CONTRATO DE EMPREITADA
REPARAÇÕES DEVIDAS PELO EMPREITEIRO
MORA DO DONO DA OBRA
IMPEDIMENTO DE ACESSO À OBRA
Sumário

I - A dona da obra que, sem motivo justificado, não responde aos contactos da empreiteira no sentido de se deslocar ao local para efetuar as reparações devidas e que lhe impede o acesso à obra incorre em mora, e, ao incumbir terceiros de fazerem as reparações, impede definitivamente o cumprimento da obrigação da empreiteira.
II - Nestas circunstâncias, a empreiteira tem direito a receber a remuneração que se encontrava retida para garantia do bom cumprimento do acordado.

Texto Integral

Proc. 451/21.7T8LOU.P1

Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.º adjunto: José Nuno Duarte
2.º adjunto: José Eusébio Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
“A..., Lda.” intentou a presente ação declarativa de condenação contra AA. Pede a condenação da R. a pagar-lhe € 31.044,85, acrescidos de juros de mora contabilizados até 8-2-2021 € 2.060,22, num total de € 33.105,07, acrescidos de juros desde 9-2-2021 até pagamento.
Invoca que a quantia peticionada se refere ao valor da garantia de bom cumprimento do contrato de empreitada que celebrou, como empreiteira, com a R., montante que lhe deveria ter sido entregue com a entrega definitiva da obra e que a R. se recusa a pagar. Tendo sido retidos € 54.135,27, havendo a R. pago € 20.046,42 e apurando-se que do conjunto de anomalias detetadas na obra a A. seria unicamente responsável por custear € 3.044,00 referentes à eliminação de defeitos, estaria em falta a entrega da quantia em causa.
Mais referiu a responsabilidade da R. por não ter reparado as anomalias e que a R. lhe impediu o acesso ao local, furtando-se a ser contactada.
A R. contestou, alegando que, não tendo a A. reparado as anomalias da obra, se socorreu de terceiros para esse efeito, suportando o pagamento de € 34.088,85, a descontar da garantia.
Conclui pugnando pela improcedência da ação.
Em sede de audiência prévia foram julgados verificados os pressupostos processuais e foram elaborados temas de prova.
Após julgamento, foi proferida sentença que condenou a R. a pagar € 31.044,85, acrescidos de juros moratórios vencidos desde o término do prazo a que se alude em 51.

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Inconformada, a R. interpôs o presente recurso, que finalizou nos termos que em seguida se reproduzem.
I. Impõe-se a alteração da matéria de facto provada, a alteração da decisão e, por fim e em consequência, que a ação seja julgada improcedente.
II. A prova testemunhal e documental produzida nos autos deveria ter levado o Tribunal a julgar como provados os factos da matéria de facto provada, nos termos indicados supra nas presentes alegações.
III. O facto provado n.º 43 deverá passar a ter a redação seguinte: "Após acordo das partes, em 11 de novembro de 2019, é realizada a vistoria de receção definitiva, que culminou com a elaboração do auto de receção definitivo, tendo a autora referido que iria elaborar com os dados obtidos um “relatório de peritagem” interno".
IV. O Tribunal deveria ter dado como provado que os defeitos e anomalias denunciados pela Ré na sua carta de 24.05.2018 efetivamente ocorriam, existiam e se verificaram.
V. Assim, deverá ser aditado um novo facto, com o teor seguinte: “Em 24.05.2018, a obra apresentava as anomalias/patologias identificadas na carta da mesma data e nas fotografias à mesma anexadas, e respetivas legendas, tal como descritos no facto provado n.º 20 supra”.
VI. O Tribunal deveria ainda ter dado como provado que o denominado “relatório de peritagem” interno, anunciado pela Autora no auto de vistoria da receção definitiva, datado e enviado à Ré com data de 20.02.2020, foi elaborado por técnicos que não conheceram a obra, nem a acompanharam, nem verificaram as anomalias/patologias existentes e denunciados em momento anterior à sua reparação e eliminação por terceiros, aos quais a Ré adjudicou os respetivos trabalhos, conforme facto provado n.º 38.
VII. Deste modo, deve ser aditado um novo facto provado com o seguinte teor: “O relatório que constitui o doc. 20 da petição inicial foi elaborado em 20.02.2020, sem que os seus autores tenham estado na obra e verificado qualquer das anomalias/patologias da mesma, denunciados na carta, fotografias e legendas de 24.05.2018 - doc. 5 da petição inicial -, antes de as mesmas terem sido reparadas e eliminadas por terceiros, o que ocorreu antes da data em que efetuaram a perícia técnica, em 11 e 18.11.2019”.
VIII. Nos termos do art.º 799º do CC, presume-se que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso é da responsabilidade do devedor, incumbindo-lhe o ónus de demonstrar que aqueles não procedem de culpa sua.
IX. No regime do contrato de empreitada, ao dono da obra impõe-se apenas que demonstre a existência dos defeitos, sendo sobre o empreiteiro que recai o ónus de demonstrar que aqueles não decorrem de culpa sua.
X. Da matéria de facto provada resulta que não ficou provado qualquer facto do qual decorra a irresponsabilidade da Autora pelos defeitos da obra que a Ré lhe denunciou e de que a obra padecia.
XI. Aliás, a Autora não alegou sequer qualquer facto que permitisse afastar a sua responsabilidade pelos defeitos verificados.
XII. A invocação constante do art.º 61º da petição inicial é manifestamente insuficiente para satisfazer o ónus probatório exigido pelo art.º 799º do CC.
XIII. Consequentemente, o facto provado n.º 52 é também insuficiente para cumprimento do ónus probatório da Autora.
XIV. A Autora não ilidiu a presunção que sobre si recaía e não deu satisfação ao ónus probatório como lhe incumbia.
XV. A Ré provou a existência de defeitos e o valor das respetivas reparações e eliminação.
XVI. O Tribunal deveria ter julgado a ação improcedente e, absolvido a Ré do pedido.
XVII. A douta decisão ora recorrida violou, entre outras, as normas dos arts. 342.º, 799.º e 1225.º do C.C.
Nestes termos, e nos mais que V. Exas. mui doutamente suprirão, concedendo provimento ao presente recurso e, em consequência, alterando a matéria de facto provada nos termos ora peticionados, revogando a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra decisão, conforme com as presentes conclusões, que julgue a ação totalmente improcedente e absolva a Ré do pedido, farão, como sempre, boa e sã Justiça.
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A R. contra-alegou, rematando nos moldes que se seguem.
I) Salvo melhor entendimento, tal decisão encontra-se deveras bem fundamentada ao longo de 36 páginas, todos os factos e questões de direito foram deveras e exemplarmente apreciadas, pelo que a decisão terá obrigatoriamente de se manter.
II) Não ignorando que a convicção do tribunal resulta da ponderação e confronto de toda a prova produzida nos autos e que a primeira instância usou do princípio da livre apreciação da prova, estando sempre atenta.
III) Decisivos na resposta à matéria de facto provada são os documentos que são referidos ao longo da douta sentença, os quais têm a força probatória que a leis lhes concede e os depoimentos testemunhais de pessoas que foram intervenientes, designadamente de uma perícia composta por três peritos independentes que foram analisar as anomalias reclamadas pela Recorrente.
IV) Das anomalias reclamadas pela Ré e identificadas nos autos, foi a Autora interpelada e prontamente demonstrou a sua disponibilidade para reparar o que fosse da sua responsabilidade, conforme resulta de toda a prova documental junta aos autos.
V) A verdade é que nunca foi dada possibilidade de que a Autora reparasse o que era referente à subempreitada, pois, como bem sabe a Ré, a Autora não era a empreiteira geral, mas sim uma das subempreiteiras que se encontravam na obra.
VI) A verdade é que foi realizada a vistoria de receção definitiva, que culminou com o auto de receção definitiva, tendo a Autora ficado de elaborar um relatório de peritagem, o qual foi remetido a 28 de fevereiro de 2020 e não antes, pois ficou a Autora a aguardar que fosse remetida a listagem dos trabalhos efetuados por terceiros e respetivos valores, o que nunca veio a acontecer, conforme foi acordado entre as partes e consta do auto de receção definitivo e não impugnado pela Ré.
VII) Em suma, a questão aqui controvertida prende-se com o relatório, relatório esse que foi elaborado com a colaboração e aceitação da Ré e nada resultou em sentido contrário dos depoimentos referidos nas Alegações.
VIII) Ao invés referiu o Eng. BB, Engenheiro Civil e contactada nessa pela qualidade pela Autora (prestado em 04.09.2023, minuto 03:45 a 04:27): “Estava presente na vistoria Eu, o Arq. CC e agora falta-me o nome do Engenheiro da parte hidráulica que agora não me vou recordar. Portanto fomos os três pela A... e estavam presentes também os filhos da AA ... (ah o Eng. DD lembrei) e também estava por parte da Dona de Obra o Eng. EE que também foi com o intuito de fazer a verificação.”
IX) Acrescentando no seu depoimento ao minuto 13:35 a 14:03, referindo que “Pedimos mapa de trabalhos ou faturas dessas reparações que nos facilitava nunca nos foi dado. Aliás, nós só entregamos o relatório, salvo erro no ano a seguir em fevereiro, fomos sempre esperando, eu ia ligando ao Eng. FF quando temos as faturas e nunca as tivemos até à data do relatório, isto tinha-nos facilitado para ver o que fizeram ou não.”
X) Acresce referir que o que é referido pelo Sr. GG não corresponde ao transcrito pela Ré (depoimento de 22.11.2023):
12:42 Adv: Teve conhecimento deste relatório? (Doc. 20 da P.I) Esse foi o vosso relatório?
12:44 Adv: Foi o relatório que foi remetido. Recordo-me de ter havido relatório.
12:49Adv: Só conheço este. Se há outros não foram juntos aos autos Se é o vosso relatório. Recordo-me de o ter visto.
(…)
14:28 Adv: Leu esse relatório?
14:30 Eu na altura sou capaz de ter dado vista de olhos. Não posso dizer que vi com rigor… Lembro-me de ter visto.”
XI) Refere ainda a testemunha EE, no seu depoimento prestado no dia 08.01.2024 que “22:43 Lembro-me de estar com o pessoal da A... e falarmos, mas eu não sei, o enquadramento não consigo…
23:27 Adv: na visita que fez com os técnicos da A... foi-lhe pedida opinião técnica, andaram a fazer a valorização dos trabalhos, custos de reparação?
23:43 Não, é que assim nos termos técnicos de engenharia comum, mas não foi um pedido de nada de especial… uma conversa sobre uma, duas… se achava isto ou aquilo.”
XII) Mais referiu que “00:33:00 Adv teve conhecimento do relatório de peritagem que foi feito por três engenheiros, teve conhecimento?
00:33:06 relatório de peritagem, relatório de peritagem em que fase?
00:33 12 Adv: Depois dessa visita, passados alguns meses foi feito um relatório que foi remetido para a Dra. AA. Sr. Eng. teve conhecimento?
00:33:25 Pode-se ter falado num relatório, mas não me lembro de nenhum relatório, não tenho as conclusões desse relatório. É possível que tenham dito que fizeram um relatório. Fizeram um relatório. É possível.
00:33:41 é possível que sim, claro.
00:33:45 Adv Não analisou?
00:33:46 Em detalhe não, o que diz o relatório não tenho conhecimento, pelo menos de memória.”
XIII) Dos depoimentos prestados e conforme prova documental junta aos autos, designadamente, o documento n.º 19 junto com a P.I. que não fora refutado pela Ré, ficou provado que a Autora iria elaborar um relatório, e assim o fez elaborou e remeteu-o, conforme ficou acordado,
XIV) Deste modo, não existe qualquer fundamento para alteração do facto 43, devendo o mesmo permanecer nos mesmos termos.
XV) Não existe qualquer meio de prova quer documental, quer testemunhal que comprove que os defeitos e anomalias denunciados pela Ré na sua carta de 24-05-2018 efetivamente ocorriam, existiam e se verificaram.
XVI) Isto porque é referido pela testemunha da Ré, Eng. EE, depoimento prestado a 08.01.2024 “00:05:42, fiz uma vistoria rápida aos edifícios todos, julgo eu e não levantei patologias, só verificamos rápido.
00:07:14 Adv. Eles tinham as fotografias quando foi visitar a obra com eles?
00:07:22 A visita foi rápida, não estava com muitos detalhes se havia fotografias ou não… os defeitos estavam apontados… foi em pouco minutos… rápido
00:08:47 Eu não sei nesta data de 2018 reparou, já não consigo saber se as patologias foram detetadas ou após as obras.
00:09:19 Concorda que eram defeitos de execução de empreitada?
00:09:22 Não, isso é uma conclusão precipitada”.
XVII) Sendo que o Sr. GG, prestado a 15 de Novembro de 2018, que refere no seu depoimento prestado a 14:08 “O levantamento foi feito por mim e pelo meu irmão, que estamos lá diariamente.
14:25 Tiveram Eng. EE que também já o conhecíamos e pedimos para identificar donde eram os defeitos e para perceber o que era defeito de obra ou de má utilização.”
XVIII) Curiosamente é que o Senhor GG fez o levantamento dos alegados defeitos que reclamou à Autora, mas desconhecia que a Autora não era Empreiteira Geral “00:01:35 Adv A. (A...) era Empreiteira geral?
00:01:39 Julgo que sim.
00:01:42 Não contrataram outras subempreitadas?
00:01:48 Não me recordo.”
XIX) Conclui-se, assim, que pelos depoimentos prestados pelo Eng. EE e GG que não foi confirmado que em 24.05.2018 a obra apresentava as anomalias/patologias identificadas na carta da mesma data e nas fotografias à mesma anexadas, e respetivas legendas, tal como descritos no facto provado n.º 20 supra”.
XX) Assim, deverá a matéria de facto considerar-se nos exatos termos que constam da douta sentença, dando-se aqui como reproduzidos os factos provados e não provados.
Por outro lado,
XXI) Do referido relatório consta uma análise criteriosa de todas as alegadas anomalias, fotos atuais, descrição dos problemas e a razão dos mesmos terminando com uma avaliação das anomalias da responsabilidade da Autora, recorrendo aos relatórios do LNEC e legislação e todos os documentos sobre a obra que possuíam, conforme consta do relatório elaborado e que se dá aqui como integrado e reproduzido para todos os efeitos legais.
XXII) Não se pode aceitar o novo facto que pretende aqui aditar a Ré quando não merece qualquer credibilidade, nem fundamento para tal, em conformidade com toda a prova testemunhal e documental junta aos autos.
Passando agora às considerações jurídicas e doutrinais,
XXIII) Concordando-se com o entendimento da Primeira Instância, na medida em que a Ré pretende a realização de trabalhos sem curar dessa programação, impedindo simplesmente qualquer trabalho da autora, numa conduta que faz apelo ao previsto no art.º 813.º do Código Civil – à figura jurídica da mora do credor, por violação de obrigação acessória, de prover pela verificação das condições necessárias à execução dos trabalhos pela autora, permitindo o acesso aos locais em causa em tempo e modo adequados.
XXIV) Sendo indubitável a fundamentação técnica exibida no relatório, clara e pormenorizada, onde condicionalismos são assumidos, este esforço de compreensão do ocorrido, referente a eventuais defeitos ou anomalias e respetivas causas, que foi colocado à disposição da Ré para esta contribuir com eventuais falhas ou esclarecimentos e se obter o aperfeiçoamento das respetivas conclusões, com a possibilidade de remessa dos elementos pedidos pelos técnicos, metodologia que reforça a sua credibilidade.
XXV) Na verdade, não se verificam especiais incongruências ou erros na atribuição de incumbências à autora no que aos trabalhos em obra concernia.
XXVI) Relatório pericial esse que serviu e foi aceite com vista à entrega definitiva da obra e à atribuição de responsabilidades no atinente à reparação das anomalias invocadas, e em conformidade, por se afigurar aceitável pela sua perspicuidade, exaustividade e valia técnica de análise, concordando-se com a posição da Primeira Instância.
XXVII) Ao invés do que é referido, resultou provada a responsabilidade da Ré no valor de € 3.044,00, referindo como causa de algumas das fissuras e humidades a execução dos sistemas de drenagem dos edifícios da responsabilidade da Ré (aqui confirmado pela Testemunha EE ao longo do seu depoimento).
XXVIII) Ficou deveras exaustivamente explicado e pormenorizado como foi apurado o valor da responsabilidade da Autora, em que os três peritos justificaram a sua posição com a legislação e regulamentação em vigor e, repita-se, nunca fora colocada em causa, nem contraditada pela Ré.
XXIX) Pelo acima exposto, deverá confirmar-se a douta sentença, condenando-se a ré a pagar a autora a quantia peticionada de € 31 044,85 (trinta e um mil, quarenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos computados à taxa legal desde o término do prazo a que se alude em 51 até efetivo pagamento.
Nestes termos, deve soçobrar a pretensão corporizada nas Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente.
Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado total e absolutamente improcedente.
Assim se fará, como sempre, inteira Justiça!
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II - Questões a dirimir:
- da reapreciação da matéria de facto;
- do erro de julgamento: se a dona da obra impediu definitivamente a A. de proceder às reparações devidas, tendo esta direito a receber a parte da contrapartida da empreitada retida em garantia do bom cumprimento.
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III - Fundamentação de facto (constante da sentença
Do acordo de empreitada
1. A autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de exploração da indústria de construção civil e obras públicas, atividades conexas e acessórias, a compra e venda de imóveis.
2. A ré, na qualidade de dona de obra, celebrou com a autora, na qualidade de empreiteira um contrato de empreitada para a construção do Empreendimento ..., datado de 20.10.2012.
3. E, nesse seguimento, a autora executou para a ré trabalhos no empreendimento imobiliário destinado a HOTEL e denominado “Empreendimento ...” em Lousada.
4. Em 06.05.2014 autora e ré celebraram um acordo a que chamaram “Acordo de Encerramento de Contas”, onde acordaram que “será retida, pelo dono da obra, nos termos contratuais a quantia de € 54.135,27 (cinquenta e quatro mil cento e trinta e cinco euros e vinte e sete cêntimos), a título de garantia, correspondente a 5% do valor global do contrato”.
5. E que a quantia de € 54.135,27 (cinquenta e quatro mil cento e trinta e cinco euros e vinte e sete cêntimos), referida no número anterior, será libertada nos termos previstos na cláusula 12.ª do contrato, considerando-se, para este efeito, que a Receção Provisória da obra “ocorrerá na data em que for celebrado o auto de receção complementar a que se refere o auto de receção celebrado na presente data”.
6. Em 30.06.2014 autora e ré outorgaram o auto de vistoria complementar e a receção da obra e consideraram que “todas as obrigações legais e contratuais do empreiteiro, emergentes do contrato de empreitada, encontram-se cumpridas de forma integral e perfeita”.
7. A cláusula 12.1 do contrato de empreitada estabelece que “após a assinatura do Auto de Receção Provisória e por um período de 2 anos para equipamentos e 5 anos para os restantes trabalhos, o Empreiteiro será responsável pela execução de todas as reparações e substituições de materiais, ou executar todos os trabalhos que sejam indispensáveis para assegurar a perfeição, normal utilização da Obra e que não sejam resultantes do desgaste ou uso e depreciação consequentes da sua utilização, em prejuízo do disposto no Art.1255º do Código Civil.”
8. Estabelece a cláusula 12.ª do contrato de empreitada que “após a Receção Provisória, a caução constituída para efeitos de garantia será reduzida para o montante de 5% do valor global do contrato, extinguindo-se nas condições previstas no ponto 12.3 do Caderno de Encargos – Clausulas Gerais e Complementares.”
9. A referida quantia de € 54.135,27 retida nos termos do acordo de encerramento de contas corresponde aos 5% do valor global do contrato (ou seja, 5% de € 1.082.705,37).
10. Ademais estabelece a cláusula 12.4 do Contrato de empreitada que “decorrido o período de cinco anos após a Receção Provisória, proceder-se-á Receção Definitiva dos trabalhos de acordo com o procedimento descrito na Cláusula 12.3 do Caderno de Encargos, sendo nesta data libertados os restantes 50% da garantia retida ou seja 2,5% (dois e meio por cento) do valor global do contrato, correspondente aos restantes trabalhos.”
11. Por outro lado, a cláusula 12.3 do Caderno de Encargos prevê que “decorridos os prazos de garantia, proceder-se-á à receção definitiva se, em vistoria efetuada para esse fim, em presença do empreiteiro ou do seu representante, se verificar que todas as obras satisfazem integralmente as condições de contrato, o que deverá constar do respetivo auto, lavrado em duplicado. Aquando da receção definitiva promover-se-á o cancelamento das garantias relativas a depósitos de garantia.” - conforme documento que se junta e se dá aqui como integrado e reproduzido para todos os efeitos legais.
12. A receção provisória da obra ocorreu a 30 de junho de 2014.
Da primeira decisão judicial
13. Em 10.11.2015, a autora intentou contra a ré a ação judicial que correu termos sob o nº 134964/15.9YIPRT, pelo Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 4, deste Tribunal, no qual formulou o pedido seguinte:
“Deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, deve a Ré ser condenada a pagar á Autora a quantia de € 130.049,33 (cento e trinta mil quarenta e nove euros e trinta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos calculados sobre a quantia de € 114.390,39, à taxa legal anual estabelecida para os juros comerciais, e contados desde a data de entrada do requerimento injuntivo até ao efetivo e integral pagamento da mesma”.
14. Foi proferida douta sentença em 1.ª instância, a qual veio a ser confirmada em sede de recurso, tendo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, transitado em julgado.
15. A ré foi integralmente absolvida do pedido contra si formulado.
16. Nos referidos autos ficaram provados os factos seguintes:
“1- A Autora é uma empresa de construção civil, (Facto Assente 1) -fls.213).
2- No exercício da sua atividade, em 20/10/2012, Autora e Réì celebraram entre si um contrato de empreitada para a execução de um empreendimento imobiliário destinado a HOTEL e denominado “Empreendimento ...” em LOUSADA tendo-se fixado inicialmente o preço de 1.082.705,37 €, (Facto Assente 2) -fls.213).
3- No âmbito do mencionado contrato a Ré assumiu a posição de Dono da Obra e a Autora a posição de Empreiteiro, (Facto Assente 3) -fls.213).
4-Na cláusula 1.3. (com a epígrafe “Remissões”) do contrato referido em 2. consta o seguinte:
“A empreitada é do tipo “chave na mão”, sendo executada pelo montante fixo e não revisível de € 1.082.705,37 (Um milhão e oitenta e dois mil, setecentos e cinco euros e trinta e sete cêntimos).
- O prazo da empreitada deverá ser iniciado em 22 de Outubro e concluída em 30 de Abril de 2013.
-A data de referência indicada em 16.2. é o mês de Outubro de 2012.”, (Facto Assente 4) -fls.213 e 214).
5-No exercício da sua atividade, a Autora executou para a Ré o empreendimento imobiliário referido em 2), (Facto Assente 5) -fls.214).
6- Em 29/04/2014 foi constituída, a pedido da Autora, uma garantia bancária pela B... a favor da Ré no valor de € 54.135,27, correspondente a 5% do valor da empreitada adjudicada, (resposta ao tema da prova B2) -fls.221).
7- Para além dos trabalhos contratualizados e incluídos no preço previamente estabelecido, a Autora entendia ser devida a quantia extra de € 73.617,96, que incluía a quantia de € 34.264,55, alegadamente faturada e relativa a trabalhos a mais, a quantia de € 32.614,94, também relativos a trabalhos extra e a quantia de € 6.738,47, relativa a custos com infraestruturas, consumos de estaleiro e segurança de obra, não faturados, (resposta ao tema da prova B9)-fls.222).
8-Em 06.05.2014, Autora e Ré celebraram um acordo a que chamaram “Acordo de Encerramento de Contas”, relativo àquele contrato de empreitada, junto a fls.75 a 79, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), (Facto Assente 6) -fls.214).
9- Na cláusula 4. do acordo referido em 8. consta o seguinte:
A Segunda Outorgante aceita e reconhece que, para além dos trabalhos contratuais e das quantias de € 34.264,55 (trinta e quatro mil duzentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos) e de € 6.738,47 (seis mil setecentos e trinta e oito euros e quarenta e sete cêntimos) a que se refere o numero anterior, nenhuma outra quantia lhe é devida pela Primeira Outorgante ou por qualquer outra entidade, seja a que título for, relativamente aos trabalhos e ao contrato de empreitada identificado no considerando A), a cujos pagamentos e direitos, ainda que existissem expressamente e irrevogavelmente renuncia”, (Facto Assente 7)-fls.214).
10-Na cláusula 7. do acordo referido em 8. consta o seguinte:
“Assim, sem prejuízo do disposto no 6 do presente acordo, são devidas ao empreiteiro as quantias de €1.082.705,37 (um milhão oitenta e dois mil setecentos e cinco euros e trinta e sete cêntimos), relativos a trabalhos contratuais, de €34.264,55 (trinta e quatro mil duzentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos) relativos a trabalhos a mais, e de €6.738,47 (seis mil setecentos e trinta e oito euros e quarenta e sete), relativos a custos com infraestruturas, consumos de estaleiro e segurança da obra, o que perfaz um montante total de €1.123.708,39 (um milhão cento e vinte e três mil setecentos e oito euros e trinta e nove cêntimos)” (Facto Assente 8)-fls.214 e 215).
11-Na cláusula 8. do acordo referido em 8. consta o seguinte:
“Da referida quantia de €1.123.708,39 (um milhão cento e vinte e três mil setecentos e oito euros e trinta e nove cêntimos) encontra-se já paga, pelo dono da obra ao empreiteiro, a quantia de €957.669,97 (novecentos e cinquenta e sete mil seiscentos e sessenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), do que resulta um saldo a favor do empreiteiro de €166.038,42 (cento e sessenta e seis mil trinta e oito euros e quarenta e dois cêntimos)”, (Facto Assente 9)- fls. 215).
12- Na cláusula 9. do acordo referido em 8. consta o seguinte:
“Do saldo referido no número anterior será retida, pelo dono da obra, nos termos contratuais, a quantia de €54.135,27 (cinquenta e quatro mil cento e trinta e cinco euros e vinte e sete cêntimos), a título de garantia, correspondente a 5% do valor global do contrato”, (Facto Assente 10) -fls. 215).
13- Na cláusula 10. do acordo referido em 8. consta o seguinte:
“A quantia de €54.135,27 (cinquenta e quatro mil cento e trinta e cinco euros e vinte e sete cêntimos), referida no número anterior, seráì libertada nos termos previstos na clausula 12a do contrato, considerando-se para este efeito, que a Receção provisoria da obra ocorrerá na data em que for celebrado o auto de receção complementar a que se refere o auto de receção celebrado na presente data”, (Facto Assente 11)-fls. 215).
14- Na cláusula 12a do contrato, referida em 13. consta o seguinte:
“12. GARANTIAS
12.1. Após a assinatura do Auto de Receção provisória e por um período de 2 (dois) anos para equipamentos e 5 (cinco) para os restantes trabalhos, o Empreiteiro seráì responsável pela execução de todas as reparações e substituições de materiais, ou executar todos os trabalhos que sejam indispensáveis para assegurar a perfeição, normal utilização da Obra e que não sejam resultantes do desgaste ou uso e depreciação consequentes da sua utilização, em prejuízo do disposto no Art.º 1225ºdo Código Civil. O Empreiteiro compromete-se a intervir na Obra, num prazo de cinco dias assim que lhe for comunicada qualquer anomalia ou, nos casos referidos no Caderno de Encargos, podendo o Dono da Obra fazer intervir terceiros, a custa daquele, no caso de não intervenção nos termos indicados.
12.2. Em caso de reconstrução, reputação ou substituição, o período de garantia de 5 (cinco) anos para as partes afetadas é contado a partir da data da conclusão dos respetivos trabalhos de reconstrução ou reparação.
12.3. Após a Receção provisória, a caução constituída para efeitos de garantia (inicial e reforços) será reduzida para o montante de 5% (cinco por cento) do valor global do contrato, extinguindo-se nas condições previstas no ponto 12.3 do Caderno de Encargos – Cláusulas Gerais e Complementares.
12.3.1. Decorrido o período de 2 (dois) anos, após a receção provisória, será libertada o valor de 50% (cinquenta por cento) da garantia retida, ou seja, 2,5% (dois e meio por cento) do valor do contrato, correspondentes aos equipamentos.
12.4. Decorrido o período de cinco anos após a Receção Provisória, proceder-se-á à Receção definitiva dos trabalhos, de acordo com o procedimento descrito na Cláusula 12.3. do Caderno de Encargos, sendo nesta data libertados os restantes 50% (Cinquenta por cento) da garantia retida, ou seja, 2,5% (dois e meio por cento), do valor global do contrato, correspondentes aos restantes trabalhos.
12.4.1. Todavia, nos casos previstos nos pontos 12.2. e 12.3.1., a Receção Definitiva relativa a esses trabalhos efetuar-se-á findos os prazos de garantia respetivos, (Facto Assente 12) -fls. 215 e 216).
15- No ponto 12.3 do Caderno de Encargos –Cláusulas Gerais e Administrativas consta o seguinte:
“12.3-RECEPÇÃO DEFINITIVA
12.3.1-Decorridos os prazos de garantia, proceder-se-á à receção definitiva se, em vistoria efetuada para esse fim, em presença do empreiteiro ou do seu representante, se verificar que todas as obras satisfazem integralmente as condições do contrato, o que deverá constar do respetivo auto, lavrado em duplicado.
12.3.2-Aquando da receção definitiva promover-se-á o cancelamento das garantias relativas a depósitos de garantia, (Facto Assente 13) -fls. 217).
16- No Acordo de Encerramento de Contas celebrado pelas partes em 06.05.2014, nomeadamente no respetivo no 10º, não consta, nem se mostra prevista a substituição das retenções para garantia da obra no montante de €54.135,27, por garantia bancária, (cf. tema da prova B17) -fls.223).
17- A Autora solicitou a substituição daquela retenção por garantia bancária em data anterior à celebração do acordo, o que a ré sempre recusou, (cf. tema da prova B18) - fls.223).
18-Na cláusula 11. do acordo referido em 8. consta o seguinte:
“O pagamento da quantia remanescente de €111.903,15 (cento e onze mil novecentos e três euros e quinze cêntimos) será efetuado nos seguintes termos:
1. a) a quantia de €19.390,00, (dezanove mil trezentos e noventa euros) foi já paga pelo Dono da obra ao subempreiteiro da Segunda Outorgante na obra C..., Lda., para pagamento do remanescente da fatura nº ..., de 21.12.2012, que este emitiu á Segunda Outorgante, servindo o comprovativo de tal pagamento como recibo de quitação, da Segunda à Primeira Outorgante da respetiva quantia;
2. b) a quantia de €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) foi já paga pelo Dono da obra ao subempreiteiro da Segunda Outorgante na obra D..., Lda., para pagamento do remanescente da fatura nº..., de 21.12.2012, que este emitiu á Segunda Outorgante, servindo o comprovativo de tal pagamento como recibo de quitação, da Segunda á Primeira Outorgante da respetiva quantia;
3. c) a quantia de €90.763,15 (noventa mil setecentos e sessenta e três euros e quinze cêntimos) é paga na data da assinatura do presente acordo, titulada por cheque, que o segundo outorgante declara ter recebido e de que dá a respetiva quitação, condicionada à respetiva boa cobrança.”, (Facto Assente 14) -fls. 217 e 218).
19-Na data de assinatura do mencionado acordo, a Ré entregou à Autora o cheque nº ..., emitido em 06.02.2014, no valor de € 90.763,15, sacado da conta à ordem no ..., titulada pela Ré, que depositado na conta bancária da Autora teve boa cobrança, (Facto Assente 15) -fls. 218).
20- Na cláusula 12. do acordo referido em 8. consta o seguinte: “As partes obrigam-se reciprocamente a emitir ou a substituir e ou a anular os documentos contabilísticos que traduzem o vertido no presente acordo” (Facto Assente 16) - fls. 218).
21- Na cláusula 14. do acordo referido em 8. consta o seguinte:
“Sem prejuízo do disposto no 6 e no 9 do presente acordo, cada uma das partes, perante todas e cada uma das demais partes, declara recíproca e expressamente que renuncia à aplicação e ao direito de aplicar quaisquer multas e/ou penalidades por eventuais e alegados atrasos na conclusão dos trabalhos por parte do empreiteiro, e a quaisquer direitos e ao direito de os reclamar sobre o dono de obra, para além dos pagamentos a que se refere o presente acordo, nomeada, mas não exclusivamente a titulo de trabalhos e serviços prestados, contratuais, a mais ou não contratuais, indemnizatório ou compensatório, de sobrecustos, reposição de equilíbrio financeiro ou quaisquer outros, pelo que mutua e reciprocamente declaram nada mais terem a receber e/ou reclamar relativamente à obra, ao contrato de empreitada e aos serviços prestados, a que se refere o considerando A) do presente acordo, bem como a quaisquer serviços prestados relacionados com Empreendimento ... aos quais, ainda que existissem, expressa e irrevogavelmente renunciam.”, (Facto Assente 17)-fls. 218 e 219).
22- A referida quantia de €54.135,27, retida nos termos do acordo de encerramento de contas, corresponde aos 5% do valor global do contrato (ou seja, 5% de € 1.082.705,37), (Facto Assente 19) - fls. 219).
23- Não foi acordada, nem aceite, nem concretizada a substituição da retenção da quantia de € 54.135,27 por garantia bancária, (cf. tema da prova B23) - fls.224).
24- Durante os meses de maio e junho de 2014, já depois da celebração daquele “Acordo de Encerramento de Contas”, a Autora efetuou os seguintes trabalhos:
1) No alojamento ...:
- Acabamento de parede interior com gesso sobre a parede de betão à vista pronto a receber pintura.
- Pintura de paredes interiores estucadas a tinta plástica a duas demãos sobre uma demão de primário base.
2) No alojamento ...:
- Execução de sanca 30 x 60 interior em placa BA13 de pladur incluindo suspensões e tratamento de juntas, prontos a receber pintura.
- Pintura de sanca com tinta plástica a duas demãos sobre uma demão de primário base.
3) No alojamento ...:
- Execução de forra de parede interior em placa BA13 de pladur incluindo tratamento de juntas, prontos a receber pintura.
- Pintura de paredes interiores estucadas a tinta plástica a duas demãos sobre uma demão de primário base.
-Fornecimento e assentamento de rodapéì em madeira com a secção de 6 x 2 cm, na parede de pladur executada, incluindo cortes, remates e envernizamento.
4) Vãos exteriores
-Execução de aros exteriores para ocultar o silicone de vedação nos edifícios ..., ..., ... e ....
-Aplicação de silicone cinzento sobre o silicone “branco/translucido” existente pelo interior de todos os vãos de todos os edifícios, (cf. tema da prova B5) - fls.221).
25- Os trabalhos realizados após a celebração do acordo de encerramento de contas dizem respeito exclusivamente a imperfeiçoes e vícios de construção e não a obras extra, (cf. tema da prova B27) - fls.224).
26- A Ré nunca solicitou e a Autora também nunca realizou quaisquer trabalhos extra no empreendimento, após a celebração do acordo de encerramento de contas, sendo certo que, todas as obras realizadas após esta data foram em exclusivo para correção de defeitos detetados pelas partes, (cf. tema da prova B28) - fls.224 e 225).
27-Em 30.06.2014 ainda se encontravam por reparar anomalias e defeitos de obra, devidamente reclamadas em tempo pela Ré, (cf. tema da prova B26) - fls.224).
28- A Autora solicitou à Ré o pagamento da quantia de €54.135,27 em 16/07/2014 e em 21/07/2014, (cf. tema da prova B8) - fls.222).
29- A garantia bancária nunca foi aceite pela Ré, tendo inclusive sido devolvida à Autora através de carta remetida pelo mandatário da Ré, em 18 de Julho de 2014, (cf. tema da prova B20) - fls.224).
30- Posteriormente e após insistência da Autora e subsequente envio da garantia bancária, diretamente à Ré, a mesma procedeu à devolução da garantia bancária através de carta datada de 22 de Setembro de 2014, (cf. tema da prova B21) - fls.224).
31-A referida garantia bancária foi enviada à Ré por carta datada de 21/07/2014, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, (cf. tema da prova B3) - fls.221).
32- A Autora enviou a garantia à Ré, tentando assim impor o que não havia alcançado no acordo, (cf. tema da prova B19) - fls.223).
33- A Autora tentou impor a substituição das retenções por garantia bancária, o que nunca foi aceite pela Ré, (cf. tema da prova B16) - fls.223).
34- A Autora remeteu à Ré, a carta registada de 07/08/2014, junta a fls.98 e 99, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, (cf. tema da prova B6) - fls.222).
35- Na data de apresentação do requerimento de injunção não se mostrava decorrido o prazo de garantia contratual referido em 14), o que também não ocorre na presente data, (cf. tema da prova B10) - fls.222).
36-A Ré não pagou até hoje a quantia de €54.135,27, referida nos números 9 e 10 do acordo referido em 8., nem a quantia de €6.119,85 também peticionada nestes autos, (Facto Assente 18) -fls. 219).
37- A quantia de € 54.135,27, correspondente a 5% do valor da empreitada conforme ao no 9 do Acordo de Encerramento de Contas é a mesma e única quantia de € 54.135,27 a que se refere o no 10 do mesmo Acordo, (cf. tema da prova B12) - fls.222 e 223).”
Da segunda decisão judicial
17. Posteriormente, em 27.08.2018, a autora intentou contra a ré outra ação judicial que correu termos sob o n.º 96677/18.4YIPRT, pelo Juízo Local Cível de Lousada, deste Tribunal, no qual formulou o pedido seguinte:
“No âmbito de contrato de empreitada de construção do empreendimento ... celebrado em 20.10.2012 emitiu a Requerente à Requerida a fatura que a seguir se discrimina, a qual diz respeito a custos e despesas que são da responsabilidade da Requerida: » Fatura ..., emitida em 04.06.2018 e vencida em 03.08.2018, no valor de € 568,58 relativa a despesas de deslocação ao E....
Na respetiva data de vencimento, a Requerida não procedeu ao seu pagamento.
Embora tenha sido interpelada para o respetivo pagamento, a Requerida até à data não o fez.
Ao valor de € 568,58, acrescem € 40,00 a título de despesas de contencioso e administrativas, assim como, juros de mora à taxa legal em vigor, que ascendem na presente data (27 de Agosto de 2018) € 2,62, e ainda a taxa de justiça suportada com a presente injunção, tudo no montante global de € 662,20.
Nestes termos, deve a Requerida ser condenada no pagamento do valor peticionado, acrescido dos juros de mora sobre o capital em dívida até efetivo e integral pagamento.”
18. Foi proferida sentença em 1.ª instância, a qual veio a transitar em julgado.
19. A aqui ré foi integralmente absolvida do pedido contra si formulado.
20. Nos referidos autos ficaram provados os factos seguintes: 1. “Requerente e requerida celebraram acordo para realização de obras de construção do empreendimento ....2. No âmbito desse acordo, a requerente foi interpelada em 25 de maio de 2018 para reparar e eliminar umas anomalias detetadas no prazo de 5 dias, atribuído um prazo para conclusão dos trabalhos de 5 dias úteis. 3. A requerente respondeu em 25 de maio de 2018 a informar que iria proceder à reparação dos trabalhos de garantia da sua responsabilidade dentro do prazo de 5 dias úteis, solicitando que fosse permitido o acesso no dia 29 de maio de 2018 aos respetivos locais. 4. Não houve resposta a esta comunicação. 5. No dia 28 de maio seguinte foi pedido por via de correio eletrónico a HH (marido da requerida) o contacto de GG (filho da requerida), tendo depois de obtido sido remetida comunicação a este, no dia 29 de maio, pedindo que entrasse em contacto com a requerente a fim de se agendar a visita ao empreendimento. 6. Durante o dia 29 ninguém da parte da requerente se apresentou no local. 7. Comparecendo depois no dia 1 de junho o Eng.º FF, administrador da requerente, e os seus funcionários II e JJ, transportando materiais de construção e ferramentas. 8. Sendo-lhes negado o acesso à unidade hoteleira. 9. Emitindo em consequência a requerente a fatura com o nº ..., em 4 de junho de 2018, no valor de €568,58, relativa a “Despesas de deslocação ao E...”, constando no respetivo descritivo: Eng.º FF, 4h, com preço unitário de €60,00, num total de €240,00; Sr. II, 4h, com preço unitário de €25,00, num total de €100,00; Sr. JJ, 4h, com preço unitário de €20,00, num total de €80,00; Kms ..., com preço unitário de €0,360, num total de €36,36; Portagens, 2, com preço unitário de €2,950, num total de €5,90; Valores que somados e sujeitos a IVA de 23% de taxa se computam em €568,58. 10. Os valores unitários referidos na fatura não foram objeto de acordo com a requerida, representando os valores cobrados pela requerente usualmente. 11. A requerente emitiu no mesmo dia 1 de junho uma comunicação à requerida, em suma, afirmando ter remetido comunicações a GG para programar o início dos trabalhos, e que, na ausência de resposta, se deslocaram ao local nesse dia, sendo impedidos de entrar. Imputaram assim à requerida a impossibilidade de reparação no prazo de 5 dias referido e a produção de custos para a requerente com a deslocação e tempo despendido pelos seus funcionários II e JJ. 12. No dia 29 de maio funcionários da requerida haviam aguardado pela chegada e intervenção da requerente.
Das anomalias
21. Como já se mencionou por integrar a matéria tida como demonstrada na segunda decisão judicial retro referida, por carta registada de 24.05.2018, recebida em 25.05.2018, nos termos e para os efeitos do disposto na cláusula 12.ª do referido contrato de empreitada, a ré notificou e interpelou a Autora para, no âmbito da obrigação de garantia, proceder às intervenções na obra com vista a reparar e eliminar anomalias detetadas na mesma, tendo-lhe sido concedido o prazo de cinco dias previsto no acordo.
22. Foram por esta via comunicadas as seguintes anomalias:
A. Alojamento ...
1. Fissuras nas paredes este (escadaria) e norte (quarto) no 1º andar
2. Fendas nas paredes este e norte do WC no 1º andar
3. Fissuras no perímetro interior da janela do WC no 1º andar, que começam nas argamassas de remate e prolongam-se para a parede interior (oeste)
B. Alojamento ...
1. Fendas e consequente parede descascada no perímetro interior da janela do quarto
2. Fendas que começam no perímetro interior da janela do quarto e prolongam-se para a parede interior (sudeste)
3. Fissuras no perímetro interior da janela da sala, nas argamassas de remate
e paredes adjacentes.
4. Fenda em parede junto à iluminação vertical da sala
5. Humidade e pintura descascada na parede sudeste da sala
6. Deficiente isolamento entre a banheira e os azulejos do WC
C. Alojamento ...
1. Infiltrações de água das chuvas pela porta principal da casa
2. Fendas nas paredes sudeste e sudoeste da sala
3. Fenda na parede sudoeste do corredor de acesso aos quartos
4. Fissuras em azulejos da parede noroeste do WC
5. Mancha de humidade no teto do quarto onde por cima é a banheira do WC do alojamento ...
D. Alojamento ...
1. Fissura na parede noroeste do corredor de acesso aos quartos
2. Fissuras na parede sudeste do quarto maior
3. Fissuras na parede sudeste do quarto mais pequeno
E. Alojamento ...
1. Deficiente isolamento entre a banheira e os azulejos, causando infiltrações para o andar inferior (alojamento ...)
2. Fissuras no perímetro interior da janela do quarto contígua ao WC, que começam nas argamassas de remate e prolongam-se para a parede interior (noroeste)
3. Fissuras na parede noroeste do quarto contíguo ao WC
4. Fissuras nas argamassas de remate e parede sudeste do quarto em frente à entrada da casa
5. Fissuras no perímetro interior da janela frontal à entrada do quarto e da casa, nas argamassas de remate e parede interior (nordeste)
6. Fissuras nas argamassas e parede nordeste do corredor de acesso à sala
7. Fissuras no perímetro interior da janela em frente à TV da sala, nas argamassas de remate e paredes adjacentes
8. Fissuras nas paredes sudeste e sudoeste da sala
F. Alojamentos .../... – Hall de acesso
1. Fissuras na parede noroeste
G. Alojamento ...
1. Fissuras na parede nordeste do quarto
2. Fissuras no perímetro interior da janela frontal à porta do WC, nas argamassas de remate e paredes adjacentes
3. Fissuras em azulejos na parede sudeste do WC
H. Alojamento ...
1. Fissuras em azulejos por cima da porta do WC
2. Fissuras no perímetro interior da janela noroeste do quarto, que começam nas argamassas de remate e prolongam-se para a parede interior (noroeste)
I. Alojamento ...
1. Infiltrações de água das chuvas pela porta do quarto
2. Fissuras no perímetro interior da porta do quarto, nas argamassas de remate e paredes adjacentes
3. Fissuras no perímetro interior da janela sul do quarto, nas argamassas de remate e paredes adjacentes
4. Humidade na parede abaixo do peitoril da janela norte do quarto, incluindo pintura descascada
5. Fissuras em azulejos na parede sul do WC
6. Deficiente isolamento entre a base do chuveiro e os azulejos, que provoca a deterioração da parede contígua do quarto ...
7. Humidade na parede contígua ao chuveiro do WC do ..., incluindo pintura descascada
J. Alojamento ...
1. Infiltrações de água das chuvas pela porta do quarto
2. Fissuras no perímetro interior da janela do WC, nas argamassas de remate e azulejos adjacentes
3. Deficiente isolamento entre a base do chuveiro e os azulejos, que provoca a deterioração da parede contígua do quarto ...
4. Humidade na parede contígua ao chuveiro do WC do ..., incluindo pintura descascada
5. Humidade na parede abaixo do peitoril da janela do quarto, incluindo pintura descascada
6. Fissuras na parede este do quarto
K. Alojamento ...
1. Infiltrações de água das chuvas pela porta do quarto
2. Deficiente isolamento entre a banheira e os azulejos, que provoca a deterioração da parede contígua do quarto ...
3. Humidade na parede contígua à banheira do WC do ..., incluindo pintura descascada
4. Humidade na parede abaixo do peitoril da janela do quarto, incluindo pintura descascada
L. Alojamento ...
1. Infiltrações de água das chuvas pela porta do quarto
2. Fenda em parede junto à ombreira interior da porta de entrada
3. Humidade na parede contígua à banheira do WC do ..., incluindo pintura descascada
4. Deficiente isolamento entre a banheira e os azulejos, que provoca a deterioração da parede contígua do quarto ...
M. Entre ... e ...
1. Fissura contínua na junta do granito ao nível das padieiras das portas do lado exterior, desde o ... ao ...
N. Alojamento ...
1. Telhado permite escorrência de pingantes pela pedra acima da porta
2. Fissura na parede nordeste do quarto
3. Fissuras em azulejos da parede nordeste do WC
O. Alojamento ...
1. Fissuras no teto do quarto
2. Fissuras em azulejos da parede nordeste do WC
P. Alojamento ...
1. Fissuras e humidade no perímetro interior da porta do quarto
2. Fissuras na parede sudeste do quarto
3. Fissuras em azulejos da parede sudeste do WC
4. Deficiente isolamento entre a banheira e os azulejos, que provoca a deterioração da parede contígua do quarto ...
Q. Alojamento ...
1. Humidade na parede contígua à banheira do WC do ..., incluindo pintura descascada
2. Fissuras na parede sudoeste do quarto
3. Deterioração das dobradiças da porta do chuveiro e consequente deficiente funcionamento da mesma
R. Alojamento ...
1. Ponta noroeste do beiral danificada
2. Fissuras na parede interior por cima da porta da casa
3. Fissuras na parede sudoeste do quarto
4. Fissuras no perímetro interior da janela do quarto
5. Fissuras em azulejos da parede noroeste do WC
S. Alojamento ...
1. Fissuras na parede noroeste da sala
2. Fissuras na parede noroeste do quarto
3. Rodapé descolado à parede noroeste do quarto
T. Alojamento ...
1. Estrutura da porta danificada e fissuras no perímetro interior da mesma
2. Fissuras no perímetro interior da janela próxima do extintor
3. Fenda no teto do quarto
4. Deficiente remate do teto falso com a parede em pedra, que provoca a queda de impurezas
U. Alojamento ...
1. Fissuras na parede noroeste da sala
2. Fissuras no perímetro interior da janela do quarto, que começam nas argamassas de remate e prolongam-se para a parede interior (sudeste)
V. Alojamento ...
1. Fissuras na parede noroeste da sala
2. Fendas na parede sudeste do quarto
W. Alojamento ...
1. Fendas no perímetro interior da porta de entrada da casa, nas argamassas
de remate e paredes adjacentes
2. Fendas no perímetro interior da janela frontal à porta da casa
3. Fendas na parede noroeste da sala
4. Humidade em base de madeira junto à parede contígua ao chuveiro do WC
5. Fissuração nas juntas dos azulejos no canto do chuveiro, que provoca a deterioração das paredes adjacentes e consequentemente da base de madeira da sala
6. Mancha de humidade no teto do WC, onde por cima é a banheira do WC do ...
7. Fissura na parede sul do quarto contíguo ao WC
8. Fissuras no perímetro interior da janela do quarto contíguo ao WC
9. Fissuras no perímetro interior da janela sul do quarto com pedra à vista
10. Fissura na parede sul do quarto com pedra à vista.
X. Alojamento ...
1. Fissuras no perímetro interior da porta da casa, nas argamassas de remate e paredes adjacentes.
2. Fissuras no perímetro interior da janela frontal à porta de entrada da casa, que começam nas argamassas de remate e prolongam-se para as paredes adjacentes, inclusive interiores (oeste e sul).
3. Fissura na parede este do corredor de acesso aos quartos.
4. Humidade em base em madeira junto a parede contígua à banheira do wc.
5. Levantamento dos azulejos junto à janela do wc e respectiva banheira, provocando a deterioração das paredes adjacentes e consequentemente da base de madeira da sala, assim como causando infiltrações para o andar inferior (alojamento ...).
6. Fissuras no perímetro interior da janela do quarto contíguo ao wc, que começam nas argamassas de remate e prolongam-se para as paredes adjacentes, inclusive interiores (sul).
7. Fissuras nas paredes sul e este do quarto com duas janelas.
8. Quarto com paredes em granito com fissuras nas juntas das argamassas.
Y. Alojamento .../...- Fachada frontal
1. Revestimento exterior com várias placas e madeira descoladas.
Z. Alojamento ...
1. Fissuras em azulejos da parede este do wc.
2. Fissuras no perímetro interior da janela do wc.
3. Fissuras nas argamassas de remate na parede em pedra.
4. Fissuras nas paredes norte e oeste do quarto.
AA. Alojamento ...
1. Manchas de humidade no teto do quarto.
BB. Alojamento ...
1. Fissuras nas argamassas exteriores de remate do teto.
2. Fissuras na parede este da sala.
3. Fissuras nas paredes norte e oeste do quarto.
CC. Alojamento .../... – Hall de entrada
1. Porta do hall de entrada com fissuras nas argamassas de remate e paredes adjacentes.
2. Fissuras na parede sudoeste.
DD. Alojamento ...
1. Fendas na parede noroeste do quarto.
2. Fissuras e consequente parede descascada no perímetro interior da janela sudoeste do quarto.
3. Fissuras em azulejos da parede mordeste do wc.
EE. Alojamento ...
1. Fissuras em azulejos da parede sudoeste do wc.
2. Fissuras no perímetro interior da janela sudoeste do quarto, com prolongamento das mesmas para as paredes interiores (sudoeste).
3. Fendas na parede sudoeste do quarto.
FF. Alojamento ...
1. Hall de entrada com humidade (pingantes) nas pedras exteriores acima da porta.
2. Perímetro interior da porta principal da casa com humidade.
3. Humidade e parede descascada no perímetro interior da janela mais próxima da kitchenette.
4. Fissuras na parede noroeste da sala.
5. Fissuras na parede noroeste do quarto mais pequeno.
6. Fissuras no perímetro interior da janela do quarto mais pequeno. 7. Fissuras em azulejos da parede sudoeste do wc e deficiente isolamento entre a banheira e os mesmos.
8. Fissura na parede sudoeste do quarto maior.
GG. Alojamento ...
1. Fendas na parede sudoeste do quarto.
2. Fendas nas paredes sudoeste e sul do wc.
HH. Alojamento ...
1. Pedra solta de parede exterior junto à porta principal da casa.
2. Fendas na parede sudeste da sala.
3. Fissuras nas paredes adjacentes ao perímetro da janela do quarto mais pequeno.
4. Fissura por cima da porta do quarto maior.
II. Receção
1. Infiltrações de água das chuvas pela porta principal.
JJ. Sala de Estar / WC
1. Fissuras nas juntas das argamassas de remate das paredes exteriores noroeste e sudoeste.
KK. Sala de Estar
1. Fissuras na parede sudeste.
2. Fendas na parede sudeste do hall de acesso ao wc.
3. Fissuras nas paredes sudeste e sudoeste da divisão do lavatório do wc feminino.
4. Fissuras na parede nordeste da divisão da sanita do wc feminino.
5. Humidade na parede adjacente ao wc para pessoas com mobilidade reduzida, no hall de acesso ao mesmo.
6. Fissuras na parede sudoeste do wc para pessoas com mobilidade reduzida.
7. Fendas nas paredes sudeste e nordeste da divisão do urinol e lavatório do wc masculino.
LL. Escritório
1. Humidade e paredes descascadas no perímetro interior da porta com um coberto exterior, de onde se infiltra a água das chuvas.
2. Fenda em granito exterior, com reflexo nas infiltrações nas paredes interiores noroeste e nordeste.
3. Humidade e consequente parede noroeste descascada, proveniente por fenda em granito exterior.
4. Humidade e consequente parede nordeste descascada, proveniente por fenda em granito exterior.
MM. Sala de Reuniões
1. Deterioração dos pilares verticais e horizontais em madeira, com consequentes depósitos do desfazer da madeira visivelmente depositados no granito.
2. Fissuras na parede sudeste.
23. A requerente respondeu em 25 de maio de 2018 a informar que iria proceder à reparação dos trabalhos de garantia da sua responsabilidade dentro do prazo de 5 dias úteis, solicitando que fosse permitido o acesso no dia 29 de maio de 2018 aos respetivos locais.
24. Não houve resposta a esta comunicação.
25. No dia 28 de maio seguinte foi pedido por via de correio eletrónico a HH (marido da requerida) o contacto de GG (filho da requerida), tendo depois de obtido sido remetida comunicação a este, no dia 29 de maio, pedindo que entrasse em contacto com a requerente a fim de se agendar a visita ao empreendimento.
26. Durante o dia 29 ninguém da parte da requerente se apresentou no local.
27. Comparecendo depois no dia 1 de junho o Eng.º FF, administrador da requerente, e os seus funcionários II e JJ, transportando materiais de construção e ferramentas.
28. Sendo-lhes negado o acesso à unidade hoteleira.
29. Nesse seguimento, no dia 1 de junho de 2018, a autora remete carta registada com aviso de receção a referir a impossibilidade de programação dos trabalhos com a ré e a sua presença no local naquela data para a sua realização, sendo-lhe vedado o acesso.
30. Por carta de 18.06.2018, recebida pela autora em 19.06.2018, a ré interpelou-a, informando que se encontravam decorridos 20 (vinte) dias desde receberam a carta de 24.05.2018, sem que tivesse efeituado as intervenções de reparação a que estava obrigada, o que evidenciaria incumprimento dos prazos contratualmente fixados e os concedidos na mencionada carta.
31. E interpelou-a a dar início aos trabalhos de reparação em 20.06.2018 e concluídos no prazo de cinco dias que referiu estarem estabelecidos no contrato, sem o que consideraria ocorrer incumprimento definitivo por parte da autora.
32. Por email de 21.06.2018, recebido pela autora no mesmo dia, a ré interpelou-a, para proceder à reparação imediata das humidades e infiltrações de água no apartamento ....
33. No dia 22 de junho de 2018 a autora remeteu carta registada com aviso de receção à ré a esclarecer que se dirigiram no dia 1 de junho acompanhados de dois funcionários para assim poderem ver os trabalhos que eram da sua responsabilidade e começar a reparação daqueles que eram da sua responsabilidade, mas que não conseguiram visitar as instalações para averiguar se as incorreções eram da sua responsabilidade para posterior reparação, aguardando por uma resposta até essa data.
34. Mais referindo que existe uma situação de incumprimento da ré, pois não atendem os telefonemas e não respondem aos emails ou às cartas de forma tempestiva, não sendo razoável remeter uma carta no dia 18 de junho de 2018, a qual somente é rececionada no dia seguinte e somente pelo prazo de cinco dias é que terão de ocorrer as ditas reparações, acrescentando que o previsto no contrato é que a intervenção se inicie no prazo de 5 dias mas não que termine em cinco dias, pois depende dos trabalhos levados a cabo.
35. E terminando a solicitar o pagamento da fatura emitida em resultado da deslocação ao local do dia 1 de junho e que seja agendada uma data com a antecedência devida para visitar as instalações para a averiguação das necessárias reparações da sua responsabilidade.
36. Em 27 de Junho de 2018, por carta registada com aviso de receção, a autora respondeu à missiva ao email remetido pela ré em 21 de junho, referindo que foram impedidos de visitar os locais que existem as alegadas deficiências da nossa responsabilidade e de ter sido impedido o início dos trabalhos de reparação daquelas deficiências que fossem da sua responsabilidade, acrescentando que analisando as fotos enviadas nomeadamente a banheira do quarto ... e mancha de humidade do quarto ... concluiu que o hotel está aberto há 4 anos e não tem havido manutenção dos sistemas de drenagem e dos silicones da banheira do quarto ..., daí advindo a mancha no quarto ... e, portanto, a responsabilidade seria da empresa que procede à manutenção do hotel.
37. Por carta de 13.07.2018, recebida pela autora em 14.07.2018, a ré interpelou-a, informando que estando decorridos mais de 30 dias volvidos após interpelação e que até à referida data a autora incumprira a obrigação contratualmente fixada para proceder às reparações, e comunicou-lhe que a autora incumpriu definitivamente o contrato e a obrigação de reparar os defeitos denunciados, pelo que, nos termos contratuais, adjudicaria as reparações a outro empreiteiro e recorreria à garantia da obra para o efeito.
38. E sequentemente, a ré adjudicou as reparações a terceiros, no que despendeu a quantia de € 34.088,85.
(Da receção definitiva)
39. Em 9 de setembro de 2019, a autora interpela, através de carta registada com aviso de receção, a ré para proceder ao pagamento do valor retido para efeitos de garantia, no montante de € 54.135,27, cujo vencimento se verificaria em 31 de julho de 2019, atendendo ao decurso do prazo de 5 dias após a receção provisória da obra.
40. A ré respondeu por carta de 16.10.2019, invocando a necessidade de realização da vistoria prevista no contrato, prévia à receção definitiva da obra.
41. Em 22 de outubro a autora responde à ré, através de carta registada com aviso de receção, indicando os dias 30 ou 31 de outubro para a realização da vistoria para a receção definitiva de acordo com o ponto 12.3 do Caderno de Encargos.
42. Em 29 de outubro de 2019 volta a remeter uma carta à ré, através de carta registada com aviso de receção, a propor a marcação da vistoria para a receção definitiva, uma vez que não tinha obtido resposta,
43. Após acordo das partes, em 11 de novembro de 2019, é realizada a vistoria de receção definitiva, que culminou com a elaboração do auto de receção definitiva, tendo a autora ficado de elaborar um relatório de peritagem “interno”.
44. Tendo o mesmo sido remetido para a ré por carta registada com aviso de receção, a 9 de dezembro de 2019, onde também se solicitou o pagamento do valor de garantia retido pela ré.
45. Por email de 14.01.2020, a ré solicitou à autora a indicação do seu IBAN para proceder ao pagamento do montante da retenção a libertar.
46. Não tendo recebido qualquer resposta da autora, por carta de 22.01.2020, a Ré solicitou novamente o IBAN para transferir a quantia de € 20.046,42, correspondente ao remanescente da retenção para efeitos de garantia.
47. Tendo informado que, uma vez que, no prazo da garantia, a autora se recusara a proceder aos trabalhos de reparação e de eliminação dos defeitos da obra denunciados e para cuja execução a autora fora interpelada, conforme oportunamente informada, a ré foi obrigada a recorrer aos serviços de outras empresas, nomeadamente, F..., Lda., G..., Lda.,
48. E que o custo total dos referidos trabalhos foi de € 34.088,85, pelo que o remanescente a entregar correspondia a € 20.046,42 (€ 54.135,27 - € 34.088,85 = € 20.046,42).
49. Em 4 de fevereiro de 2020, a autora responde à ré a solicitar o envio dos comprovativos/faturas dos serviços que suportaram, acompanhados da respetiva indicação de valor hora, número de horas despedidas, materiais utilizados por unidade de alojamento, afirmando que tinha ficado combinado remeteram os comprovativos das despesas que suportaram com a correção das alegadas anomalias e que tais elementos se revelariam essenciais para a conclusão do relatório e apreciação da Comissão de Peritos que deslocou ao local em causa.
50. Não foram remetidos em resposta quaisquer elementos.
51. Em 28 de fevereiro de 2020 a autora remeteu o relatório de peritagem através de carta registada com aviso de receção, demandando ainda o pagamento no prazo de oito dias da quantia peticionada nos autos.
52. Do referido relatório consta que a autora é responsável pelas reparações no valor de € 3.044,00, referindo como causa de algumas das fissuras e humidades a execução dos sistemas de drenagem dos edifícios da responsabilidade da ré.
53. A ré procedeu ao pagamento do montante de € 20.046,42,
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O tribunal de 1.ª instância não considerou demostrados:
a - Que no dia 1 de junho de 2018 a autora compareceu no local sem que tenha levado materiais de construção ou ferramentas.
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IV - Fundamentação jurídica
A - Da reapreciação da matéria de facto
A apelante requer que o facto provado n.º 43 passe a ter a seguinte redação: após acordo das partes, em 11 de novembro de 2019, é realizada a vistoria de receção definitiva, que culminou com a elaboração do auto de receção definitivo, tendo a autora referido que iria elaborar com os dados obtidos um “relatório de peritagem interno".
O art.º 43.º, na sua atual redação, tem o seguinte teor: após acordo das partes, em 11 de novembro de 2019, é realizada a vistoria de receção definitiva, que culminou com a elaboração do auto de receção definitiva, tendo a autora ficado de elaborar um relatório de peritagem “interno”.
Surpreende-se que a alteração pretendida consiste em que a oração final passe de tendo a autora ficado de elaborar um relatório de peritagem “interno”, para tendo a autora referido que iria elaborar com os dados obtidos um “relatório de peritagem interno".
A matéria em apreço emerge de prova documental, a saber, o auto denominado de receção definitiva de 11-11-2019, assinado em 18-11-2019. Aí se lê, na sua parte final: foi realizada uma reunião no final do percurso, onde a A... referiu que iria elaborar com os dados obtidos um relatório de peritagem interno.
A matéria de facto deve refletir de forma tão precisa quanto possível quanto se apurou. Assim, o facto provado n.º 43 passará a adotar a redação seguinte: Após acordo das partes, em 11 de novembro de 2019, é realizada a vistoria de receção definitiva, que culminou com a elaboração do auto de receção definitiva, aí se lendo que foi realizada uma reunião no final do percurso, onde a A... referiu que iria elaborar com os dados obtidos um “relatório de peritagem” interno.
Entende a apelante que o tribunal deveria ter dado como provado que os defeitos e anomalias denunciados pela R. na sua carta de 24.05.2018 efetivamente ocorriam, existiam e se verificaram. Requer que seja aditado um novo facto, com o teor seguinte: em 24.05.2018, a obra apresentava as anomalias/patologias identificadas na carta da mesma data e nas fotografias à mesma anexadas, e respetivas legendas, tal como descritos no facto provado n.º 20 supra.
Funda a sua pretensão nos depoimentos das testemunhas EE e GG. Estas teriam deposto no sentido de ter identificado as patologias, fotografando-as e comunicando-as à A..
Compulsada a prova produzida, constata-se que GG não só é filho da R., como o seu envolvimento no diferendo é manifesto. No que concerne à testemunha arrolada pela R., eng. EE, referiu esta ter acompanhado quem já anteriormente identificara as patologias, ter-se tratado de uma visita rápida (uma visita com eles, rápida), e que pensa ter ido aos edifícios todos (visita rápida, aos edifícios todos, penso eu). Perguntado sobre as fotografias, aduziu supor que já tivessem sido tiradas. Prosseguiu dizendo que também poderão ter sido tiradas no momento em que visitou o local. Não parece, pois, confirmar-se a tese de GG segundo a qual o eng. EE é que ajudou a detetar os defeitos, que procedeu ao levantamento das patologias, pois que este diz que já estava tudo identificado. Aliás, EE mencionou ainda ser precipitado concluir que estivessem em causa defeitos da empreitada, não saber exatamente quem elaborou a legendagem e como foi composto o dossier. Assinala-se outrossim o teor do facto 36, em que, para além do mais, se lê: (…) analisando as fotos enviadas nomeadamente a banheira do quarto ... e mancha de humidade do quarto ... concluiu que o hotel está aberto há quatro anos e não tem havido manutenção dos sistemas de drenagem e dos silicones da banheira do quarto ..., daí advindo a mancha no quarto ... e, portanto, a responsabilidade seria da empresa que procede à manutenção do hotel. O mesmo é dizer, o lapso temporal entre a receção provisória da obra e as comunicações em causa é de tal ordem que o imóvel sofreu forçosamente degradações inerentes ao passar dos anos e da respetiva utilização, para mais utilização intensiva, como é natural numa unidade hoteleira.
Veja-se que o contrato data de 20-10-2012, o encerramento de contas de 6-5-2014, o auto de vistoria complementar de 30-6-2014 e a receção provisória da obra de 30-6-2014. As anomalias reportadas no facto 21 são-no por carta de 24-5-2018.
Atento o longo e complexo historial da obra, da sua entrega e posteriores vicissitudes, com propositura e finalização de duas outras ações, conforme enunciado nos factos assentes, e os termos do depoimento de EE que permitem apenas concluir que efetuou uma rápida vista à obra, segundo crê, a todos os edifícios da mesma, não é possível firmar a convicção no sentido visado. Indefere-se, por isso, esta alteração.
A apelante pretende ainda que seja aditado um novo facto provado com o seguinte teor: o relatório que constitui o doc. 20 da petição inicial foi elaborado em 20.02.2020, sem que os seus autores tenham estado na obra e verificado qualquer das anomalias/patologias da mesma, denunciados na carta, fotografias e legendas de 24.05.2018 - doc. 5 da petição inicial -, antes de as mesmas terem sido reparadas e eliminadas por terceiros, o que ocorreu antes da data em que efetuaram a perícia técnica, em 11 e 18.11.2019.
Invoca que as testemunhas CC, KK e DD declararam, em audiência de julgamento, confirmar o teor do relatório e que nenhum deles visitou a obra senão na data da referida “perícia técnica” em 11.11.2019 e 18.11.2019, depois dos trabalhos de reparação e eliminação das anomalias e patologias terem sido executados por terceiros, o que, de resto, já constava do teor do mencionado relatório.
Dos factos 51 e 52 consta, assinaladamente, que em 28 de fevereiro de 2020 a A. remeteu o relatório de que consta que a A. é responsável pelas reparações no valor de € 3.044,00, referindo como causa de algumas das fissuras e humidades a execução dos sistemas de drenagem dos edifícios da responsabilidade da ré.
O relatório em apreço refere-se à situação do imóvel reportada a 2020, sendo, por isso, irrelevante que se especifique matéria negativa a propósito do não conhecimento prévio dos técnicos. Acresce que a matéria que se pretende ver aditada não consubstancia um facto da ação em sentido próprio, mas sim fundamentos que apenas poderiam assumir relevo para a formação da convicção. Assim, sempre resultaria despicienda para a discussão da causa, pelo que é de indeferir o aditamento.
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b - Do erro de apreciação jurídica da causa
A apelante censura a sentença recorrida, considerando que esta violou, entre outras, as normas contidas nos arts. 342.º, 799.º e 1225.º do C.C.. A ação teria sido erroneamente julgada procedente uma vez que a A., apesar de interpelada para proceder às devidas reparações na obra, não as levou a cabo.
Mais detalhadamente, alegou a R. que, na sua qualidade de dona da obra, demonstrou a existência de defeitos na obra, não tendo a apelada, na sua qualidade de empreiteira, provado que esses defeitos não procedem de culpa sua. Como, nos termos do disposto no art.º 799.º do C.C., se presume que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso é da responsabilidade do devedor, impendendo sobre este o ónus de demonstrar que aqueles não procedem de culpa sua, na ausência de elisão da presunção, a ação deveria ter sido julgada improcedente (cf. conclusões VIII, IX e X).
Vejamos se assiste razão à recorrente.
É certo que, conforme consta da matéria apurada, por carta de 13-7-2018, a apelante, dona da obra, comunicou à apelada, empreiteira (ou sub-empreiteira, o que aqui resulta irrelevante), que volvidos que eram mais de 30 dias sem que esta última tivesse procedido às reparações que entendia serem devidas, considerava o contrato definitivamente incumprido. Em conformidade, iria incumbir terceiro de proceder às reparações. Tal veio a ocorrer, no que a apelante despendeu € 34.088,85. Nesta decorrência, cingiu-se a entregar à apelada a quantia de € 20.046,42 (€ 54.135,27 (valor da garantia para bom cumprimento) - € 34.088,85 = € 20.046,42).
Nos termos do art.º 799.º/1 do C.C., sob a epígrafe presunção de culpa e apreciação desta, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
No que concerne aos defeitos no contrato de empreitada, dispõe o art.º 1225.º/1 do C.C. que, sem prejuízo do disposto no art.º 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
Preceitua o art.º 1221.º/1 do C.C. que se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.
O dono da obra deve começar por exigir a eliminação dos defeitos pelo próprio empreiteiro (art.º 1221.º/1 do C.C.). Se os direitos não puderem ser eliminados, o dono da obra poderá exigir a realização de uma nova obra (art.º 1221.º/1/2.ª parte).
Tratando-se de prestação de facto fungível, o dono da obra pode requerer a execução específica da prestação de facto, nos termos do art.º 828.º.
A execução específica prevista no art.º 828.º opera, porém, apenas por via judicial, pelo que só após a condenação do empreiteiro à eliminação do defeito ou à realização de nova obra, e perante a recusa deste, pode o comitente encarregar terceiro de proceder à realização dos trabalhos necessários para fazer suprimir o defeito, a expensas do empreiteiro. Sendo requerida a execução específica nos termos do art.º 828.º, os defeitos são eliminados ou a obra realizada de novo por outrem à custa do empreiteiro.
Não é, em consequência, admissível que o dono da obra proceda, em administração direta, à eliminação dos defeitos ou à realização de nova obra, pois isso seria uma forma de autotutela não consentida na lei (Martinez, Pedro Romano, 1994, Contrato de Empreitada, Almedina, p. 206 e Pires de Lima/Antunes Varela, 1986, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, comentário 2 ao art.º 1221, pp. 820-821).
Da articulação do regime das medidas previstas nos arts. 1221.º e ss. decorre não constituir exercício destes direitos uma escolha. Há, assim, um encadeamento no exercício destes direitos, não estando em relação de alternatividade (…). Nestes termos, o dono da obra terá, em primeiro lugar, direito à eliminação dos defeitos e, caso esta se revele impossível (art. 1221, n.º 1) ou desproporcionada, o direito à realização de obra nova (art. 1221.º, n.º 2) (in João Serras de Sousa, em anotação ao art.º 1221.º do C.C., Código Civil Anotado, vol. I, Ana Prata (coord.), Almedina, 2017, p. 1517).
A possibilidade de ser exigida ao empreiteiro a eliminação dos defeitos satisfaz não só o interesse do dono da obra em ver a prestação a que tem direito fielmente cumprida, mas também o interesse do empreiteiro em ser ele a efetuar essa obra e reparação, permitindo-lhe o controlo dos seus custos e evitar o agravamento dos prejuízos causados pelo defeito. Este direito tanto existe se o dono da obra já a aceitou, como se ele a recusou, após ter verificado a existência de defeitos. (…) O direito à eliminação dos defeitos é uma das possíveis consequências legais sancionatórias do cumprimento inexato da prestação do empreiteiro, traduzindo-se num direito à reparação do dano, inerente ao cumprimento defeituoso. (…) É o modo ideal de ressarcimento que mais afinidades tem com o próprio cumprimento da prestação, atuando como seu equivalente, pelo que o legislador lhe deu primazia (in João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7.ª ed., Coimbra, 2020, pp. 113-114).
A eliminação dos defeitos pelo dono da obra não fica arredada, mas hão de ser respeitados determinados requisitos.
Apenas no caso de o empreiteiro se constituir em mora após ter sido admonitoriamente interpelado, para, dentro de prazo razoável fixado pelo comitente, eliminar os defeitos verificados na obra, não importa que o dono da obra percorra o itinerário dos meios jurídicos referido. Goza este então, desde logo, do direito de reclamar, face à indisponibilidade daquele para proceder à reparação dos defeitos ou à construção da parte inacabada da obra, o pagamento da sua correção, efetuada por terceiro (in ac. da Relação de Coimbra de 4-3-2008, proc. 1068/03-3TBILH-A.C1, Hélder Roque).
Parte da doutrina e jurisprudência (cf. João Serras de Sousa, em anotação ao art.º 1221.º do C.C., Código Civil Anotado, vol. I, Ana Prata, coord., Almedina, 2017, p. 1517/1518) sustenta a admissibilidade de o dono da obra recorrer a terceiros nas situações de urgência na realização da obra, ao abrigo do preceituado no art.º 336.º do C.C.. Bem assim, que o dono da obra recorra a um terceiro para o cumprimento das obrigações de eliminação dos defeitos ou de realização de obra nova, desde que se verifique o incumprimento definitivo do empreiteiro quanto a tais obrigações, sendo os custos do recurso a esse terceiro um dano indemnizável.
Dado que a reparação dos defeitos pelo empreiteiro constitui a solução legal estabelecida para os defeitos da obra, não poderá o dono da obra proceder previamente à eliminação do defeito por iniciativa própria ou com recurso a terceiros, a qual, se for realizada, implica a perda do ressarcimento das despesas com a eliminação do defeito. Parece, no entanto, de admitir com base no artigo 336.º, quando a urgência não consinta qualquer dilação e o empreiteiro não dê mostras de ir proceder à reparação dos defeitos, que o dono da obra proceda ele mesmo a essa reparação, com direito de reembolso sobre o empreiteiro (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, 7.ª ed., 2010, pp. 553/554).
A urgência na reparação há de configurar-se como a ausência de tempo bastante para recorrer a tribunal, para que seja este a determinar as devidas reparações.
Pela sua pertinência para os termos da ação, reproduzimos aqui excerto do ac. da Relação do Porto de 20-12-2011 (proc. 1399/06.0TBESP.P1, José Eusébio Almeida): (…) recentremos mais em pormenor a questão fulcral que a apelação coloca, concretamente a interpretação do artigo 1221.º, n.º 1 do Código Civil a qual, no sentido pretendido pelos recorrentes permitirá concluir, olhando os factos apurados, que eles, donos da obra, podiam substituir-se ao empreiteiro na eliminação dos defeitos, naturalmente sem recorrerem ao tribunal e, forçosamente, porque a inação do obrigado e a natureza dos defeitos justificavam essa ação direta. Claro que a real questão (necessariamente pressuposta) não é se o dono pode acabar a obra ou repará-la (o dono pode sempre desistir da empreitada e o empreiteiro se tem como que um direito de “execução específica de eliminação dos defeitos” não tem o direito de, contra a vontade do comitente, terminar materialmente a obra) mas se tem direito a haver deste o custo da reparação que decidiu (por si ou por outrem, que não o empreiteiro) levar a cabo. Olhando a letra do artigo 1221.º, n.º 1 e não esquecendo tudo quanto já se disse a propósito dos (diversos) modos de reação do dono da obra, a interpretação avançada pelos recorrentes é algo audaz: de uma penada, o dono da obra auto tutela-se, dispensa-se do recurso ao tribunal, executa o que ele mesmo tem por adequado à eliminação do defeito e “manda a fatura” ao empreiteiro. A possibilidade de substituição ao empreiteiro não se encontra prevista no artigo 1221.º, n.º 1, nem em qualquer outro normativo inserido neste tipo contratual. E assim é porque a lei prevê uma tutela específica do dono da obra e, prevendo-a, manifestamente afasta uma tutela diferente, mormente uma tutela não jurisdicional, uma tutela feita pelo próprio dono. Por tal razão, a questão colocada em sede de recurso passa a não ser tanto a interpretação do normativo que temos vindo a citar, mas a configuração das situações que permitem o seu afastamento. Dito de outro modo, as situações em que o dono da obra tem direito a agir por inação do empreiteiro, quando haja defeitos que possam ser suprimidos. E porque é assim, só pode admitir-se a substituição quando a mesma represente o preenchimento de uma cláusula geral de tutela do direito do dono da obra (abuso do direito - à reparação pelo - empreiteiro se claramente pode reparar defeitos manifestos e urgentes e não o faz; recurso à ação direta para evitar a inutilidade da reparação; estado de necessidade, adequado à remoção de um perigo atual, superior ao dever de espera pela reparação do obrigado).
No caso vertente, para além de não ter sido invocada urgência, a A. ofereceu-se para proceder às reparações.
Confiram-se os factos 23 a 37, assinalando-se em particular:
23. (instada), a requerente respondeu em 25 de maio de 2018 a informar que iria proceder à reparação dos trabalhos de garantia da sua responsabilidade dentro do prazo de cinco dias úteis, solicitando que fosse permitido o acesso no dia 29 de maio de 2018 aos respetivos locais.
24. Não houve resposta a esta comunicação.
25. No dia 28 de maio seguinte foi pedido por via de correio eletrónico a HH (marido da requerida) o contacto de GG (filho da requerida), tendo, depois de obtido, sido remetida comunicação a este, no dia 29 de maio, pedindo que entrasse em contacto com a requerente, a fim de se agendar a visita ao empreendimento.
26. Durante o dia 29 ninguém da parte da requerente se apresentou no local.
27. Comparecendo depois no dia 1 de junho o Eng.º FF, administrador da requerente, e os seus funcionários II e JJ, transportando materiais de construção e ferramentas.
28. Sendo-lhes negado o acesso à unidade hoteleira.
Na dinâmica da relação contratual entre as partes, afigura-se-nos claro que a recusa do dono da obra foi séria, segura, categórica. E, ainda que assim não se entendesse, ao ter encarregue terceiro de efetuar as reparações, inviabilizou definitivamente o cumprimento da obrigação de reparação por parte da A..
Donde se conclui que, embora assistisse, naturalmente, à apelante o direito a proceder à correção de vícios e imperfeições da obra socorrendo-se de terceiros, não pode, ao menos validamente, pretender repercutir na apelada o custo correspetivo, prevalecendo-se, para aquilo que interessa aos termos desta ação, da não entrega de parte da quantia dada em garantia do bom cumprimento da empreitada. Acolher a pretensão da apelante enviesaria o regime do contrato de empreitada de forma legalmente tida por inadmissível.
A sentença recorrida entendeu, além do mais, que a conduta da apelante se desenvolveu ao arrepio dos princípios exigidos pela boa-fé contratual, que são exigentes e estritos.
Aí se lê:
Para além do princípio da boa fé a que retro se aludiu, face à regra prevista no art.º 487.º, n.º 2, do Código Civil, aplicável ex vi art.º 799.º, n.º 2, do mesmo diploma, quanto à aferição do grau de culpa que macularia os comportamentos em causa – o critério da diligência de um bom pai e família -, perante as características, volume e tempo necessários a uma eventual correção de anomalias, demandava-se que ambas, autora e ré, colaborassem desde logo na determinação e programação dos trabalhos. Seria até do interesse de ambas: da autora, na medida em que responderia às imposições contratuais com a expetativa de vir a receber o montante relativo à garantia, e da ré, pois veria as anomalias corrigidas com uma perturbação do funcionamento do hotel controlada e mitigada. Por consequência, no dia 1 de junho, quando a autora compareceu no local, independentemente da eventualidade de o estabelecimento hoteleiro se encontrar ocupado, impunha-se que entre as partes pelo menos se estabelecesse um diálogo razoável a fim de se acordar num método e tempo de trabalho visando a reparação das anomalias.
Na verdade, a conduta da R. deixa entrever a sua preferência por que as reparações fossem efetuadas por terceiro - em clara dissonância com o regime legal que se vem de enunciar. Num primeiro momento, não responde à comunicação da A., aceitando a data por esta indicada para proceder às reparações ou sugerindo outra ou outras datas. É certo que no dia que a A. anunciara como sendo aquele em que iria comparecer na obra para efetuar as reparações não compareceu no local. Sem embargo, a comparência seria por sua conta e risco, já que a R. a tal não dera assentimento. Fazendo a A. deslocar ao empreendimento, dois dias volvidos sobre a data previamente anunciada, trabalhadores e ferramentas, foi-lhe impedido o acesso - o que leva a crer que se acaso a deslocação tivesse ocorrido na data pré-anunciada a recusa teria sido a mesma.
Nos termos do disposto no art.º 813.º do C.C., o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação. Assim, num primeiro momento, a R. incorreu em mora. Em seguida, ao incumbir terceiros de efetuar as reparações, impediu definitivamente que a A. cumprisse a sua prestação.
A A. logrou, assim, demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procedeu de culpa sua, conforme é exigido pelo art.º 799.º do C.C., ou seja, elidiu a presunção de culpa que sobre si impendia. Tem, por isso, direito a ver-se paga da totalidade do valor da empreitada ainda em dívida, para o que havia de libertar a quantia retida pela R. para bom cumprimento do contrato, conforme lhe foi reconhecido na sentença recorrida.
A pretensão da recorrente está, por isso, condenada ao insucesso.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a decisão da 1.ª instância.
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Custas pela apelante por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto,13-1-2025
Teresa Fonseca
José Nuno Duarte
José Eusébio Almeida