1. O art. 278, nº 1, d), do Código de Processo Civil (CPC) determina, em caso de ilegitimidade, que o Tribunal se abstenha de conhecer do pedido, ou seja, não faz sentido conhecer do pedido relativamente a partes absolvidas da instância.
2. O art.373, nº 1, d), do CPC, para o caso, determina a extinção do procedimento cautelar.
3. Em caso de absolvição da instância, o cautelar caduca após o trânsito em julgado da decisão e decorridos que sejam trinta dias, prazo que o autor dispõe para propor nova ação nos termos do n.º 2 do artigo 279.º do CPC.
4. Se os Autores modificam na nova ação o lado passivo, então também terão de modificar o lado passivo do cautelar, o que se fará necessariamente com novo procedimento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
Lembremos o que foi decidido em 25.10.2023:
“Em 10.1.2023, foi proferida sentença na ação principal, de que este procedimento é cautelar e incidente que corre por apenso, absolvendo os Réus da instância, por se julgar verificada a sua ilegitimidade.
Esta decisão está pendente de recurso, com efeito meramente devolutivo.
Ela é anterior à decisão proferida no nosso procedimento cautelar, que é de 30.4.2023.
Entretanto, nesta Relação, por acórdão de 12.9.2023 foi confirmada a decisão de absolvição dos Réus da instância, por se considerar, em síntese:
“Se a relação material controvertida configurada na petição inicial se identifica com a ocorrência de reuniões em que participaram compartes que deliberaram nos termos exarados em atas com a veste formal de atas de Assembleias de Compartes, pretensamente viciadas - num contexto de disputa eleitoral interna entre membros de uma mesma comunidade local, segmentada em duas fações -, tratando-se, assim, de deliberações do próprio universo de compartes reunidos em Assembleia, é desta, e não dos compartes autonomamente considerados, o interesse em contradizer.
“A legitimidade passiva para a ação pertence ao universo dos compartes, representado em juízo pelo Conselho Diretivo, por estarem em crise deliberações da Assembleia (cf. art. 30º do CPC e 24º e seguintes da Lei n.º 75/2017, de 17.8).”
Vejamos:
O artigo 364 do Código de Processo Civil consagra a instrumentalidade e a dependência do procedimento cautelar relativamente à ação principal, surgindo aquele para servir o fim desta ação.
O procedimento cautelar é emitido no pressuposto de vir a ser favorável ao autor a decisão a proferir no processo principal.
Se as decisões no cautelar não vinculam as decisões no principal (art. 364, nº 4), já o contrário ocorrerá (arts. 371, nº 3 e 373, nº 1, c)).
Em regra (art. 364, nº 2), deverá ser o juiz da ação o competente para tramitar e julgar o cautelar; no caso, só não foi assim, por incidências específicas deste, aquelas que impuseram que fosse o mesmo juiz a responder aos termos do art.662, nº 2, alíneas c) e d) do CPC.
O art. 278, nº 1, d), do CPC determina, em caso de ilegitimidade, que o Tribunal se abstenha de conhecer do pedido, ou seja, não faz sentido conhecer do pedido relativamente a partes absolvidas.
O art.373, nº 1, d), do CPC, para o caso, determina a extinção do procedimento.
É certo que, apesar da “dupla conforme”, a decisão de absolvição da instância ainda não transitou em julgado.
E, em caso de absolvição da instância, o cautelar caduca após o trânsito em julgado da decisão e decorridos que sejam trinta dias, prazo que o autor dispõe para propor nova ação nos termos do n.º 2 do artigo 279.º do CPC.
Se os Autores modificarem na ação o lado passivo, então também terão de modificar o lado passivo do cautelar, o que se fará necessariamente com novo procedimento.
Neste contexto, se em 10.1.2023 já tinha ocorrido a absolvição da instância, o Tribunal recorrido, em 30.4.2023, deveria ter-se abstido de decidir sobre o pedido. (Ou tirava as mesmas ilações da ilegitimidade ou esperava pela confirmação ou não da ilegitimidade.)
Decidindo, descurou a decisão dada no processo principal e praticou ato que poderá, caso seja confirmada a ilegitimidade, ser inutilizado.
Por outras palavras, o Tribunal proferiu uma decisão (inútil) relativamente a partes absolvidas.
Esta eventualidade deverá ser acautelada agora nesta Relação.
Ainda que estivessem presentes os requisitos substanciais do procedimento, não deixava de ocorrer o obstáculo deste ter sido intentado contra as pessoas erradas.
E, sendo erro, quanto mais tempo nele os Recorrentes insistirem, mais tempo decorrerá contra a urgência almejada.
Assim, proferida decisão no processo principal, de que este é incidente, que absolveu os Réus da instância, e confirmada nesta Relação tal decisão, não faz sentido estarmos nós no cautelar a (re)conferir a ilegitimidade e fará sentido sobrestar a providência cautelar, para evitar a referida potencial inutilização ou qualquer contradição de enquadramento.
Não sendo, por ora, extinto o processo cautelar, não deixa de ser precipitado proferir uma decisão de mérito que esteja na eventualidade de se inutilizar.
Pelo exposto, decide-se:
(…)
Nos termos do art.272, nº 1, do CPC, por motivo justificado, suspender a instância até que transite em julgado a decisão de ilegitimidade proferida no processo principal.” (Fim da citação.)
Na sequência, neste cautelar apenso, vieram os Autores (conselho diretivo e 4 compartes singulares) pedir o prosseguimento dos autos, alegando que já instauraram uma nova ação, no âmbito do art.279, nº 2, do CPC.
Nesta (356/24), o lado ativo corresponde ao mesmo lado ativo anterior (conselho diretivo e 4 compartes singulares )e o lado passivo, em vez de ter apenas os compartes singulares, é composto por eles, mais o conselho diretivo e mais a Assembleia de compartes.
Consideremos:
O aproveitamento que a lei prevê no art. 279 do CPC pressupõe que as partes, do ponto de vista da sua qualidade jurídica, sejam as mesmas. Só assim os efeitos naquela referidos as podem atingir. (Miguel Teixeira de Sousa, CPC online, anotação aos arts.279 e 373 do CPC.)
No lado ativo, embora exista correspondência de parte, nele está o conselho diretivo. Ora, pelo menos neste processo, por força do decidido pelo STJ, o conselho diretivo não é parte ou representante ativo, mas representa a assembleia no lado passivo.
No lado passivo, os Autores insistem em manter os compartes singulares, sendo certo que o conselho diretivo apenas representará a assembleia.
Se os compartes singulares foram considerados parte ilegítima passiva (caso julgado formal), o procedimento cautelar ficou sem parte passiva, não havendo quem condenar.
Como se tinha alertado, se os Autores modificam na nova ação o lado passivo, então também terão de modificar o lado passivo do cautelar, o que se fará necessariamente com novo procedimento, não sendo a invocada nova ação a sanar tal ilegitimidade originária.
Os efeitos desejados pelo art.279 do CPC não ocorrem porque os compartes singulares foram afastados e, quanto aos novos sujeitos da ação, eles não foram antes citados e não estiveram no processado decorrido.
Consideram-se prejudicadas as restantes questões.
Por força da ilegitimidade passiva decidida, declara-se extinto o procedimento cautelar.
Sem custas, por delas estarem isentos os Autores (arts. 16º, n.º 5, da Lei n.º 75/2017, de 17.8, e 4º, n.º 1, alínea x), do Regulamento das Custas Processuais, sendo certo que as partes e o objeto dos autos estão abrangidos na realidade jurídica dos baldios).
2024-01-14
(Carlos Moreira)
(Moreira do Carmo)