CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário

I - O conceito de causa de pedir está previsto no nº 4 do art. 581º do CPC, que consagra a chamada teoria da substanciação, a qual impõe que o autor, na petição inicial, ou o reconvinte, na reconvenção, articulem os factos concretos essenciais/nucleares em que estribam a sua pretensão.
II - A falta de algum facto essencial integrador da causa de pedir invocada pelo autor, na p. i., ou pelo reconvinte, na reconvenção, determina a ineptidão desse articulado [no caso da petição inicial importa a nulidade de todo o processo; na reconvenção só esta é afetada pela nulidade], por não ser admissível o convite ao aperfeiçoamento para suprimento da omissão de factos essenciais ou nucleares do direito invocado.

Texto Integral

Apelação nº 388/23.5T8AND.P1 – 2ª Secção
Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Márcia Portela
Des. Alexandra Pelayo

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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:

AA e BB instauraram a presente ação de processo comum contra CC, todos devidamente identificados nos autos, pedindo que seja proferida sentença que, nos termos do artigo 830º do CCiv., produza os efeitos da declaração negocial do Réu faltoso ou, pelo menos, a título subsidiário, que o réu seja condenado a restituir-lhes a quantia de 23.000,00€ (vinte e três mil euros), correspondente ao preço pago pela compra do prédio objeto do contrato-promessa de venda, acrescido dos legais juros de mora, contados a partir de 02.02.2016, até efetivo e integral pagamento.
Mais pediu a condenação do réu a pagar-lhes, a título de indemnização pela privação do uso e fruição do prédio, a quantia de 15,00€ (quinze euros) por dia, desde 05.04.2023, até à data do trânsito em julgado da sentença.
Bem como a condenação do mesmo como litigante de má fé, em multa e justa indemnização.
Alegaram, para tal, que:
- são os únicos herdeiros na sucessão à herança aberta por óbito de seu pai, DD, falecido a 05.12.2022;
- por contrato-promessa unilateral, datado de 02.02.2016, o réu comprometeu-se a outorgar escritura de compra e venda relativa ao prédio rústico sito nas ..., freguesia ..., concelho de Anadia, com a área de 15.500 m2, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº ...;
- na mesma data, o referido DD pagou integralmente ao réu o preço acordado, no montante de 23.000,00€ (vinte e três mil euros), através de cheque que o réu depositou na sua conta bancária;
- que, após a morte do seu pai, os autores interpelaram o réu para comparecer no Cartório Notarial de Cantanhede, a fim de celebrarem a prometida escritura pública, tendo-lhe indicado a data marcada para este efeito;
- o réu não compareceu à escritura, nem apresentou justificação para a sua falta de comparência;
- desde 05.04.2023 (data em que o réu faltou à escritura pública que estava marcada para esse dia), estão privados do direito de usarem e fruírem do prédio objeto do contrato-promessa.

O réu, devidamente citado, contestou a ação, por exceção e por impugnação e deduziu reconvenção.
Arguiu a ilegitimidade dos autores, por entender que a ação devia ter sido instaurada pela herança ilíquida aberta por óbito do pai dos mesmos.
Impugnou a materialidade fáctica alegada nos arts. 20º e 21º da petição inicial e afirmou que o pai dos autores lhe comunicou que tinha recebido uma indemnização da REN (Redes Energéticas Nacionais) pela passagem de um cabo de alta tensão no prédio objeto do contrato-promessa e que teria de ser apurado o respetivo valor, para que posteriormente procedessem a acerto de contas entre eles; que, porém, até à data do seu óbito, o pai dos autores não lhe comunicou o valor daquela indemnização, nem lhe «devolveu» o que quer que fosse; e que devido a esse acerto de contas por fazer [e por falta de disponibilidade] não compareceu no Cartório Notarial para a outorga da escritura, tendo-o comunicado aos autores.
Concluiu pugnando pela procedência da exceção dilatória que arguiu e, bem assim, pela improcedência da ação, com as legais consequências.
Em reconvenção, pediu a condenação dos autores-reconvindos a pagarem-lhe o valor que vier a ser apurado relativamente à indemnização que o falecido pai dos autores recebeu da EDP pela passagem de cabos de alta tensão no prédio objeto do contrato-promessa [que quantificou em montante «nunca inferior a 10.000,00€»].

Os autores replicaram, sustentando a improcedência da reconvenção.

Realizou-se a audiência prévia, na qual os autores se pronunciaram sobre a exceção dilatória invocada pelo réu na contestação e ambas as partes se pronunciaram sobre a possibilidade de, na fase do saneamento/condensação, o tribunal conhecer do mérito da causa.
O réu respondeu, ainda, ao pedido de litigância de má fé.

Foi, de seguida, proferido saneador-sentença que:
- julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa deduzida pelo réu;
- julgou inepta a reconvenção, por falta de causa/ininteligibilidade de pedir, pelo que a mesma não foi admitida;
- julgou a ação parcialmente procedente, «proferindo sentença que, nos termos do artigo 830º do Código Civil, produz os efeitos da declaração negocial do Réu faltoso e, em consequência, determina-se que os AA. adquirem o prédio rústico sito nas ..., freguesia ..., concelho de Anadia, composto por vinha com 35 oliveiras, com a área de 15.500 m2, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo nº ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº ..., ficando, porém, a aquisição subordinada à condição de cumprimento pelos AA. das obrigações fiscais inerentes à transmissão após o trânsito em julgado da sentença»;
- e julgou a ação improcedente quanto aos demais pedidos formulados pelos autores, incluindo o de condenação do réu como litigante de mé fé..

Inconformado com a decisão, na parte que julgou inepta a reconvenção e, por via disso, não a admitiu, interpôs o réu o presente recurso de apelação [que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem como objeto a douta sentença proferida nos autos que considerou a reconvenção inepta, resultante da falta de indicação da causa de pedir e, consequentemente, não admitiu a reconvenção deduzida.
2. Constituindo como que uma petição inicial “enxertada” numa ação pendente, o pedido reconvencional será inepto se se verificarem as causas que determinam a ineptidão da petição inicial, nos termos previstos no artigo 186.º do CPC, entre as quais se encontra a falta de formulação do pedido.
3. O “pedido” é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que o autor quer obter com a ação,
4. A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação, à partida, viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre, desde logo, não ser possível um correto, coerente e unitário ato de julgamento.
5. Estabelece o n.º 3 do artigo 186.º do CPC, que, em caso de invocação pelo réu da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, tal invocação não será atendível se se concluir que ele, não obstante as deficiências invocadas, percebeu o feito que o demandante introduziu em juízo, estando consciente das consequências que o autor dele pretende retirar;
6. A instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o princípio da prevalência das decisões de mérito sobre as formais, expressa no princípio de gestão processual a que se reporta, em particular, o artigo 6.º do CPC, determinam que o juiz deva promover a regularização do articulado e, não, julgando inepta a reconvenção, sem conferir ao réu a possibilidade de suprir tal vício;
7. A ineptidão da petição inicial por falta de pedido, prevista como nulidade insanável e insuscetível de convite para correção, só deve ser decretada quando seja inequívoco que o autor não deu a conhecer o efeito jurídico pretendido.
8. Apenas a falta dos factos essenciais na petição inicial determina a inviabilidade da ação por ineptidão daquela.
9. “Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente… quando… sendo clara quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a ação naufraga” (assim, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º vol., pp. 364 e 371).
10. Tem sido entendido que não é qualquer insuficiência ou incompletude do pedido ou da causa de pedir que determina a ineptidão da petição.
11. Só existindo falta de pedido, se este não se encontrar na petição; e só existirá falta de causa de pedir, quando o autor não indicar o “facto genético” ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer.
12. No âmbito dos presentes autos, o réu deduziu, especifica e separadamente reconvenção, mediante a inclusão de um segmento próprio da contestação dedicado a “Da RECONVENÇÂO” tendo, para tanto, alegado o que consta dos artigos 45.º a 49.º de tal articulado, invocando, nomeadamente que conforme se tinha deixado exposto, o pai dos Autores teria recebido uma quantia monetária da entidade REN por passagem de cabos de alta tensão, no prédio que pertence ao Réu e que é objeto do contrato promessa celebrado, valor esse que não tinha sido possível apurar até à data do seu óbito (mas nunca seria inferior a 10.000,00€) e que deveria ser restituído ao Réu por ser o seu legítimo proprietário.
13. Apreciando o articulado em questão, não pode deixar de se concluir que o ali expresso, consubstancia, para um declaratário normal, o sentido de que o réu formulou, inequivocamente, o pedido reconvencional de €10.000,00, cuja causa de pedir também identificou (indemnização liquidada ao pai dos Autores pela passagem do cabo de alta tensão no prédio que pertence ao Réu e que havia sido prometido vender àquele).
14. Legitima-se a prevalência da substância sobre a forma, do conteúdo sobre o aspeto estritamente formal, legitimando-se, pois, uma compreensão abrangente sobre a pretensão deduzida pelo demandante explicitada.
15. Os Autores interpretaram convenientemente a pretensão do Réu, relativamente à qual esgrimiram a sua defesa conforme é visível na sua réplica (não tendo alegado qualquer ineptidão do pedido reconvencional deduzido pelo Réu), não se podendo fazer aplicação do disposto no artigo 186.º do Código de Processo Civil. 16. Como se decidiu no Ac. desta Relação, de18/12/2002 disponível em www.dgsi.pt para se estar perante ineptidão por falta de causa de pedir é necessário uma total ausência dos factos que servem de base de fundamento à pretensão.
17. E o Réu deduziu os fundamentos de factos que servem de base à sua fundamentação: alegando sumariamente a celebração de um contrato promessa com o pai dos Autores e os motivos pelos quais até à interposição da ação judicial não tinha sido feito o negócio, nomeadamente, a existência do pagamento de uma indemnização ao pai dos Autores pela passagem de cabos de alta tensão no prédio que ainda era do Réu e, consequentemente, deveria ter sido liquidado ao mesmo e não ao pai daqueles.
18. Inexistindo qualquer incumprimento do Réu quanto ao contrato promessa que havia sido celebrado entre as partes atendendo que o mesmo apenas não procedeu à formalização do negócio face ao não apuramento dos valores que lhe eram devidos e conforme foi acordado com o pai dos Autores.
19. Deve ser admitida a junção aos autos do documento comprovativo do pagamento da indemnização ao pai dos Autores pela passagem do cabo de alta tensão no prédio pertencente ao Réu, no valor de 6.450,00€, ao abrigo do disposto no artigo 651.º do Código de Processo Civil.
20. Pois, nos termos do disposto no artigo 425.º do Código de Processo Civil, o documento não foi junto anteriormente ao encerramento da discussão em virtude de ter sido obtido posteriormente no seguimento da ação para apresentação de documentos contra a entidade REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS S.A.
21. Admitido o pedido reconvencional nos termos supra expostos, devem os Autores ser condenados a proceder ao pagamento da quantia de 6.450,00€, pelo recebimento indevido da indemnização por parte da REN.
22. Consequentemente, tendo sido devidamente respeitados todos os trâmites processuais para a apresentação do pedido reconvencional, tem a mesma de ser admitida e ordenado o prosseguimento dos autos sob pena de ocorrer violação do disposto nos artigos 186.º, 266.º, 552.º, 581.º e 583.º todos do Código de Processo Civil.
23. Pelo que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se o douto despacho proferido e, em sua substituição, ser proferido outro que ordene o prosseguimento dos autos, assim resultando melhor interpretada e aplicada a Lei e realizada a JUSTIÇA.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO (…), DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS QUANTO AO PEDIDO RECONVENCIONAL DEDUZIDO PELO RECORRENTE, ASSIM SE FAZENDO, COMO SEMPRE, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”.

Os autores contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida.
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2. Questões a decidir:

Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações do recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso [arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC], salvo ocorrência de exceções de conhecimento oficioso -, a única questão a decidir consiste em saber se a decisão recorrida é merecedora de censura no segmento em que não admitiu, por inepta, a reconvenção [o aqui relator, no despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 652º do CPC, já se pronunciou sobre a junção do documento pretendida nas conclusões 19 e 20 das alegações, não a tendo admitido].
Nota:
Os recorridos requerem, na alínea S) das contra-alegações, que a questão da litigância de má fé que imputaram ao réu na petição inicial [pedindo que o mesmo fosse condenado em multa e indemnização, esta a seu favor], e que o tribunal a quo desatendeu no saneador-sentença, seja novamente apreciada por este tribunal ad quem. Porém, para que este conhecimento fosse possível – e não estando aqui em causa o disposto no nº 3 do art. 542º do CPC [que pressupõe a condenação por litigância de mé fé, que não aconteceu] –, era necessário, por um lado, que, nessa parte, a decisão admitisse recurso nos termos do nº 1 do art. 629º do CPC e, por outro, que os recorridos tivessem interposto o necessário recurso dessa parte do saneador-sentença, pelo menos a título subsidiário. Mas estes dois requisitos não se verificam – aquele segmento decisório não é recorrível [o valor da sucumbência não atinge o mínimo exigido naquele art. 629º nº 1], nem os recorridos interpuseram recurso [que seria, necessariamente, indeferido], antes se limitaram, no final das contra-alegações, a pugnar pela manutenção «incólume» da decisão recorrida.
Por isso, não se conhecerá aqui de tal questão.
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3. Materialidade fáctica dada como provada no saneador-sentença:

Embora não releve diretamente para o conhecimento da questão que está em causa neste recurso, transcreve-se, ainda assim, a matéria de facto dada como provada no saneador-sentença, que é a seguinte:
1. Os AA. são os únicos herdeiros na sucessão à herança aberta por óbito de seu pai, DD, falecido no dia 5 de Dezembro de 2022 – cfr. Certidão da Escritura de Habilitação de Herdeiros, junta a fls. 8 e 9 - DOC. 1 -com a petição inicial e cujo teor restante aqui se dá por reproduzido.
2. Encontra-se inscrito a favor do R. o prédio rústico sito nas ..., freguesia ..., concelho de Anadia, composto por vinha com 35 oliveiras, com a área de 15.500 m2, a confrontar do norte com Estrada, do sul com ..., do Nascente com EE, e do poente com Vala, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo nº ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº ... - cfr. certidão predial permanente junta a fls. 4 - DOC 3 - com a PI.
3. Através de documento por si assinado, datado de 2.02.2016, o Réu declarou o seguinte: “CC, natural e residente ..., ..., Águeda, declaro para os devidos efeitos ter vendido o prédio Rústico que consta nesta Certidão, pelo preço 23.000 (vinte e três mil euros), que já recebi do Snr. DD, residente nas ..., ..., Anadia, tendo recebido o referido valor 23.000 euros com o cheque ..., Banco 1... ..., comprometendo-me a acinar a respetiva escritura de compra e venda, em nome em S/nome ou em quem o mesmo indicar. Por estar de acordo com este contrato, vou acinar. ...” (cfr. documento de fls. 4 verso - DOC. 4 - junto com a petição inicial).
4. O valor de 23.000,00 € (vinte e três mil euros) foi integralmente pago por DD no mesmo dia 02.02.2016, através do cheque nº ..., do Banco 1... - ..., a favor de CC, e que foi depositado pelo Réu, dias depois, em conta bancária por si titulada no Banco 2....
5. Identificando-se como herdeiros de DD, os AA. tentaram interpelar o Réu para comparecer no dia 15 de Março de 2023, pelas 10:30 horas, no Cartório Notarial de Cantanhede, a fim de celebrar a escritura pública de compra e venda do prédio objeto do contrato promessa (cfr. documento de fls. 8 - DOC 7 - junto com a PI e cujo teor se dá por reproduzido).
6. Como tal carta foi devolvida, por não ter sido reclamada, os AA. reagendaram a escritura para o dia 5 de Abril de 2023, pelas 11 horas, interpelando o Réu, por carta registada com aviso de receção, enviada a 17.03.2023, e recebida no dia 21.03.2023, conforme aviso de receção assinado na mesma data (DOCs. 9 e 10).
7. Porém, o Réu não compareceu à escritura, tendo respondido aos AA., através de carta elaborada pela sua ilustre mandatária, que não tinha disponibilidade para comparecer no Cartório Notarial na data indicada e que a escritura apenas ainda não tinha sido formalizada em virtude de existirem contas pendentes a efetuar entre as partes.
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4. Apreciação do objeto do recurso:

Está em causa o segmento do saneador-sentença que julgou a reconvenção inepta e, por isso, não a admitiu [do mais, incluindo a decisão sobre o mérito da causa, não foi interposto recurso].
Embora na parte decisória relativa a tal questão se refira apenas a «falta de indicação da causa de pedir» como fundamento da declarada ineptidão da reconvenção [tal parte decisória contém a seguinte proclamação: «[a]ssim, julga-se inepta a reconvenção, resultante da falta de indicação da causa de pedir e, consequentemente, não se admite a reconvenção»], a verdade é que, na respetiva fundamentação, a pronúncia foi mais abrangente na medida em que nela se diz que «[c]omo tal, não pode deixar de concluir-se que falta ou é ininteligível a indicação da causa de pedir da reconvenção, nos termos do art. 182º, 2, al. a), do CPC, o que é conducente à sua inadmissibilidade, por ineptidão».
Vejamos então.
Sobre a reconvenção existem dois preceitos nucleares no CPC: os arts. 266º e 583º.
O primeiro rege sobre os pressupostos materiais [as quatro alíneas do nº 2] e processuais [o nº 3] da admissibilidade da reconvenção, na medida em que esta implica uma modificação objetiva da instância.
Como ensinam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Almedina, 2018, pg. 531], “[a] reconvenção, consistindo num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra-ação que se cruza com a proposta pelo autor (…). Não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a ação inicial, o n.º 2 [do artigo 266.º do CPC] estabelece os fatores de conexão entre o objeto da ação e o da reconvenção que tornam esta admissível”.
Consta do nº 2 daquele art. 266º que «a reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.».
No nº 3 estabelece-se que «[n]ão é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.».
A decisão recorrida não assentou a inadmissibilidade da reconvenção em nenhuma das alíneas do nº 2, nem no nº 3, deste normativo.
Por sua vez, o art. 583º dispõe, no nº 1, que «[a] reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º».
Das als. d) e e) do nº 1 do art. 552º resulta, ainda, que o autor-reconvinte deve expor «os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento» à reconvenção e deve também «formular o pedido» reconvencional.
À semelhança do que acontece com a petição inicial [já que a reconvenção se configura como uma contra-ação deduzida numa outra que se encontra pendente], a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir ou do pedido, a contradição entre o pedido e a causa de pedir ou a cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, levam à nulidade, por ineptidão, da reconvenção [embora não já, como se compreende, à nulidade de todo o processo, como sucede quando tal vício incide sobre a petição inicial] – art. 186º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC.
A decisão recorrida considerou a reconvenção inepta por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir.
O conceito de causa de pedir está previsto no nº 4 do art. 581º do CPC, que consagra a chamada teoria da substanciação, a qual impõe que o autor, na petição inicial, ou o reconvinte, na reconvenção, articulem os factos concretos essenciais/nucleares em que estribam a sua pretensão.
Como ensina Abrantes Geraldes [in Temas da Reforma do Processo Civil, I vol., 1997, Almedina, pgs. 176-177], “o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação de um conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca através do processo civil”, acrescentando, ainda, que “a causa de pedir é consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjetiva alegada pela parte”.
Teixeira de Sousa [in As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa, 1995, Lisboa Lex, pgs. 122-124] refere que “a causa de pedir é composta pelos factos necessários para individualizar a situação jurídica alegada pelas partes e para fundamentar o pedido formulado para essa situação”, ou seja, “pelos factos constitutivos da situação jurídica invocada pelas partes, isto é, pelos factos essenciais à procedência do pedido”, sendo “essenciais aqueles factos sem cuja verificação o pedido não pode ser julgado procedente”.
Também Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto [in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2001, Coimbra Editora, pgs. 223-224] defendem que o autor [o mesmo vale para o reconvinte] “há de indicar os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma, os quais constituem a causa de pedir (…), que corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido”.
No mesmo sentido, Remédio Marques [in Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimb. Editora, 3ª ed., pgs. 226-227] explica que “a causa de pedir – o fundamento da pretensão – terá de ser concretizada, no sentido em que a afirmação de factos ou dos acontecimentos da vida (…) tem que individualizar a pretensão para o efeito de conformação do objeto do processo. Núcleo de factos, estes, que devem ser previstos por uma ou mais normas como causa do efeito material pretendido (como causa do pedido). O conceito de causa de pedir é delimitado, por conseguinte, pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão que o autor formula, cumprindo a este a alegação desses factos (pelo menos, dos factos essenciais), nos quais o juiz funda a sua decisão, sem prejuízo de este atender, (…), aos factos instrumentais que resultem da instrução e da discussão e aos factos que sejam complemento ou concretização de outros”.
Também no Acórdão do STJ de 07.06.2022 [disponível in www.dgsi.pt/jstj] se entendeu a causa de pedir como o “conjunto de factos concretos (em maior ou menor número) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer” e “pode desdobrar-se segundo a taxonomia normativa do art. 5 nº 1 do CPC em factos essenciais que são precisamente, por indicação deste preceito, os que «constituem a causa de pedir» e que por isso mesmo têm de ser alegados pelo demandante na sua totalidade”, logo acrescentando que “[p]ela própria definição, sendo essenciais, a falta de um deles implica a incompletude da causa de pedir e por isso mesmo a ineptidão da mesma, não podendo argumentar-se que enunciando apenas alguns factos essenciais deixará de existir ineptidão e apenas uma situação de deficiência que imporia ao julgador o convite ao aperfeiçoamento. Não, a falta de um facto que seja essencial compromete o conhecimento do mérito da causa, porque a essencialidade se afere em função da importância decisiva que desempenha para o desfecho da ação”. E citando Lopes do Rego [in Comentário ao CPC, pg. 201], delimita assim os conceitos de «factos essenciais» e «factos instrumentais»: “factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da ação e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material”; “factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da exceção ou da reconvenção deduzidas pelo réu” [no sentido de que a causa de pedir é constituída apenas pelos factos essenciais, ou seja, pelos factos necessários à individualização do pedido pelo autor ou pelo reconvinte, vai a larga maioria da jurisprudência mais recente, de que são exemplo, o Acórdão do STJ de 06.02.2024, proc. 1566/22.0T8GMR-A.S1, disponível no mesmo sítio da dgsi e os Acórdãos desta Relação do Porto (e Secção) de 08.03.2022, proc. 3281/20.0T8PNF.P1 e de 22.10.2019, proc. 3445/18.6T8VFR-A.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp].
A falta de algum facto essencial integrador da causa de pedir invocada pelo autor, na p. i., ou pelo reconvinte, na reconvenção, implica, como se diz no douto aresto do STJ acabado de citar, a ineptidão desse articulado [que no caso da petição inicial importa a nulidade de todo o processo, enquanto na reconvenção só esta é afetada pela nulidade], por não ser admissível o convite ao aperfeiçoamento para suprimento da omissão de factos essenciais ou nucleares do direito invocado. Este convite, para correção/aperfeiçoamento de «insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada», previsto no art. 590º nº 4 do CPC, só é admissível [só faz sentido] relativamente a factos não essenciais da causa de pedir da ação ou da reconvenção [como se explica no douto Acórdão do STJ supra citado, “[o] poder de convidar ao aperfeiçoamento dos articulados, para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590 nº 4 do CPC), tem de ser entendido em rigorosos limites e isto porque esta invitação pode apenas ter lugar quando existam insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito, mas que permitam que este conhecimento e decisão (com o convite, se aceite) sejam realizados de forma mais eficaz. Não deve assim convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir, como antes apontámos, o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido – vd. ac. STJ de 17-11-2021 no proc. 5870/20.3T8VNG.P1.S1 in dgsi.pt”].
Além da falta de causa de pedir [com a amplitude acabada de mencionar], a al. a) do nº 2 do art. 186º do CPC inclui também a ininteligibilidade desta como motivo de ineptidão da petição inicial ou da reconvenção, ocorrendo esta quando a causa de pedir é formulada “de modo tão obscuro que não se entende qual seja” ou “em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos” [Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol.1º, Coimbra Editora, 1999, pg. 322]. Ou, dito de outro modo, deve considerar-se inepta a petição ou a reconvenção “que se apresente em termos obscuros ou ambíguos de modo que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir” [Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pg. 371].

Feito este introito, reportemo-nos ao caso em apreço.
Na contestação, o réu, ora recorrente, aceitou a celebração do contrato-promessa, com o pai dos autores, nos termos alegados na petição inicial, e que este lhe pagou a totalidade do preço acordado, nos termos e circunstâncias também ali indicados. Só não aceitou que a não celebração da escritura do contrato prometido lhe fosse imputável a ele e, por conseguinte, que tivesse sido ele a incumprir o contratado. Isto porque, segundo ele, haveria um acerto de contas pendente com o pai dos autores [promitente comprador]. Ainda de acordo com o relato do réu, tal acerto de contas tem por base uma conversa que teve com o pai dos Autores – desconhecendo-se quando e em que circunstâncias –, na qual lhe comunicou «que tinha recebido uma indemnização da REN (Redes Energéticas Nacionais) pela passagem de um cabo de alta tensão no prédio que pertence ao Réu e tinha sido prometido vender ao pai dos Autores» e que «teria de apurar o respetivo valor para que posteriormente fizessem o acerto de contas» entre eles, valor esse que o progenitor dos autores não lhe indicou até à data do seu óbito [nºs 20º a 25º da contestação], tendo sido por isso, e por falta de disponibilidade, que não compareceu no Cartório Notarial na data marcada pelos autores, 05.04.2023 [nºs 26º a 28º do mesmo articulado]. Mais refere que solicitou à REN informação acerca do pagamento de indemnização ao pai dos autores, mas que ainda não tinha obtido resposta aquando da apresentação da contestação [nºs 31 a 34º da contestação].
Na sequência, sob a epígrafe «RECONVENÇÃO», alegou o seguinte:
«45.º Conforme supra se deixou exposto, o pai dos Autores terá recebido uma quantia da entidade REN por passagem de cabos de alta tensão, no prédio quer pertence ao Réu e que é objeto do contrato promessa celebrado.
46.º Não tendo até à presente data sido possível aferir qual o valor da indemnização, não obstante as tentativas levadas à cabo pelo Réu.
47.º Pelo que requer-se a V.ª Ex.ª se digne oficiar a REN – REDES ENERGÉTICAS NACIONAIS, com sede na Avenida ..., ..., ... Lisboa, para vir indicar nos autos qual o valor da indemnização paga ao pai dos Autores e data do seu pagamento.
48.º Aferido o respetivo valor, deve a herança aberta por óbito de DD ser condenada a proceder à devolução do valor, acrescida dos respetivos de mora desde a data do pagamento, até efetivo e integral pagamento ou (concluindo-se pela legitimidade dos Autores) serem os Autores condenados em conformidade a proceder à devolução do valor que o seu pai locupletou à custa do Réu.
49.º Valor este que nunca será inferior a 10.000,00€.».
Perante isto, a decisão recorrida entendeu e decidiu que:
“(…) apreciada a contestação/reconvenção, não se vislumbram quaisquer factos que possam justificar o pedido formulado pelo Réu.
Com efeito, resulta do referido articulado que o Réu celebrou, com o pai dos Autores, um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual se comprometeu a proceder à venda do prédio rústico sito nas ..., freguesia ..., concelho de Anadia, composto por vinha com 35 oliveiras, com a área de 15.500m2, a confrontar do norte com Estrada, do sul com ..., do nascente com EE, e do poente com Vala, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º ... (art. 16 da contestação).
Porém, alega o R., sem qualquer referência às circunstâncias de tempo, modo e lugar, que o pai dos Autores comunicou ao Réu que tinha recebido uma indemnização por parte da REN (Redes Energéticas Nacionais) pela passagem de um cabo de alta tensão no prédio que pertence ao Réu e tinha sido prometido vender ao pai dos Autores e que teria de apurar o respetivo valor para que posteriormente fizessem o acerto de contas entre as partes (art. 20 e ss. da contestação).
Todavia, para além da ausência de qualquer referência às circunstâncias de tempo, modo e lugar de tais factos, o R. nada indica a respeito de que contas seriam essas, ou seja, sobre o teor de um eventual acordo que teria sido celebrado entre o pai dos AA. e ele, suscetível de justificar qualquer pagamento da responsabilidade do primeiro.
Aliás, na falta de qualquer indicação do R., tem de concluir-se que, caso a REN (Redes Energéticas Nacionais) tenha pago algum valor pela passagem de um cabo de alta tensão no prédio pertencente ao R., que não tenha favorecido o R., seu proprietário, é sobre aquela Redes Energéticas Nacionais, e não em relação aos AA., que o demandado poderá exigir ressarcimento.
Como tal, não pode deixar de concluir-se que falta ou é ininteligível a indicação da causa de pedir da reconvenção, nos termos do art. 186.º, 2, al. a), do CPC, o que é conducente à sua inadmissibilidade, por ineptidão.
Aliás, isto explica que, na sequência de tais pedidos e fundamentos, os AA. apenas tenham respondido que não faz qualquer sentido, que o falecido pai dos AA., não sendo proprietário, tenha recebido da REN, uma qualquer indemnização que fosse (art. 6 da réplica).
Ou seja, para exercer algum direito sobre os AA. a este respeito, o R. tem primeiramente de saber se foi paga alguma indemnização ao pai daqueles e, depois, alegar as condições de algum acordo que terá sido celebrado com o pai dos AA. suscetível de determinar qualquer devolução, o que não fez na sua contestação/reconvenção.
Isto sem prejuízo de, como supra se referiu, não existindo acordo expresso entre o pai dos AA. e o R., que as referidas circunstâncias apenas podem legitimar ao segundo o exercício do direito de obtenção de indemnização perante a REN.
Assim, julga-se inepta a reconvenção, resultante da falta de indicação da causa de pedir e, consequentemente, não se admite a reconvenção.».

Também consideramos – adianta-se já – que a reconvenção, por inepta, não podia, nem pode, ser admitida.
Comecemos pelos factos que o réu-reconvinte alegou para sustentar o pedido de «devolução do valor» que quantificou em montante «nunca inferior a 10.000,00€» [cfr. nºs 48º e 49º da contestação-reconvenção].
Olhando, em conjunto, para a defesa por exceção perentória alegada na contestação e para a reconvenção propriamente dita, temos apenas e só que o pai dos autores, promitente comprador, comunicou ao réu que tinha recebido uma indemnização da REN por causa da passagem de um cabo de alta tensão pelo prédio objeto do contrato-promessa dos autos e que, depois de apurar o valor daquela, procederiam a um acerto de contas, o que nunca aconteceu até ao decesso daquele.
É nisto – e apenas nisto – que o réu-reconvinte estriba a sua pretensão.
Tais factos preenchem o núcleo de algum direito que sustente o pedido formulado na reconvenção?
O réu-reconvinte, apesar do que estabelece a parte final da al. d) do nº 1 do art. 552º, aplicável ex vi do nº 1 do art. 583º, ambos do CPC, não indicou, na contestação-reconvenção, as razões de direito que servem de fundamento ao pedido reconvencional.
Mesmo não havendo consequências legais para tal omissão [contrariamente ao que acontece quanto à alegação dos factos essenciais integradores da causa de pedir, a que se reporta a 1ª parte da mesma alínea daqueles número e artigo, cuja omissão determina a ineptidão da reconvenção, como já atrás se disse] e não estando sequer o tribunal vinculado às razões de direito invocadas pelas partes [o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como estatui o nº 3 do art. 5º do CPC], normal seria, ainda assim, que o réu-reconvinte tivesse indicado, no referido articulado, a figura ou o instituto jurídico em que fundamenta o seu pedido.
Mas não o fez, certamente, por ter dado conta da inexistência de norma ou conjunto de normas jurídicas que sustentem o pedido que deduziu.
E manteve igual silêncio nas alegações do recurso.
Do que o réu-reconvinte alegou resulta apenas a promessa de um acerto de contas feita pelo progenitor dos autores-reconvindos.
Mas que acerto de contas era esse e qual a sua origem?
Relativo ao contrato-promessa não é certamente, já que, por um lado, o preço acordado para a compra do prédio rústico objeto do contrato foi integralmente pago pelo promitente comprador ao reú-reconvinte [no mesmo dia em que aquele foi celebrado, como consta dos nºs 3 e 4 dos factos dados como provados no saneador-sentença] e porque, por outro, o segundo nada tinha que pagar ao primeiro, tendo ficado apenas obrigado a celebrar a escritura do prometido contrato.
Também não será relativo a despesas com a escritura do contrato de compra e venda, na medida em que estas [o mesmo acontece como os impostos que têm de ser pagos nesse ato – IMT e imposto de selo] são da responsabilidade do comprador e não do vendedor.
Não se vislumbra, por isso, que o acerto de contas referido pelo réu-reconvinte tivesse alguma coisa a ver com o contrato-promessa em questão nos autos ou com as obrigações dele decorrentes.
Será que o réu-reconvinte reporta o acerto de contas à eventual indemnização que, na sua alegação, o pai dos autores teria recebido da REN pela passagem de um cabo de alta tensão através do espaço aéreo do prédio objeto do contrato-promessa?
Se sim, então, em vez de se limitar a alegar que aquele lhe disse que tinha recebido a dita indemnização, devia ter alegado factos concretos demonstrativos de que o mesmo a recebeu efetivamente [quando e em que circunstâncias] e que essa indemnização dizia respeito ao imóvel objeto do contrato-promessa [pela passagem da linha de alta tensão pelo espaço aéreo do mesmo], o que, claramente, não fez. E teve tempo para isso, já que o contrato-promessa foi celebrado em 02.02.2016 e a presente ação só foi instaurada em 31.08.2023 [sendo que do doc. nº 3 junto com a contestação-reconvenção resulta que só em 09.05.2023, mais de um mês depois da data que esteve agendada para a outorga da escritura pública de compra e venda (05.04.2023), é que o réu-reconvinte solicitou à REN informação acerca do pagamento de indemnização ao pai dos autores «por passagem de cabos de alta tensão»].
Perante os termos obscuros/ambíguos do que foi alegado e a falta de alegação de factos concretos essenciais que sustentem o pedido formulado, surge evidente que a reconvenção, por inepta [falta ou, pelo menos, ininteligibilidade da causa de pedir], nos termos dos arts. 186º nº 2 al. a) e 552 nº 1 al. d) ex vi do art. 583º nº 1, todos do CPC, não podia ser admitida, como bem decidiu a 1ª instância.
Mas mais.
Ainda que o réu-reconvinte tivesse efetivamente alegado que o pai dos autores recebeu da EDP uma indemnização pela passagem do cabo de alta tensão pelo espaço aéreo do prédio objeto do contrato-promessa, ainda assim, mesmo com a promessa de acerto de contas feita por aquele, a reconvenção teria de ser rejeitada, não já por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, mas sim por manifesta improcedência de tal pretensão.
Isto porque o réu-reconvinte não poderia obter do pai dos autores – ou, agora, face ao decesso deste, dos próprios autores – a entrega do que lhe tivesse sido pago pela EDP a título de indemnização. Para tal efeito, teria que intentar a competente ação contra a EDP e exigir desta o pagamento da indemnização a que tinha direito. E a EDP, a ter pago indevidamente a dita indemnização ao pai dos demandantes, é que poderia vir a exigir destes a devolução da mesma, quanto mais não fosse [se outro fundamento não existisse] ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, nos termos previstos no art. 476º nº 1 do CCiv..
Em conclusão, a decisão recorrida não é merecedora de censura e o recurso tem que improceder.

Pelo decaimento, incorre o recorrente em custas – arts. 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC.
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Síntese conclusiva:
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5. Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º. Julgar improcedente o recurso, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
2º. Condenar o recorrente nas custas devidas.

Porto, 14/1/2025
Pinto dos Santos
Márcia Portela
Alexandra Pelayo