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JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
INCIDENTE DE CONTRADITA
Sumário
I - A junção de documentos só é de deferir se houver tempestividade, mas igualmente se os documentos, pretendidos juntar, forem pertinentes ou necessários. II - O que se ataca, com o incidente da contradita, não é o depoimento em si mesmo, mas a testemunha, pondo em causa a credibilidade desta; por isso, a falsidade, total ou parcial, do depoimento, ou a sua desconformidade com outros testemunhos ou provas não é fundamento da contradita.
Texto Integral
Processo n.º 1910/23.2T8PRD-A.P1
Relator – José Eusébio Almeida
Adjuntos – Ana Paula Amorim e Jorge Martins Ribeiro
I – Relatório AA e BB instauraram a presente ação contra a A... – Companhia de Seguros, SA e pediram a condenação da ré no pagamento da quantia de 5.178,30€, acrescida de juros moratórios, desde a citação.
Para tanto, invocaram serem proprietários do imóvel que identificam e ter o autor celebrado com a ré um seguro Multirriscos Habitação, com uma cobertura, entre outras, de fenómenos naturais, incluindo tempestades e inundações. No dia 26.05.23 verificou-se uma precipitação anormal e queda abundante de granizo, e a moradia dos autores sofreu diversos danos. O acidente foi participado, mas a ré declinou a responsabilidade.
A ré contestou. Excecionou a ilegitimidade dos autores, por não ser evidente o alegado direito de propriedade, invocou diversas exceções do seguro, e sustentou a improcedência da ação.
Em sede de saneamento, as partes foram declaradas legítimas, fixou-se o valor da causa e admitiu-se a prova documental e testemunhal.
Na sessão de julgamento realizada a 14.02.24, consta da respetiva ata:
“TESTEMUNHA DOS AUTORES
CC (...). Prestou juramento legal e aos costumes disse ser filho dos Autores, facto que não o impede de dizer a verdade. Advertido nos termos do disposto no art. 497.º, n.º 1, alínea a) do C. P. Civil, declarou que pretendia depor. Respondeu a toda a matéria. *
No decurso do depoimento da testemunha pelo Ilustre Mandatário dos Autores foi requerida a prova por inspeção ao telemóvel, com o número ..., que se encontra na posse da mesma, tendo em vista a visualização de vídeo, relativo ao sinistro em discussão nos autos, onde consta o dia e horas do mesmo, o que a Mm.ª Juíza deferiu atenta a não oposição por parte da Ré. *
TESTEMUNHAS DA RÉ
DD (...).
EE, casada, perita averiguadora (...). Prestou juramento legal e aos costumes disse prestar serviços para empresa de peritagens, a qual presta serviços para a Ré, facto que não a impede de dizer a verdade. Respondeu a toda a matéria. (...) *
No decurso do depoimento da testemunha EE foram exibidas duas fotografias do local do sinistro, que a Mm.ª Juíza, depois de as examinar, ordenou a sua junção aos autos. *
Pelo Ilustre Mandatário dos Autores foi declarado que não prescinde do prazo de vista das mesmas, requerendo que a testemunha EE apenas seja confrontada com as fotografias, após o decurso do prazo de vista. *
Nessa conformidade, pela Mma. Juíza foi proferido Despacho a dar por findos os trabalhos da presente audiência e a designar, para a sua continuação, o próximo dia 19 de abril de 2024, pelas 14:00 horas (...). Mais concedeu o prazo de dez dias aos Autores para se pronunciarem relativamente às fotografias hoje juntas aos autos”.
Pronunciando-se relativamente às fotografias, vieram os autores sustentar, em síntese:
- Em sede de contestação, a seguradora defende-se afirmando que a água entrou no interior da habitação pela porta da entrada; ora aquilo que foi dito pela testemunha corresponde a factos novos e diferentes, daqueles que resultam quer da contestação, quer do relatório por si elaborado.
- As fotografias a que se responde mostram um caixilho aplicado do lado de fora da porta, o qual não se confunde com a porta nem é parte integrante desta: a função desse caixilho não é impermeabilizante, mas meramente decorativo; impermeabilizante é a porta e esta, do depoimento da testemunha, não tem quaisquer problemas em termos de impermeabilização.
- Vão as fotografias juntas em julgamento integralmente impugnadas, “sendo que a testemunha irá ser confrontada com elas na continuação do seu depoimento e prestar os necessários esclarecimentos” (sublinhado nosso).
No prosseguimento da audiência de julgamento, a 19.04.24, veio a constar da ata:
“TESTEMUNHA DA RÉ
EE, já devidamente identificada. Foi advertida de que continuava sob o juramente prestado na anterior sessão de julgamento. *
Findo o depoimento da testemunha, pelo Ilustre Mandatário dos Autores foi pedida a palavra o qual, tendo-lhe sido concedida, no uso da mesma proferiu um requerimento, (gravado), a, em súmula, requerer a junção aos autos de um documento (Relatório). Mais requereu, nos termos do disposto nos artigos 521.º e 522.º do C. P. Civil, a contradita da testemunha EE, devendo para o efeito ser deferida a audição do Sr. Eng. FF, perito que procedeu à elaboração do relatório hoje junto pelos Autores. [No seguimento da inquirição da testemunha agora ouvida, mas que já tinha sido inquirida na anterior sessão, os autores mandaram proceder a um levantamento e um relatório por um técnico, pelo engenheiro FF, engenheiro civil, no sentido de responder àquilo que consideram que é matéria e factos novos, trazidos na última sessão de julgamento, uma vez que até à última sessão e constante do relatório que esta testemunha agora ouvida elaborou, o problema da estanquicidade era da porta, aquando da última sessão de julgamento, o problema afinal seria de outra natureza não sendo da porta em si mas sim do caixilho que estava do lado exterior e que, no entendimento dos autores, não é parte integrante da porta. Desse relatório, que irá de seguida ser junto aos autos foi também levantada a questão estética. A testemunha agora ouvida, e já o disse na anterior sessão, refere que não se levanta o problema da questão estética, porque há vários tipos de madeira e não é notório esse problema em termos estéticos. Esse não foi o entendimento do engenheiro FF; assim, requerem, ao abrigo dos artigos 521 e 522 a contradita entre a testemunha agora ouvida e o engenheiro FF, de forma a abalar a credibilidade não só do seu depoimento, mas também da razão de ciência, tanto mais que a testemunha, como a própria relatou, é engenheira mecânica e não engenheira civil. Para além disso, este relatório, cuja junção igualmente se requer, tem a ver, foi um relatório que foi obtido nesta data e tema ver com o depoimento prestado por esta testemunha e pelas fotografias juntas, assim, quero requerer não só a contradita, mas também a junção do documento, sem condenação em multa, atendendo ao agora alegado].
Por último requereu a disponibilização da gravação da audiência. *
Concedida a palavra à Ilustre Mandatária da Ré para, querendo, se pronunciar quanto ao documento apresentado, pela mesma foi requerida a concessão de prazo para o efeito. Mais requereu a disponibilização da gravação da audiência. *
Seguidamente pela Mma. Juíza foi proferido Despacho a suspender os trabalhos da presente audiência e a conceder o prazo de dez dias à Ré para se pronunciar quanto ao documento hoje junto, bem quanto ao requerido pelos Autores. Mais ordenou que fosse disponibilizada a gravação da audiência nos termos requeridos. Oportunamente o Tribunal apreciará o requerimento feito no dia de hoje pelos Autores”.
A ré, em contraditório, pronunciou-se sobre o documento cuja junção os autores requereram e sobre a contradita por estes pretendida. Em síntese, sustentou:
- Referem que, no seguimento do depoimento da testemunha EE, mandaram proceder a um levantamento e relatório no sentido de responder ao que consideram ser factos novos, que seriam a referência ao aro da porta como elemento dela integrante e não à porta, trazidos na última sessão pela testemunha.
- Tal argumento cai imediatamente por terra, uma vez que no documento nada consta sobre o alegado entendimento de que o aro não constitui parte integrante da porta.
- Os autores aproveitam o aludido documento para fazer prova do que não haviam feito até à data, que era a questão estética do piso ou falta dela, mais requerendo a junção do dito relatório e inquirição do Eng. que o elaborou, para abalar a credibilidade da testemunha e a sua razão de ciência, pretendendo, “de forma encapotada”, produzir prova, que até agora não produziram e que poderiam ter produzido.
- O relatório de averiguação ao sinistro foi junto com a Contestação e logo aí poderiam, se assim o entendessem, apresentar um relatório ou mesmo requerer a produção de prova pericial à aludida porta, o que não fizeram.
- A ré opõe-se à junção requerida.
- Os autores afirmam que com o documento pretendem infirmar o afirmado pela testemunha, que o mesmo é dizer, pretende atacar o conteúdo do seu depoimento, mas a matéria não é de contradita.
- A admissão de um documento implica a sua pertinência e tempestividade. O documento não se mostra pertinente porquanto não tem qualquer conexão funcional com o alegado na petição. E foi apresentado depois de iniciada a audiência de julgamento, com a invocação de decorrer do depoimento da testemunha EE.
- Foram os autores que alegaram que “devido à elevada precipitação e queda de granizo, que danificou o piso flutuante na entrada da casa, isto apesar da porta de entrada estar bem impermeabilizada e edificada” e, para prova deste facto, deveriam ter junto o documento que agora pretendem juntar, ou requerido perícia. A apresentação do documento revela-se tardia.
- Relativamente à contradita, pretendendo-se atacar o conteúdo do depoimento, aquela não é o meio processual próprio e não deve admitir-se.
- Impugnando o documento, diga-se que o mesmo “tem como objetivo o levantamento, registo atual e diagnóstico dos estragos provocados pela intempérie no hall de entrada, na medida em que diz respeito a estanquidade da porta de entrada”, mas desconhece-se se o “registo atual” é o que existia à data dos factos alegados ou se os danos foram, entretanto agravados.
Na sequência veio a ser proferido o despacho sob recurso, e que ora se transcreve:
“(...) Os Autores vieram, em pleno decurso da Audiência, na 2.ª sessão da mesma, requerer a junção de documento, apelidado de “Relatório de Anomalias/Patologias”, alegando, para justificar a oportunidade dessa junção, que a mesma se impõe dado o teor do depoimento prestado pela testemunha EE, dado a mesma, que foi a subscritora do Relatório de Peritagem junto pela Ré com a contestação, ter mencionado factos novos, que não constam do teor daquele relatório e que, na sua opinião não correspondem à verdade. A fim da demonstração do por si alegado, mais requereram o incidente da contradita, indicando pessoa com formação em engenharia civil, para ser ouvida. Devidamente notificada a Ré, para se pronunciar, veio fazê-lo no requerimento de 23.04.24, pugnando pela inadmissibilidade da junção do documento por intempestividade e pela inadmissibilidade do incidente da contradita pela sua desadequação com o pretendido. Vejamos.
Ora, conforme decorre dos autos, a contestação foi apresentada a 19.10.23, tendo a Ré, com a mesma, procedido à junção aos autos do documento intitulado “Relatório de Peritagem Patrimonial”, documento esse da autoria da testemunha supra referida e os Autores apresentaram, subsequentemente, em 03.11.23, requerimento no qual se pronunciaram quanto aos documentos juntos com a contestação, nomeadamente quanto ao referido. Assim, os factos que estão em litígio há muito tempo que são conhecidos dos Autores, nomeadamente, a questão da estanquicidade da porta, como se infere dos arts. 6, 7, 10 e 11 do seu requerimento de 03.11.23. Os Autores há muito tempo que sabem quais os factos relevantes e controvertidos e que são objeto de instrução. Assim, querendo “abalar” o teor do documento junto pela Ré e também aqui em causa, há muito que deveria ter arrolada a testemunha que agora indica e juntado o documento pela mesma subscrito. Na verdade, tendo-o por tão relevante, deveria, tempestivamente, ter procedido à sua junção. E concordamos com a Ré quando afirma que o documento que se pretende juntar não põe em causa o entendimento sufragado pela testemunha cuja audição se encontra a decorrer, já que, em momento algum, no mesmo se afirma ou deixa de afirmar que “o aro é parte integrante da porta”. Assim sendo, desde logo, por aí entende-se que a justificação apresentada pelos Autores para juntar apenas nesta fase o documento em apreço não é uma justificação válida. Mais. Analisando o documento que os Autores pretendem agora juntar, vemos que o mesmo se reporta “ao estado das coisas” à data de abril de 2024, sendo que, a ocorrência aqui em causa data de 26.05.23, desconhecendo-se se o exarado no documento corresponde ao existente à data do evento, dado ter decorrido praticamente um ano.
Por fim, o depoimento de uma testemunha, arrolada nos autos, não poderá e não deverá constituir sempre, indiscriminadamente, ocorrência posterior que possibilite a junção de documentos. Considerar o contrário, seria permitir que a cada testemunha, fosse possível à parte a junção de mais documentos, fora dos momentos temporais consignados na lei e ao arrepio da restrição que o legislador procurou estabelecer. Assim sendo, pelos motivos aduzidos, entendemos que a junção ora pretendida é claramente intempestiva e impertinente, motivos pelos quais não se admite a junção do documento em causa, e se determina o seu oportuno desentranhamento.
Quanto ao incidente requerido da contradita, deverá também, o mesmo, não ser admitido. Vejamos.
Dispões o art. 521.º, do C.P.C., que “A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer”. Em comentário ao então art. 640.º, do CPC, referia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 459) que no incidente de contradita, “faz-se um ataque, não ao depoimento propriamente dito, mas à pessoa do depoente; não se alega que o depoimento é falso, que a testemunha mentiu; alega-se que, por tais e tais circunstâncias, exteriores ao depoimento, a testemunha não merece crédito. Só quando a contradita se dirige contra a razão de ciência invocada pela testemunha, é que as declarações desta são postas em causa; mas ainda aqui não se atacam diretamente os factos narrados pelo depoente, só se ataca a fonte de conhecimento que ele aponta.” Por seu turno, Luís Filipe Pires de Sousa in a “Prova Testemunhal”, a págs. 269, refere que “pode invocar-se como fundamento da contradita qualquer circunstancialismo que afete a razão de ciência invocada pela testemunha (...) ou afete a credibilidade que a testemunha mereça. Entre os fatores capazes de afetarem a fé ou a credibilidade da testemunha encontram-se: o estado; a vida e costumes da pessoa; o interesse no pleito; o parentesco ou relacionamento com as partes.” Ora, pretenderam os Autores juntar aos autos o supra referido documento e arrolar nova testemunha que, no seu entender, fossem de molde a contrariar o teor do depoimento da testemunha EE, o que não é o mesmo que a contradita da testemunha, já que, a contradita não se destina à contraprova de um depoimento testemunhal, mas sim a abalar a credibilidade e a fé que a testemunha possa merecer ao tribunal. Assim sendo, por tudo que se deixou supra exarado, não se admite o requerido incidente”.
II – Do Recurso
Inconformados, os autores vieram apelar. Pretendem a revogação do despacho recorrido, “ordenando, não só a contradita da indicada testemunha EE, como a inquirição do Eng. FF, mas também a junção do documento intitulado “RELATÓRIO DE ANOMALIAS/PATOLOGIAS”. Para tanto, concluem:
A – Na contestação, a ré defendeu-se afirmando que a água entrou no interior da habitação pela porta de entrada.
B – Do doc. n.º 1, junto com a contestação, o qual foi realizado pela testemunha EE, é dito nas conclusões: “A água entrou pela porta em dia de intensa pluviosidade, danificando pavimento de hall de entrada, o qual é corrido, no entanto a porta deveria exercer a função de estanquicidade necessária para impedir a entrada de água”.
C – Em audiência, a mencionada testemunha, engenheira mecânica, funcionária de uma empresa que tem como única cliente a ré, de quem tem total dependência económica e cujo capital é integralmente detido pela ré, menciona factos novos e diferentes daqueles que resultam quer da contestação, quer do relatório por si elaborado, referindo pela primeira vez um alegado problema no aro/caixilho existente no lado exterior da porta.
D – Mesmo as fotografias exibidas por esta testemunha apenas no seu depoimento da sessão de 14.02.24, nas quais se consegue visualizar o aro/caixilho no exterior da porta, nem sequer figuram no seu relatório, junto como doc. 1.º da contestação.
E – Precisamente por entender que estas fotografias, no seguimento dos factos novos alegados pela testemunha, se afiguram importantes, é que o tribunal, depois de as examinar, ordenou a sua junção aos autos.
F – A estas fotografias, os autores responderam, no requerimento enviado para os autos a 26.02.24 (ref. 48088443).
G – Posteriormente, na continuação da inquirição da mencionada testemunha, em 19.04.24, o mandatário ditou requerimento nos termos acima transcritos nas alegações (gravado no sistema).
H – Nas considerações finais do documento cuja junção de pretende, é mencionado pelo engenheiro FF: “A análise das patologias do imóvel leva-nos a afirmar que as generalidades dos problemas supra relatados, não resultam de incúria por parte da aplicação da porta na inadequada conjugação das técnicas e metodologias construtivas e uso inadequado dos equipamentos, nem pela caixilharia existentes no lado exterior da porta, nem pela fachada ou pelo seu revestimento. Todas as anomalias/patologias visíveis, à data, a participar, no piso do hall de entrada e rodapés foram originadas devido a fenómenos da natureza, como chuvas e ventos muito fortes, acima da normalidade, que estando esta porta/fachada virada a sul/poente, ainda mais agravou e originou a entrada de água. Mais uma vez se salienta que em condições consideradas normais, não teria existido estas patologias”.
I – Caso a questão da caixilharia existente no lado exterior da porta já tivesse sido suscitada ao longo do processo, compreendia-se a decisão em recurso, mas essa questão apenas se suscitou, repete-se, na audiência de julgamento.
J – Recusando-se a contradita, a junção deste relatório a inquirição do engenheiro FF, significa uma clara violação do princípio do contraditório, da “igualdade de armas”, plasmado no art. 4.º do CPC.
K – A tendência atual do legislador, no que diz respeito ao direito adjetivo, é valorar a vertente material em detrimento da justiça meramente formal.
L – Entendendo o tribunal ser importante a junção, em fase de julgamento, de fotografias que alteram, modificam, aquilo que foi mencionado até então, quer na contestação, quer no relatório pericial junto como doc. n.º 1 da contestação, não se entende como é que, ao abrigo do princípio do inquisitório, segundo o qual “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, não permitiu a junção de um relatório que, entre outros, refere expressamente que os problemas detetados não se devem à caixilharia existente no lado exterior da porta.
M – Pergunta-se, não seria importante, para a descoberta da verdade material, inquirir o engenheiro FF, atendendo ao teor do seu relatório e ainda ao abrigo do disposto no art. 526 do CPC.
N – Saber se o caixilho é, ou não, parte integrante da porta, pese embora não esteja expressamente referido no relatório cuja junção se pretende, mas é expressamente nele referido que os problemas não decorrem desse caixilho, afigurando-se também por este motivo importante a inquirição do seu autor, em sede de julgamento.
O – Também não se entende a relevância de o relatório ter sido elaborado nesta data, uma vez que não foram efetuadas quaisquer alterações pelos autores à porta ou referida caixilharia e, caso dúvidas houvesse, sempre o tribunal poderia efetuar uma prova por inspeção ao local, ainda que na companhia dos dois técnicos.
P – Decidir apenas com base numa perícia realizada por técnica da empresa que pertence e cujo capital é detido integralmente apenas pela ré, sem possibilidade de contraditório ainda que nesta fase do processo em virtude de surgirem factos novos, afigura-se de uma profunda injustiça, tanto mais que o tribunal considerou importante a junção de documentos trazidos por essa testemunha, claramente parcial, em pleno julgamento, certamente para a descoberta da verdade material e teve um entendimento diferente, quanto à junção de um documento e de inquirição de uma testemunha, com vista à descoberta dessa mesma verdade material.
Q – O artigo 423, n.º 3 do CPC permite que as partes juntem documentos mesmo em sede de julgamento, “cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”, como manifestamente foi o caso, conforme supra exposto.
R – Entendem os recorrentes que o tribunal, ao proferir o despacho em crise, violou os princípios do inquisitório, da verdade material, da igualdade de armas e do contraditório e fez errónea interpretação de lei, violando o disposto nos arts. 411, 423, n.º 3, 521 e 522, todos do CPC.
A ré respondeu ao recurso. Sustentando a sua improcedência, concluiu:
1 - O tribunal fez uma correta aplicação do direito ao não admitir a junção aos autos do documento sub judice, nos termos do artigo 423, n.º 3 do CPC.
2 - Na PI, os apelantes alegaram e descreveram os factos que entenderam ser de considerar, para que a ré fosse condenada a pagar-lhes o valor correspondente à reparação dos prejuízos sofridos, em consequência de sinistro ocorrido na sua residência, por força de mau tempo, e que a apelada, invocando o seu não enquadramento nas coberturas da apólice, declinou.
3 - Aquando da instauração da ação, os Apelantes já tinham perfeito conhecimento dos motivos pelos quais a apelada havia declinado o sinistro e recusado o seu pagamento, tendo inclusive juntado como documento n.º 14 da PI, a comunicação da apelada nesse sentido.
4 - E sabendo dos motivos concretos sobre os quais recaía a posição da seguradora, os apelantes optaram por não juntar um único documento que contrariasse a posição da apelada, ou que confirmasse a sua apresentação dos factos.
5 - Limitando-se apenas – na PI – a referir que a porta de entrada estava bem “impermeabilizada e edificada.”
6 - Não tendo juntado qualquer documento, ou requerido qualquer meio de prova (testemunhal, documental ou pericial), capaz de confirmar a sua alegação ou de infirmar a alegação da apelada (no limite). E esse seria o momento próprio para o fazer.
7 - Os meios de prova são apresentados nos articulados em que se alegam os factos que visam provar (cfr. artigo 552, n.º 6 e artigo 572, al. d) do CPC).
8 - A apelada, na sua contestação, impugnou os factos alegados pelos autores relativos ao estado da porta e suas condições de (ausência de) impermeabilização e estanquicidade e juntou, não só o relatório de peritagem e averiguação elaborado aquando da gestão do processo de sinistro, como também arrolou como testemunha a autora do relatório, para confirmação do documento junto e da posição da ré.
9 - E relativamente à posição assumida pela apelada na contestação, os apelantes em requerimento de resposta, mais uma vez alegaram que a porta não apresentava “qualquer problema de isolamento defeituoso” e que “a porta é uma porta moderna e adequada em termos de isolamento”.
10 - Ou seja, já após a contestação, tendo perfeita consciência do que havia sido impugnado, reiteraram que a porta estava apta, sem qualquer meio probatório que confirmasse tal afirmação.
11 - Dito de outra forma, quer antes, quer depois do despacho saneador poderiam ter junto o documento que pretenderam juntar no julgamento, ou mesmo poderiam ter requerido outro tipo de meio probatório, designadamente pericial, para comprovar o por si alegado, ou para infirmar o alegado pela apelada.
12 - A alegação de que o relatório de peritagem e averiguação junto pela apelada, elaborado pela empresa de peritagens B... que terá uma relação de dependência económica com a ré, não colhe.
13 - Isto porque, os apelantes não foram surpreendidos no dia do julgamento com essa realidade. O documento junto com a contestação, refere qual a empresa que fez a peritagem, em papel timbrado da mesma, com os nomes da perita e do seu supervisor, que foram indicados como testemunhas.
14 - E nem nessa altura, os apelantes entenderam por bem requerer algum meio de prova que corroborasse a sua alegação factual.
15 - O documento cuja rejeição é objeto do recurso, foi apresentado depois de iniciada a audiência de julgamento e foi-o com a invocação de decorrer do depoimento da testemunha EE, perita.
16 - Igualmente não colhe a alegação de que as fotografias juntas no decurso do julgamento por ordem do tribunal constituem “factos novos alegados pela testemunha”.
17 - É que os factos relatados pela testemunha não são novos, pois que se tratam da concretização factual sobre a estanquicidade da porta de entrada dos apelantes.
18 - Limitando-se a testemunha a concretizar o porquê de ter entendido que a porta não detinha estanquicidade capaz para evitar o sucedido.
19 - E sobre as ditas fotografias, os apelantes pronunciaram-se por requerimento de 26.02.24, impugnando-as e tecendo considerações sobre o que entendiam ser a porta e os seus elementos constitutivos. E nesta altura, não entenderam ser pertinente efetuar um “relatório técnico”.
20 - A pertinência de um documento resulta da sua aptidão para demonstrar ou infirmar factos de que o tribunal deva conhecer para decidir a causa.
21 - A pertinência é a aptidão para fazer prova ou contraprova de algum dos factos.
22 - O documento é pertinente quando entre ele e os factos a provar possa ser estabelecida uma relação funcional.
23 - O presente documento não se mostra pertinente porquanto não tem qualquer conexão funcional com o alegado na PI pelos autores.
24 - Tal como se mostra intempestiva a sua junção.
25 - Para justificar o requerido incidente da contradita, os autores afirmam que com o documento pretendem aduzir prova de facto contrário ao afirmado pela testemunha, que o mesmo é dizer, pretende atacar o conteúdo do mesmo depoimento.
26 - A contradita não é o meio processual próprio para contrariar o conteúdo do depoimento de uma testemunha.
O recurso foi recebido nos termos legais e os autos correram Vistos, nada se observando que obste ao conhecimento do mérito da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões dos apelantes, se traduz em saber se o documento (relatório) que vieram apresentar deve ser junto aos autos e se deve deferir-se a contradita da testemunha EE, com a inquirição, como testemunha, do relator do documento pretendido juntar.
III – Fundamentação III.I – Fundamentação de facto
Os factos constantes do relatório antecedente (onde, além das conclusões do recurso e da resposta ao mesmo, se transcrevem a pretensão dos apelantes, a resposta da apelada e o despacho recorrido) mostra-se bastantes à apreciação do mérito do recurso.
III.II – Fundamentação de Direito
Na sequência do depoimento da testemunha EE, arrolada pela recorrida (e que, nessa ocasião, por determinação do tribunal cedeu duas fotografias que ficaram nos autos), os autores solicitaram prazo de pronúncia, e requereram a (continuação da) inquirição da testemunha, em nova data. Depois de impugnarem, em requerimento próprio (referido no relatório, supra) aqueles documentos (duas fotografias), na nova sessão de julgamento os apelantes requereram a junção de um documento (relatório) entretanto elaborado, e a inquirição, em sede de contradita (à testemunha EE), do engenheiro que o elaborou.
O tribunal recorrido desatendeu as pretensões: considerou que o documento (relatório) era intempestivo e não tinha pertinência; sustentou que a contradita era inadmissível, pois esse incidente não se destina à contraprova de um depoimento testemunhal.
Na sua inconformação, os apelantes imputam ao despacho apelado a violação do disposto nos artigos 411 [Princípio do inquisitório: Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer] 423, n.º 3 [Momento da apresentação (...) 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior], 521 [Contradita: A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer] e 522 [Como se processa: 1 - A contradita é deduzida quando o depoimento termina. 2 - Se a contradita dever ser recebida, é ouvida a testemunha sobre a matéria alegada; quando esta não seja confessada, a parte pode comprová-la por documentos ou testemunhas, não podendo produzir mais de três testemunhas. 3 - As testemunhas sobre a matéria da contradita têm de ser apresentadas e inquiridas imediatamente; os documentos podem ser oferecidos até ao momento em que deva ser proferida decisão sobre os factos da causa. 4 - É aplicável à contradita o disposto no n.º 3 do artigo 515.º[1]] do Código de Processo Civil (CPC).
A apelada, como decorre das conclusões da sua resposta, defende a improcedência do recurso, sustentando, em síntese, a impertinência do documento pretendido juntar (artigo 443, n.º 1 do CPC) e a inadequação do incidente da contradita ao fim pretendido pelos autores: contraprova da prova testemunhal.
Em sede de questão prévia, esclareça-se que a junção de (duas) fotografias na posse da testemunha, junção determinada pelo tribunal, não está em causa em sede de recurso: relativamente às mesmas, os autores pronunciaram-se, impugnando-as, mas não se opondo expressamente à junção. Aliás, na respetiva pronúncia não deixaram de dizer que a testemunha seria “confrontada com elas [fotografias] na continuação do seu depoimento e prestar os necessários esclarecimentos”. Diga-se que isso mesmo é quanto da lei decorre: nos termos do n.º 2 do artigo 516 do CPC, o advogado da parte que não ofereceu a testemunha pode fazer-lhe “quanto aos factos sobre que tiver deposto, as instâncias indispensáveis para se completar ou esclarecer o depoimento”.
Importa, em conformidade, apreciar o verdadeiro objeto do recurso: se o relatório devia ter sido junto aos autos e se devia ter tido lugar a contradita.
Como decorre dos autos, o documento (relatório) pretendido juntar é uma avaliação/ “perícia” elaborada a pedido dos autores, na sequência e por causa do depoimento prestado (na primeira sessão de julgamento) pela testemunha arrolada pela ré. Trata-se de um documento, porquanto, não obstante a qualidade do relator, não estamos perante prova pericial, esta prevista nos artigos 467 e ss. do CPC.
Os documentos têm um momento próprio de apresentação, como decorre do disposto no artigo 423 do CPC. No entanto, e contrariamente ao invocado pelos autores, não tem pertinência, no caso concreto, a invocação do disposto no n.º 3 daquele preceito, nomeadamente da sua parte final [“cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”], porquanto o depoimento de uma testemunha – livremente apreciável pelo tribunal (artigo 396 do Código Civil – CC) – não é, de per si, uma ocorrência, mesmo entendendo esta como a introdução de um facto meramente instrumental.
Mas se sempre seria questionável a apresentação do relatório, decorrente da sua intempestividade, também a junção só deve ser deferida nos casos em que os documentos não se revelem “impertinentes ou desnecessários” (artigo 443, n.º 1 do CPC), ou seja, deve ser deferida quando o documento pretendido juntar seja necessário ou pertinente. Necessário ou pertinente à instrução da causa (artigo 410 do CPC), à “demonstração da realidade dos factos” (artigo 341 do CC) que sejam “constitutivos do direito alegado” ou – e à contraprova – dos “impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado” (artigo 342, n.ºs 1 e 2 do CC).
Como não deixa de se notar no despacho recorrido, se, em razão da discordância com determinado depoimento (ou outra prova) fosse permitida a apresentação de nova prova, certamente que os julgamentos não teriam fim. Isto, sem embargo dos poderes inquisitórios (artigo 411 do CPC), cuja omissão, arguida pelos apelantes, não tem, neste caso, relevante pertinência.
A prova, como decorre, tem um tempo e uma finalidade (pertinência e necessidade/ utilidade) e os factos testemunhados são, legalmente – artigo 516, n.º 2 do CPC, já citado – objeto de instância pelo advogado da parte contrária.
Em conformidade, concorda-se com a inadmissão da junção do relatório (documento), conforme decidiu a primeira instância.
Relativamente à contradita, igualmente não vemos razão para censurar o decidido.
Diga-se, desde logo, que a contradita tem de ser deduzida quando o depoimento termina (artigo 522, n.º 1 do CPC) e, se é certo que o depoimento da testemunha EE veio a prosseguir, logo na primeira sessão, os autores – porquanto, em razão desse depoimento vieram a constituir nova prova, documental – tinham as razões para deduzir o incidente, que só mais tarde, na sessão seguinte, deduziram.
Sem embargo da referida intempestividade, e mesmo que se admitisse a dedução do incidente no prosseguimento do depoimento testemunhal, não vemos como fosse de deferir a contradita.
A contradita, nas palavras de Marco António de Aço e Borges [“Da Contradita, Algumas notas em torno do seu regime jurídico-processual”, in Revista Julgar, n.º 52/2024, ASJP/Almedina, págs. 311 e ss.] é “um incidente velho de anos”, regulado desde as Ordenações e sucessivamente mantido. A contradita “não é, portanto, um meio de prova”, embora se ligue “a um específico meio de prova: o testemunhal”. Por este incidente “a parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do seu depoimento, num duplo sentido: - pretendendo afetar a sua razão de ciência; ou – pretendendo diminuir a fé que ela possa merecer”.
A contradita fundamenta-se em circunstâncias exteriores ao próprio depoimento da testemunha, capazes, tais circunstâncias, de abalar a credibilidade desse depoimento, ou seja, por ela, reage-se contra a força probatória de determinado depoimento testemunhal. O que se ataca, com o incidente, não é o depoimento em si mesmo, mas a testemunha, pondo em causa a sua credibilidade. Assim, a falsidade, total ou parcial, do depoimento, ou a sua desconformidade com outros testemunhos ou provas não é fundamento da contradita.
Como referem António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa [Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almeida, 2022, pág. 618, anotação 1], com a contradita pretende-se “fornecer ao julgador determinados factos acessórios, exteriores ao depoimento prestado, que o ponham de sobreaviso na apreciação da força probatória do depoimento”. Apenas isso, tanto que, como os mesmos autores acrescentam [loc. cit., anotação 4] “A eventual demonstração do fundamento da contradita não obsta a que o julgador proceda à livre apreciação do depoimento testemunhal; a contradita não inutiliza o depoimento, captando apenas um elemento suscetível de influenciar a apreciação da respetiva força probatória”.
No caso presente, a testemunha em causa foi identificada e esclareceu as suas funções, a elaboração do documento que a ré apresentou a sua ligação à empresa que presta serviços à ré. Não serão essas circunstâncias, exteriores ao depoimento, que fundamentam a pretensão incidental dos autores, porquanto as mesmas foram declaradas ao tribunal. O que os recorrentes pretendiam era abalar o próprio depoimento, apresentando um documento e requerendo a inquirição, como testemunha, do relator desse documento.
Não estamos, como decorre, perante qualquer fundamento justificante da pretensão formulada.
Não havendo lugar à contradita, é de concluir que o presente recurso é totalmente improcedente.
Atento o decaimento, as custas do recurso são da responsabilidade dos apelantes – 527, n.ºs 1 e 2 do CPC.
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) em julgar improcedente o recurso e, em conformidade, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Porto, 13.01.2025
José Eusébio Almeida
Ana Paula Amorim
Jorge Martins Ribeiro
_______________ [1] “3 - Quando se procede ao registo ou gravação do depoimento, são objeto de registo, por igual modo, os fundamentos de impugnação, as respostas da testemunha e os depoimentos das que tiverem sido inquiridas sobre o incidente”.