CASO JULGADO FORMAL
RENOVAÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário

- O artigo 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, confere força obrigatória dentro do processo aos despachos aí proferidos - Caso julgado formal, externo ou de simples preclusão;
- Tendo sido anteriormente indeferido o requerimento para reatamento da execução, por despacho transitado em julgado, não é de admitir o reatamento da instância motivado por novo requerimento, uma vez mais estribado no “estatuído no disposto no artigo 244.º/2 do CPPT”.

Texto Integral

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.
1.1. A exequente Hefesto STC, S.A., intentou a presente execução contra os executados A e B.
Reclama o total de € 336.826,35, relativo a um mútuo garantido por hipoteca que incide sobre o prédio urbano sito em Rua (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número …9.
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1.2. No dia 19/3/2018, foram penhoradas ambas as metades (de cada dum dos executados) sobre o direito de propriedade de um prédio urbano.
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1.3. Foi junta cópia do registo predial, onde se dá conta que sobre o imóvel penhorado incide já o prévio registo de anterior penhora em que é sujeito activo a Fazenda Nacional.
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1.4. No dia 14/5/2020 foi proferido no apenso A (embargos de executado) o seguinte despacho:
Compulsados os autos principais, verifico que a instância executiva está suspensa, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do CPC, em relação ao único bem (imóvel) penhorado.
Considerando que se executa uma dívida com garantia real (hipoteca) sobre o referido imóvel, as normas conjugadas dos artigos 697.º do Código Civil e 752.º do CPC impedem que a execução prossiga com a penhora de outros bens enquanto se não reconhecer a insuficiência da garantia real do crédito exequendo. Ora, a sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo da possibilidade de renovação prevista no artigo 850.º do CPC (artigo 794.º, n.º 4, do CPC).
Por sua vez, a extinção da execução tornará inútil o prosseguimento dos presentes embargos, que são dela dependência. Por isso, a fim de evitar a prática de actos processuais inúteis, notifique o Sr. Agente de Execução para, em 10 dias, esclarecer se se mantêm os pressupostos que determinaram a suspensão da execução, nos termos do citado artigo 794.º do CPC, e, sendo caso disso, proferir decisão de extinção da execução, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal, e dela notificar as partes.
Vindo a ser proferida decisão de extinção da execução, como se perspectiva, aguarde o decurso do prazo de reclamação e, após, abra conclusão”.
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1.5. No dia 14/8/2020, o Sr. Agente de Execução decidiu o seguinte: “vem informar V. Exa(s)., que nos termos e para os efeitos do disposto no número 1 do artigo 794. º do Código de Processo Civil, foi sustada a execução no PEF Nº Processo de Execução Fiscal nº. 1546200701068474 - Serviço de Finanças de Sintra - 1, quanto ao prédio urbano, sito na Rua (…), composto de casa de um pavimento para habitação e logradouro, com a área coberta de 164m2 e área descoberta de 8.459m2, inscrito na matriz predial sob o artigo 8039 da freguesia e concelho de Mafra e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número …9/Mafra, em virtude de sobre o(a) mesmo(a) incidir(em) penhora(s) anterior(es).
Nos termos do artigo 794.º, n.º 4 do CPC, a sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º do citado diploma legal”.
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1.6. No dia 23/12/2020, a exequente veio aos autos requerer o seguinte: “notificado do vosso oficio datado de 23-10-2020, em que a Autoridade Tributária informou que mantém o interesse na penhora, e sendo o imóvel casa de habitação própria e permanente e estando vedada a venda pelo Serviço de Finanças, nos termos do art.º 244º nº 2 do CPPT na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016, de 23/05, vem requerer a V. Exa que a venda do imóvel nos presentes autos, conforme tem vindo a ser entendimento dos nossos tribunais - acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. 893/12.9TBPTM.E1 de 12/07/2018 e não se aplicando à presente execução o disposto no art.º 794º do CPC mas, o disposto no nº 2 do art.º 244 do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016, de 23/05, devendo a execução prosseguir com a citação da Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito nos termos do art.º 786 nº 1 al. B) do CPC, e concludentemente com a venda do imóvel”.
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1.7. No dia 12/4/2021 foi proferido o seguinte despacho:
Requerimento de 23/12/2020: Compulsados os autos, verifica-se que os executados não foram citados na morada do imóvel dado em garantia do crédito hipotecário ora executado, mas noutras moradas (pessoais), o que permite concluir que, contrariamente ao invocado pela exequente, o referido imóvel não é «casa de habitação própria e permanente» dos executados, designadamente para efeitos do invocado artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016, de 23 de Maio.
Ora, confirmando-se este facto, compete à exequente tomar as medidas que entender convenientes junto da Administração Tributária em ordem ao prosseguimento da execução fiscal invocada no requerimento em apreço, com fundamento na eventual inaplicabilidade ao caso do citado preceito legal, inexistindo, neste circunstancialismo, razões ponderosas que justifiquem a desaplicação do disposto no artigo 794.º, n.º 1, do CPC.
Pelo exposto, indefiro o requerido.
Notifique”.
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1.8. Nesse mesmo dia foi remetida notificação electrónica de tal despacho às partes.
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1.9. No dia 22/4/2021, a exequente HEFESTO STC, S.A., “expor e requerer a V. Exa que o bem imóvel penhorado nos autos é habitação própria e permanente para os devidos efeitos, conforme consta do teor da escritura de compra e venda mútuo com hipoteca, junta com o requerimento executivo.
Mais se informa V. Exa que estamos a aguardar resposta do Serviço de Finanças para informar se a venda no processo de execução fiscal não vai à venda por ser casa de morada de família dos executados”.
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1.10. No dia 22/7/2021, o Sr. Agente de Execução veio aos autos dizer o seguinte:
“1) Encontra-se penhorado o seguinte imóvel:
• Prédio urbano, sito no lugar de (…), composto de casa de um pavimento para habitação e logradouro, com a área coberta de 164 m2 e área descoberta de 8459 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo 8039 da freguesia de Mafra, concelho de Mafra e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número …9/Mafra.
2) O Imóvel encontra-se com três penhoras prioritárias, a saber:
• Ap.4802 de 2009/08/25 - Serviço de Finanças de Mafra;
• Ap.1787 DE 2018/02/21 - Serviço de Finanças de Sintra 1;
• Ap.1941 de 2018/02/21- Serviço de Finanças de Mafra;
3) O serviço de Finanças de Mafra informou em 15/07/2021 que os processos encontram suspensos por pagamento em prestações.
4) O serviço de Finanças de Sintra 1 informou que não se encontra agendada data para a venda do imóvel.
5) Os autos encontram-se suspensos nos termos e para efeitos do artigo 794º do Código Processo Civil, pois encontra-se aqui o Agente de Execução impedido de prosseguir com a venda do imóvel por existirem penhoras prioritárias.
6) No entanto, é possível entender que a primeira penhora encontra-se registada há cerca de 12 anos, estando o exequente impossibilitado de ver o seu crédito ressarcido.
7) Apesar de os executados não terem sido citados na morada do imóvel, o que é certo é que as moradas do executado A constam em como o mesmo lá reside, conforme documentos anexos. Assim, ver-se-á o Serviço de Finanças impedido de realizar a respetiva venda nos termos e para efeitos do artigo 244º do CPPT.
8) Neste sentido, se requer pronúncia do douto Tribunal no que a esta questão concerne, nomeadamente, quanto ao prosseguimento da venda do imóvel nestes autos, conforme já requerido pela Exma. Senhora Drª (…), mandatária do exequente”.
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2.11. Em resposta ao requerido pelo Sr. Agente de Execução, no dia 22/7/2021 foi exarado o seguinte despacho:
“O Tribunal já decidiu a questão ora suscitada, por despacho de 12/04/2021, aliás já transitado, pelo que está legalmente impedido de a reapreciar (artigo 613.º do CPC).
Deve, assim, o AE proceder em conformidade com o disposto no artigo 794.º, n.º 4, do CPC.
Notifique.
Comunique ao AE”.
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2.12. No dia 20/10/2021, o Sr. Agente de Execução remeteu às partes a seguinte decisão: “Fica V. Exa. notificado(a), na qualidade de mandatário(a) do(a) exequente, que, se declara a presente instância extinta nos termos do disposto no art.º 794.º, n.º 4 do C.P.C, conforme despacho proferido nos autos, que se anexa”.
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2.13. No dia 27/8/2024, a exequente veio aos autos, invocando o decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 525/2024, de 02/07/2024, requerer que, “uma vez que não é possível à exequente obter a informação/confirmação de que não haverá lugar à realização da venda nos processos com penhoras prévias, por força do estatuído no disposto no artigo 244.º/2 do CPPT, requer-se que o Tribunal oficie os Serviços de Finanças de:
a) Mafra – Processos 1546200701068474 e 1546201101052098 e apensos;
b) Sintra 1 – Processos 1562201501207148 e Apensos.
Tal informação é essencial para aferir da (in)aplicabilidade do disposto no artigo 794.º nos presentes autos, em cumprimento com o juízo de inconstitucionalidade plasmado no acórdão supra citado”.
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2.14. No dia 25/9/2024 foi proferido o despacho recorrido, onde se exarou o seguinte:
“Por despacho proferido nestes autos em 12.04.2021, transitado em julgado (e conforme já evidenciado no despacho de 09.09.2021), o Tribunal já se pronunciou sobre a questão suscitada, estando impedido de proceder à sua reapreciação (cfr. n.º 1 e 3 do artigo 613.º do CPC), motivo pelo qual se indefere a realização das diligências requeridas na ref.ª 26213364 do p. e. (27.08.2024)”.
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2.15. A exequente interpôs o presente recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões:
A. O Tribunal a quo decidiu pelo indeferimento da realização das diligências requeridas sob a Ref. Citius 26213364, com vista ao levantamento da sustação, à renovação da execução e prosseguimento dos autos, o que, ressalvando o devido respeito, não valora
convenientemente os factos concretos e a prova produzida, nem faz correta interpretação e aplicação da lei ao caso aplicável.
B. Nos presentes autos foi penhorado o imóvel – prédio urbano descrito na Conservatória
do Registo Predial de Mafra sob o n.º …9 da freguesia de Mafra - sobre o qual incidem
penhoras prévias fiscais, motivo pelo qual foi proferida decisão de sustação integral nos termos do disposto no artigo 794.º do CPC e foi extinta a execução.
C. Sucede que, face à emergente alteração de paradigma dos Tribunais quanto à pendência das penhoras fiscais, com suspensão das respetivas execuções, tem vindo a ser entendimento jurisprudencial que os autos prossigam com as diligências tendentes à venda do imóvel, devendo proceder-se à citação das Finanças para reclamar créditos.
D. Ainda que o Tribunal a quo se tenha pronunciado quanto ao pedido de levantamento da sustação, fê-lo no pressuposto de que em 2021, não se verificava a inviabilidade da venda nos processos de execução fiscal por concluir que o imóvel em venda não era habitação própria e permanente dos executados.
E. A Exequente entende não ser uma decisão que deva/possa manter-se cristalizada no
tempo, pois, o(s) pressuposto(s) que estiveram na sua base - que a fundamentam – podem, à data de hoje, não se verificar.
F. Até porque a decisão anterior assentou a sua convicção no facto da citação dos executados se ter concretizado numa morada distinta do imóvel em venda.
G. Não existindo qualquer informação por parte dos Serviços de Finanças de que não se
verifica a inviabilidade da venda por não se tratar de habitação própria e permanente dos executados.
H. Entende-se que, volvidos mais de 3 anos sobre a anterior decisão, e a prolação do acórdão do Tribunal Constitucional acima referenciado, ser legítimo o pedido da exequente no sentido de oficiar os SF para informar se se verifica, à data de hoje, a inviavilidade de venda nos respetivos processos.
I. Acresce que, os processos de execução fiscal com penhoras prévias datam de 2007, 2011 e 2015, encontrando-se pendentes na presente data, dois deles há mais de 10 anos, e outro, há quase 10 anos.
J. Entende-se, por um lado, que só se verifica utilidade no regime do citado artigo 794.º,
n.º 1, se ambas as execuções se encontram a correr termos, pois só assim é que o exequente/reclamante pode obter o pagamento dos seus créditos por via executiva.
K. E, por outro lado, que suspensa ou por qualquer modo “parada” a execução na qual o credor exequente deve ir reclamar o seu crédito, por força do artigo 794.º, n.º 1, do CPC,
deve prosseguir a instância da execução que havia sido sustada, nos termos deste mesmo artigo.
L. A verdade é que, encontrando-se a execução fiscal “parada”, sempre deveria prosseguir a presente instância de execução.
M. A ratio legis do artigo 794.º do CPC, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual.
N. Assim, face a impossibilidade da exequente obter a informação/confirmação de que não haverá lugar à realização da venda nos processos com penhoras prévias, por força do estatuído no disposto no artigo 244.º/2 do CPPT, e/ou outros motivos, devia o Tribunal a quo ter oficiado os Serviços de Finanças para vir prestar os esclarecimentos necessários.
O. Sendo a informação constante dos autos insuficiente para decidir se a presente execução cível pode, ou não, prosseguir os seus termos, cumprirá ao Tribunal averiguar, ao abrigo do dever de gestão processual (cfr. artigo 6.º, n.º 1, do CPC), se a execução fiscal se encontra suspensa e/ou “paralisada”.
P. Pois, inviabilizado na execução fiscal o mecanismo de tutela do direito do credor garantido, deve determinar-se o levantamento da sustação dos presentes autos para que se providencie pelas diligências tendentes à venda do imóvel penhorado, com citação de credores, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de verificação e graduação de créditos.
Q. Por todo o supra exposto, concluiu-se, s.m.o., que não assiste razão ao entendimento do douto Tribunal, devendo ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo julgar-se procedente o pedido de realização das diligências requeridas sob a Ref. Citius 26213364, com vista ao levantamento da sustação e ao prosseguimento da instância executiva.
Concluiu no sentido do provimento do recurso.
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1.16. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.17. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da recorrente e centram-se no seguinte:
- Verificação do caso julgado formal; e,
- Mérito da pretensão da exequente relativamente ao reatamento da execução.
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2. Fundamentação.
2.1. Os factos a considerar são os indicados no antecedente relatório.
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2.2. A excepção do caso julgado formal.
A questão central do recurso centra-se no fundamento para o tribunal oficiar aos Serviços de Finanças de Mafra (Processos 1546200701068474 e 1546201101052098 e apensos) e Sintra 1 (Processos 1562201501207148 e Apensos) para obter a informação/confirmação de que não haverá lugar à realização da venda nos processos com penhoras prévias, por força do estatuído no disposto no artigo 244.º/2 do CPPT.
Sucede que o mérito sobre essa questão se mostra precedido pela excepção do caso julgado formal, que é de conhecimento oficioso e foi expressamente invocado para fundamentar a decisão recorrida.
O artigo 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, refere que transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
Vem sendo repetidamente entendido pela jurisprudência que o “caso julgado material vigora dentro dos limites estabelecidos nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sendo, portanto, delimitado através dos elementos que identificam a relação jurídica definida na sentença (as partes, o pedido e a causa de pedir) e é a definição dessa concreta relação jurídica (delimitada pelos referidos elementos) que se impõe por força da autoridade do caso julgado; significa isso, portanto, que a concreta relação material controvertida que foi objecto da decisão não pode voltar a ser discutida entre as mesmas partes e não pode vir a ser contrariada – antes deverá ser respeitada – por qualquer outra decisão” – acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/6/2019, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 355/16.5T8PMS.
Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade, “O caso julgado, por sua parte, só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas); a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição concreta definida por anterior decisão e, portanto desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados” – in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1993, pág. 318.
Por outro lado e com particular interesse, para o presente caso, o artigo 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dispõe que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. O caso julgado formal (externo ou de simples preclusão) “consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário (desde logo ou subsequentemente), não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via” - Manuel de Andrade, ob. cit. pág. 304. Embora não incidindo sobre o mérito da causa, o caso julgado formal disciplina o andamento do processo e a situação processual das partes.
Cumpre ainda assinalar que o artigo 621.º, do Código de Processo Civil, preceitua que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
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2.3. Idem.
Como resulta do antecedente relatório, no dia 23/12/2020, a exequente veio aos autos requerer o reatamento do andamento da execução (suspensa, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do CPC, em relação ao único bem penhorado). O fundamento para a exequente (e aqui apelante) requerer o reatamento da execução foi a circunstância de estar vedada a venda pelo Serviço de Finanças, nos termos do art.º 244.º, n.º 2, do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016, de 23/05.
Essa pretensão da exequente foi desatendida pelo despacho proferido no dia 12/4/2021
que indeferiu o requerido, tendo sido remetida notificação electrónica às partes nesse mesmo dia.
Não tendo a exequente impugnado tal decisão, formou-se o caso julgado formal relativamente ao reatamento da presente execução com fundamento na circunstância de estar vedada a venda do imóvel penhorado pelo Serviço de Finanças, nos termos do art.º 244.º, n.º 2, do CPPT.
Volvidos mais de 3 anos, a exequente tentou novamente reatar o andamento da execução, uma vez mais invocando como fundamento que não haverá lugar à realização da venda nos processos com penhoras prévias, por força do estatuído no disposto no artigo 244.º/2 do CPPT.
Muito embora o pedido seja aparentemente distinto (inicialmente a exequente requerera o reatamento da instância por meio da citação da Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito nos termos do art.º 786 nº 1 al. B) do CPC, e a venda do imóvel; agora pretende o reatamento da instância por meio da requisição de informação/confirmação de que não haverá lugar à realização da venda nos processos com penhoras prévias, por força do estatuído no disposto no artigo 244.º/2 do CPPT), a pretensão processual (reatamento da execução e venda do bem penhorado) e o fundamento (o disposto no artigo 244.º/2 do CPPT não pode frustrar a satisfação do crédito da exequente) são os mesmos. De tal forma que, na procedência da pretensão da apelante, a instância executiva será reatada com vista à venda do imóvel penhorado, “por força do estatuído no disposto no artigo 244.º/2 do CPPT”. Tal pretensão já havia sido anteriormente apresentada pela apelante no dia 12/4/2021 e rejeitada pelo tribunal.
Logo, caso a presente apelação fosse julgada procedente, estaríamos a contradizer expressamente o que foi anteriormente decidido e que transitou em julgado, de forma que se consolidou a situação processual de não reatar a execução a pretexto do funcionamento do disposto no artigo 244.º/2 do CPPT.
Em sentido contrário, o desatendimento do mérito invocado pela apelante (i. é, a afirmação em como o estatuído no artigo 244.º/2 do CPPT não justifica o reatamento da presente execução) traduzir-se-á na repetição da decisão anteriormente transitada em julgado.  Ora, o caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – cfr. art.º 580.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
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2.4. A invocada alteração dos pressupostos.
A apelante argumenta ainda com a orientação que fez vencimento no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 525/2024, de 02/07/2024, e que os pressupostos da anterior decisão podem estar errados, nomeadamente considerando o local onde os executados foram citados – conclusões D) a H).
Já se convocou o disposto no artigo 621.º, do Código de Processo Civil, que baliza o caso julgado dentro dos precisos limites e termos em que julga. Ou seja, não releva apenas a decisão. Há que considerar igualmente os precisos limites e termos que a delimitam. É de admitir que, em certas circunstâncias ponderosas, uma relevante alteração dos pressupostos de uma decisão possa determinar outra decisão diferente, sem que se verifique ofensa da tutela da confiança ou dos direitos das partes.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 578, com o sufrágio do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/3/2018 (processo n.º 1306/14.7TBACB-T.C1.S1): “O caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (art.º 659.°, n.º 2, “in fine”, e 713.° n.º 2), que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento ou indeferimento da providência solicitada. Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos.
Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto os pressupostos daquela decisão”.
Não obstante, a reiterada alteração da pretensão da exequente não assenta em nenhuma modificação dos pressupostos. Não há nada de novo que possa justificar a alteração do que foi anteriormente decidido, seja em termos de factos essenciais ou da lei aplicável. A prolação do acórdão do Tribunal Constitucional de 2/7/2024 apenas produz efeitos no processo onde foi proferido (Processo n.º 10981/20.2T8SNT, do Juízo de Execução de Sintra) e revela unicamente a opinião jurisprudencial nesse caso, visto que não tem a característica da generalização, como sucede nos casos em que é conferida força obrigatória geral. Os efeitos dessa decisão não se projectam nos presentes autos em termos de fundamento para alterar a decisão anteriormente assumida e não impugnada.
Tão pouco a invocada circunstância dos pressupostos da anterior decisão poderem estar errados justifica a alteração do que foi decidido por decisão transitada em julgado. Se os pressupostos essenciais da decisão se revelam errados (ou a decisão evidenciar uma relevante insuficiência), cabe à parte interessada recorrer ou invocar a respectiva nulidade – cfr. art.º 615.º, do Código de Processo Civil. A exequente era parte interessada e poderia ter reagido contra o despacho proferido no dia 12/4/2021, mas não o fez, permitindo que o mesmo transitasse em julgado e a definição da situação processual nos moldes aí decididos.
Logo, tendo anteriormente transitado em julgado a decisão que indeferiu o reatamento da execução, a pretexto do funcionamento do disposto no artigo 244.º/2 do CPPT, não é lícito ao tribunal contrariar ou repetir tal decisão.
O que determina necessariamente a improcedência da presente apelação.
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2.5. Sem embargo do acima exposto, cumpre ainda salientar que o requerimento apresentado pela exequente no dia 27/8/2024 assenta num pressuposto não demonstrado e contraditório com o entendimento que a mesma sustentou nos presentes autos, nomeadamente ao afirmar: “uma vez que não é possível à exequente obter a informação/confirmação de que não haverá lugar à realização da venda nos processos com penhoras prévias”.
A exequente é credora dos executados A e B e possui título bastante para intentar a presente execução com vista à cobrança coerciva da dívida. Logrou realizar uma penhora sobre um imóvel, o que lhe confere um direito adicional, nomeadamente em termos de reconhecimento, graduação e garantia do seu crédito. É verdade que sobre o imóvel penhorado incide já o prévio registo de anterior penhora em que é sujeito activo a Fazenda Nacional, tendo a instância executiva sido suspensa, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
No entanto, esta norma legal confere ao exequente o direito de reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga. A execução fiscal admite a reclamação de créditos – cfr. art.ºs 239.º a 257.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. E, sendo o sendo o credor com garantia real, relativamente aos bens penhorados (é o caso da aqui apelante), admitido na execução fiscal, o mesmo poderá aí exercer todos os seus direitos, nomeadamente obtendo todas as informações que repute necessárias.
É verdade que se constatam posições desencontradas na jurisprudência relativamente à solução a dar nas situações em que um credor comum se vê confrontado com a suspensão da execução fiscal motivada pelo disposto no art.º 244º nº 2 do CPPT (na redacção da Lei 13/2016), como é referido no acórdão desta secção de 9/9/2021 (disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 5766/20.9T8ALM-A.L1). Afigura-se evidente que o credor comum não poderá ser prejudicado pela decisão do Estado de, nas execuções fiscais, não desencadear a venda para cobrança de dívida fiscal relativamente a imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis. Tal como resulta do entendimento expresso no douto aresto do Tribunal Constitucional de 2/7/2024 invocado pela apelante.
Não se afigura evidente que a solução passe pelo reatamento da execução onde ocorreu a segunda penhora do imóvel, nomeadamente porque os direitos dos credores são normalmente exercidos perante no processo onde ocorreu a primeira penhora.
A exequente veio aos autos sustentar que a execução deverá prosseguir com a citação da Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito nos termos do art.º 786 nº 1 al. B) do CPC. Porém, não é isso que está previsto na lei. Pelo contrário, a Fazenda Nacional está legal e expressamente dispensada de reclamar o seu crédito: O crédito exequendo não carece de ser reclamado – art.º 240.º, n.º 2, do CPPT. Logo, se o representante da Fazenda Nacional for citado para reclamar o crédito sem qualquer outra informação adicional, até não será de estranhar que considere desnecessário apresentar qualquer reclamação, pois está dispensado de o reclamar porque foi na execução fiscal que foi realizada a primeira penhora do imóvel.
Bem, sempre poderíamos inovar ainda um pouco mais e acrescentar que o juiz poderia mandar citar a Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito, sob a cominação de que a penhora realizada na execução fiscal não seria considerada aquando do pagamento dos credores, caso o crédito não fosse reclamado. Nesse caso, o representante da Fazenda Nacional seguramente já não poderia ficar confiante que estava dispensado de reclamar o seu crédito, por força do disposto no art.º 240.º, n.º 2, do CPPT. Sucede que tal procedimento se revelaria problemático, considerando que estaria a ser negado a um credor um direito expressamente previsto na lei (dispensa de apresentação da reclamação de crédito ao credor que instaurou a execução onde foi realizada a primeira penhora) e se estaria a impor um risco e uma preclusão ao credor (pelo menos, a perda da garantia decorrente da primeira penhora se não reclamasse o crédito noutra execução). E a imposição deste ónus e preclusão assentaria na vontade e voluntarismo do juiz e na derrogação de lei expressa…
Mas além da Fazenda Nacional, podem concorrer outros credores na execução fiscal, impondo-se igualmente a tutela dos seus direitos. No presente caso e compulsado a certidão do Registo Predial junta aos autos no dia 22/7/2021, constata-se que até há uma penhora subsequente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.. Este credor também beneficia da garantia que lhe é conferida por essa penhora. Como é que a apelante pretende que se acautele o direito deste credor? A apelante nada esclareceu.
Nos presentes autos, como é evidente, nem sequer é possível controlar o que se passa na execução fiscal, nomeadamente se aí foi apresentada qualquer reclamação de créditos (nomeadamente pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ou por qualquer outro credor). A qualquer momento poderá intervir na execução fiscal outro credor a impulsionar o seu andamento.
Também, a qualquer momento, poderá ser decidido prosseguir com a venda do imóvel na execução fiscal, nomeadamente porque o imóvel foi reavaliado e o valor tributário excede o máximo a que alude o art.º 244.º, do CPPT; não se destina exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar; há que tutelar o direito de outro credor ou se verifica qualquer outro motivo atendível. Como é que se pára ou impede o reatamento da execução fiscal? A autoridade judiciária nestes autos não detém poderes ou jurisdição para mandar parar ou impedir a venda na execução fiscal, considerando que foi aí que foi realizada a primeira penhora.
Também não se afigura que o disposto no artigo 786.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, seja a forma de tutelar os direitos dos credores, mas apenas o remédio possível para a sua preterição.
Ou seja, considerando-se que o disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, importa uma restrição desproporcional aos direitos à propriedade privada e à tutela jurisdicional efetiva, quando concorrem outros créditos além da dívida fiscal, afigura-se que o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade que importa realizar (cfr. art.º 80.º, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional) deverá ocorrer no processo onde foi realizada a primeira penhora, ou seja na execução fiscal.
Aliás, caso persista a orientação expressa no douto aresto do Tribunal Constitucional convocado pela apelante e venha a ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral afigura-se que essa declaração “produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”. Ora, como é fácil de perceber, todo este imbróglio decorre e está exclusivamente centrado nos efeitos decorrentes alteração da redacção do artigo 244.º, do CPPT, decorrente da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio.  Não se afigura que o artigo 794.º, do Código de Processo Civil, na sua singela enunciação, exprima ofensa alguma ao exercício dos direitos de todos os credores, mas antes sempre visou salvaguardar o pronto exercício dos seus direitos, em condições de igualdade.
Por conseguinte, afigura-se insubstanciada a afirmação que “não é possível à exequente obter a informação/confirmação de que não haverá lugar à realização da venda nos processos com penhoras prévias” junto da execução fiscal ou aí exercer os direitos que lhe advém da realização da penhora.
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3. Decisão:
3.1. Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
3.2. As custas são a suportar pela apelante.
3.3. Notifique.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2025
Nuno Gonçalves
António Santos
Anabela Calafate