a arguida requereu em sede de contestação o seguinte: a junção “das faturas detalhadas entre 1 de janeiro de 2020 a 30 setembro de 2021, entre o número (………….) que corresponde ao do Arguido e o nº (………..), que corresponde ao do pai deste, L, de forma a comprovar a regularidade com que estes sempre falavam, o que se considera essencial para a descoberta da verdade”. IV – Tendo sido indeferido o requerido, por despacho de 08/02/2024, com a referência 95531106. V – Salvo o devido respeito a arguida discorda do despacho em causa, nomeadamente porque o que se pretende são os dados de faturação do telemóvel do arguido, para se aferir o registo de chamadas nomeadamente com o pai deste, uma vez que estas ao contrário do que alega o arguido, eram geralmente diárias, o que a nosso ver a não obtenção de tais dados viola o direito à defesa da arguida, uma vez, este é o único meio probatório que por excelência, uma vez que se trata de uma prova documental, sendo o único meio que contraria os factos pelos quais a arguida vem acusada. VI – Este meio de prova é assim indispensável para a descoberta da verdade por se entender, que o depoimento do pai do assistente pela natureza da relação familiar destes, irá ao encontro da versão dos factos trazida pelo assistente. VII – Sendo que os registos de faturação, são o único meio de prova que permitirá nestes autos, contrariar a versão dos factos do assistente e que permitirá a arguida exercer devidamente o seu direito de defesa. Aliás, se os factos que o assistente imputa à arguida fossem verdadeiros, porque razão este se opunha à obtenção de tal documentação? VIII – A oposição do assistente, demonstra claramente que este não pretende colaborar com a descoberta da verdade material nestes autos, e que a versão por este defendida não corresponde à verdade dos factos. Por outro lado IX – No acórdão do Tribunal Constitucional aludido do despacho recorrido, apesar desta declaração de inconstitucionalidade, ficaram intocáveis e, por isso, são convocáveis no caso em apreço os seguintes normativos: artigos 189.º, n.º 2 e 167.º ambos do Código de Processo Penal, artigo 6.º da Lei nº 41/2004 de 18.08 (concretamente o artigo 6.º, nº7) e 14.º, nº3 da Lei nº 109/2009, de 15.09. X – Assim, e acordo com aqueles normativos é permitida a obtenção e junção aos autos de dados armazenados, in casu, de registos da realização de comunicações, “dados de tráfego”, que podem ser solicitados em qualquer fase do processo, por decisão do juiz, desde que a diligência se revista de relevância probatória, isto é, de acordo com o critério de mera necessidade para a prova e com o juízo proporcionalidade previsto no artigo 18º/2 CRP. XI – A jurisprudência vem no mesmo sentido, conforme acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. nº12/23.6PBGMR-A.G1, de 02/05/2023, in www.dgsi.pt). XII –Pelo que se requer com os fundamentos expendidos, que a decisão recorrida ser revogada, qual deverá ser substituído por outro que defira o requerido pela arguida, nomeadamente a junção das faturas detalhadas entre 1 de janeiro de 2020 a 30 setembro de 2021, do número (……….), sendo assim feita, JUSTIÇA
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Na sua resposta o MP concluiu como se segue: a) Nestes autos foi requerido pela ora recorrente em sede de contestação a junção “das faturas detalhadas entre 1 de janeiro de 2020 a 30 setembro de 2021, entre o número (……….) que corresponde ao do Arguido e o nº (…………), que corresponde ao do pai deste, L, de forma a comprovar a regularidade com que estes sempre falavam, o que se considera essencial para a descoberta da verdade”. b) O Tribunal a quo proferiu um despacho com o seguinte teor, e do qual recorreu C, indeferindo o requerimento probatório da arguida/assistente. c) A Recorrente esclareceu que, “o que pretende são os dados de faturação do telemóvel do arguido, para se aferir o registo de chamadas nomeadamente com o pai deste, uma vez que estas ao contrário do que alega o arguido, eram geralmente diárias, o que a nosso ver a não obtenção de tais dados viola o direito à defesa da arguida, uma vez que este é o único meio probatório que por excelência” d) Contudo, a faturação detalhada a que a Assistente/Recorrente se refere como “dados de faturação” relativa às comunicações telefónicas integra efetivamente o conceito de “dados de tráfego”. e) O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.10.2022, que teve como Relator o Juiz Desembargador Dr. Paulo Guerra, proferido no âmbito do processo 538/22.9JALRA.C1 define que “II- Os serviços de telecomunicações compreendem, fundamentalmente, os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo. III – Os dados de base são os dados respeitantes à conexão à rede, ou seja, são os dados através dos quais o utilizador da rede de telecomunicações tem acesso à ligação. IV - Os dados de tráfego correspondem aos dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede. V-Por último, os dados de conteúdo são os dados alusivos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem.” f) Partindo desta definição, a informação que a assistente/arguida pretende são indubitavelmente dados de tráfego, e são dados conservados. g) As faturas/informações referentes a tais datas [1 de janeiro de 2020 a 30 setembro de 2021 ] não poderão mais ser solicitadas à operadora. h) Isto porque o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, que decidiu: “a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição; b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.” i) Desta forma, tendo sido declarada a inconstitucionalidade do citado artigo 4.º da Lei 32/2008, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, resta-nos socorrer ao disposto nos artigos 6.º da Lei 41/2004 e à Lei 23/96 de 26 julho para saber, face à lacuna criada pelo Acórdão do TC, por quanto tempo pode afinal conservar-se os dados de tráfego, artigo 9.º e 10.º do Código Civil. j) O art.º 6.º, n.3 da Lei 41/2004, de 18 de agosto, que tem por epígrafe “dados de tráfego” e que dispõe que , “O tratamento referido no número anterior apenas é lícito até final do período durante o qual a fatura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado” e que, devidamente conjugado com o disposto artigo 10.º, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, prevê um prazo de prescrição de seis meses; k) Daqui se retira que apenas é possível guardar ou conservar a informação agora pretendida pela recorrente durante o prazo de seis meses, prazo esse que se encontrava largamente excedido à data da sua contestação. l) Ainda quanto à natureza dos dados, sua classificação, e possibilidade de conservação, vejam-se a título de exemplo o entendimento plasmado em alguns Acórdãos, recentes, e que deitam por terra os argumentos da recorrente: O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.12.2022, proferido no proc. 5011/22.2JAPRT-A.P1 que teve como relator o Juiz Desembargador Pedro Vaz Pato, disponível para consulta em www.dgsi.pt,; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.05.2023, proferido no proc. 398/23.2KRPRT-A.P1, que teve como Relator a Juíza Desembargadora Eduarda Lobo, disponível para consulta em www.dgsi.pt, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23.11.2022, proferido no processo n.º 141/22.3GCLRA.A.C1, que teve como relator o Juiz Desembargador Jorge Jacob, igualmente disponível para consulta no mesmo site. m) O despacho recorrido não invocou qualquer direito de defesa, pelo contrário, está conforme com o ordenamento jurídico existente à data e respeitou, como devia, a decisão do Ac. do Tribunal Constitucional. n) Atento o exposto, deve o recurso interposto improceder, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido, rejeitando-se por falta de fundamento e sustento legal o requerimento probatório da Recorrente. Termos em que deverá o recurso ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos! Porém, só V. Exas. farão, como sempre, Justiça!!!!
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A Sr.ª PGA junto deste Tribunal da Relação apôs Visto.
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II - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
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Questões a decidir:
(i) Da junção das faturas das comunicações entre os telemóveis do ofendido e seu pai;
(ii) Violação do art.º 355.º, n.º 1 do CPP;
(iii) Da medida da pena;
(iv) Da suspensão da pena.
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III – Apreciação do mérito do recurso: 1 - Do recurso interlocutório:
Está em causa saber se a junção aos autos da faturação detalhada das comunicações efetuadas de e para o telemóvel do ofendido para e do telemóvel de seu pai está ou não abrangida pela declaração, pelo Tribunal Constitucional, de inconstitucionalidade com força obrigatória geral constante Acórdão n.º 268/2022 de 19 de abril de 2022.
Esta questão foi diretamente tratada pelo aresto em causa e tem sido alvo de variadíssimos acórdãos das Relações no sentido defendido pelo MP, isto é, no sentido de que as informações solicitadas e cuja junção aos autos a arguida requereu violam o direito á privacidade, integram o conceito de dados de tráfego expressamente abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade.
Pelo seu acerto e clareza invocados e aderimos à doutrina do Acórdão desta Relação de 9-02-2023, proferido no proc. 150/19.0TELSB.E1, que transcrevemos para melhor compreensão: Conforme vem sendo frisado pela jurisprudência, em matéria de telecomunicações, há que distinguir os dados de base (elementos de suporte técnico e de conexão estranhos à própria comunicação em si mesma, designadamente os relacionados com a identificação dos titulares de um determinado cartão de telemóvel ou de um IP), os dados de tráfego (elementos que se referem já à comunicação, mas não envolvem o seu conteúdo, por exemplo, referentes à localização do utilizador do equipamento móvel, bem assim como do destinatário, data e hora da comunicação, duração da mesma, frequência, etc.) e os dados de conteúdo (elementos que se referem ao próprio conteúdo da comunicação)[1]. Apenas os dados de tráfego e localização conservados/armazenados pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas ou das redes públicas de comunicações estão abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade das normas dos artigos 4º, 6º e 9º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, do aludido Acórdão do TC n.º 268/2022. Como assinalou o TC no referenciado Acórdão «o que está em causa nos metadados é que são dados que revelam, a todo o tempo, aspectos da vida privada, familiar e social dos cidadãos, permitindo rastrear a localização do indivíduo ao longo do dia, todos os dias, desde que transporte o telemóvel e identificar quem contactou, quando, duração e regularidade.» Já no referente aos dados de base, relacionados com a identificação do titular de um número de telefone ou de um IMEI, no caso de ser um assinante registado, tratando-se de elementos recolhidos aquando da contratação do serviço de telecomunicações e que se mantêm independentemente de qualquer comunicação efetuada, não respeitando à privacidade da vida da pessoa ou à sua esfera íntima, em termos de encontrarem proteção, no contexto dos bens jurídicos protegidos pela Constituição[2] e, nessa medida, não são abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade emanada do Acórdão do TC n.º 268/2022. Assim, como se refere no Acórdão do STJ de 13/04/2023[3]: «As normas da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, no acórdão n.º 268/2022 (publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 03.06.2022), relacionam-se com o armazenamento (conservação) de dados em arquivos, durante o período de 1 ano, pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações. Relembrando a decisão, disse o Tribunal Constitucional: “[…] Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros. […]”. A Lei n.º 32/2008 regula a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, e que altera a Diretiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Junho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas. A Diretiva n.º 2006/24/CE, adotada com base no artigo 95.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (que dizia respeito ao funcionamento do mercado interno – antigo 1.º pilar da União), teve como principal objetivo harmonizar as disposições dos Estados-Membros relativas às obrigações dos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas ou das redes públicas de comunicações assegurarem a conservação de dados de tráfego e de localização, mas não de conteúdo, bem como de dados conexos, necessários para identificar o assinante ou o utilizador dos serviços de comunicações eletrónicas, para determinar a data, a hora, a duração e o tipo de uma comunicação e o equipamento de comunicação dos utilizadores, bem como para localizar o equipamento de comunicação móvel durante um determinado período, de 6 meses a dois anos (artigo 6.º), tendo em vista garantir a disponibilidade desses dados – que são os dados indicados no artigo 5.º, a que corresponde o artigo 4.º da Lei n.º 32/2008 – para efeitos de investigação, de deteção e de repressão de crimes graves, tal como definidos no direito nacional de cada Estado-Membro, em derrogação aos artigos 5.º (sobre “confidencialidade das comunicações”), 6.º (sobre “dados de tráfego”) e 9.º (sobre “dados de localização para além dos dados de trafego”) da Diretiva 2002/58/CE, que transpôs os princípios estabelecidos na Diretiva 95/46/CE relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados [transposta pela Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, atualmente substituída pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados - Regulamento(UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril (RGPD] para regras específicas do sector das comunicações eletrónicas.».
Assim, tendo em conta a doutrina exposta, obrigatória, nada mais nos resta que julgar não provido o recurso interlocutório interposto pela arguida.
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2- Violação do art.º 355.º, n.º 1 do CPP
A arguida invoca na sua motivação de recurso da sentença e repete na conclusão XI que o tribunal a quo violou o disposto no art.º 355.º, n.º 1: XI. Por outro lado, ainda, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou ainda o disposto no artigo 355º n.º 1 do CPP. Com efeito, de acordo com esta norma, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas na audiência.
Contudo, não explica a arguida concretamente em que consistiu tal violação. Antes parece que invoca esta questão para reforçar a defesa que esgrime incidente sobre a junção da fatura detalhada objeto de despacho atacado por recurso supra apreciado, esquecendo que as conclusões e argumentos a atender pelo tribunal são as constantes do recurso atempadamente apresentado e não o que sobre tal matéria veio repetir no recurso que interpôs da decisão final.
Assim, porque não se descortina que factos foram julgados provados com base em provas não produzidas em audiência, por ausência de desenvolvimento do que conclusivamente invocou, nada mais cumpre sobre esta questão conhecer, por nada haver a decidir.
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Medida da pena e suspensão da sua execução: Resta-nos apreciar a questão da medida da pena e não suspensão da sua execução.
Para o efeito torna-se necessário analisar a decisão proferida, no que à matéria de facto concerne e à justificação avançada pelo tribunal a quo para concluir pela efetividade da pena que determinou.
Matéria de facto provada: 1. A arguida C e o arguido F contraíram matrimónio em 9 de Agosto de 2021. 2. Antes dessa altura, em Janeiro de 2021, fixaram residência na casa de morada de família, sita na Rua (…..), na localidade de Salvaterra de Magos, que à data era propriedade de F. 3. Desde meados de Março de 2021, C demonstrou uma personalidade controladora e possessiva, vasculhando e controlando o conteúdo do telemóvel de F, controlando as chamadas que este efetuava, bem como as mensagens que este enviava e recebia, bloqueando alguns dos seus contactos, impedindo o mesmo de se aproximar de familiares e amigos, controlando, igualmente, os movimentos dos seus cartões de multibanco e os sites que frequentava. 4. Em dia não apurado do mês de Maio de 2021, na casa de morada de família, C, no decurso de uma discussão com F, arremessou um candeeiro na direção deste, não o atingindo porque este se defendeu. 5. Quando a arguida saía de casa, que por breves instantes, que ainda quando saía por mais tempo, designadamente dizendo que ia a Setúbal tomar conta de umas enteadas, ou quando o arguido saía de casa sozinho, designadamente para ir dar aulas ou quando andava na rua, a pé ou a conduzir, começou a obrigar o requerente a ter o seu telemóvel ligado numa aplicação que permite ter a câmara do telefone ligada, podendo assim verificar sempre onde este estava e sabendo o ofendido que era visto. 6. A partir de determinada altura, a arguida passou a impedir, com particulares exceções, que o assistente saísse de casa sozinho e mesmo quando pretendia ir a casa dos pais deste, apenas o podia fazer se acompanhado por esta. 7. Em data não concretamente determinada, a arguida C mandou F bloquear os contactos telefónicos dos pais. 8. Entretanto a arguida C, conhecedora do património pessoal do assistente e sabendo que este tinha uma casa sita em São João do Estoril, que estava a obter rendimento no regime de “alojamento local” começou a pressionar o requerente para que este lhe desse parte da dita, dizendo-lhe que, se não o fizesse, não ficava com ele. 9. Assim, a 9 de Abril de 2021, acabaram por realizar, no cartório notarial da Dra. Lucinda Gravata, em Oeiras, uma escritura de dação em cumprimento, na qual o assistente declarou que era devedor à C de uma quantia de € 40.000,00, valores que lhe teriam sido emprestados para esta pagar dívidas, o que não corresponde à verdade, não tendo a arguida emprestado qualquer montante. 10. Em meados de Maio de 2021, a arguida C começou a dizer ao assistente que estava grávida, porém nunca com este foi a uma consulta de ginecologia ou outra, ou realizou qualquer ecografia. 11. Passado algum tempo, enviou ao ofendido, uma fotografia de algo que parecia ser sangue, num poliban de uma casa de banho, dizendo-lhe que tinha abortado espontaneamente. 12. Em momento não determinado, a arguida C começou a dizer ao arguido que era psicóloga e que este tinha problemas de saúde, designadamente relacionados com a sexualidade alguns dos quais, pelo menos, por si incutidos, e que precisava de ser consultado pela psiquiatria. 13. Nessa sequência, F marcou uma consulta no psiquiatra Dr. (…..), na qual a arguida esteve, pelo menos, em parte da consulta, onde expôs factos, juntamente com F, tendo resultado um relatório, nos termos do qual “Apresentava quadro de hipersexualidade, tendo gasto quantidades avultadas de dinheiro em prostitutas”, “Adicionalmente, apurava-se sintomatologia do espectro obsessivo-compulsivo, nomeadamente tiques motores simples e impulso obsessivos de natureza sexual”, “Afirmava sentir desejos por mulheres, inclusive menores de idade. Explicava que esses pensamentos tinham natureza egodistónica”, acrescentando-se “Fui contactado pelo doente cerca de 3 semanas depois da avaliação. Referia alucinações acústico-verbais na forma de vozes de homens a mandar à busca de miúdas”. 14. Naquela consulta foi prescrita medicação, que o arguido iniciou a toma, tendo-se começado a sentir cada mais deprimido, angustiado e desorientado. 15. Sentiu-se cada vez mais prostrado, e sem quaisquer forças para fazer valer a sua vontade ou desejos. 16. A arguida C continuou a afastá-lo da sua família e dos seus amigos, impedindo os contactos. 17. Estando F sempre num estado de grande ansiedade, com medo das reações da sua mulher. 18. Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, C apelidava, frequentemente, F de: “porco”, dizendo-lhe: “não te lavas”, “preguiçoso”, “estás sempre deitado”, causando-lhe sofrimento e humilhação. 19. Em data não determinada, a arguida C começou a insistir que a casa onde residiam também devia ser sua, culpando-o do aborto que havia sofrido e dizendo-lhe que se ia embora. 20. Foi F que contactou com um cartório notarial em Oeiras, para se informar sobre os tramites da escritura a celebrar, bem como remeteu todas as informações para a celebração daquela escritura. 21. Foi realizada nova escritura de dação em cumprimento, no cartório notarial da Dra. Clara Rodrigues, em Salvaterra de Magos, na qual o assistente declarou que devia a C a quantia de € 49.381, por empréstimos que esta lhe tinha realizado ao longo dos últimos 10 anos, o que não corresponde à verdade, ficando assim a ser comproprietária da casa onde residiam. 22. Também nessa altura, o assistente foi convencido a assinar um documento de registo automóvel referente à sua viatura, de matrícula (…..) e entregou-o a C, tendo esta, a 10 de Setembro de 2021, registado a viatura em seu nome. 23. Na sequência da arguida C dizer frequentemente a F que o deixava, este propôs casar com C, o que veio a ocorrer no dia 9 de Agosto de 2021, porém, sem que ninguém da família deste soubesse, tendo contratado uma viatura antiga e um fotógrafo para documentar a ocasião. 24. Foi o arguido que tratou dos assuntos relativos ao casamento, designadamente, hotel para a lua de mel, aluguer de carro antigo para transportar a noiva ao local do casamento e tratou do processo de casamento junto da Conservatória do Registo Civil. 25. No dia 14 de Agosto de 2021, F foi levado pela sua mulher, C, às urgências do Hospital de Santa Maria. 26. Em meados de final de Agosto de 2021/primeiros dias de Setembro de 2021, C disse a F que estava novamente grávida, apesar de ter abortado espontaneamente em meados de Maio, desse mesmo ano, não tendo aquele visto qualquer exame ou teste de gravidez. 27. No dia 7 de Setembro de 2021, o pai de F, cada vez mais preocupado com o filho, conseguiu entrar na casa deste quando C não estava, altura em que se apercebeu que esta estava a ouvir e ver toda a conversa que estava a ter com o filho, sendo que, inclusive, interveio na conversa. 28. Nesse mesmo dia, a arguida foi denunciar à delegada de saúde de Salvaterra de Magos, a situação de saúde do assistente, designadamente “agitação, violência verbal e física, desorientação, ideação suicida e ameaça de morte à companheira”, tendo, nessa sequência, F sido acompanhado pela Guarda Nacional Republicana, para efeitos de internamento compulsivo, ao Hospital de Santarém e depois ao Hospital de São José, onde foi observado medicamente e, mais tarde, foi-lhe dada alta. 29. Nesse dia 7 de Setembro de 2021, após o jantar, F deslocou-se até ao seu quarto, e colocou um fio de impressora por volta do seu pescoço, amarrando-o, numa tentativa de cometer suicídio. 30. No dia 8 de Setembro de 2021, o pai de F telefonou logo pela manhã ao filho, mas sem sucesso, pelo que se dirigiu a casa deste, acompanhado da filha, D, por volta das 8h00. 31. Nessa altura, F e C encontravam-se defronte da sua residência, tendo esta dito que iam a uma consulta médica por causa da sua gravidez. 32. O pai de F perguntou ao filho se queria ir com ele para sua casa, ao que ele acedeu, apesar da grande exaltação com a qual a arguida se dirigia a todos os intervenientes. 33. Nesse mesmo dia, depois da intervenção da Guarda Nacional Republicana, F conseguiu entrar em casa e levar pertences pessoais. 34. Em data não concretamente apurada, mas em dia posterior a 14 de Setembro de 2021, C colocou em todas as caixas do correio do prédio sito em 2, relatórios médicos, onde constava a seguinte informação respeitante a F: “apresentava quadros de hipersexualidade, tendo gasto quantidades avultadas de dinheiro em prostitutas”, “Adicionalmente, apurava-se sintomatologia do espectro obsessivo compulsivo, nomeadamente tiques motores simples e impulsos obsessivos de natureza sexual. Afirma sentir desejos por mulheres, incluindo menores de idade”, causando-lhe desse modo sofrimento e humilhação. 35. F teve conhecimento desta situação pelos seus antigos vizinhos, que entraram em contacto consigo. 36. Nessa sequência, no dia 1 de Dezembro de 2021, realizou-se uma assembleia do condomínio onde se situa aquela que foi a casa de morada de família, sita na Rua (……), em Salvaterra de Magos, na qual foi debatida a questão da pessoa de F. 37. Foi discutida a questão de F estar sob “suspeitas de perturbação psicológica, em concreto, comportamentos obsessivos compulsivos de predador sexual, inclusive de menores”, situação que foi confirmada pela arguida. 38. O que levou a uma “deliberação de interdição” do assistente aceder ao prédio da sua residência, sobre a qual a arguida votou favoravelmente. 39. Quis a arguida C infligir sofrimento físico e psíquico, ofendendo o ofendido F, na sua integridade física e psicológica, amedrontando, importunando, humilhando e ofendendo-o na sua honra e consideração, e causando-lhe um estado de depressão, pese embora não ignorasse que lhe devia, na qualidade de companheiros, especial respeito e consideração. 40. Bem sabia a arguida C que tais atuações eram aptas a causar, como causaram, profunda inquietação, desgosto, mal-estar, medo, tensão, humilhação e trauma psicológico no ofendido F, dessa forma, humilhando e enfraquecendo o seu ânimo e saúde, fragilizando-o psiquicamente, diminuído a sua condição no âmbito da relação que os unia, e que dessa forma violava a confiança inerente às relações estabelecidas entre os dois. 41. Agiu a arguida C de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.
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42. O demandante, Hospital Distrital de Santarém, E.P.E., é uma instituição hospitalar integrada no Serviço Nacional de Saúde e tem como objeto a prestação de cuidados de saúde em assistência hospitalar. 43. No âmbito da sua atividade, o demandante prestou cuidados de saúde a F, que constam do episódio nº 21062206, de 7 de Setembro de 2021, tendo sido emitidas as faturas nº 23003453 e nº 23003419, de 13/07/2023, no valor de € 190,08.
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44. O arguido F não tem antecedentes criminais registados. 45. A arguida C foi julgada, no âmbito do processo nº 1174/15.1PWLSB, pela prática, a 17/09/2017 e 04/12/2015, respetivamente, de um crime de furto simples e um crime de dano simples, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado a 15/11/2018, na pena única de 270 dias de multa, à taxa diária de €5,00, numa quantia total de € 1.350,00.
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46. O arguido F é professor, auferindo um ordenado mensal de € 1.600,00. 47. Encontra-se a residir em Samora Correia durante a semana, onde está colocado, pagando por um quarto a quantia de € 170,00, residindo ao fim de semana, em casa dos seus pais. 48. Encontra-se a pagar duas prestações, relativas a créditos habitacionais contraídos pelas suas casas em Salvaterra de Magos e no Estoril, em quantias, respetivamente, de € 350,00 e € 200,00. 49. Tem ainda uma despesa mensal de € 50,00 relativa aos serviços de telecomunicações e uma despesa de € 18,00, relativa a medicação. 50. A arguida C encontra-se, desde Julho de 2024, a exercer funções como auxiliar de Lar, onde aufere um rendimento coincidente com o ordenado mínimo nacional, após um período de desemprego. 51. Reside em casa da sua propriedade e de F, não pagando renda nem prestação do crédito habitacional. 52. Tem despesas de água, electricidade e serviços de telecomunicações na ordem dos €120,00. 53. Do relatório social relativo a F consta que: “O casal vivia num apartamento na localidade de Salvaterra de Magos, adquirido pelo arguido antes de iniciar o relacionamento conjugal em causa. O arguido era ainda proprietário de um outro apartamento no Estoril, sendo que metade do valor dos mesmos pertencem também atualmente à ofendida, bens que foram cedidos a esta pelo arguido através de um processo de dação. F não tem atualmente acesso a estes dois apartamentos que são geridos apenas por C. (…) Importa referir que o arguido antes da relação matrimonial com a ofendida/arguida estabeleceu um primeiro casamento em 2011, o qual manteve até 2020. Esta relação conjugal foi caraterizada pelas várias fontes contatadas como tendo decorrido sempre dentro de parâmetros normativos até à separação, não obstante a distância que sempre caraterizou o casal, por motivos profissionais (sendo ambos professores) já que apenas se encontravam nos períodos de férias escolares. (…) Em termos escolares, F concluiu o ensino secundário dentro da idade regulamentar em Escola junto à localidade de residência, onde se desenrolou o seu processo de desenvolvimento, no seio da família de origem, junto dos pais e dois irmãos, uma família tradicional, organizada e de estável condição socioeconómica onde lhe foram transmitidos valores e normas, instituídas e valorizadas socialmente. Após deu entrada no Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA) de Santarém onde concluiu o curso de Informática de Gestão em 1999. Ainda durante a frequência deste curso superior, começou o a trabalhar, lecionando na Escola Profissional de Salvaterra de Magos onde se manteve até 2015. Transitou para o ensino publico, lecionando a disciplina de informática em algumas escolas, ultimamente no Agrupamento de Escolas de Samora Correia e posteriormente no Agrupamento de Escolas de Ourém onde efetivou no ano letivo de 2021/2022 e se mantém na atualidade. Importa referir que na altura dos factos se encontrava de baixa médica, situação que manteve de maio de 2021 até novembro de 2022 e desde então tem desempenhado a sua profissão ininterrompidamente. (…) Em termos de saúde o arguido referiu que atualmente ainda padece de depressão em fase de remissão clinica, estado de saúde que foi reativo à deterioração da relação conjugal que vivenciou com a ofendida/arguida, estando este seu problema de saúde, segundo o psiquiatra que o acompanha relacionado ao desenvolvimento de uma relação afetiva de contornos de abuso e exploração de fragilidades decorrentes de traços da personalidade do arguido. (…) O arguido referiu que travou conhecimento com a ofendida em junho de 2020 através de um site de pornografia, conteúdos que visitava na altura com regularidade (…). (…) Relativamente à imagem social do arguido, não foram apuradas informações negativas, considerado um indivíduo correto, cumpridor e algo introvertido em termos do relacionamento interpessoal estabelecido. (…) Da avaliação efetuada, verifica-se que o comportamento delituoso do arguido tem na origem algumas fragilidades no que respeita às suas competências pessoais em meio conjugal, já que a outros níveis revela um percurso de vida aparentemente normativo. Como fatores positivos associados à sua atual situação salientamos o facto de manter uma atividade profissional sólida, apoio familiar consistente, uma situação económica isenta de dificuldades relevantes e uma integração comunitária sem problemáticas significativas e o facto de já se encontrar separado da ofendida”. 54. Do relatório social relativo a C consta que: “Em termos escolares e profissionais, a arguida referiu que apesar de ter frequentado o 12.º ano de escolaridade, não o concluiu, referindo estar habilitada com o 11º ano de escolaridade. Em termos laborais referiu que depois de ter trabalhado cerca de um ano como auxiliar de lar, na Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos, ficou desempregada em agosto de 2023. Desde então subsiste com o subsídio de desemprego, referido em 552,00€/mês, quantia que considera insuficiente e por isso, como forma de colmatar a escassez de rendimentos, presta serviços, a título informal a uma idosa de que aufere 80,00€/mês. (…) No plano afetivo, C fez ainda referência a duas relações amorosas anteriores. A primeira foi remontada há vários anos e terminou ao fim de alguns meses quando teve conhecimento de problemas aditivos por parte do elemento masculino. Desta união nasceu o seu único filho que tem atualmente 31 anos e tem a sua vida organizada na região de Cacém, onde a arguida também residia. A segunda união foi reportada a 2016 e terminou em 2019, por ter sido vítima de violência doméstica, segundo referiu. (…) Nos tempos livres ocupa o tempo em casa e por vezes convive com o filho, que é maior de idade e reside na região de grande Lisboa. Socialmente as informações disponíveis indica a aceitação da sua pessoa na atual área de residência. (…) Da atual situação de C da arguida salienta-se como aspetos de maior vulnerabilidade a existência de contacto anterior com o sistema judicial, a fragilidade emocional da arguida, o desemprego e consequentemente uma situação económica precária, sendo a sua subsistência, basicamente, assegurada com o subsídio de desemprego.
(….)
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(…) i. Determinação da medida concreta da pena Pelo que, sendo de aplicar à arguida uma pena privativa da liberdade relativamente ao crime verificado, cumpre determinar a medida concreta da pena, atendendo às finalidades das mesmas. Tendo em conta o artigo 71º do Código Penal, esta determinação deverá ser efectuada em função da culpa do agente, tal como previsto no nº2 do artigo 40º do Código Penal e das exigências da prevenção, previstas no nº1 do mesmo artigo. O primeiro critério a ter em consideração são as exigências de prevenção geral, através das quais se determina o quantum da pena que satisfará aquelas exigências de forma mais cabal e se determina o limite mínimo, o quantum de pena abaixo do qual não se pode ficar por forma a não se frustarem aquelas exigências. Dentro desta moldura, a medida concreta da pena irá ser encontrada em função das exigências de prevenção especial, funcionando a culpa, tal como referido no artigo em causa, uma função de limite máximo da pena, delimitando o seu máximo inultrapassável. Posto isto, a determinação da medida concreta da pena será efectuada de acordo com estes critérios, atendendo às circunstâncias que fazem parte do tipo, na sua intensidade e às circunstâncias constantes do nº 2 daquele artigo 71º. Concretizando.
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As exigências de prevenção geral que se traduzem na necessidade de consciencializar a generalidade dos membros da comunidade e de reforçar a validade da norma jurídica violada, no caso em concreto apresentam-se elevadas. Atendendo, desde logo e em primeiro lugar, à natureza do crime de violência doméstica, que atenta contra direitos fundamentais. Apresenta-se também elevadas devido não só a natureza dos bens jurídicos protegidos, mas também tendo em conta a frequência da prática deste crime que é cada vez mais elevada, sendo um problema cada vez mais premente e presente na nossa sociedade. Pelo que, cumpre continuar a dar enfâse ao mesmo perante a comunidade, de modo a prevenir o seu cometimento por parte dos agressores e a encorajar as vítimas à sua denúncia. Atendendo ao grau de ilicitude da conduta, ao modo de execução desta e à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, considera-se que todas estas vertentes se apresentaram de nível elevado. Quanto ao grau de ilicitude, modo de execução desta e violação dos deveres impostos ao agente, em relação ao crime de violência doméstica, tem-se em consideração o comportamento da arguida reiterado, prolongado no tempo, aproveitando-se da fragilidade emocional que foi ficando cada vez mais acentuada, do ofendido. Dentro do espectro da violência doméstica, tem-se em consideração a gravidade dos factos, tendo a arguida isolado o ofendido, controlado todos os seus movimentos, incutido problemas de saúde no mesmo, pressionado para aquele passar os bens para seu nome, partilhando um relatório médico por forma a humilhar o mesmo, considerando-se estes elementos de nível elevado, olhando-se ainda, nestes termos, para toda a situação na sua globalidade. Em relação às consequências das condutas da arguida existem também e são negativas e graves, na medida em que afetaram a saúde psíquica de forma grave do ofendido, tendo o mesmo chegado a tentar o suicídio no período que residia com a arguida e tendo ainda, danos na sua saúde psíquica, necessitando de acompanhamento para os reparar. A intensidade do dolo, conforme já referido, assumiu a sua forma mais grave, de dolo directo. Quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram revelam-se os mesmos demonstrativos de necessidade de prevenção especial, na medida em que as condutas da arguida demonstram não só um sentimento de domínio e supremacia da arguida para com o ofendido, mas também um alheamento completo ao sofrimento humano, aproveitando-se da fragilidade emocional crescente do ofendido, tendo sido apenas travada pela intervenção da família daquele. Neste seguimento, atendendo à conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime, tem-se em consideração em seu desfavor, uma vez que a arguida, em sede de audiência de julgamento, optou por prestar declarações e optou usá-las para criar um enredo alternativo, denegrindo o ofendido e pondo-se a ela própria como ofendida deste crime, mentindo deliberadamente em Tribunal e juntando documentos sem relevância ou até contrários àquilo que dizia para tentar dar força a esta história alternativa, numa postura altamente censurável. Atendendo às condições pessoais do agente e à sua situação económica, bem como à sua falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando deva ser censurada através da aplicação da pena, e referindo-nos também, face ao que vem sendo exposto, às exigências de prevenção especial em específico, afirme-se que são as mesmas de grau igualmente elevado. A arguida tem antecedentes criminais registados, pela prática de um crime de dano e pela prática de um crime de furto, sendo desde logo notório que aquela advertência não foi suficiente para a mesma adequar a sua conduta às normas social e legalmente impostas. Neste ponto, tem-se em seu favor o tempo decorrido desde aquela condenação. A arguida tem um filho, com quem tem um laço afetivo, tendo aqui uma integração familiar. A sua integração laboral é inconstante, conforme foi percetível, trabalhando uns períodos e encontrando-se outros sem qualquer atividade, encontrando-se a subsistir, designadamente, pela residência na casa que pertencia a F, ofendido destes autos. Apesar de atualmente e recentemente, desde Julho deste ano, se encontrar empregada, o que não deixa de se ter em consideração em seu favor, atento o exposto, também não altera totalmente o até aqui referido. Em seu desfavor tem-se em conta a sua postura em sede de audiência de julgamento, tendo criado um enredo alternativo aos factos, humilhando o ofendido e descrevendo como sendo a própria vítima de condutas por parte do arguido. Foi notoriamente percetível a falta de qualquer consciência do desvalor da sua conduta bem como a total ausência de empatia ou compreensão para com o sofrimento patente do ofendido.
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Ponderando todos estes fatores, as exigências de prevenção geral e especial, a culpa e as condições pessoais da arguida, o tribunal entende por ajustada e adequada a seguinte pena: - pena de prisão de 3 anos, pela prática do crime de crime de violência doméstica, na forma agravada, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº2 do Código Penal. ii. Da (não) suspensão da execução da pena de prisão O artigo 50º, nº 1 do Código Penal, determina que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim, tendo sido determinada uma pena de prisão não superior a 5 anos, cumpre apreciar, se, atendendo aos fatores descritos na norma, é possível estabelecer um juízo de prognose favorável, relativamente à arguida, no sentido de ser possível com a simples censura do facto e ameaça de prisão, manter o agente na sociedade e cumprir, desse modo, as finalidades da punição, ou seja, reforçar a validade da norma perante a comunidade e reintegrar o agente na mesma, cumprindo este as regras jurídicas e sociais impostas. Ora, desde logo se refira uma vez mais e por ser mais uma vez relevante, que, no presente caso as exigências de prevenção geral são elevadas, pelos motivos já expostos. De seguida, tem-se em consideração a gravidade das consequências das condutas perpetradas pela arguida, na saúde do ofendido, designadamente os referidos maus tratos psíquicos, que se consubstanciaram num controlo absoluto da arguida para com o ofendido, que era obrigado a ter o seu telemóvel ligado em videochamada permanentemente quando não se encontrava com a arguida, não podia sair de casa sozinho, foi obrigado a bloquear os contactos dos pais, foi pressionado a passar parte dos seus bens para nome da arguida, foi assustado com alegadas gravidezes que não corriam bem, foram-lhe incutidos problemas de saúde e, consequentemente consultas e medicação que afetavam o seu bem estar, a arguida chamava nomes ao ofendido, ameaçava constantemente que o deixava sozinho e, por último, distribuiu por todos os condóminos do prédio onde residiam relatórios médicos com informação pessoal. Condutas estas que determinaram no ofendido uma saúde psíquica cada vez mais frágil, pela qual a arguida foi demonstrando, naquele período, e demonstrou em sede de audiência de julgamento, ausência total de empatia, aproveitando-se antes dessa mesma fragilidade, que chegou a uma tentativa de suicídio por parte do ofendido que, ainda assim, não foi suficiente para travar esta conduta da arguida, que a continuaria se não tivesse sido travada pela família daquele que, no dia seguinte o foi buscar, e ainda, assim sofreram retaliações por parte desta. A arguida, em sede de audiência de julgamento, não apresentou qualquer sinal de simpatia, compreensão ou empatia pelo sofrimento do ofendido, apresentando antes uma história alternativa, num discurso permanentemente autocentrado, sendo notório que não tem qualquer consciência da ilicitude e do desvalor da sua conduta. Quando questionada pelo Tribunal sobre a possibilidade de ser sujeita a um tratamento psiquiátrico (o que poderia ser uma condição de uma suspensão da pena), e para o qual é necessário o consentimento, afirmou que sim, por efetivamente necessitar, atento o sofrido nas mãos do ofendido, não tendo qualquer consciência que as suas condutas podem levar a que efetivamente cumpra uma pena. Conforme consta também do relatório social elaborado pela DGRSP, “C manifestou-se preocupada e indignada com a instauração deste processo judicial, que teve sobretudo impacto emocional na sua pessoa, suscitando elevada ansiedade, uma vez que reconhece os bens sociojurídicos que estão causa e coloca-se no papel de vítima desta situação”. Além disso, a factualidade provada nos autos, conjugada com a sua conduta, demonstra uma personalidade da arguida de total alheamento para com o sofrimento humano, centrando-se unicamente na sua pessoa e nos seus proveitos, ainda que à custa desse mesmo sofrimento. Esse desrespeito para com o outro continuou e foi notório em sede de audiência de julgamento, onde tentou repetidamente humilhar e rebaixar o ofendido, tanto na sua ausência como na sua presença, mais culpabilizando recorrentemente os familiares do arguido pela situação em que se encontra, desresponsabilizando sempre a sua própria conduta. É percetível, em conclusão, a ausência de juízo crítico para a conduta em apreço, por parte da arguida. Também não é indiferente, sendo antes corroborador da convicção formada pelo Tribunal, o facto de a arguida já ter sido condenada pela prática de um crime de furto, sendo confirmativo desse alheamento das suas ações, em consequência das condutas que pratica em proveito próprio. Por fim, atenta a norma descrita, cumpre também olhar às suas circunstâncias de vida da arguida. Embora a arguida se encontre a laborar recentemente, refira-se que a mesma apresenta uma falta de integração laboral continuada, trabalhando uns períodos e deixando de trabalhar outros; encontra-se a residir na casa que pertencia ao ofendido. Refere-se no relatório social elaborado pela DGRSP, realizado anteriormente e que se mantém relevante com alteração da situação de desemprego, que “da atual situação de C salienta-se como aspetos de maior vulnerabilidade a existência de contacto anterior com o sistema judicial, a fragilidade emocional da arguida, o desemprego e consequentemente uma situação económica precária, sendo a sua subsistência, basicamente, assegurada com o subsídio de desemprego”. Ora, posto tudo isto, diga-se que a finalidade político criminal que a Lei vista com o instituto da suspensão é o afastamento do agente da prática, no futuro, de novos crimes, devendo ser determinada se se formular a convicção que a ressocialização da arguida pode ser conseguida em liberdade, uma vez que o nosso ordenamento também determina a privação da liberdade como ultima ratio. Assim, cumpre, tendo em conta a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias desse mesmo facto, determinar se é possível estabelecer esse juízo de prognose favorável exigível. Conforme se descreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29/11/2017, relator: Orlando Gonçalves, processo nº 202/16.8PBCVL.C1 , “no juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir)”. Assim, posto isto e olhando a todos os fatores que foram sendo descritos e à conduta global gravosa da arguida, que demonstra a sua personalidade agressiva e de desconsideração para com o outro, sendo totalmente alheia a um sofrimento crescente, designadamente com tentativa de suicídio, olhando às exigências de prevenção especial de ressocialização, acentuadamente tidas em conta no instituto em análise (desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral), considera-se que a mesma não reúne os fatores necessários para se conseguir uma ressocialização da mesma, afastado da prática de crimes da mesma natureza ou de outra, em liberdade. Pelo contrário, o Tribunal formou a convicção que a suspensão da pena e uma mera ameaça de prisão, criaria nesta arguida em concreto, um sentimento de impunidade relativamente aos factos que praticou, atendendo à sua falta de consciência no desvalor da conduta. Considera-se, antes, necessária esta privação da liberdade, para contribuir para que esta arguida em concreto se consciencialize quanto à gravidade das suas condutas e que estas não são inócuas, têm consequências graves noutra pessoa, fazendo assim como que se afaste, no futuro, da prática de novos crimes. Conclui assim o presente Tribunal pela impossibilidade de estabelecer um juízo de prognose favorável, de que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão serão suficientes para, em concreto, realizar de forma adequada as finalidades da punição em causa, considerando-se antes em sentido contrário, ou seja, que a suspensão desta pena de prisão. Assim, tudo ponderado, o Tribunal, neste caso, sendo as necessidades de prevenção geral e especial sejam elevadas, considera ainda ser impossível estabelecer esse exigido juízo de prognose favorável de que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão serão suficientes para, em concreto, realizar de forma adequada as finalidades da punição em causa, e que aquela interiorize, de facto, aquele desvalor, perante a iminência de privação efetiva da liberdade, e que não volte a praticar estes factos. Pelo que considera o Tribunal insuficiente e inadequada ao caso concreto, a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do nº 1 do artigo 50º do Código Penal. iii. Penas acessórias O artigo 152º, nº4 do Código Penal refere que “nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica”, acrescentando o nº5 que “a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”. Em primeiro lugar, para a arguida interiorizar, de vez e de forma efetiva o desvalor das suas condutas, considera-se adequado condenar a mesma na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. No que diz respeito à proibição de contactos com a vítima, observando a norma e atentando ao caso concreto, atenta a sua personalidade impulsiva, agressiva, de desconsideração e tendo demonstrado ser retaliativa, bem como o seu comportamento imprevisível, considera-se necessária e adequada a sua aplicação, que deverá decorrer pelo período máximo de 5 anos, nos quais a mesma se encontra proibida de contactar a vítima se de se aproximar da sua residência e dos seus locais de trabalho. Já no que diz respeito à proibição de uso e porte de armas, atenta a sua personalidade impulsiva e aos factos dados como provados, considera-se também adequado a aplicação desta pena acessória, pelo período de 5 anos.
III. Do arbitramento de uma quantia indemnizatória Atento o disposto nos artigos 67º-A, nº1, alínea b) e 82º-A do Código de Processo Penal e, ainda no artigo 16º, nº2 do Estatuto da Vítima, cumpre apreciar do arbitramento de uma indemnização ao ofendido, a título de reparação pelos prejuízos sofridos. Refere o artigo 21º, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro que “à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”. Mais refere o nº2 da mesma norma que “para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”. Neste seguimento, dispõe aquele referido artigo 82º-A do Código de Processo Penal que, “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”. Assim, atendendo a que estamos perante um crime de violência doméstica, sendo aplicável a Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro e não tendo havido oposição expressa por parte ofendido, impõe-se, ao abrigo das normas citadas, condenar a arguida C no pagamento de uma indemnização ao aqui ofendido. Tem-se assim em consideração, para efeitos de determinação da quantia em consideração os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, nomeadamente estes últimos que se consubstanciaram em danos no bem estar do ofendido, que se traduziu numa afectação da saúde mental do mesmo, de forma grave. Tem-se também em consideração que a conduta da arguida foi reiterada e continuada no tempo, durante alguns meses. Explica-nos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/04/2018, relatora: Anabela Cardoso, processo nº 2424/12.1TAALM.L1-5 , que “o quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, devendo, por isso, refletir a censura de que é merecedor o autor do facto ilícito gerador de danos, a sua situação económica e as do lesado e do titular da indemnização, os padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc.”. Ora, atentos os danos dados como provados, a atuação da arguida e consequente perturbação do ofendido prolongada no tempo, e a situação económica da arguida, considera-se adequada uma indemnização no valor de € 3.500,00. Assim, determina o presente Tribunal a condenação da arguida C no pagamento de uma quantia de € 3.000,00 ao ofendido, F, ao abrigo das normas expostas.
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3- Da medida da pena aplicada à arguida:
No nosso sistema jurídico, na aplicação da pena o juiz está vinculado à aplicação do regime que se mostrar mais adequado às circunstâncias do caso, do arguido e à realização das razões de prevenção subjacentes à incriminação, devendo, por imperativo legal, ponderar e optar pela aplicação de penas não privativas da liberdade, ou substitutivas destas, sempre que preenchidos os necessários pressupostos. Estes comandos fundam-se na dignidade e essência da pessoa humana. Livre em toda a sua dimensão: física, emocional, política, religiosa, amorosa… Por isso, a pena de prisão será sempre excecional devendo apenas ser aplicada quando as outras medidas não se mostrem adequadas, em conformidade com as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas da Liberdade, conhecidas por “Regras de Tóquio” (Regra 6.1).
Operada a escolha sobre a natureza da pena ou não havendo lugar a tal escolha, o juiz determina a pena concreta, observando o que estabelece o art.º 71.º, n.º 1, do C. Penal: «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Culpa e prevenção constituem o binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena.
Como afirma o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, II, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 280 e ss., através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do facto concretamente praticado pelo agente e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena; com a consideração da culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.
A culpa constitui, pois, o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta.
Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa (art.º 40.º, n.º 2, do C. Penal).
A pena concreta tem, assim, de ser fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, adequados à culpa do agente, tendo como referencial as exigências de prevenção geral e especial, bem assim como a necessidade de punição que o caso em concreto requer.
Ainda nas palavras de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, II, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 302 e ss, toda a pena prossegue finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial de socialização.
Quer isto dizer que a pena tem uma finalidade de prevenção especial dirigida àquele agente em concreto, assumindo uma função dissuasora da prática de novos crimes, bem como uma finalidade de prevenção geral, no sentido pedagógico, servindo como exemplo para os restantes membros da sociedade.
Nos ensinamentos da Prof.ª Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas Jornadas sobre a Revisão do Código Penal (1998), AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Deste modo a pena deverá intimidar e desencorajar todos os membros da sociedade, dignificando o bem jurídico protegido pela incriminação e violado pelo facto ilícito e ainda integrar e ressocializar o delinquente.
Estabelece ainda o art.º 71º, n.º 2, do C. Penal que, na determinação da medida concreta da pena, haverá que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
No caso em apreço, o Tribunal a quo ponderou todos os aspetos que devia ponderar, nos termos previstos no citado art.º 71.º do C. Penal, como resulta claro e evidente da análise da justificação da determinação da pena acima transcrita.
Foram analisadas corretamente as exigências de prevenção geral que se consideraram e consideram elevadas, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo e bem assim os sentimentos não evidenciados pela arguida para com o seu marido, não obstante a tentativa de suicídio por parte deste.
Consideramos, ao contrário do defendido pela arguida, que a pena fixada tive em consideração todos factos relativos ao crime, à sua pessoa e acima de tudo à culpa revelada, sendo que o tribunal com base nesta e nas exigências de prevenção fixou a que lhe pareceu adequada, dentro do limite da culpa, e às necessidades de prevenção.
Seguimos a jurisprudência segundo a qual o Tribunal de recurso, também a nível da determinação das penas concretas e da pena única em caso de concurso de crimes, como no presente caso, apenas deve intervir quando a pena fixada pela primeira instância se revele desajustada, por violação dos comandos a que se fez referência, e por isso injusta.
É que também no que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Instância, a intervenção dos Tribunais de 2ª Instância deve ser cautelosa e seguir a jurisprudência exposta, quanto à intervenção do STJ é certo, mas aplicável às Relações, no Ac. do mesmo Tribunal Superior de 27/05/2009, relatado por Raul Borges, in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, no qual se considera: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada". (No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255).
Assim, só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta.
Ora, no caso dos autos, a pena fixada mostra-se dentro da medida da culpa, não sendo por isso ilegal, sendo evidente a sua adequação às circunstâncias do caso vertidas nos factos provados e ponderadas na sua determinação.
Termos em que igualmente improcede esta questão.
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4 - Da suspensão da execução da pena de prisão:
Nos termos do art.º 50.°, n.º 1, do Código Penal, sempre que o arguido seja condenado em pena de prisão não superior a cinco anos o tribunal determina que a execução da mesma fique suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Da leitura atenta da norma transcrita conclui-se que a suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e às circunstâncias do facto.
Todavia, este não é o único aspeto a ponderar uma vez que como igualmente se refere no normativo transcrito há que atender às “finalidades da punição”, o que significa que a suspensão da execução da pena de prisão deve mostrar-se também adequada e suficiente à realização das finalidades da punição em termos de prevenção geral, ou seja, à defesa do ordenamento jurídico que o caso concreto requer. Sob pena se a norma violada perder eficácia e força na sua vertente preventiva!
O crime de violência doméstica assume especial gravidade tendo em conta os danos que causam na saúde física e emocional, mesmo nos casos de violência psicológica – pelas consequências físicas causais, danos e despesas para a saúde e erário público, com reflexos a nível laboral, demonstrado que está uma relação direta na diminuição da capacidade laboral, suscitando ainda e sempre grande alarme e condenação social pública.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2007, integral em www.dqsi.pt "...Assim, se a admissibilidade da suspensão da execução da pena de prisão não está suficientemente justificada numa perspetival de prevenção especial e colide com as exigências de prevenção geral, não é de suspender a execução da pena única de 5 anos de prisão imposta ao recorrente".
Não ignoramos que a decisão de suspender a execução da pena de prisão tem de basear-se na ponderação das exigências de prevenção quer geral quer especial, devendo sobrepor àquelas sempre que aquelas reclamem uma prisão efetiva que provoque a desinserção do arguido perfeitamente inserido em termos familiares, sociais e laborais. Ou dito de outro modo, sempre que a situação do arguido seja particularmente favorável, impondo um juízo de prognose favorável, deve a pena ser suspensa na sua execução sob pena de a aplicação da pena efetiva redundar numa mera e verdadeira punição.
O instituto de suspensão da pena de prisão assenta na confiabilidade em como o cidadão que cometeu o crime, face à dimensão do delito cometido e às suas condições pessoais, satisfará o projeto da sua ressocialização. Para tal desiderato o juiz tem de ponderar as razões de prevenção geral, já analisadas, e as circunstâncias relativas à pessoa do agente e sua inserção familiar, laboral e social.
O tribunal a quo justificou a não suspensão da execução das penas que aplicou à arguida tendo em conta as circunstâncias do caso, concordando nós com a avaliação de que a arguida manifestou grande desumanidade para com o seu marido, e as exigências de prevenção geral.
Terá a avaliação do tribunal a quo pecado por ignorar as necessidades de prevenção especial, invocadas pela arguida, e avaliar de forma excessiva as necessidades de prevenção geral?
Não o cremos. Na verdade, a violência psicológica exercida sobre o ofendido, seu marido, é de uma intensidade atroz, revelando a arguida uma personalidade perversa, o que é bem patente na câmara instalada no telemóvel, apagou os contactos dos pais do ofendido para o isolar, as simulações que realizou vertidas em declarações falsas sobre empréstimos inexistentes com o objetivo de se apropriar da casa de habitação, sem esquecer o que fez constar junto dos restantes condóminos, imputando ao ofendido a prática de crimes sexuais praticados sobre menores, impedem-nos de elaborar um juízo de prognose positivo relativo à pessoa da arguida.
Acresce que as exigências de prevenção geral, quer positivas quer negativas, impedem-nos de considerar adequada a suspensão da execução da pena aplicada como adequada. O crime de violência doméstica pelos efeitos nefastos que causa, mas simultaneamente pela dificuldade de interiorização social dos seus danos, para as pessoas das vítimas e para a sociedade em geral, e da gravidade do seu cometimento, exigem para a reposição da força e validade da norma violada e para desencorajar a sua prática a efetividade da pena aplicada.
Termos em que igualmente improcede a questão suscitada.
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IV - Decisão:
Pelo exposto, decide-se nesta Relação de Évora, em:
Julgar não provido o recurso interposto pela arguida C, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela arguida fixando-se em 3,5 UC a taxa de justiça devida.
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Processado e revisto pela relatora (art.º 94º, nº 2 do CPP).
Évora, 28 de janeiro de 2025
Maria Perquilhas
Fernando Pina
Renato Barroso
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[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.