QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
MEIOS DE PROVA
PROCEDIMENTO ESPECIAL
ADITAMENTO AO ROL
Sumário

I - No incidente de qualificação da insolvência, as provas devem ser requeridas com a oposição e resposta.
II - As regras aplicáveis no processo de insolvência são autossuficientes, dispensando o recurso a normas subsidiárias da lei processual civil comum, no que respeita ao modo e momento do oferecimento das provas, devendo o incidente de qualificação seguir imperativamente os termos previstos no CIRE.
III - O art. 134º do CIRE aplicável por remissão do art. 188º nº 11 manda aplicar às impugnações e respostas o disposto no art. 25º nº2, nos termos do qual as partes ficam obrigadas a oferecer todos os meios de prova que disponham com os respetivos articulados.
V - Da redação da norma decorre que apenas se poderá ressalvar a possibilidade de ainda não disporem de tais meios, o que terá de ser alegado e demonstrado.
VI - Assim sendo, tendo em conta o momento de apresentação dos meios de prova e a celeridade de tramitação do procedimento, não é aplicável ao incidente o disposto no art. 598º do C.P.C. relativamente ao aditamento de testemunhas.

Texto Integral

Proc. n.º 3828/23.0T8STS-L.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 7

SUMÁRIO:

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Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

João Diogo Rodrigues

Ramos Lopes

Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:

No âmbito do Incidente qualificação insolvência aberto nos autos de insolvência em que foi declarada insolvente a sociedade A..., Lda, foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objeto do litígio e os temas da prova.

De seguida o tribunal proferiu despacho quanto à admissibilidade dos meios de prova oferecidos pelas partes.

Após a prolação daquele despacho veio a Requerida AA, requerer aditamento ao rol de testemunhas por si oportunamente apresentado, através de requerimento de 17 de Outubro de 2024, requerendo o aditamento das testemunhas que indicou ao rol inicialmente apresentado.

Sobre a sua pretensão, recaiu o despacho datado de 18/10/2024, que o indeferiu, nestes termos: “Veio a requerida AA requerer aditamento ao rol de testemunhas.

Sucede que no apenso de qualificação de insolvência não é legalmente admissível o aditamento ao rol de testemunhas, não sendo aplicável o regime previsto no CPC.

Com efeito, e tal como bem sublinha o Acórdão da Relação de Lisboa de 09/11/2009, Proc. 1929/07.0TBFUN-E.L1-1, in www.dgsi.pt

“1. O art. 188,nº7, do CIRE refere que é aplicável às oposições e respostas e ulterior tramitação o disposto nos art. 132 a 139.

2.O art. 134º, refere por seu turno, o que às impugnações e respostas é aplicável o art.25, nº2, nos termos do qual as partes ficam obrigadas a oferecer todos os meios de prova com os respetivos articulados. Esta norma aplicável ao caso (art.º 25º, n.º 2, do C.I.R.E) é expressa em impor ao Requerente da declaração de insolvência a necessidade de oferecer com a petição “todos os meios de prova de que disponha…”.

3. Inexiste lacuna do CIRE quanto a este aspeto mas uma opção clara do legislador com vista a referida celeridade, não sendo caso de aplicação subsidiária do CPC.

4. Tendo em conta o momento de apresentação dos meios de prova e a celeridade de tramitação do procedimento – decorre que a aplicação do regime de aditamento do rol de testemunhas previsto no art. 512º-A [correspondente ao atual 598.º NCPC] deve ter-se por excluído.

Pelo exposto, e por falta de fundamento legal, não se admite o aditamento ao rol de testemunhas peticionado pela requerida AA, sem prejuízo de serem ouvidas as testemunhas que já haviam sido oportunamente arroladas e que venham a ser apresentadas pelas demais partes e de se admitir que a requerida formule perguntas a essas testemunhas.

Notifique credor requerente da qualificação, requeridos e MP do presente despacho.”

Inconformada, a Requerida AA, veio interpor o presente recurso de Apelação, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1 – o despacho proferido terá necessariamente que ser profundamente questionado, pois não interpretou corretamente o disposto no art.º 598 n.º 2 do CPC, bem como o art.º 17 do CIRE.

2 - nada obsta a que seja admissível no âmbito do incidente de qualificação da insolvência o aditamento de testemunhas ao rol até 20 dias antes da data designada para a audiência de discussão e julgamento, nos termos do n.º 2 do art.º 598 do CPC, aplicável ao caso em apreço por força do disposto no n.º 1 do art.º 17 do CIRE.

3 - o rol de testemunhas pode ser aditado ao abrigo do n.º 2 do art. 598º do CPC, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias, prazos estes (até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final) compatibilizados.

4 - A não admissibilidade dessa facultade de aditar o rol de testemunhas inicialmente apresentado constitui uma violação do princípio da igualdade das partes previsto no artigo 4.º do CPC, aplicável por força do artigo 17.º do CIRE, e constitui uma inconstitucionalidade por violação do disposto no art.º 20 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que obsta à realização de um processo justo e equitativo, o que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos

5 - A exclusão da aplicação do nº2 do artigo 598.º não tem sustentação na tramitação legal prevista para o incidente de qualificação da insolvência, designadamente nos artigos 188.º, n.º 8, 134.º e 25.º, n.º 2, do CIRE, elencados na citação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado no despacho de que se recorre.

6 - A redação do n.º 2 do artigo 25.º do CIRE, com o verbo “dever” é a mesma que se encontra na 1ª parte, do n.º 6, do artigo 552.º, para o processo declarativo comum, ónus que se impõe, tendo em vista forçar a juntar ou requerer, desde logo, todos os meios de prova, designadamente por razões de celeridade processual, mas que não significa que a parte do incidente aqui em causa, que se quer célere, não possa aditar testemunhas, dentro dos condicionalismos legais previstos no artigo 598º e com as consequências aí consagradas.

7 - Negar a possibilidade de alteração do requerimento probatório é suscetível de atentar contra o princípio da igualdade das partes e a garantia de um processo equitativo e justo, pelo que deverá ser admitido o aditamento de testemunhas ao rol inicialmente apresentado.

8 – deverá o Tribunal ad quem revogar o despacho proferido pelo Tribunal a quo e, por consequente, admitir o aditamento ao rol de testemunhas apresentado pela Recorrente.

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O DESPACHO PROFERIDO PELO TRIBUNAL A QUO E, POR CONSEQUENTE, ADMITIDO O ADITAMENTO AO ROL DE TESTEMUNHAS CONFORME REQUERIMENTO APRESENTADO PELA RECORRENTE EM 17 DE OUTUBRO DE 2024, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA.”

Respondeu o MINISTÉRIO PÚBLICO, juntando contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo:

“1.º O despacho recorrido fez correta interpretação do disposto nos arts. 17.º, 25.º, n.º 2, 134.º, n.º 1 e 188.º, n.º 11 do CIRE, sendo conforme ao art. 20.º da CRP.

2. O legislador criou, no art. 25.º do CIRE, um regime próprio para a indicação da prova, distinto daquele que está previsto no Código de Processo Civil e replicou-o ao longo do CIRE nos vários incidentes que implicam indicação e produção de prova.

4. O verbo “dever” aí utilizado tem o significado de “obrigatório”, tal como foi apelidado o oferecimento de provas no preâmbulo do Dec. Lei 200/2004, de 18.08. que introduziu essa disposição legal.

5. Está assim em causa um regime preclusivo intencionalmente distinto do previsto no Código de Processo Civil.

6. A opção do legislador pela criação de um regime distinto faz com que não estejamos perante um caso de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, prevista no art. 17.º do CIRE, mas sim perante um regime que expressamente o afasta por contrariar as suas disposições próprias.

7. O ónus que impende sobre o requerido no incidente de qualificação de insolvência de oferecer toda a sua prova com a oposição, não a podendo acrescentar, não é um ónus de difícil cumprimento.

8. A interpretação do art. 25.º, n.º 2 do CIRE, no contexto da dupla remissão prevista no art. 188.º, n.º 11 desse diploma, no sentido de não ser possível ao requerido aditar o rol de testemunhas apresentado na oposição não viola, por isso, o artigo 20.º da CRP.

Termos em que se conclui que o recurso não merece provimento, por ser destituído de fundamento, devendo manter-se a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA.”

Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

A questão decidenda consiste em saber se no âmbito do incidente de qualificação de insolvência, terminado o prazo para as respostas, pode ainda vir a ser alterado o rol de testemunhas, por aplicação do art. 598º do Código de Processo Civil.

III-FUNDAMENTAÇÃO:

Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais supra mencionados no relatório.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO:

Em processo civil – como instrumento de realização do direito - existem regras a cumprir, que ordenam os atos processuais, impondo às partes determinados ónus para obterem vantagens ou verem acolhidas as suas pretensões.

Há cominações, preclusões, prazos a respeitar, sob pena de anarquia processual e se tornar excessivamente demorada, impossível ou demasiado dispendiosa a justa composição do litígio, que a lei quer que se obtenha com brevidade e eficácia.

Nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do CIRE “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.”

O incidente da qualificação da insolvência, constitui um incidente, que pode surgir no âmbito do processo de insolvência, destinado a averiguar quais as razões que conduziram à situação de insolvência e consequentemente se essas razões foram puramente fortuitas ou correspondem antes a uma atuação negligente ou mesmo com intuitos fraudulentos do devedor, caso em que o devedor ou as pessoas afetadas por essa decisão são sujeitas as sanções de natureza civil e patrimonial.

Assim é que, no âmbito do CIRE, visando apurar “a existência de culpa de algum ou alguns sujeitos na criação ou no agravamento da situação de insolvência, e aplicar certas medidas (sanções de natureza civil) aos culpados, ou seja “moralizar o sistema”, nas palavras de Catrina Serra[1], surge, o incidente da qualificação da insolvência, que não deixando de ser também ele um sistema punitivo, uma vez que prevê a aplicação de sanções de natureza civil aos responsáveis pela insolvência culposa, prossegue concomitantemente finalidades de prevenção e de reparação, sendo esta última através da indemnização prevista na al. e) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE.

Com efeito, podemos atribuir a este incidente uma tripla função:

a) uma função sancionatória, uma vez que a sentença proferida no âmbito do incidente pretende responsabilizar todos os que contribuíram para a criação ou agravamento da situação de insolvência, sujeitando-os a sanções de natureza civil e patrimonial;

b) uma função preventiva, ao pretender evitar insolvências fraudulentas, incentivando a necessidade dos responsáveis agirem com o devido zelo e diligência, dessa forma evitando as sanções previstas e também, através da exclusão dos agentes causais da insolvência no comércio jurídico, durante determinados períodos de tempo (que podem ir dos 2 até aos 10 anos), através da adoção das medidas inibitórias, e, por último;

c) uma função ressarcitória, assumindo-se como um meio de tutela dos credores, onde assume relevância e principal destaque a indemnização aos credores.[2]

Este incidente visa assim a proteção de interesses públicos relevantes – a repressão e a prevenção de comportamentos antijurídicos ligados à proteção do direito de crédito, a segurança do comércio jurídico e a tutela da economia em geral, através da sujeição dos responsáveis a sanções de natureza civil, com efeitos de prevenção especial e geral e a proteção de direitos privados, os direitos dos credores, através do mecanismo do ressarcimento dos danos, à custa dos patrimónios das pessoas afetadas pela qualificação da insolvência.

No âmbito do incidente da qualificação da insolvência, se a sentença vier a qualificar a insolvência como culposa, decorrem desse facto consequências jurídicas graves para as pessoas consideradas responsáveis – as pessoas afetadas pela qualificação.

A qualificação da insolvência como culposa produz com efeito, um conjunto de efeitos substantivos de natureza estritamente civil (art.º 185º) na esfera das pessoas afetadas (art.º 186º nº 2): a inibição para a administração de patrimónios de terceiro (por um período de 2 a 10 anos), a inibição para o exercício do comércio (por um período de 2 a 10 anos), a obrigação de indemnizar os credores do devedor insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até á força dos respetivos patrimónios.[3]

Porém, há que atentar que, de acordo com o art.º185º do CIRE, a sentença proferida no incidente da qualificação da insolvência não faz caso julgado, nas ações penais, nem nas ações de responsabilidade civil, previstas no art.º 82º nº 3.

Este incidente pode surgir logo num momento inicial do processo de insolvência- art.º 36º nº 1 al i) do CIRE, - na sentença que declara a insolvência, o que ocorrerá se o juiz dispuser então de elementos que justifiquem a abertura do processo (isto é se já constarem do processo factos suscetíveis de fundamentar uma qualificação como dolosa da insolvência), desde que não tenha sido aprovado um plano de pagamentos (art.º 259º nº 1), nem se trate da hipótese do art.º 187º (declaração de insolvência anterior, em que já tenha sido aberto o incidente).

O art.º 188º do CIRE confere ainda legitimidade ao administrador da insolvência para requerer o incidente (sendo esta a pessoa que, tendo acesso aos registos contabilísticos, contratos comerciais, documentação e escrituração do devedor, se encontra melhor posicionado para o efeito), e ainda a um amplo grupo de pessoas – “quaisquer interessados” a possibilidade de requererem o incidente, onde se inclui o Ministério Público, muitas vezes enquanto credor é certo, mas também enquanto entidade com competência para intervir nos processos de insolvência e em todos os que envolvam interesse público e os credores, considerando-se que estes têm um interesse próprio e relevante na dedução do incidente, já que poderão vir a beneficiar doutro ou doutros património (dos afetados), para além do património do insolvente em liquidação, patrimónios que garantem o pagamento da indemnização prevista na al. e) do art.º189º do CIRE.

Deduzido o incidente, tendo o juiz declarado aberto o incidente, o administrador da insolvência (se não tiver sido ele a próprio a insolvência culposa), emite parecer nos termos do art. 188º nº 6 do CIRE. Após pronuncia do Ministério Público, o juiz manda citar o devedor assim como aqueles que devam ser afetados pela qualificação da insolvência, para se oporem querendo no prazo de 15 dias (art. 188º nº 9 do CIRE).

Nos termos do nº 10 da mesma norma, o administrador da insolvência, o Ministério Público e qualquer interessado que assuma posição contrária á das oposições pode responder-lhe no prazo de 10 dias.

Dado o seu carater incidental, trata-se de um meio processual de tramitação simplificada, como é caraterística dos incidentes.

Trata-se ainda de um meio célere, uma vez que é conferida natureza urgente ao incidente (art.º 9º nº 1 do CIRE).

Salienta-se ainda o facto de se tratar de um incidente em que vigorando o princípio do inquisitório (art.º11º do CIRE), a decisão do juiz poder ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes, podendo o tribunal recolher provas e informações que entender convenientes à boa decisão da causa, princípio este justificado, atendendo-se interesse público prosseguido por este incidente, sendo certo que, a serem investigados factos diversos dos inicialmente alegados pelo requerente do incidente, no âmbito do contraditório deverá ser dada possibilidade ás partes de apresentarem, quanto a eles novos meios de prova.

Pois bem, na tramitação do incidente da qualificação da insolvência no âmbito do CIRE, determina o art. 188º nº 11 do CIRE que as oposições, as respostas e os termos subsequentes do incidente ficam sujeitos aos artigos 132º a 139º.

O artigo 134º referente ao incidente de verificação de créditos, no seu nº 1 manda aplicar às impugnações e ás respostas o disposto no nº 2 do art. 25., o qual dispõe que “o requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, com os limites do artigo 511º do Código de processo civil”.

No que respeita assim a apresentação da prova, neste incidente, constata-se que o mesmo não deixa de seguir as regras gerais do processo civil relativas aos incidentes, nomeadamente o art. 293º do CPC, que determina que no requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.

As provas são pois no Incidente da qualificação da insolvência, tal como ocorre no âmbito dos incidentes no âmbito do processo civil, oferecidas, com os articulados, o que se justifica desde logo com a celeridade que se pretende incutir aos incidentes.

Da tramitação do incidente em apreço, resultante do CIRE decorre desde logo que houve intenção do legislador em suprimir o prazo que seria concedido às partes após a prolação do despacho saneador para apresentarem a prova se à tramitação do incidente fosse aplicável subsidiariamente a tramitação do processo comum.[4]

Os visados pela qualificação deverão apresentar tais meios de prova nas oposições que deduziram.

Apenas se poderá ressalvar a possibilidade de ainda não disporem de tais meios, o que terá de ser alegado e demonstrado.

No caso em apreço, não foi apresentada justificação para a apresentação dos novos meios de prova (testemunhas que a Requerida pretende aditar) através do pretendido aditamento ao rol de testemunhas.

Do exposto resulta que não estamos perante nenhuma lacuna da lei, uma vez que o CIRE expressamente determina, atentas as remissões mencionadas que o requerido, que ofereça oposição ou resposta ao pedido de qualificação da insolvência e da sua eventual afetação, deva oferecer todos os meios de prova de que disponha naquela peça processual.

Daqui concluímos que o próprio CIRE estabelece o regime processual do incidente, o qual não contempla a pretensão da Apelante.

Com efeito, a norma do art. 598º nº 2 do Código de Processo Civil, contraria a obrigatoriedade de oferecimento de “todos os meios de prova de que disponha, na resposta, ou na oposição, que decorre do art. 188º nº 11 do CIRE.

Ficam assim apenas de fora os meios probatórios que aquele não disponha na altura cabendo-lhe alegar a extemporaneidade, não podendo ainda ser negado o direito à apresentação de novos meios de prova, se, no âmbito do princípio do inquisitório (art.º11º do CIRE), forem objeto de investigação factos diversos dos inicialmente alegados pelo requerente do incidente, devendo nessa situação, no âmbito do direito de contraditório ser dada possibilidade às partes de apresentarem, quanto a eles novos meios de prova, situação que igualmente não foi invocada no caso em apreço.

Não se descura ainda, como já tivemos oportunidade de referir que, tal como se afirma no preâmbulo do DL 53/2004, que aprova o CIRE, “o fomento da celeridade do processo de insolvência constitui um dos objetivos” desse diploma, introduzindo-se diversos mecanismos com essa finalidade, de forma a alcançar-se rapidamente o objetivo primordial que é a máxima satisfação do interesse dos credores. E estende-se o carácter urgente aos apensos do processo de insolvência.

Desta forma, em face da concreta questão suscitada neste recurso, de saber se, terminado o prazo para as respostas, pode ainda vir a ser alterado o rol de testemunhas, por aplicação do art. 598º do Código de Processo Civil, a resposta terá de ser negativa.

Neste sentido, decidiu-se nos Acórdãos desta Relação, de 31.1.2008 (Desembargador José Ferraz), onde se afirma de forma muito clara o seguinte: “In casu, às partes é/foi assegurado o direito de defesa, em condições de igualdade, com observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes (artigo 3º e 3º-A do CPC). Notificados do parecer do Administrador, foi-lhes facultada a possibilidade de dizerem das suas razões, na oposição que fizerem.

Notificados das oposições, foi-lhes facultada a possibilidade de responder, contrariando as imputações feitas pela “outra parte” ou outros interessados (artigo 188º/6).

Puderam, no momento adequado, oferecer todos os meios de prova, sem restrições e perante a vastidão da sua alegação e da dos demais interessados, controlando quer a “sua” prova quer a oferecida pelos demais. Nenhum obstáculo se lhe opôs a que, no momento previsto na lei, oferecesse e requeresse as provas que bem entendesse, exercendo, em plenitude, o direito de defesa.

Se não o fez, nos termos e no momento previsto na lei – em situação de igualdade com os demais interessados no incidente - sibi imputet. O que não pode é imputar a outrem, ou à correta tramitação do processo, limitação do seu direito de defesa que, a existir, apenas procede da sua atuação.”

Neste sentido ver ainda os acórdãos da Relação de Lisboa, de 11.09.2009, citado no despacho recorrido e os acórdãos da Relação de Guimarães de 3.11.2016 e da Relação de Évora de 16.3.2023.[5]

Resta assim julgar improcedente o recurso e confirmar o despacho recorrido.

V-DECISÃO:

Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do porto, em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.


Porto, 14 de janeiro de 2025
Alexandra Pelayo
João Diogo Rodrigues
João Ramos Lopes
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[1] In Lições de Direito da Insolvência, Almedina, pg. 156.
[2] No preambulo do CIRE pode ler-se: “As finalidades do processo de insolvência e, antes ainda, o propósito de evitar insolvências fraudulentas ou dolosas, seriam seriamente prejudicados se aos administradores das empresas, de direito ou de facto, não sobreviessem quaisquer consequências sempre que estes hajam contribuído para tais situações. A coberto do expediente técnico da personalidade jurídica coletiva seria possível praticar incolomemente os mais variados atos prejudiciais para os credores.”
[3] Ver Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Coimbra, pg. 179.
[4] Ver neste sentido, Revista Julgar nº 11, 2010, pg. 229, Rui Estrela de Oliveira in Uma brevíssima incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência.
[5] Preferidos respetivamente nos Processos nºs 1333/11.6TBVRL-G.G1 e 2006/21.7T8STR-B.E1-A, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.