PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
DECISÃO DE INDEFERIMENTO
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário

A omissão da notificação da informação prestada pela Segurança Social de que o pedido de apoio judiciário de um dos interessados/reclamante foi objecto de decisão de indeferimento não impugnada não constitui violação do princípio do contraditório, porquanto a pronúncia dos interessados não tem influência sobre os efeitos de tal decisão no incidente de reclamação à reclamação de bens.

Texto Integral

Proc. n.º 253/20.8T8ILH-A.P1– Apelação em separado
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica ... – Juiz 1



Relatora: Carla Fraga Torres
1.º Adjunto: António Mendes Coelho
2.º Adjunto: Ana Olívia Esteves Silva Loureiro



Acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5.ª Secção Judicial/3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:



I. Relatório.

Recorrente: AA
Recorrido: Cabeça de Casal BB


BB apresentou em juízo requerimento de inventário por óbito de CC em que identificou como interessados directos na partilha o cônjuge sobrevivo DD, a si mesmo, enquanto filho, e as duas netas EE e AA, filhas do filho pré-falecido, de que mais tarde foram juntas certidões (cfr. reqs. de 8/01/2021 e 8/11/2023).
Seguiu-se despacho liminar em que foi nomeado como cabeça de casal o cônjuge sobrevivo DD que, citada, juntou a relação de bens a partilhar e prestou compromisso de honra.
Junta certidão de óbito da cabeça de casal, os autos de inventário foram suspensos até se mostrarem habilitados os seus sucessores o que veio a suceder por despacho de 26/04/2021 que igualmente designou como cabeça-de-casal o requerente do inventário.
Notificado para o efeito, o novo cabeça de casal juntou, além do mais, nova relação de bens e posteriormente informou que pretendia a cumulação de inventários por óbito dos pais, o que veio a ser admitido por despacho de 24/06/2021 em que se ordenou igualmente a citação dos interessados directos na partilha.
A reclamação da interessada EE contra a relação de bens não foi admitida por ter sido apresentada fora de prazo.
A reclamação da interessada AA de 2/11/2021 foi objecto de um primeiro despacho que ordenou, em relação à mesma, diligências de prova várias que deram lugar a diversos requerimentos tanto daquela interessada como do cabeça-de-casal.
Considerando instruído o incidente de reclamação contra a relação de bens deduzido pela interessada AA, o Tribunal ordenou a notificação da interessada reclamante e do cabeça de casal para, querendo e no prazo de 10 dias, se pronunciarem.
Subsequentemente, foram ainda ordenadas mais diligências probatórias.
A 4/04/2023, a interessada AA juntou aos autos revogação do mandato, o que foi objecto de despacho de 20/04/2023, em que, além de se ordenar o cumprimento do disposto no art. 47.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, se determinou a notificação daquela para em 20 dias constituir advogado ou juntar comprovativo de pedido de nomeação de patrono, sob pena de, por força do art. 47.º, n.º 3, al. c) do CPC, se extinguir o incidente de reclamação contra a relação de bens em que a constituição de advogado é obrigatória, o que foi notificado à interessada por carta de 28/04/2023.
Por email junto a 5/05/2023, a interessada AA pediu esclarecimentos sobre o teor deste despacho.
Por email de 12/05/2023, a mesma interessada juntou comprovativo do pedido de apoio judiciário de 9/05/2023.
Em face deste documento, o Tribunal, a 24/05/2023, ordenou que se oficiasse à Segurança Social para que informasse sobre o estado do referido pedido de apoio judiciário.
Por email de 7/07/2023 (Ref. 14814511), a interessada AA informou que a decisão da segurança social foi “não me atribuir mandatário” e que iria recorrer da decisão, juntando fotografia de um manuscrito.
Por email de 17/07/2023 (Ref. 14850286), a interessada AA solicitou que a informassem se os documentos enviados no email anterior eram válidos ou se já tinha sido afastada do processo de partilhas por falta de mandatário.
Por email junto a 24/07/2023 (Ref. 14882327), a mesma interessada AA pediu que a informassem sobre o melhor horário para entrar em contacto com o Tribunal para obter as informações que já havia solicitado.
Por email do mesmo dia, a interessada AA disse juntar em anexo comprovativo de carta registada do seu recurso da decisão da segurança social solicitando por informação sobre se esse documento era válido ou se já havia sido afastada do processo.
Por email de 25/07/2023 (Ref. 14884550), o Tribunal solicitou à interessada AA para indicar o número do processo a fim de se juntar aos autos respectivos.
Por email também de 25/07/2023 (Ref. 14884550), a interessada AA informou o número do processo e solicitou que a informassem se o documento era válido ou se já tinha sido afastada do processo por ainda não ter conseguido arranjar novo mandatário.
A 16/10/2023, a Segurança Social prestou aos autos de inventário a informação seguinte:
“Serve a presente para informar V. Ex.ª que na sequência de novo requerimento de proteção jurídica formulado, em 09-05-2023 por AA, cuja referência se indica em epígrafe, foi efetuada audiência prévia, com proposta de indeferimento, apenas quanto à modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, dispondo o(a) requerente do prazo de 10 (dez) dias úteis para se pronunciar.
Nesta sequência, e não tendo o(a) requerente apresentado resposta em prazo, vem notificar-se V. Ex.ª, nos termos do art. 26.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, que o pedido foi INDEFERIDO, sem resposta após decorrido prazo legal, em 14/7/2023, nos termos do art. 8.º-B, n.º 3 e 4, e art. 23.º, n.º 2, da referida Lei, convertendo-se aquela proposta de decisão em indeferimento definitivo do pedido no 1.º dia útil seguinte ao termo do respetivo prazo de resposta.
Mais se informa V. Ex.ª que a referida decisão não foi objeto de impugnação”.
A 21/11/2023, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
“Refªs.: 14814271, 14850286, 14884550 e 14882327
Uma vez que as questões suscitadas versão sobre matéria de direito e, outrossim, que a interessada persiste em se encontrar desacompanhada de advogado, nada há a determinar.

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Em face da revogação do mandato forense conferido, desassocie da plataforma do citius o ilustre Advogado, Dr. FF.
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Da instância incidental de reclamação contra a relação de bens:
Os presentes autos de inventário foram instaurados pelo requerente BB para partilha dos bens deixados por óbito de CC, falecido a ../../2019.
Que, sem doação, testamento ou outra disposição de última vontade, deixou como seus únicos e universais herdeiros, a saber:
- a sua mulher, DD;
- o seu filho, BB (aqui requerente);
- a sua neta, EE, filha do filho pré falecido GG; e
- a sua neta, AA, filha do filho pré falecido GG.
Neste pressuposto, foi nomeada como cabeça de casal a esposa do inventariado DD, que, nessa qualidade e além do mais, diligenciou pela junção aos autos da respetiva relação de bens que, em seu entender, comporia o acervo hereditário do de cuius – cfr. refªs. eletrónicas nºs 111620706 e 10637474.
Sucede que DD veio a falecer no dia 16.11.2020 – cfr. refª. eletrónica n.º 13769955 –, tendo sido declarado, então, habilitados como interessados nestes autos de inventário BB, AA e EE para, na posição processual antes ocupada por DD, prosseguirem os seus termos.
E foi, então, nomeado como cabeça de casal o interessado BB – cfr. refª. eletrónica n.º 115746167.
Foi admitida a cumulação de inventários para partilha das heranças abertas por morte de CC e DD, por se tratarem de heranças deixadas por dois cônjuges – cfr. refª. eletrónica n.º 116852238 –, cuja respetiva relação de bens foi junta pelo cabeça de casal, sob a referência eletrónica n.º 11450126.
EE veio reclamar contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal BB – cfr. refª. eletrónica n.º 12009975, cujo conhecimento não foi admitido, por extemporaneidade da sua apresentação em juízo – cfr. refª. eletrónica n.º 119808077.
AA veio reclamar contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal BB – cfr. refª. eletrónica n.º 40332099, o que mereceu a resposta apresentada pela interessada EE – cfr. refª. eletrónica n.º 12344505 – o que determinou a realização das diligências instrutória tendentes ao seu conhecimento.
Sucede que a interessada AA veio comunicar aos autos que havia revogado o mandato forense que, oportunamente, tinha conferido ao Ilustre Advogado, Dr. FF – cfr. refª. eletrónica n.º 14394406 –, o que determinou o cumprimento pelo tribunal do disposto no artigo 47.º, n.º 1, e 2, do Código Processo Civil, e, outrossim, a notificação daquela interessada para que, no prazo de 20 dias, constituísse mandatário ou fizesse juntar comprovativo de pedido de nomeação de patrono, sob pena de se extinguir o incidente de reclamação contra a relação de bens em que é requerente – cfr. artigo 47.º, n.º 3, al. c), do Código Processo Civil – uma vez que pressupõe patrocínio obrigatório – cfr. 126945969.
Sem prejuízo do que expusemos, a verdade é que não só à interessada AA foi indeferido o apoio judiciário, além do mais, na modalidade de nomeação de patrono – cfr. refª. eletrónica n.º 15174903 –, como persiste na junção aos autos de missivas, por motupróprio, desacompanhada de Advogado –, não acendendo, dessa forma, ao convite que lhe for dirigido para o efeito para, como se disse, no prazo de 20 dias, constituir mandatário, com a cominação expressa da extinção do incidente de reclamação contra a relação de bens em que é requerente.
Impondo-se, nessa medida, decidir em conformidade.
Pelo exposto, julgando inverificado o pressuposto do patrocínio judiciário obrigatório, julgo extinto o incidente de reclamação contra a relação de bens em que é AA, determinando, consequentemente, o prosseguimento da demanda principal, mantendo-se, incólume o teor da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal.
Por lhe ter dado causa, as custas do incidente de reclamação contra a relação de bens ficarão a cargo da interessada AA, cuja taxa de justiça fixo em 1 UC.
Notifique”.
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a mencionada interessada AA, que, a terminar as respectivas alegações, pediu que seja declarada a nulidade da decisão de extinção da instância incidental de reclamação contra a relação de bens.
Adrede, formulou as seguintes conclusões:
“A - A ora Recorrente, em 04-04-2023, através de comunicação com referência citius 14394406 deu conhecimento ao Tribunal a quo de que revogou a procuração forense que havia outorgado no âmbito dos presentes autos.
B - Em 20-04-2023, o Tribunal a quo por Despacho com referência citius 14394406 determinou a notificação da Recorrente para que, no prazo de 20 dias, constituísse Mandatário ou fizesse juntar comprovativo de pedido de nomeação de patrono, sob pena de se extinguir o incidente de reclamação contra a relação de bens em que é Requerente.
C - Em 12-05-2023, através de comunicação com referência citius 14553474, a Recorrente juntou comprovativo do seu pedido de nomeação de patrono junto do Instituto da Segurança Social, IP (ISS, IP).
D - Em 25-05-2023, o Tribunal a quo proferiu Despacho com referência 127490986 no qual ordenou que se oficiasse ao ISS, IP que informassem, no prazo de 10 (dez) dias, sobre o estado do pedido de apoio judiciário formulado pela reclamante AA; tendo o ISS, IP em 30-06-2023, por ofício com referência 14781232 informado que se encontrava a decorrer o prazo de 10 dias úteis para audiência prévia.
E - Em 07-07-2023, a ora Recorrente através de comunicação com referência citius 14814511 informou o Tribunal a quo que ia exercer o seu direito de audiência prévia; e posteriormente, enviou ainda comunicações em 07-07-2023 com referência citius 14850286 e 25-07-2023 com referência citius 14882327 a questionar sobre a validade da sua informação prestada em 07-07-2023, ou se era necessário algum documento adicional, comunicações estas que nunca obtiveram qualquer resposta por parte do Tribunal a quo.
F - Em 26-09-2023, o Tribunal a quo enviou ao ISS, IP ofício com referência citius 129213777 a solicitar informação sobre a decisão que recaiu sobre o o requerimento de proteção jurídica entregue pela ora Recorrente ou, inexistindo esta, prestar informação quanto ao estado do aludido requerimento.
G - Em resposta, o ISS, IP em 16-10-2023 enviou ofício com referência citius 15174903 a informar que foi efetuada audiência prévia, com proposta de indeferimento, apenas quanto à modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, dispondo a requerente do prazo de 10 (dez) dias úteis para se pronunciar, mas que não tendo a requerente apresentado resposta em prazo, o pedido foi INDEFERIDO, sem resposta após decorrido prazo legal, em 14/7/2023, nos termos do art. 8.º-B, n.º 3 e 4, e art. 23.º, n.º 2, da referida Lei, convertendo-se aquela proposta de decisão em indeferimento definitivo do pedido no 1.º dia útil seguinte ao termo do respetivo prazo de resposta. Informou ainda que referida decisão não foi objeto de impugnação.
H - Em 21-11-2023 (notificado à Recorrente em 04-12-2023), o Tribunal a quo profere Despacho com referência 130123734 no qual decide pela extinção da instância incidental de reclamação contra a relação de bens, por violação do pressuposto do patrocínio obrigatório.
I - O Tribunal a quo não notificou a ora Requerente do ofício do ISS, IP de 16-10-2023 com referência citius 15174903, de forma a que esta pudesse vir exercer o seu legítimo direito ao contraditório.
J - A informação prestada pelo ISS, IP em 16-10-2023 com referência citius 15174903 é falsa e não corresponde à verdade; com efeito, a proposta de indeferimento quanto à modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono teve data de saída do ISS, IP em 28-06-2023, e a ora Recorrente exerceu o seu direito de audiência prévia, oferecendo resposta à proposta de indeferimento quanto à modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono teve data de saída do ISS, IP em 07-07-2023 – dentro do prazo de 10 dias úteis que lhe foi concedido para o efeito.
K - Ainda que assim não fosse - i.e., que a informação prestada pelo ISS, IP fosse verdadeira, e que por qualquer motivo a resposta à proposta de indeferimento quanto à modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono -, o Tribunal a quo antes de proferir a decisão de extinção da instância incidental de reclamação contra a relação de bens, sempre deveria ter notificado a ora Recorrente desse ofício, facultando-lhe, assim, o seu legítimo direito ao contraditório.
L - A necessidade da contradição, aflorada, em diversas disposições do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, vem genericamente concretizada no artigo 3.º, que, sob a epígrafe “Necessidade do pedido e da contradição”.
M - O n. º 3 do artigo 3.º do CPC, para além de estabelecer que o juiz “deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório”, acautela que o juiz não decida “questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, só assim não sendo, como menciona este próprio preceito, em caso de “manifesta desnecessidade”.
N - O n.º 3, do referido artigo 3.º do CPC, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido, como vimos, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.
O - O princípio do contraditório e a proibição de decisões surpresa impõe ao julgador que, sempre que surge uma questão ainda não discutida ao longo do processo tenha de, antes de decidir, facultar às partes a sua discussão.
P – In casu, a informação prestada pelo ISS, IP em 16-10-2023 com referência citius 15174903 constitui um facto suscetível de integrar a base da decisão, como efetivamente veio a integral.
Q - A violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, constitui nulidade processual, prevista no n.º 1, do art. 195.º do CPC, onde se consagra que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
R - A inobservância do contraditório - elevado, na verdade, até, à categoria de princípio constitucional - constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, conduzindo à nulidade da decisão que extinção da instância incidental de reclamação contra a relação de bens”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
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Recebido o processo nesta Relação, proferiu-se despacho a considerar o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com o efeito e o modo de subida adequados.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Em sede de recurso, o âmbito dos poderes do Tribunal ad quem a par da apreciação das questões delimitadas pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho -, abrange as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, a questão que se coloca a este Tribunal é a da invocada nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do relatório supra.
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IV. Fundamentação de direito.

Delimitada a questão essencial a decidir, nos termos sobreditos sob o ponto II, cumpre apreciá-la.
No âmbito do processo de inventário por óbito dos seus avós, CC e DD, em que é cabeça de casal o filho destes BB, a interessada AA, neta dos inventariados, através do seu mandatário FF, apresentou reclamação da relação de bens, cujas diligências de prova depois de deferidas, foram consideradas findas pelo Tribunal que, assim, por despacho de 4/07/2022, ordenou a notificação da interessada reclamante e a cabeça de casal para, querendo, se pronunciarem, o que não sucedeu.
Por despacho de 7/11/2022, foi novamente determinado que fossem solicitados elementos relativos aos bens dos inventariados e a 4/04/2023 a interessada reclamante informou os autos da revogação do mandato judicial, na sequência do que o tribunal a quo, a 20/04/2023, além do cumprimento do disposto no art. 47.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ordenou a notificação daquela interessada para no prazo de 20 dias constituir novo mandatário ou juntar comprovativo de pedido de nomeação de patrono, sob pena de, sendo obrigatória a constituição de advogado, se extinguir o incidente de reclamação, nos termos do art. 47.º, n.º 3, al. c) do CPC.
Na sequência da junção aos autos pela Recorrente de comprovativo do pedido de proteção jurídica, foi solicitada à Segurança Social informação sobre o respectivo estado primeiro por força de despacho de 24/05/2023, obtendo-se a 30/06/2023 a informação de que ainda não tinha sido proferida decisão final, e depois por força do despacho de 26/09/2023, a que se seguiu a resposta de 16/10/2023 com o seguintes teor:
“Serve a presente para informar V. Ex.ª que na sequência de novo requerimento de proteção jurídica formulado, em 09-05-2023 por AA, cuja referência se indica em epígrafe, foi efetuada audiência prévia, com proposta de indeferimento, apenas quanto à modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, dispondo o(a) requerente do prazo de 10 (dez) dias úteis para se pronunciar.
Nesta sequência, e não tendo o(a) requerente apresentado resposta em prazo, vem notificar-se V. Ex.ª, nos termos do art. 26.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, que o pedido foi INDEFERIDO, sem resposta após decorrido prazo legal, em 14/7/2023, nos termos do art. 8.º-B, n.º 3 e 4, e art. 23.º, n.º 2, da referida Lei, convertendo-se aquela proposta de decisão em indeferimento definitivo do pedido no 1.º dia útil seguinte ao termo do respetivo prazo de resposta.
Mais se informa V. Ex.ª que a referida decisão não foi objeto de impugnação”.
Munido desta informação e porque a Recorrente não havia constituído mandatário judicial, o Tribunal recorrido proferiu a decisão de extinção do incidente de reclamação contra a relação de bens por falta de patrocínio judiciário obrigatório, objecto do presente recurso cujo fundamento consiste na violação do princípio do contraditório em virtude de essa decisão não ter sido precedida da notificação à Recorrente daquela informação da Segurança Social.
Vejamos.
O art. 26.º da Lei n.º 34/2004 de 29/07, determina no seu n.º 1 que a decisão final sobre o pedido de protecção é notificada ao requerente e, se o pedido envolver a designação de patrono, também à Ordem dos Advogados, e no seu n.º 2 que a decisão sobre o pedido de protecção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27.º e 28.º.
Por sua vez, dispõe o citado art. 27.º:
1. A impugnação judicial pode ser intentada directamente pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.
2. O pedido de impugnação deve ser escrito, mas não carece de ser articulado, sendo apenas admissível prova documental, cuja obtenção pode ser requerida através do tribunal.
3. Recebida a impugnação, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de protecção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente.
Da leitura destes preceitos legais resulta claro que o meio de reagir contra a decisão sobre o pedido de protecção jurídica é apenas a impugnação judicial que obedece a uma tramitação própria autónoma da acção a que o mesmo se dirige.
De resto, “o pedido de apoio judiciário, clarifica o acórdão da Relação do Porto de 10/12/2019 (Proc. 9000/18.3T8VNG-B.P1, Rel. Mendes Coelho), é tramitado e decidido em processo próprio, de natureza administrativa, que corre autonomamente termos junto dos serviços do Instituto da Segurança Social…” (in www.dgsi.pt), sendo aí, acrescenta-se, que as informações relativas ao mesmo deverão ser solicitadas e prestadas. Deste modo, não era o Tribunal a entidade competente para responder às dúvidas da Recorrente colocadas por emails de 17/07/2023, 24/07/2023 e 25/07/2023 sobre a validade dos documentos enviados a 7/07/2023 e a 24/07/2023 para demonstrar que havia recorrido da decisão da segurança social de não lhe “atribuir mandatário”.
Notificada da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, a ora Recorrente dispunha do prazo de 15 dias para a impugnar nos termos sobreditos, com o fundamento ora aduzido de que exerceu atempadamente o seu direito de audiência prévia.
De facto, a Recorrente não invoca que a Segurança Social não a notificou da referida decisão de indeferimento do apoio judiciário, assim como não nega a falta de impugnação judicial desta decisão, circunstância que, portanto, não é objecto do pedido recursivo.
Nesta medida, não tendo a Recorrente utilizado a via da impugnação judicial para questionar a decisão de indeferimento pela Segurança Social do seu pedido de apoio judiciário, não era a notificação à própria pelo Tribunal da informação desta decisão não impugnada - prestada pela Segurança Social por ofício de 16/10/2023 - que lhe permitiria fazê-lo. Sendo assim, mesmo que efectuada a notificação pelo Tribunal de tal informação da decisão de indeferimento e da sua não impugnação, a eventual subsequente alegação pela Recorrente do fundamento - único para tanto ora invocado - de que havia respondido em tempo à proposta de indeferimento não obstaria aos efeitos daquela decisão final nem impediria a extinção do incidente de reclamação à relação de bens por falta de patrocínio judiciário obrigatório. De onde, a mera notificação à Recorrente da informação prestada pela Segurança Social de que o seu pedido de nomeação e pagamento da compensação de patrono havia sido indeferido não teria qualquer influência na decisão a proferir pelo Tribunal acerca dos efeitos desta decisão no incidente de reclamação contra a relação de bens por falta do patrocínio judiciário obrigatório da Recorrente.
Porque assim é, a omissão da notificação pelo Tribunal da informação da decisão não impugnada de indeferimento do pedido de nomeação e pagamento da compensação de patrono não influiu no exame ou na decisão da causa e, como tal, ao abrigo do art. 195.º, n.º 1 do CPC, não constitui uma nulidade e, portanto, não invalida a decisão recorrida.
Verdade que o art. 3.º, n.º 3 do CPC impõe ao juiz o dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questão de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
A propósito do princípio do contraditório, e em particular deste n.º 3 do art. 3.º do CPC, o Tribunal da Relação de Guimarães em acórdão de 19/04/2018 (Proc.533/04.0TMBRG-K.G1, Rel. Eugénia Cunha) esclarece que “o nº3 do art. 3º, para além de estabelecer que o juiz “deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório”, acautela que o juiz não decida “questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, só assim não sendo, como menciona este próprio preceito, em caso de “manifesta desnecessidade”. Nesta conformidade, para além de se evitarem as decisões-surpresa, passou a conferir-se às partes a possibilidade de intervirem e, com os seus argumentos, influenciarem a decisão” (in www.dgsi.pt).
Todavia como se salienta no mesmo acórdão“… o exercício do contraditório só é justificável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal – pois, de outro modo, será inútil, tendo tal juízo de ser aferido em termos objetivos, isto é, de ser ou não absolutamente líquida a questão em termos de jurisprudência e doutrina”.
Ora, na situação dos autos verifica-se justamente que a pronúncia da Recorrente sobre a decisão definitiva de indeferimento do seu pedido de apoio judiciário não teria qualquer relevância sobre a mesma nem sobre os seus efeitos no incidente de reclamação de bens que veio a ser julgado extinto por falta de patrocínio obrigatório daquela.
Acresce que a Recorrente já havia sido notificada de que “estando pendente nos presentes autos de inventário incidente de reclamação contra a reclamação de bens, no qual é parte reclamante, é obrigatória a constituição de advogado, dispondo do prazo de 20 (vinte) dias para o fazer ou juntar comprovativo de pedido de nomeação de patrono, sob pena de se extinguir o incidente acima referido no qual é requerente – cfr. artigo 47.º, n.º 3, al. c), do Código Processo Civil”.
À Recorrente já havia, pois, sido dado conhecimento da obrigatoriedade do seu patrocínio judiciário fosse por mandatário fosse por patrono oficioso, tanto que, na sequência, solicitou e comprovou nos autos o pedido que para este efeito havia apresentado junto da Segurança Social. A decisão de extinguir o incidente de reclamação da relação de bens por falta de patrocínio foi um efeito da decisão não impugnada de indeferimento do apoio judiciário que a Recorrente, por um lado, não podia impedir com a mera invocação nos autos de que havia respondido atempadamente à proposta de indeferimento, e, por outro, não podia desconhecer.
Recorrendo uma vez mais ao citado acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães é de sublinhar como aí se escreve que “A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº3, do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”.
Nesta perspectiva, a decisão recorrida não pode ser considerada uma decisão-surpresa, porquanto da questão que dela foi objecto, falta de patrocínio judiciário, já havia sido dado conhecimento à Recorrente dos efeitos correspondentes.
Por tudo quanto vem de se dizer, conclui-se que a falta de notificação pelo Tribunal à Recorrente da informação prestada pela Segurança Social de que o seu pedido de nomeação e pagamento da compensação de patrono, por não ter sido apresentada resposta em prazo à proposta de indeferimento, havia sido objecto de decisão de indeferimento definitivo sem ter sido objecto de impugnação, não violou o princípio do contraditório e que, como tal, a esse respeito não se verifica a invocada nulidade.
Pelo exposto, e, em conformidade, decide-se manter a decisão recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente que ficou vencida (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663.º, n.º 7 do CPC):

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V. Decisão

Perante o exposto, julgando-se totalmente improcedente o recurso, mantém-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pela Recorrente.

Notifique.








Porto, 13/1/2025.

Carla Fraga Torres
Mendes Coelho
Ana Olívia Loureiro