INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CAUSAS DE PEDIR SUBSTANCIALMENTE INCOMPATÍVEIS
DESPACHO CONVITE
Sumário

I – Perante causas de pedir substancialmente incompatíveis, ocorre nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial.
II – Em tal caso o tribunal não deve substituir-se à parte, através de convite, com vista a afastar essa incompatibilidade ou mesmo a incompatibilidade (contradição) entre os pedidos (artigo 186, n.º 2, alínea c) do CPC).
III – Com efeito, tal convite não decorre do disposto no artigo 6.º, n.º 2 do CPC, antes é afastado pelo disposto no artigo 186 do mesmo diploma, o qual, expressa e claramente, prevê o (único) caso de ineptidão sanável, a prevista na alínea a) do seu n.º 2.

Texto Integral

Processo n.º 2470/23.0T8PNF.P1

Recorrente – AA
Recorridas – A..., SA e B... – Unipessoal, Lda.

Relator: José Eusébio Almeida
Adjuntos: Miguel Baldaia de Morais e José Nuno Duarte

Os juízes subscritores acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
AA veio instaurar contra as sociedades A..., SA, e B... - UNIPESSOAL Lda. a presente ação comum e pediu, a final: “Deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, serem declaradas nulas ou inválidas as vendas de dois imóveis que infra se identificam, celebradas entre a 1.ª e a 2.ª Ré no dia 17/03/2023, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 240.º e ss do CC: • Fração autónoma designada pela letra CN a qual integra o prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no Lugar ..., Rua ... (...) • Fração autónoma designada pela letra DU a qual integra o prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no Lugar ..., Rua ... (...) • Fração autónoma designada pelas letras BP a qual faz parte integrante do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no Lugar ..., Rua ... (...) • Prédio urbano composto de casa de um pavimento e logradouro, sito no Lugar ..., freguesia ..., ... e ..., concelho do Marco de Canaveses (...) • Prédio urbano composto de habitação de rés- do-chão, andar, logradouro e duas dependências, sito no Lugar ..., freguesia ..., ... e ..., concelho do Marco de Canaveses (...) II - Sejam, em consequência, canceladas as inscrições objeto da AP. ... de 2023/03/20, que incidem sobre os referidos prédios e registos posteriores que tenham por base qualquer negócio realizado entre a 2.ª Ré e terceiros, repristinando-se a inscrição a favor da 1.ª Ré; III - Sejam cancelados nos Serviços de Finanças respetivos, as inscrições a favor da 2.ª Ré e respeitantes aos mencionados prédios, repristinando-se a inscrição a favor da 1.ª Ré. IV – Seja a presente ação registada nos termos do artigo 3.º do DL 224/84, de 6 de Julho, o qual deverá incidir sobre os prédios: (...) • Fração autónoma designada pela letra CN (...) • Fração autónoma designada pela letra DU (...) • Fração autónoma designada pelas letras BP (...) • Prédio urbano composto de casa de um pavimento e logradouro (...)”.

A autora começou por invocar o que apelidou de “enquadramento prévio” [1 - é desde 13/06/2019 sócia da sociedade comercial 1.ª ré; 2 - A 1.ª ré é uma sociedade anónima que se dedica ao exercício da atividade de construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esses fins, arrendamento de bens imobiliários; 3 - O capital social é de 200.000,00 €, composto por dois acionistas: • 1000 ações no valor nominal de 100,00€ pertencentes à autora, • 1000 ações no valor nominal de 100,00€, pertencentes a BB, solteiro, menor, em decorrência de doação que lhes foi feita; 4 - A 1.ª ré reveste cariz familiar, sendo o capital social detido por dois irmãos. 5 - Por deliberação tomada em assembleia geral NÃO CONVOCADA, no dia 11.04.22 foram deliberados entre outros assuntos a eleição dos novos órgãos sociais, tendo para o efeito sido designado Administrador Único – CC. 6 - A convocatória foi subscrita pelo pai da autora - BB (pessoa com quem a autora se encontra desavinda), arrogando-se de Presidente da Mesa da Assembleia Geral; 7 - da ata da assembleia geral consta que a mesma apenas teve a intervenção do pai da autora, enquanto progenitor do outro sócio – sem que, contudo, detivesse os necessários poderes de representação, ao arrepio das regras da representação por menoridade; 8 - Com a deliberação, procurou o progenitor dos sócios afastar a antiga legal representante (ex-mulher e mãe dos sócios, DD) da gestão e colocar como administrador um homem “da sua mão” instrumentalizando para tal – CC; 9 - Com a designação de CC, o pai da autora passava a ser quem detinha de forma indireta a direção efetiva da 1.ª ré; 10 - Tanto assim que, no dia 11.04.22 CC é nomeado administrador por deliberação cuja validade se encontra a ser discutida no Proc. n.º 385/23.0T8AMT que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este e logo no dia 14.06.22 outorga uma procuração a favor do BB com os mais amplos poderes de administração da sociedade; 11 - Por entender que a mencionada deliberação se encontrava ferida de nulidade, por violação dos artigos 374, 375 e 377 do CSC (falta de convocatória) por ter sido efetuada por BB – pessoa que não dispunha de legitimidade para o efeito, e do vício de anulabilidade decorrente da falta de capacidade de exercício do sócio menor; 12 - De igual sorte, por ser patente o periclum in mora decorrente do facto do pai da autora deter amplos poderes de direção da mencionada sociedade e receosa dos perigos e prejuízos que a gestão daquele poderia acarretar para a sociedade A..., LDA. como por exemplo a dissipação do património por esta detido; 13 - E, por todas essas razões, a autora, no dia 30.12.22 fez distribuir como preliminar de ação de nulidade/anulação da deliberação, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, que corre atualmente termos junto do Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 2, Proc. n.º 385/23.0T8AMT-A; 14 - No dia 9.02.23, foi proferido despacho final no Proc. n.º 385/23.0T8AMT-A, tendo sido decretada a providência intentada contra 1.ª ré; 15 - Em face do decretamento, no dia 13.03.23, a autora intentou a ação de nulidade/anulabilidade da deliberação de 11.04.22 da 1.ª Ré, a qual corre termos no mesmo Juízo de Comércio, Proc. n.º 385/23.0T8AMT; 16 - Com a propositura da ação pretende a autora destruir os efeitos produzidos pela mesma [deliberação], para assim e de forma subsequente proceder à destruição de todos os atos e negócios jurídicos praticados pelo Administrador Único nomeado].

Após, a autora aduziu os “fundamentos da presente ação”, dizendo, em síntese:
- A 2.ª ré é uma sociedade comercial que tem como objeto social a construção de edifícios e estradas; demolição e terraplanagens; atividades de acabamento, revestimento de pavimentos e paredes; pinturas (...)
- No dia 6.06.023 a autora foi contactada pelo prestador de serviços de energia da habitação onde habita, em decorrência da alteração da titularidade do contrato de fornecimento de energia. A residência onde habita é/era propriedade da 1.ª ré encontrando-se o contrato registado em nome desta.
- Do contacto efetuado resultou que o contrato de fornecimento de energia passou a estar na titularidade da sociedade B... - UNIPESSOAL LDA.
- A autora diligenciou no sentido de apurar a concreta situação patrimonial dos imóveis detidos pela sociedade comercial da qual é sócia – a sociedade 1.ª ré.
- Note-se que o acervo patrimonial da 1.ª ré era integrado pelos seguintes prédios, a saber: • Fração autónoma designada pela letra CN (...) • Fração autónoma designada pela letra DU (...) • Fração autónoma designada pelas letras BP (...) • Prédio urbano composto de casa de um pavimento e logradouro (...) • Prédio urbano composto de habitação de rés-do-chão, andar, logradouro e duas dependências (...)• Prédio rústico, denominado “...” (...)
- E diligenciou junto do serviço de finanças [e] apurou que no dia 6.06.23 a sociedade já não detinha qualquer bem imóvel averbado em seu nome, e, de outras consultas, constatou que todos os imóveis propriedade da 1.ª ré haviam sido transmitidos para a sociedade comercial B... - UNIPESSOAL LDA., encontrando-se, registados a favor desta última pela AP. ... de 20/03/2023.
- Da escritura de compra e venda que instruiu a AP. ... de 20/03/2023, resulta que no dia 17.03.23, o pai da autora (BB) munido de uma procuração outorgada a seu favor pela 1.ª ré, outorgada pelo Administrador Único CC, onde lhe conferiu poderes absolutos de administração e gestão da sociedade excutiu todos os bens imóveis detidos pela 1.ª ré, alegadamente pelo “preço” de 185.000,00€, a saber: • Fração autónoma designada pela letra CN (...) • Fração autónoma designada pela letra DU (...) • Fração autónoma designada pelas letras BP (...) • Prédio urbano composto de casa de um pavimento e logradouro (...) • Prédio urbano composto de habitação de rés-do-chão, andar, logradouro e duas dependências (...) • Prédio rústico, denominado “...” (...) .
- Valor esse que não ingressou na esfera da 1.ª ré, visto que o suposto pagamento do preço é o que resulta da assunção de dívida por parte da 2.ª ré do valor correspondente aos ónus que oneram os identificados prédios.
- O pai da autora, munido de procuração, pretendia e conseguiu concretizar uma operação de transmissão do património imobiliário da 1.ª ré para a B..., empresa essa que se encontra da esfera de influência do pai da autora – desde logo, por dela ser sócio EE, tio da autora e irmão do pai, pessoa habitualmente usada pelo pai da autora para encabeçar os seus negócios.
- Os perigos que a autora procurou acautelar por via da propositura da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais – eram fundados, conforme resulta a “negociata” arquitetada pelo pai, materializada na dissipação do património da sociedade da qual a autora é sócia.
- Materialmente, nunca foi intenção da 1.ª ré vender os prédios, nem tão pouco foi intenção da 2.ª ré adquirir os mesmos, desde logo porque inexistiu qualquer tipo de contrapartida.
- As transmissões mostram-se absolutamente ineficazes relativamente aos titulares inscritos dos ónus registados nos referidos prédios e os encargos referentes aos mútuos bancários, foram e continuam a ser pagos pessoalmente pela mãe da autora.
- Toda esta “negociata” resulta de um plano previamente delineado pelo pai; numa primeira linha, arredando a mãe da autora da gestão da sociedade e posteriormente, munido de testas de ferro para o efeito, passou a ser quem detinha a gestão de todas as sociedades envolvidas no negócio logrando com isso, dissipar todo o património detido pela 1.ª ré – por forma a que os seus filhos - a autora e o seu irmão BB fossem desapossados dos imóveis que integravam o acervo patrimonial da sociedade.
- A 2.ª ré atuou em conluio com o pai da autora, auxiliando-o no seu propósito; 2.ª ré que tem como sócio-gerente o irmão do pai da autora
- O legal representante da 2.ª ré atuou em conjugação de esforços com o pai da autora, com o fito de facilitar a apropriação de património, que sabe, ab initio, ser propriedade da 1.ª ré.
- O legal representante da 2.ª ré e o seu irmão têm conhecimento da pendência da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais e da sentença que a havia decretado, não se coibindo de encetar “diligências” para dissiparem o património da sociedade da autora.
- O negócio celebrado entre a 1.ª e a 2.ª ré consubstancia um negócio simulado representativo de um gravíssimo prejuízo para a esfera patrimonial da primeira.
- Na simulação, afirma-se que a vontade declarada intencionalmente não correspondeu à vontade representada e querida pelas partes; sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta) com o intuito de enganar terceiros, existindo uma divergência intencional entre a vontade expressa no documento e a intenção dos contraentes, com o objetivo de prejudicar terceiros, resulta que todos os envolvidos sabiam e não poderiam ignorar as reais intenções que se levantavam por detrás do negócio realizado – sendo manifesta má-fé com que todos os envolvidos atuaram neste negócio.
SEM PRESCINDIR
- O negócio de “compra e venda” em causa foi celebrado após a tomada de conhecimento da pendência da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais e do competente registo do procedimento cautelar por via da AP... – que determinava a inexecução da deliberação social sindicada [e] “pelo menos, desde o dia 13/02/2023 que o Administrador Único da 1.ª Ré tem conhecimento da pendência do mencionado procedimento cautelar” [e ] também “tem conhecimento de que a deliberação se encontrava suspensa não podendo a mesma produzir efeitos desde, pelo menos, a data em que tomou conhecimento do procedimento cautelar, 13/02/2023”.
- Com efeito, no dia 17.03.23 data da escritura de “compra e venda” a procuração outorgada pelo Administrador Único a favor do Pai da Autora não poderia produzir efeitos nela contidos por via da suspensão da deliberação social, mas o pai da autora “não se coibiu de usar a mencionada procuração – contando para tal, com um notário incauto que não cuidou de aferir a legitimidade do Pai da Autora que atuava ilegalmente em representação da 1.ª Ré”.
- De tudo o que antecede (...) “d) Que a procuração que instruiu a escritura de “compra e venda” celebrada entre 1.ª e 2.ª Ré na qual foram conferidos poderes de representação ao Pai da Autora estava, à data do negócio simulado, esventrada dos poderes nela constantes por via da pendência/registo do procedimento cautelar de suspensão da deliberação social que designou como Administrador Único CC, e e) Que o negócio de compra e venda dos aludidos imóveis concretizado por escritura pública no dia 17/03/2023, após o conhecimento das ações acima referidas, foi totalmente simulado com o único e exclusivo propósito de dissipar a totalidade do património da sociedade da Autora, não tendo daí resultado qualquer proveito económico para a sociedade”. ADEMAIS,
- “Não obstante, o negócio subjacente aos presentes autos ser simulado, sempre o mesmo seria nulo ou anulável decorrente da falta de necessários poderes de representação da 1.ª Ré por parte de BB (pai da Autora) em decorrência do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais que corre termos no Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 2, sob o Proc. n.º 385/23.0T8AMT-A” (sublinhados nosso).

A 2.ª ré contestou. Impugnou o alegado, relativamente ao negócio de compra e venda e excecionou a ilegitimidade da demandante [A procedência da ação não tem qualquer efeito na esfera jurídica da autora, quando muito na ré “A...”. Alegando a autora que já intentou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais e até ação de anulação de deliberações sociais, com vista a anular a nomeação de administrador. Com a procedência de qualquer destes processos, a administração da “A...” poderá ela e só ela requerer a nulidade dos negócios; só a própria ré “A...” tem interesse direto na declaração de nulidade do negócio, a autora tem um mero interesso reflexe e indireto, pois o poder de administração e disposição reside na administração da empresa].

A autora, respondendo, defendeu a intempestividade da contestação e a improcedência da exceção nela invocada.

Por despacho de 5.01.24 foi designada audiência prévia e, a 15.01.24, proferido o seguinte despacho: “Estando os autos em estudo para a realização da audiência prévia agendada para o dia de amanhã, decide-se, ainda, facultar expressamente o contraditório, a exercer naquela audiência, sobre a possibilidade de conhecimento oficioso da seguinte exceção dilatória: Ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis e por contradição entre uma dessas causas de pedir e o pedido deduzido (cfr. art. 186.º, n.º 2, al. b) e c), do CPC). Na verdade, sem qualquer relação de subsidiariedade, a autora cumula nos autos a alegação de que os negócios impugnados foram celebrados sem poderes de representação, o que, em nosso entender, determinará, a ser provado, a sua ineficácia ou inexistência, e simultaneamente invoca factos integradores de simulação, concluindo pedindo a nulidade ou invalidade desses negócios, pedido que apenas é compatível com o vício enumerado em segundo lugar. Ora, a cumulação daquelas duas alegações é substancialmente incompatível, porquanto os dois efeitos não podem juridicamente subsistir em simultâneo, ainda que decretados em duas ações judiciais diferentes. Por outro lado, havendo aquelas duas alegações, sem qualquer relação se subsidiariedade, o pedido deduzido está em contradição com a alegação de falta de poderes de representação, alegação esta que é sempre prévia ao vício da vontade alegado. Nenhuma destas situações se nos afigura passível de ser suprida, sendo certo que já uma acção pendente no sentido de ser apreciado o invocado vício originário”.

Na audiência prévia foi concedido à autora prazo para pronúncia sobre a questão levada ao despacho transcrito, bem como o prazo, posterior, decorrente do contraditório.

A autora sustentou, então, e ora em síntese:
- A causa de pedir é uma só – a simulação do negócio jurídico efetuado entre a 1.ª e a 2.ª ré no dia 17/03/2023.
- Efetivamente, por excesso de zelo e por forma a contextualizar os contornos do negócio, a autora fez uma breve introdução/exposição cronológica dos acontecimentos convocando a pendência de uma outra causa (procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais). Contudo, tal processo nenhuma ligação tem relativamente aos presentes autos, nem a decisão ali proferida poderá influir sobre a presente causa.
- Naquele discutiu-se a suspensão de uma deliberação social tomada em 11.04.2022, e neste discute-se a nulidade de um negócio simulado; daí que a causa de pedir subjacente aos presentes autos é só uma - a nulidade de um negócio simulado.
- Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá a sentença que decretou a providência cautelar de suspensão de deliberação social, foi revogada pelo Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 16.01.2024, razão pela qual, não se poderá falar de uma situação de “representação sem poderes” no negócio em crise nos autos.
- Relativamente à validade ou invalidade daquela deliberação social, se impõe ao Tribunal apurar os factos alegados na ação relativamente ao vício da vontade imputado ao negócio, sob pena de ver violado o seu direito constitucional de acesso aos tribunais.
- Como resulta do pedido formulado, existe um único pedido (seja declarada a nulidade do negócio celebrado entre as rés), sendo todos os restantes pedidos, consequência da procedência daquele e inexistindo qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido deduzido.
- No caso de pedidos substancialmente incompatíveis, no âmbito da reforma do C.P.C. de 2013, designadamente José Lebre de Freitas, defende que “(...) o disposto no art. 6-2 leva a que o tribunal deva convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que tenha deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na ação ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade. Fora destes casos, a ineptidão da petição dificilmente deixará de constituir nulidade insanável (...)”.
- A jurisprudência, alicerçada nestes ensinamentos, vem defendendo o convite ao aperfeiçoamento – entre outros Ac. da R.P. de 03/03/2016 (Filipe Caroço), da R.C. de 31/05/2016 (Maria João Areias).

Sustentou, de seguida e em contraditório, a 2.ª ré:
- Na iminência de ver declarada a ineptidão da petição, pretende agora a autora dar o dito pelo não dito, quando é certo que a causa de pedir que articulou se baseava no facto do Administrador da A... não ter poderes para vincular a sociedade pelo facto de estarem pendentes procedimento cautelar e ação de anulação de deliberações sociais e como tal todos os negócios celebrados foram feitos sem poderes de representação.
- Tal factualidade levaria à ineficácia dos atos praticados pelo dito administrador em nome e representação da sociedade.
- Mais adiante alega a existência de negócio simulado, o que levaria à nulidade dos negócios por este praticados, e é aqui que reside o busílis da questão: as causas de pedir apresentadas são incompatíveis e (pior) inconciliáveis.
- Os negócios são ineficazes ou nulos? Ao instaurar uma ação, o autor tem o ónus de expor os factos que servem de fundamento à ação, isto é, a indicação dos factos concretos constitutivos do direito que alega, não se podendo limitar “à indicação da relação jurídica abstrata”

A 12.02.24 foi, então, proferido o despacho objeto deste recurso
(...) foi dada a faculdade à autora de exercer o respetivo contraditório, o que a mesma fez por escrito (cfr. requerimento com a referência 47788487, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). Por sua vez, a ré “B... – UNIPESSOAL. LDA.”, também exerceu o seu contraditório (cfr. requerimento com a referência 47915512, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). Cumpre apreciar e decidir.
No que ao caso concreto releva, dispõe o art. 186, n.º 2, do CPC (...)
Ora, analisando a petição inicial verifica-se que, sem qualquer relação de subsidiariedade, a autora cumula nos autos a alegação de que os negócios impugnados foram celebrados sem poderes de representação, o que, em nosso entender, determinará, a ser provado, a sua ineficácia ou inexistência, e simultaneamente invoca factos integradores de simulação, concluindo pedindo a nulidade ou invalidade desses negócios, pedido que apenas é compatível com o vício enumerado em segundo lugar.
Ora, a cumulação daquelas duas alegações é substancialmente incompatível, porquanto os dois efeitos não podem juridicamente subsistir em simultâneo, ainda que decretados em duas ações judiciais diferentes, sendo certo que essas ações existem e uma delas corre os seus termos no tribunal de Comércio.
Por outro lado, havendo aquelas duas alegações, sem qualquer relação de subsidiariedade, o pedido deduzido está em contradição com a alegação de falta de poderes de representação, alegação esta que é sempre prévia ao vício da vontade alegado. Nenhuma destas situações é passível de ser suprida, sendo certo que já há uma ação pendente no sentido de ser apreciado o invocado vício originário, conforme decorre da petição inicial.
A autora, no exercício do contraditório, vem agora dizer, entre outras coisas, que só há a alegação de uma causa de pedir, o que não é, em nosso entender e com o devido respeito, correto, pois foram alegadas duas. E alega, ainda, que não existe falta de poderes de representação, porquanto a decisão proferida no procedimento cautelar identificado na petição inicial foi, entretanto, revogada pelo Tribunal da Relação.
Ora, com todo o devido respeito, a alegação da revogação daquela decisão não significa que não exista falta de poderes de representação, os quais, de resto e contraditoriamente com o que, nesta fase, a autora refere, continuam a estar alegados e irão ser apreciados na ação de nulidade/anulação da deliberação social de 11/04/2022, relativamente à qual o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais foi um preliminar (ação principal corre atualmente termos junto do Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 2, Proc. n.º 385/23.0T8AMT-A).
Assim, a alegação contrária agora efetuada pela autora visa, unicamente, evitar o reconhecimento da ineptidão da petição inicial por força do vício apontado pelo tribunal. Resultando do demais alegado pela autora, para sustentar a inexistência de causa prejudicial, que aquela pretende mesmo cumular ilegalmente duas causas de pedir, o que fez originariamente nos autos e, agora, pretende fazer, com uma pretensa alteração da causa de pedir, através da cumulação da presente acção com a restante, sem estabelecer entre elas a devida relação de subsidiariedade, tal como já o devia ter feito na petição a inicial e não fez. Porém, a referida alteração não é possível, atento o disposto no art. 264 e 265 do CPC, e, mesmo que fosse, não teria a virtualidade de suprir o vício original, dado que este é insuprível, o que impede também a prolação de qualquer despacho de convite ao aperfeiçoamento (a ineptidão inicial é insuprível).
A entender-se de outro modo estar-se-ia a permitir a correção de um vício que a lei não permite. Assim, continuamos a achar que, na petição inicial, foram cumuladas duas causas de pedir substancialmente incompatíveis e uma delas está em contradição com o pedido deduzido, sem que a autora tivesse estabelecido uma relação de subsidiariedade entre elas ou entre uma delas e a outra ação já pendente, o que tudo é insuprível. Repare-se que, se assim não for, há, em abstrato, um risco de serem decretados, em relação ao mesmo negócio, duas consequências jurídicas incompatíveis ou uma consequência jurídica incompatível com o vício originário que poderá ser objeto de reconhecimento judicial na outra acção, o que em simultâneo não poderá subsistir no ordenamento jurídico. É certo que a autora tem a dificuldade acrescida de não poder legalmente colocar a um dos tribunais (o civil ou o comercial) a totalidade do histórico factual que pretende ver resolvido, pois que existe o limite da competência funcional em razão da matéria. No entanto, essa dificuldade não pode permitir suprir o vício, que por definição legal é insuprível, nem pode a autora pretender que, sem qualquer relação de subsidiariedade e prejudicialidade, possam subsistir duas ações cujos efeitos são materialmente incompatíveis. E não se diga que a presente decisão nega o acesso ao direito, porquanto este tem de ser realizado de forma processualmente válida, o que sempre será possível com o aguardar pelo desfecho da outra acção para depois intentar as restantes ou com o intentar em simultâneo das ações, mas sempre com uma relação de subsidiariedade.
O vício de ineptidão da petição inicial verificado determina a nulidade de todo o processo, e configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância. Pelo exposto, verificando-se o apontado vício da ineptidão da petição inicial, decide-se absolver as rés da presente instância. Custas pela autora.

II – Do Recurso
Inconformada, a autora veio apelar, e concluiu:
I - Vem o recurso interposto da sentença que julgou procedente a exceção dilatória (ineptidão da petição inicial), decidindo absolver as rés da instância, por considerar que a autora cumulou duas causas de pedir substancialmente incompatíveis e uma delas está em contradição com o pedido deduzido
II - Não se pode conformar com tal entendimento, pois considera que na petição inicial foi aposta uma única causa de pedir e um único pedido – inexistindo qualquer incompatibilidade entre a única causa de pedir apresentada e o pedido formulado.
III – A autora alegou e predispôs-se a demonstrar em julgamento que o negócio jurídico em crise nos autos – compra e venda celebrada a 17/03/2023 consubstancia um negócio simulado, com o único fito de “desviar” o património imobiliário detido pela sociedade “A...” a favor de uma outra sociedade, detida e gerida de facto por BB, pai da recorrente.
IV - É essa causa de pedir alegada e que importa reter para efeitos do recurso. Isto posto,
V - A causa de pedir é o facto jurídico ou o ato jurídico (como o contrato ou um facto ilícito) de que procede a pretensão deduzida pelo autor, o facto genético do direito invocado, com abstração da relação jurídica que lhe corresponda, embora os factos que a integram devem preencher uma determinada previsão normativa (mas valendo independentemente da qualificação legal).
VI - Atento o teor da petição inicial resulta que a autora alegou factos suscetíveis de fundamentar procedência da ação baseada no instituto jurídico da simulação previsto no artigo 240 e seguintes do Código Civil.
VII - Da noção de simulação a doutrina [tem] defendido a necessidade da verificação simultânea de três requisitos para que haja um negócio simulado: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar).
VIII - O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respetivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.
IX - Analisada a petição inicial apresentada, vemos que a autora de forma clara funda a sua pretensão no negócio simulado ocorrido entre as rés.
X - Resulta ainda da petição inicial apresentada, de forma cristalina, que a autora assenta a causa de pedir (i) divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes, aquela integrando o negócio dissimulado e esta o negócio simulado; (i) acordo ou conluio entre as partes; (iii) a intenção de enganar terceiros.
XI - Pedindo, a final, a nulidade dos negócios efetuados entre as rés.
XII - Do exposto resulta indubitável a existência de uma só causa de pedir que se encontra harmonizada com o pedido formulado.
XIII - Todavia, por força do enquadramento prévio fornecido pela autora, depreendeu o tribunal que poderia estar em causa uma situação de “representação sem poderes”, caso que se incompatibilizaria com o pedido de nulidade do negócio jurídico simulado.
XIV - Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, labora em erro o tribunal.
XV - Certamente por excesso de zelo e por forma a contextualizar os contornos do negócio simulado, a autora, na petição inicial, fez uma breve introdução/exposição cronológica dos acontecimentos convocando para o efeito a pendência de uma outra causa (procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 2, Proc. n.º 385/23.0T8AMT-A).
XVI - E fê-lo destacando tal exposição, logo na parte inicial da petição inicial sob a designação “ENQUADRAMENTO PRÉVIO”.
XVII - Nunca foi seu propósito vindicar a falta de poderes de representação daquela sociedade no negócio jurídico em crise nos autos,
XVIII - Desde logo, porque como resulta dos autos, a questão da representação sem poderes não se coloca, uma vez que a dita providência cautelar veio a ser julgada improcedente,
XIX - A que acresce referir que, à data da celebração da escritura pública de compra e venda objeto do presente litígio, o legal representante da sociedade “A...” não havia sido ainda legalmente citado para deduzir oposição à providência cautelar, logo, detinha formalmente poderes para representar a aludida sociedade – não detinha era poderes para em nome desta sociedade celebrar negócios simulados - e é, precisamente sobre o conteúdo e efeitos jurídicos do contrato que radica o busílis da questão.
XX - Ao enquadramento prévio aposto na petição inicial – a decisão sindicada chama- lhe causa de pedir.
XXI - Apesar do enquadramento prévio descrito na petição inicial, nunca a autora perdeu de vista que a ação se fundava no negócio simulado e que a causa de pedir era constituída pela existência de uma (i) divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes, aquela integrando o negócio dissimulado e esta o negócio simulado; (i) acordo ou conluio entre as partes; (iii) a intenção de enganar terceiros.
XXII - Face ao que antecede, forçoso é concluir que inexiste qualquer contradição
entre a causa de pedir e o pedido deduzido. SEM PRESCINDIR,
XXIII - Na petição inicial o autor deve, além do mais, expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação e formular o pedido (art. 5.º n.º 1 e 552 n.º 1 d) e e) do CPC).
XXIV - A petição inepta por falta de causa de pedir ou pedido, que é um vício formal, distingue-se da petição deficiente, que é uma questão de mérito ou substancial que conduz à inviabilidade ou improcedência.
XXV - A este propósito continua atual a lição de Alberto dos Reis, in Comentário (...), vol. 2.º, 364-365 e 372: “Petição inepta é uma coisa, petição incorreta é outra. Ou melhor, nem toda a incorreção, nem toda a imperfeição do requerimento inicial conduz à ineptidão. O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta. (...) Importa, porém, não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. (...) Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga.”
XXVI - Nos termos do art. 186 n.º 3 do C.P.C. a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido e causa de pedir consubstancia nulidade sanável quando o réu contesta arguindo a ineptidão com tal fundamento, mas verifica-se que, ouvido o autor, aquele interpretou convenientemente a petição pelo que a referida exceção é julgada improcedente.
XXVII - A contradição entre o pedido e a causa de pedir só ocorre quando se verifique uma contradição ou incompatibilidade formal entre o pedido e a causa de pedir reveladora de uma absoluta falta de nexo lógico entre os dois termos da pretensão que nem sequer permite formular um juízo de mérito positivo ou negativo sobre a mesma.
ISTO POSTO,
XXVIII - Descendo ao caso dos presentes autos, verifica-se que a ação proposta pela autora se funda no negócio simulado realizado entre as rés no dia 17/03/2023.
XXIX - Tal como se vê, com enorme clareza, que a causa de pedir assenta na (i) divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes, aquela integrando o negócio dissimulado e esta o negócio simulado; (i) acordo ou conluio entre as partes; (iii) a intenção de enganar terceiros.
XXX - Refere Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Ed., 1946, p. 154 e 156: “Duas ou mais pretensões são legalmente incompatíveis quando produzam efeitos contraditórios ou sob o aspeto material, ou sob o aspeto processual. (...). Exemplo nítido de incompatibilidade substancial: o autor pede simultaneamente a anulação e o cumprimento de determinado contrato.”
XXXI - Naturalmente que a ineptidão só ocorre quando nos encontramos perante uma cumulação simultânea, i.e., quando se pede que sejam julgados procedentes por igual todos os pedidos, e não no caso de cumulação alternativa (art. 553 do CPC) ou subsidiária (art. 554 do CPC).
XXXII - No caso de pedidos substancialmente incompatíveis, no âmbito da reforma do CPC de 2013, designadamente José Lebre de Freitas, in A Ação Declarativa Comum, 3.ª ed., Coimbra Ed., p. 49-50, defende que “(...) o disposto no art. 6-2 leva a que o tribunal deva convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que tenha deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na ação ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade. Fora destes casos, a ineptidão da petição dificilmente deixará de constituir nulidade insanável (...)”.
XXXIII - O mesmo autor refere, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, p. 382: “No caso de dedução de pedidos substancialmente incompatíveis, a mesma solução do art. 38 (escolha pelo autor do pedido com o qual o processo deve prosseguir, em caso de coligação ilegal), deve, por analogia, ser aplicada (...)”.
XXXIV - A jurisprudência, alicerçada nestes ensinamentos, vem defendendo o convite ao aperfeiçoamento nestas situações – entre outros Ac. da R.P. de 03/03/2016 (Filipe Caroço), da R.C. de 31/05/2016 (Maria João Areias).
XXXV - Assim, ainda que se tribute pela existência de uma cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis e por contradição entre uma dessas causas de pedir e o pedido deduzido, o que nem por mera hipótese se concebe, a solução nunca passaria pela absolvição das rés da instância, mas sempre deveria ter sido endereçado à autora o convite ao aperfeiçoamento a que alude o artigo 590, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do CPC.
XXXVI - Ao decidir como decidiu, o tribunal violou, entre outras, as seguintes normas: artigos 186, n.º 2, alíneas b) e c) e n.º 3, 264, 265, 278, n.º 1, alínea b), 333, 552, n.º 1, alíneas d) e e), 576, n.ºs 1 e 2, 577, alínea d), 578, 581, n.º 4, 590, n.º 2, alínea a) e n.º 3 todos do Código de Processo Civil e artigos 240, n.º 1 e 242, n.º 1 do Código Civil.

Não houve resposta ao recurso.

Tendo a autora requerido o benefício do apoio judiciário, os autos prosseguiram com o apenso onde o indeferimento dessa pretensão foi impugnado. Concedido o benefício, o recurso foi recebido nos termos legais, conforme despacho de 24.09.24. Os autos correram Vistos, e nada obsta ao conhecimento do mérito da apelação.

O objeto da apelação, atentas as conclusões da apelante, traduz-se em saber se a petição inicial padece de ineptidão e, em caso afirmativo, se o tribunal recorrido, ao invés de absolver as rés da instância, devia ter convidado a recorrente a sanar o vício da ineptidão.

III – Fundamentação
III.I – Fundamentação de facto
Do relatório que antecede – no qual, com detalhe, descrevemos e onde, com relevo, sublinhámos a petição inicial; a posição das partes e o despacho sob recurso – mostra-se bastante ao conhecimento do objeto da apelação. Para o mesmo remetemos.

III.II – Fundamentação de Direito.
Comecemos por referir que, muito embora o (assim chamado) “enquadramento prévio" feito na petição inicial, entendido como simples enquadramento, apoie a tese da apelante no sentido de que a única causa de pedir é a simulação, a verdade é que em sede dos "fundamentos da ação", como não deixámos de destacar (sublinhar) no relatório, volta a referir-se a questão (facto jurídico) da falta de poderes de representação. Por ser assim, como efetivamente o é, não pode deixar de se concluir que a autora/recorrente deduziu causas de pedir substancialmente incompatíveis.

Diferentemente do que se sustenta no despacho recorrido, já não parece existir contradição do pedido com uma das causas de pedir: o pedido deduzido respeita (apenas) à simulação, mas o que ocorre é a inexistência de pedido relativamente a uma das causas de pedir (falta de poderes de representação) que, como entendemos, foi deduzida.

Ocorre, pois, já se disse, a dedução de causas de pedir substancialmente incompatíveis. E, assim sendo, o processo é nulo, por ineptidão da petição inicial – artigo 186, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC): “Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.

É evidente – acrescente-se - que as (incompatíveis) causas de pedir não foram deduzidas numa relação de subsidiariedade, nem delas decorre o mesmo efeito jurídico, e daí a nossa precedente conclusão.
Efetivamente, como refere Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida [Direito Processual Civil, Volume I, 3.ª Edição, Almedina, 2019, págs. 619/620]: “Pode o autor fundar o mesmo pedido, também cumulativamente, em causas de pedir entre si diversas e inconciliáveis. Se as causas de pedir (concretamente invocadas) se contradisserem ou anularem entre si encontra-se insanavelmente inquinado o raciocínio lógico em que assenta a demanda; a petição deixa de ser apta ou hábil para que o procedimento possa conduzir ao seu fim último normal. A incompatibilidade material ou substantiva entre esses pedidos ou essas causas de pedir impedirá a identificação do objeto do processo (art. 186.º, n.ºs 1 e 2, al. c))”.

Tenha-se presente que o artigo 193, n.º 2, alínea c) do CPC/1961, na sua versão inicial, previa (apenas) a ineptidão da petição inicial “Quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis”, mas, com a redação decorrente do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, passou a constar da mesma alínea e preceito a ineptidão “c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, comentando o atual artigo 186 do CPC [Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 358] mas pressupondo a alteração que se evidenciou, referem que “A consagração da incompatibilidade entre causas de pedir ao lado da incompatibilidade entre pedidos corresponde à satisfação duma exigência doutrinária anterior à revisão do Código, de acordo com a qual, aliás, a incompatibilidade entre os pedidos era já entendida, de jure constituto, como abrangendo a incompatibilidade entre as causas de pedir (ANSELMO DE CASTRO, idem, p. 223; CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., II, ps. 492-493; VARELA-BEZERRA-NORA, Manual cit., p.246 (4)”.

O atual artigo 186 do CPC – em sentido idêntico à previsão do anterior artigo 193 – consagra o seguinte:
“1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
4 - No caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo”.

Assim, em conformidade, e atendendo ao objeto do recurso, a questão que verdadeiramente se coloca é, agora, a de saber se a recorrente devia ter sido convidada a corrigir a sua petição inicial.

Em abono desse entendimento – sanação da ineptidão, mesmo nos casos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 186 do CPC – a recorrente cita dois acórdãos e a opinião de José Lebre de Freitas.

Com efeito, invoca os acórdãos do Tribunal da Relação de Porto de 3.03.2016 [Processo n.º 439/15.7T8VFR.P1, Relator, Desembargador Filipe Caroço, dgsi[1]] e do Tribunal da Relação de Coimbra de 31.05.2016 [Processo n.º 7033/14.8T8CBR-A.C1, Relatora, Desembargadora Maria João Areias, dgsi], como os seguintes sumários: “I - Deve ser admitido e deferido um pedido de retificação dos pedidos apresentados pelo autor na petição inicial pelo qual se invoca omissão da indicação da coordenada disjuntiva “ou” entre o pedido A e o pedido B, sendo aquele o de declaração de ineficácia em relação ao autor do ato de partilha e de reconhecimento do direito de praticar atos de conservação de garantia patrimonial autorizada por lei e executar determinados bens/direitos no património da segunda ré, na medida do necessário para obter a satisfação integral do crédito, e o pedido B, de declaração de nulidade do negócio titulado na aludida escritura de partilha, com fundamento em simulação absoluta. II - Assim, deve ser admitida a correção da pretensão da ação a pedido do autor no sentido de que, deduzido um pedido próprio da impugnação pauliana e, em simultâneo, um pedido de nulidade por simulação de um determinado ato negocial, sem que se diga expressamente que são cumulativos, o segundo é alternativo/subsidiário do primeiro. III - Nestas circunstâncias, a petição inicial não deve ser considerada inepta nos termos do art.º 186º, nºs 1 e 2, al. c), do Código de Processo Civil” e “(...) 2. Para a verificação da incompatibilidade substancial dos pedidos capaz de importar a ineptidão inicial só contam os pedidos em cumulação, formulados para todos eles serem atendidos em simultâneo. 3. O Artigo 6º,nº2, do CPC, leva a que o tribunal deva convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que se tenha deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na ação ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade”.

Em diferente sentido, no entanto, podem citar-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.07.2018 [Processo n.º 1706/16.8T8LRS.L1-6, Relatora, Desembargadora Cristina Neves, dgsi]: “A cumulação de pedidos ou causas de pedir que sejam substancialmente incompatíveis e ininteligíveis, determina a ineptidão da p.i., insuprível, persistindo esta nulidade ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo (artº 186 nº4 do C.P.C.), não sendo assim passível de sanação, mediante convite de suprimento de irregularidades ou aperfeiçoamento de articulado, proferido ao abrigo do disposto no artº 6 nº 2 e 590 nº 2 a) do C.P.C.”; do Tribunal da Relação de Évora de 11.05.2017 [Processo n.º 74/14.7T8LAG.E1, Relator, Desembargador Mata Ribeiro, dgsi]: “(...) existe incompatibilidade substancial quando o demandante pede a declaração de nulidade de um contrato e simultaneamente, também, pretende ver reconhecido o seu direito de preferência nesse mesmo contrato, dado que, se o contrato é nulo, é nulo ex nunc, não podendo produzir quaisquer efeitos na ordem jurídica, donde deverá desaparecer totalmente como se nunca tivesse existido. 4 - Verificada uma acumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, tal situação é geradora da ineptidão da petição inicial e consequente nulidade de todo o processo, a impor a absolvição do réu da instância. 5 - Tratando-se de um vício que afeta todo o processo, a ineptidão da petição inicial não é suscetível de suprimento, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 186.º do CPC” e do Tribunal da Relação do Porto de 21.10.2021 [Processo n.º 467/19.3T8ALB.P1, Relatora, Desembargadora Isoleta de Almeida Costa, dgsi]: “(...) Não pode discutir-se a existência do título e requerer a restituição da coisa, (a qual como exige o artigo 581º nº 4 do Código de Processo Civil tem de ser concretamente delimitada), e simultaneamente afirmar-se a existência dos títulos de Autor e Réu por modo a requerer a demarcação a qual supõe a incerteza da delimitação.VI - A sanção cominada para a cumulação substancialmente incompatível de pedidos é a nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, artigo 186º nº 1 e 2 c) do Código de Processo Civil”.

José Lebre de Freitas [A Ação Declarativa Comum, 5.ª Edição, GestLegal, 2023, pág. 61] refere que a nulidade por ineptidão “é sanável quando, resultando de ininteligibilidade (ou mais dificilmente da falta[2]) do pedido ou da causa de pedir, o réu conteste, ainda que arguindo a ineptidão, e se verifique, após a audição do autor, que interpretou convenientemente a petição, a despeito do vício verificado” e, além dessa possibilidade, a que decorria, no domínio do processual civil anterior, do “Assento 12/94, de 26-5-94, D.R. de 21-07-94”, embora atualmente, “tendo desaparecido a tréplica, a solução, que sempre teria de passar pelo pleno respeito pelo princípio do contraditório, é mais duvidosa”.

E acrescenta o autor citado, com aparente relevo ao entendimento defendido pela apelante: “Finalmente, o disposto no art. 6-2 leva a que o tribunal deva convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que tenha deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na ação ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade”. E, em nota de rodapé [Ob. e loc. cit., nota 32A], acrescenta ainda: “Assim, está certo o ac. do TRP de 7.06.10 (FERREIRA DA COSTA), proc. 477/09[3], quando entende que o autor deve ser convidado a corrigir uma petição inicial em que deduz como principais pedidos que, porque incompatíveis, deviam ter sido deduzidos em relação de subsidiariedade; e está errado o ac. do TRC de 14.12.10 (CARLOS GIL), proc. 2604/08[4], quando entende ser insanável o vício da petição inicial consistente em se ter deduzido, lado a lado, o pedido de declaração de nulidade do negócio por simulação e o de impugnação pauliana, em vez de deduzir um como principal e o outro como subsidiário”[5].

Diferente parece ser o entendimento de Paulo Pimenta [Processo Civil Declarativo, 3.ª Edição, Almedina, 2020, pág. 151] quando sustenta que “A ineptidão da petição inicial, atenta a gravidade do vício, não é suscetível de sanação”, embora esta regra conheça duas exceções: “uma legal; outra de origem jurisprudencial”, referindo-se o autor, no que à primeira respeita, ao disposto no n.º 3 do artigo 186 do CPC e a segunda ao Assento n.º 12/94.

Descendo ao caso em apreciação, e não obstante as citações feitas, importa ter presente que o que, na presente ação, está em causa, é a incompatibilidade entre as causas de pedir, que se não confunde com a incompatibilidade entre pedidos. A tal propósito, José Lebre de Freitas [Ob. cit. págs. 61/62, nota 32B], ainda que advirta que a “qualificação jurídica não releva para a identificação da causa de pedir” e que a “interpretação da petição inicial há de preceder qualquer juízo de ineptidão”, não deixa de dizer: “Quanto à incompatibilidade entre causas de pedir, é insanável, por conduzir a contradições tais nos factos que integram uma e outra que não permitem estabelecer o sentido da versão fáctica do autor, com o que o objeto do processo (pedido fundado numa causa de pedir) se esvai”.

Mas será sanável a ineptidão decorrente do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 186 do CPC, desde logo no atual Código de Processo Civil, e em razão do disposto no artigo 6.º, n.º 2 deste diploma?

Entendemos que não, ou seja, o atual regime processual mantém a insanabilidade da ineptidão da petição inicial decorrente da incompatibilidade substancial de pedidos, ou da incompatibilidade de causas de pedir.

Assim o entendemos em razão da clareza do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 186 do CPC, e também porque a previsão do artigo 6.º, n.º 2 do CPC (de conteúdo substancialmente idêntico ao artigo 265, nº 2, do anterior CPC) não discrimina quais sejam as exceções dilatórias supríveis, ou seja, pressupõe a sanação (oficiosa ou por algum ato da parte), a qual há de resultar de distinta previsão. Mas, no caso da ineptidão da petição inicial, o artigo 186 prevê a situação em que o vício é sanável (n.º 3) e até a situação em que nunca o será (n.º 4): a manutenção neste n.º 4 da previsão já constante do n.º 4 do anterior artigo 193 só pode significar a manutenção do regime pretérito, já que nem o preceito foi suprimido nem se previu a possibilidade de o peticionante, por convite, desistir da instância relativamente ao pedido para o qual o tribunal careça de competência material ou para o qual a forma de processo se mostrasse errada.

Em suma, além de estarmos perante causas de pedir substancialmente incompatíveis, sempre será de concluir que o tribunal não deve substituir-se à parte, através de convite, com vista a afastar essa incompatibilidade substancial das causas de pedir ou mesmo a incompatibilidade (contradição) entre os pedidos, pois tal convite não decorre do disposto no atual artigo 6.º, n.º 2 do CPC, antes é afastado pelo disposto no artigo 186 do mesmo diploma, o qual, expressa e claramente, prevê o (único) caso de ineptidão sanável, a prevista na alínea a) do seu n.º 2[6].

De quanto decorre, há que concluir pela improcedência do presente recurso de apelação e, em conformidade, confirmar a decisão recorrida, que julgou inepta a petição inicial apresentada pela apelante.

Sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi (entretanto) concedido, a autora, porque decaiu, é a responsável pelas custas do presente recurso – artigo 527, n.ºs 1 e 2 do CPC.

IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.º Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão apelada.

Custas pela recorrente.

Porto, 13.01.2025
José Eusébio Almeida
Miguel Baldaia de Morais
José Nuno Duarte
_________________
[1] Com a concordância de Miguel Teixeira de Sousa [Blog do IPPC, comentário de 25.05.2016]: “A fundamentação do acórdão merece total concordância. Embora possa parecer que se trata de um pormenor, a verdade é que o autor não tinha apresentado os dois pedidos que formulou nem como conjuntos, nem como alternativos ou subsidiários. Nesta circunstância, incumbia ao tribunal de 1.ª instância, fazendo uso do seu dever de esclarecimento (cf. art. 7.º, n.º 2, CPC), ter procurado informar-se sobre a modalidade de cumulação de pedidos que o autor tinha apresentado na petição inicial. Neste contexto legal, nunca o tribunal de 1.ª instância devia ter indeferido o requerimento de retificação da petição inicial apresentado pelo autor e, na sequência disso, indeferido essa petição com fundamento numa cumulação substancialmente incompatível de pedidos (cf. art. 186.º, n.º 2, al. c), CPC). Num certo sentido, o tribunal de 1.ª instância violou o dever de esclarecimento duas vezes: ao não fazer uso desse dever e ao rejeitar o esclarecimento apresentado pelo autor”.
[2] No mesmo sentido, sem referir a dificuldade decorrente de se estar perante a falta de indicação do pedido ou da causa de pedir, Paula Costa e Silva [Acto e Processo, Coimbra Editora, 2003, pág. 389]. A autora sustenta que, quer a falta quer a ininteligibilidade, “Uma e outra deficiência serão ultrapassáveis, não desencadeando a consequência típica das exceções dilatórias, caso se conclua, depois de ouvido o autor, que o réu logrou suprir as lacunas e as deficiências de expressão do ato”. Com o devido respeito, temos dificuldade em entender como o réu possa suprir deficiências ou lacunas do que, verdadeiramente, não existe.
[3] Com o seguinte sumário: “I – Apresentada a petição inicial, deve o juiz agir – mesmo oficiosamente – por forma a suprir a falta de pressupostos processuais, quando suscetíveis de sanação, só devendo recorrer ao indeferimento in limine quando se verifiquem exceções dilatórias insupríveis, como decorre da conjugação das normas ínsitas no n.º 1 do Art.º 234.º-A e no n.º 2 do Art.º 265.º, do Cód. Proc. Civil. II – Os casos de indeferimento liminar correspondem a situações em que a petição apresenta vícios formais ou substanciais de tal modo graves que permitem prever, logo nesta fase, que jamais o processo assim iniciado terminará com uma decisão de mérito ou de que é inequívoca a inviabilidade da pretensão apresentada pelo autor. III – A atividade processual desenvolvida pelas partes deve ser aproveitada até ao limite, de forma que todos os esforços deverão ser levados a cabo, quer pelo Juiz, ainda que ex officio, quer pelas partes, por sua iniciativa ou a convite daquele, sempre que seja possível corrigir as irregularidades ou suprir as omissões verificadas, de modo a viabilizar uma decisão de meritis”.
[4] Com o seguinte sumário: “1. A articulação na petição inicial de factos integradores de simulação absoluta de uma compra e venda de um imóvel, bem como de factos integradores de impugnação pauliana da mesma compra e venda, sem que seja estabelecido qualquer nexo de subsidiariedade entre tais complexos de factos, integra ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de causas de pedir. 2. A dedução na petição inicial, em simultâneo, de pedidos de declaração de nulidade de certo negócio com fundamento em simulação absoluta, de cancelamento do registo de aquisição do imóvel objeto do negócio arguido de nulo por simulação absoluta, de cancelamento de registos de constituição de hipotecas a favor de entidade bancária sobre o mesmo imóvel e de declaração de ineficácia do mesmo negócio de compra e venda relativamente ao autor, a fim de o poder executar no património dos obrigados à restituição, sem que exista qualquer subsidiariedade entre tais pedidos, integra ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de pedidos. 3. A ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de causas de pedir e de pedidos é insuprível”.
[5] Não obstante, o autor, na nota 7 da pág. 191 da mesma obra não deixa de referir: “(...) já a ilegitimidade singular da parte, a ineptidão da petição inicial, sem prejuízo do art. 186-3, a falta de personalidade judiciária, fora dos casos do art. 14, ou a incompetência absoluta do tribunal devem ser consideradas insanáveis” (sublinhado nosso).
[6] O relator do presente acórdão subscreveu, enquanto adjunto, o acórdão proferido nesta Secção a 13.03.2023 [Processo 3364/20.6T8VFR.P1, Relatora, Desembargadora Teresa Fonseca, dgsi] no qual se colocava uma questão de ineptidão por cumulação de pedidos incompatíveis, e que não foi declarada. Diga-se, no entanto, que, naquele caso e como decorre do respetivo sumário [“II - Esta cumulação de pedidos incompatíveis é geradora de ineptidão da petição inicial, devendo, porém, o mecanismo legal que conduz à absolvição do réu da instância ser travado se razões de fundo o impuserem. III - Estando reunidos factos que conduzem à verificação da exceção de caducidade no que se reporta a parte substancial do direito à eliminação de defeitos da obra, o dever de gestão processual recomenda o conhecimento da exceção perentória, assim se privilegiando uma solução definitiva da matéria e melhor se acautelando os direitos das partes”] sempre haveria de prevalecer o disposto no artigo 278, n.º 3, 2.ª parte, do CPC.