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PROVA POR RECONHECIMENTO
PROVA TESTEMUNHAL
ANÁLISE CRÍTICA
DÚVIDA RAZOÁVEL
Sumário
1. A frugalidade descritiva do auto de reconhecimento deve ser alvo de especial atenção por parte do tribunal, não podendo deixar-se ao critério da entidade que produz a dita prova o julgamento sobre as características fisionómicas mais semelhantes possíveis às do suspeito. 2. A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global do julgado, também se não poderá bastar com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido na decisão recorrida, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objeto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. 3. Se as declarações prestadas traduzirem algo de tão conveniente quão hermético e insondável, tais características, por serem de tal modo singulares, demandam, normalmente, alguma confirmação credível adjacente, pois dois dos principais crivos da decisão jurisdicional em sede de cognição de facto, a verosimilhança e a razoabilidade, quadram mal ou com muita dificuldade com a extrema conveniência, salvo justificação ou explicação bastante e satisfatória. 4. Quando o tribunal recorrido não assume dúvidas, a sua decisão em sede de matéria de facto não viola o princípio in dubio pro reo; todavia, neste âmbito, o tribunal de recurso, em caso de impugnação do julgamento de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, ou por entender que ocorre erro notório na apreciação da prova, de acordo com o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código de Processo Penal, pode decidir que o tribunal recorrido ultrapassou indevidamente um estado de, pelo menos, dúvida razoável, pelo que, por aplicação daquele princípio, deverá apreciar os factos (incriminadores e/ou justificadores/excludentes) de modo favorável ao arguido.
Texto Integral
I RELATÓRIO
1
No Processo n.º 632/21...., do Juízo Central Criminal de Braga - J ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, teve lugar a audiência de julgamento, durante a qual foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
a) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, al. f) e 4, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão efectiva; b) Condenar o arguido AA a pagar ao ofendido BB a quantia de € 250 (duzentos e cinquenta euros). c) Não declarar perdido a favor do Estado o valor de € 13 (treze euros). d) Não aplicar o regime de graça previsto na Lei n.º 38-A/203, de 02-08.
2
Não se tendo conformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
Primeira: O Arguido AA foi condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º,n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ap art. 204, n.º 2, al. f) e n.º 4, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão efetiva. Foi, também, condenado a pagar ao ofendido BB a quantia de 250,00 euros (duzentos e cinquenta euros) e nas custas do porcesso crime, fixadas em 3 UC´s. Segunda: Impugnação da Matéria de Facto. Nos termos do disposto no art. 428.º, do C.P.P., os Tribunais da Relação conhecem de facto e de Direito. Tal constitui uma concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto. Terceira: A impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. A avaliação e atividade interpretativa da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, no nosso modesto entendimento, não reproduziu ou corresponde fielmente aquilo que as testemunhas e o Assistente efetivamente disseram e nem sempre revelam o sentido daquilo que pretenderam dizer e, neste ensejo, prejudicaram o Arguido aqui recorrente. Quarta: O Tribunal a quo deu como provado o arguido AA foi o autor dos factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, dos factos dados como provados. Quinta: Fundamentou o Tribunal recorrido tal convicção, no essencial, no depoimento do ofendido BB, no depoimento da testemunha CC e na prova por reconhecimento do arguido, desvalorizando completamente as declarações deste e valorando a prova por reconhecimento, quando a mesma não obedeceu aos pressupostos previstos no art. 147.º do C.P.P.. Sexta: Ora, sucede que não foi o arguido AA que, naquela data e naquele local, acompanhou o falecido DD e praticou os factos. Efetivamente, das declarações do arguido, prestadas na audiência de discussão e julgamento resulta que, nessa data, o mesmo se encontrava em casa da sua mãe, em ..., uma vez que se encontrava fugido às autoridades. Tal resulta das declarações do arguido AA, gravado entre 02:17 a 04:46; 05:38 a 06:30 e 07:10 a 07:47, Diligência 632-21...., com início 09:41 e fim 09:56, constante da ata de 03/04/2024: “Juiz: Então o que é que tem a dizer sobre isto? Arguido: Não tenho muito a dizer senhor doutor. Eu nesse dia não estava presente, do acontecimento, que houve, o tal roubo, conhecia-o, o DD, sim conhecia desde infância, mas nesse dia não estava com ele, não cometi, tenho um crime cometido com ele, mas não esse de que estou a ser acusado. Juiz: Portanto isto não corresponde à verdade, é isto? Pelo menos o senhor não estava lá. Arguido: Em nem estava em ... sequer. Juiz: Sim senhor. Portanto, tem alguma explicação para o senhor estra aqui no processo, para ser… Arguido: Não, supostamente fui envolvido num processo, que cometi com o com o falecido DD e, entretanto, foi-me aparecendo mais processos, consecutivamente, envolvendo sempre o DD. Eu, supostamente, se calhar, não era o único que acompanhava o DD. Juiz: Sim, não sei, mas aparentemente o senhor terá sido reconhecido, não? Arguido: Sim, fui reconhecido mas ser reconhecido com dois oficiais ao meu lado é um bocado bizarro também, é um bocado complicado. Juiz: Sim senhor. Portanto isto é tudo mentira o que aqui se diz relativamente à sua pessoa? Juiz: Este processo eu não cometi com o DD. Este crime não cometi. Tenho um processo com ele, cometi sim senhor, mas este não. Juiz: Portanto no dia doze de setembro de dois mil e vinte e um, cerca da uma e meia da tarde, o senhor não estava na avenida ... em ...? Arguido: Não. Juiz: Juntamente aqui com o senhor DD. Arguido: DD sim. Juiz: Lembra-se onde é que estava neste dia? Arguido: Estava em casa da minha mãe, em ..., era fim de semana, nem havia autocarros para ..., que era ali no tempo do covid.” … Advogada: Além da pandemia da covid o senhor nesta altura podia, vamos dizer assim, dava-lhe jeito circular pela cidade ...? Arguido: Não, não me dava, eu quando vinha a ... ia e vinha no mesmo dia, evitava circular a pé. Advogada: Não era isso que eu queria dizer. O senhor nesta altura não estava foragido? Arguido: Sim, sim, tinha violado a medida de coação, pulseira eletrónica. Advogada: O senhor tinha fugido. Arguido: Sim, sim. Advogada: Pode explicar essa situação ao Tribunal, o que é que aconteceu? Onde é que o senhor estava, estava a cumprir o quê, o que é que sucedeu? Arguido: Estava a cumprir a medida de coação que era a vigilância eletrónica, estava na comunidade no Projeto Homem. Não me adaptei muito bem lá, infelizmente fiz esse esquema de tirar a pulseira e fugi e depois refugiei-me na minha mãe, omitindo o que se passava. … Advogada: Olhe, o senhor estava foragido, quando vinha a ... frequentava esta avenida ..., que é uma avenida perto de um espaço comercial muito concorrido, que não seria o local ideal para um foragido circular? Arguido: Não, porque era um sítio muito concorrido, como a senhora doutora mencionou. Juiz: Se frequentava esta avenida não é senhora doutora? Advogada: Sim, se era costume, quando vinha a ..., frequentar esta avenida. Arguido: Não, não, não. Evitava ao máximo sítios com muita gente, porque não sabia quem podia estar a ver ou seja quem for.” Sétima: As declarações do arguido são corroboradas pela prova documental junta aos autos e da qual resulta que, efetivamente, lhe foi aplicada a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, que cumpriu na comunidade Projeto Homem até Janeiro de 2021, data em que fugiu daquele local. Mais, de tais declarações resulta, ainda, que quando foi detido, posteriormente e à ordem de outro processo, encontrava-se em ..., o que confirma a sua versão de que à data dos factos se encontrava “escondido” em casa da sua mãe, sita naquela localidade e que não poderia ser ele o autor dos factos constantes dos autos e dados como provados pelo Tribunal. Tal resulta das declarações, gravadas entre 14:48 a 15:07, do Diligência 632-21....- 03_09-41-28, com início 09:41 e fim 09:56, constante da ata de 03/04/2024: “Procurador: Pronto, olhe, e o senhor onde é que foi detido? Arguido: Eu fui detido à beira de casa da minha mãe, com a minha mãe. Procurador: Em ...? Arguido: Em .... Procurador: Não foi cá em ...? Arguido: Quase a chegar mesmo a casa. Procurador: Ah, estava a chegar a casa. Arguido: Sim tinha vindo do barbeiro, de cortar o cabelo, fazer a barba, tudo normal. Procurador: Sim senhor, não queria mais nada.” Oitava: Assim, mal andou o Tribunal a quo ao não valorar as declarações do arguido, ora recorrente, que, conjugadas com a prova documental, demonstram cabalmente que à data em que os factos ocorreram se encontrava em ... em casa de sua mãe e não em ... onde os factos ocorreram. Nona: Mais, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão com base no depoimento do ofendido BB. No entanto, ao contrário do entendimento do Tribunal, o depoimento daquele foi titubeante, contraditório, não natural, inseguro, dele resultando dúvidas sobre a forma como os factos ocorreram e se, efetivamente, foi o arguido AA que praticou tais factos, conjuntamente com o falecido DD. Na verdade a testemunha BB não se lembrava se o individuo que acompanhava o falecido DD tinha uma máscara de proteção na face e, mais estranho ainda, não se lembrava sequer de ter realizado o reconhecimento do arguido AA. Décima: Mais, quanto à forma como foi abordado pelos autores dos factos, do depoimento do ofendido BB resultam dúvidas se aqueles o quiseram o constrangeram a entregar-lhes dinheiro. Tal resulta do seu depoimento gravado entre 05:14 a 06:15; 08:19 a 09:20; e 12:58 a 13:28, Diligência 632-21...., com início 10:19 e fim 10:47, constante da ata de 03/04/2024: “Procurador: Pronto. Olhe, então explique-nos mais em concreto e em pormenor o que é que, o que é que, o que é que estes indivíduos fizeram. Quem é que se aproximou primeiro de si, o que é que disse, em discurso direto, e descreva esse primeiro individuo. Testemunha: Sim. Bem o primeiro indivíduo era branco, eu acho que por volta dos 30, 25 anos e de altura… Procurador: O senhor disse que era branco, foi isso? Não tenho a certeza se percebi? Testemunha: Sim, sim. Procurador: Branco. Testemunha: Sim, sim. E começou a meter conversa, estava só a perguntar se não tinha dinheiro, para lhe dar dinheiro para o autocarro para ..., acho que foi assim uma coisa. Procuradora: Para? Testemunha: Para .... Procurador: Para ir para ...? Testemunha: Sim, sim.” … “Procurador: Pronto, olhe, retomando a história, o outro indivíduo pediu-lhe dinheiro que queria ir para ..., não é? Testemunha: Sim, sim, sim. Procurador: O que é que o senhor respondeu? Testemunha: Disse que não tinha, que o dinheiro que tinha comprei o almoço e que não tinha dinheiro, basicamente. Procurador: Muito bem e depois? Testemunha: E depois vem o segundo indivíduo… Procurador: Olhe, mas diga-nos uma coisa, este primeiro indivíduo não lhe falou no outro, ele próprio não lhe disse que estava acompanhado? Testemunha: Eu não me lembro, mas se calhar disse que precisava de dinheiro para… e para o amigo, já não me recordo bem, mas, já não me recordo bem Procurador: Para ele e para o amigo, mas não tem a certeza é isso? É? Testemunha: Não porque já não me recordo, a minha cabeça…” … “Procurador: Sim, mas diga, do que se lembrar, diga-nos em discurso direto, como se fosse ele a dizer, o que é que ele dizia? Testemunha: Dizia só “anda lá”, “anda lá”,” “se faz favor e tal”. Procurador? Diga? Testemunha: Da insistência só… Procurador: Mas espere lá, chegou a pedir por favor ou se faz favor ou não? Testemunha: Não, não, não. Procurador: Então isso foi um lapso seu agora, foi? Testemunha: Sim, sim.” Décima-primeira: Assim, a primeira versão da testemunha BB é que os autores dos factos lhe pediram dinheiro utilizando a expressão “por favor”. Só quando confrontado pelo senhor Procurador, num tom espantado, é que o ofendido, percecionando que não deveria ter dito o que disse, apresentou outra versão dos factos, voltando com a sua palavra atrás e negando que os autores dos factos lhe tivessem pedido “por favor” para lhes dar dinheiro para irem para .... Décima-segunda: Acresce a este “lapso” do ofendido, e no que se refere ao facto do falecido DD empunhar uma navalha, ou como referido pela testemunha BB nas suas declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento “uma faca”, que resultam muitas dúvidas do seu depoimento sobre a real existência de uma faca ou navalha ou se o ofendido terá querido apresentar uma versão mais gravosa daquilo que realmente se passou. Lembremos que à data dos factos o ofendido BB tinha apenas 15 anos de idade e poderia querer justificar a entrega de dinheiro a estranhos, sem ter ripostado de alguma forma, com a justificação destes terem na sua posse uma faca ou uma navalha. A tais dúvidas junta-se o facto de nenhum objeto dessa natureza ter sido apreendido ao arguido ou ao falecido DD, aquando das suas detenções. Tal resulta do depoimento da testemunha BB gravado entre 10:10 a 11:28, Diligência 632-21...., com início 10:10 e fim 10:47, constante da ata de 03/04/2024, o seguinte: “Procurador: Muito bem e depois. Olhe em que é, como é que se traduzia essa insistência, o que é que ele dizia? Testemunha: Estava sempre a insistir “o pá dá-me lá o dinheiro, temos de ir para ...” e depois começaram a insistir mais e depois, por acaso, prontos, vi que… estava a empunhar parecia-me uma faca. Procurador: O segundo estava a empunhar uma faca, mas olhe, como é que ele fez, tirou esse objeto, que lhe parecia uma faca, tirou de algum bolso, já a tinha na mão? Testemunha: Foi do bolso, tirou do bolso. Procurador: E o que é que ele fez? O que é que ele fez com o objeto, mostrou-o? Testemunha: Não chegou mesmo a mostrar, mas deu a entender que estava, pronto, com um objeto.” Décima-terceira: Também relativamente ao facto de a quem terá entregue a quantia que lhe foi alegadamente subtraída pelos autores dos factos o ofendido, nas suas declarações, teve dúvidas, como resulta do seu depoimento gravado entre 25:03 a 25:29, Diligência 632-21...., com início 10:10 e fim 10:47, constante da ata de 03/04/2024, o seguinte: “Advogada: Muito bem. Relativamente aqui às suas declarações também fiquei com dúvidas relativamente a quem é que o senhor entregou o dinheiro? Testemunha: Acho que entreguei ao primeiro sujeito. Advogada: Foi ao primeiro, tem a certeza? Testemunha: Penso que sim. Advogada: Pensa ou tem a certeza? Testemunha: Não tenho a certeza. Advogada: Não tem a certeza. Testemunha: Não tenho a certeza que fosse.” Décima-quarta: Já quanto ao facto do primeiro indivíduo que o abordou ter ou não ter, no momento da prática dos factos, uma máscara de proteção na face, o ofendido BB, uma vez mais, apresentou um discurso totalmente incoerente e contraditório, sendo que só após a leitura das suas declarações prestadas na fase de inquérito admitiu que aquele indivíduo tinha colocada na face uma máscara de proteção - tal resulta do seu depoimento, gravado entre 15:33 a 15:58 e 24:25 a 24:47, Diligência 632-21...., com início 10:19 e fim 10:47, constante da ata de 03/04/2024, o seguinte: “Procurador: Olhe o senhor recorda-se de algum deles usava máscara na altura ou não? Testemunha: … quer dizer, acho que o primeiro indivíduo, tenho ideia que estava com máscara de covid, mas não me recordo. Procurador: Não sabe se estava com máscara de covid, foi isso que disse? Testemunha: Não me recordo.” … “Advogada: Pronto senhor BB não há dúvida que o senhor na altura em que prestou depoimento referiu que o indivíduo de raça branca tinha uma máscara de proteção. Pelo menos foi o que o senhor disse na altura do seu depoimento, que foi numa data muito próxima dos factos. Testemunha: Sim. Advogada: Então confirma que tinha máscara de proteção? Testemunha: Sim.” Décima-quinta: Também no que se refere aos reconhecimentos por si realizados, estranhamente o ofendido BB apenas se lembrava de ter participado num deles, o do falecido DD ... - conforme resulta do seu depoimento, gravado entre 16:17 a 18:10 e 25:27 a 26:00, Diligência 632-21...., com início 10:19 e fim 10:47, constante da ata de 03/04/2024: “Procurador: O senhor depois participou em diligências de reconhecimento? Testemunha: Sim, sim, sim. Procurador: Na altura o senhor teve alguma dúvida quando identificou as pessoas nessa diligência? Testemunha: Não. Procurador: Não teve dúvida nenhuma? Testemunha: Não, não tive. Procurador: Não teve dúvidas que aqueles indivíduos que o senhor indicou eram os indivíduos que o abordaram? Testemunha: Não, na altura acho que só fiz reconhecimento ao sujeito de raça negra. Procurador: Não, não fez. O senhor nem se recorda que fez dois reconhecimentos ó senhor BB? Testemunha: Eu recordo-me de fazer um, o de raça negra, se calhar não me recordo. Procurador: O senhor não fez dois, no dia em que foi ouvido mesmo, não fez o segundo dois dias depois, se bem me recordo? Testemunha: Doutor eu lembro-me que até me foram chamar à escola para ir fazer o reconhecimento. Procurador: Sim, duas vezes. Testemunha: Agora quando… duas vezes? Procurador: Sim. Testemunha: Foram-me chamar à escola mas passado muito tempo. Procurador: Diga? Testemunha: Depois da denúncia, passado, só algum tempo é que me chamaram à escola nesse dia… Procurador: Algum tempo se bem me recordo foi pouco mais, uma delas foi onze dias e outra nove dias, talvez. Testemunha: Já não me recordo.” … Advogada: Muito bem. Olhe, relativamente ao reconhecimento que o senhor, o senhor fez dois reconhecimentos, o primeiro terá sido no dia que o senhor prestou estas declarações, terá sido o do senhor que o abordou de raça branca. Lembra-se disso? Testemunha: Sim. Advogada: Eu pergunto… Testemunha: Não me recordo muito bem. Advogada: Não se recorda? Testemunha: Sim. Advogada: Mas olhe, não estavam de máscara pois não, no reconhecimento? Testemunha: Não me recordo. Advogada: Recorda-se ao menos se eram todos de raça branca ou também não se recorda? Testemunha: Também não me recordo.” Décima-sexta: Concluindo, do depoimento do ofendido BB apenas resultam contradições e dúvidas/incertezas sobre a forma como os factos ocorreram, se efetivamente foi constrangido a entregar a quantia de treze euros e a quem a entregou, se o falecido DD tinha na sua posse uma navalha ou faca, e se foi o arguido o autor dos factos, já que este nem sequer se lembrava se o indivíduo que o abordou usava uma máscara de proteção e, muito menos, se lembrava de ter realizado o reconhecimento do arguido! Décima-sétima: O Tribunal a quo fundamentou, ainda, a sua decisão com base no depoimento da testemunha CC, mãe do ofendido BB. A verdade é que tal testemunha não presenciou os factos, fazendo apenas e só um relato da versão que lhe foi “contada” por aquele. Assim, a decisão sub judicie majorou-se, para afirmar a convicção do Tribunal recorrido, no depoimento indireto daquela testemunha. O depoimento indireto consiste numa comunicação de um facto de que o sujeito teve conhecimento por intermédio de uma terceira pessoa. Sucede que, no que à autoria dos factos constantes dos autos diz respeito, a testemunha CC nada de relevante declarou ao Tribunal. Assim, não deveria tal depoimento ter sido valorado pelo Tribunal a quo, por se tratar de um depoimento que apresenta contradições com o depoimento do ofendido e, além desse facto, se tratar de um depoimento indireto. Décima-oitava: No que tange ao reconhecimento pessoal do arguido AA, ora recorrente, o Tribunal a quo valorou o mesmo, considerando que tal reconhecimento foi positivo e não tendo o ofendido, à data, quaisquer dúvidas de que foi aquele o autor dos factos. Ora, sucede que tal reconhecimento não cumpriu os trâmites previstos no art. 147.º do C.P.P. Embora também sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do C.P.P.), a prova por reconhecimento vem especialmente regulada no art. 147.º do C.P.P. Não obstante o princípio da liberdade dos meios de prova em Processo Penal (art. 125.º daquele diploma legal), o legislador teve a consciência de que a prova por reconhecimento carecia de regulamentação específica e apertada, por isso a tendo previsto no art. 147.º do C.P.P. Traduz-se, assim, o reconhecimento na identificação pelo ofendido ou testemunha do arguido, geralmente pessoa que não se conhece e só se viu no momento da prática do crime. Logo, feita em momento posterior e relativamente a momento em que as suas capacidades de concentração e atenção não eram as melhores. Décima-nona: Ora, no caso dos autos, constatamos que o ofendido BB reconheceu o arguido AA apenas e tão só porque no painel de identificação estava o arguido acompanhado de duas pessoas que eram dois agentes da Polícia de Segurança Pública – conforme decorre do auto de reconhecimento de fls. 14 dos autos. Além do aspeto físico não ser minimamente comparável - o arguido era consumidor de produtos estupefacientes há vários anos e a degradação física que decorre de tal facto é percetível ao cidadão comum - as características físicas do arguido e das outras duas pessoas também não eram minimente semelhantes, já que estas duas pessoas eram mais altas e muito mais encorpadas do que o arguido. Assim, o ofendido apenas reconheceu o arguido porque este era o que tinha um aspeto físico mais próximo do aspeto físico do autor dos factos e porque as duas outras pessoas presentes no painel de identificação em nada se assemelhavam fisicamente a tal pessoa. Acresce que o autor dos factos, no momento em que os mesmos ocorreram, tinha colocada na face uma máscara de proteção (devido à pandemia de Covid19) – como decorre da leitura das declarações do ofendido realizada na audiência de discussão e julgamento ao abrigo do disposto no art. 356.º, do C.P.P. -, e o reconhecimento foi realizado sem a presença de qualquer máscara – cfr. decorre do auto de reconhecimento de fls. 14, juntos aos autos. Vigésima: Mais, no douto Acórdão, agora posto em crise, afirma-se que, em julgamento, o ofendido reafirmou que na data em que se realizou o reconhecimento não teve quaisquer dúvidas em reconhecer o arguido. Ora tal não corresponde às declarações do ofendido que, por várias vezes, afirmou que não se lembrava de ter realizado o reconhecimento do arguido, que apenas se lembrava do reconhecimento do indivíduo de raça negra, como aliás decorre da das declarações do ofendido acima transcritas para os devidos efeitos legais. Ora se o ofendido declarou na audiência de discussão e julgamento, por diversas vezes, que não se lembrava do reconhecimento do arguido AA, ora recorrente, como pode o Tribunal, sem mais, concluir que o mesmo não teve dúvidas em tal reconhecimento de que era o arguido um dos autores dos factos dados como provados? Desta forma, dúvidas não restam que o Tribunal a quo não deveria ter valorado a prova por reconhecimento, por violação do disposto do art. 147.º, do C.P.P. Vigésima-primeira: Assim, considerando toda a prova produzida na audiência de discussão e julgamento – declarações do arguido AA, depoimento do ofendido BB, depoimento da testemunha CC, prova por reconhecimento do arguido, claro fica que não foi o arguido o autor dos factos tais como foram considerados como provados pelo Tribunal a quo nos pontos 1, 2, 3, 4. 5, 6, 7, 8 e 9, da matéria dada como provada. Desta forma, os meios de prova supra referidos, que não foram devidamente valorados pelo Tribunal a quo impunham uma decisão diversa daquela que o Tribunal teve ao considerar como provados os factos constante dos pontos acima identificados. As conclusões (matéria de facto como dada como provada) retiradas da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento pelo Tribunal a quo não se afiguram corretas, sendo evidente que todo o “edifício” da prova parece assentar em pilares muito frágeis e duvidosos. Destarte, da análise da prova acima elencada resulta que os factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, e 9, foram incorretamente julgados, pelo que se impunha uma decisão diversa da recorrida, já que os meios de prova produzidos, e com os quais o Tribunal se baseou para proferir tal decisão, não permitiam chegar àquelas conclusões, devendo tais factos alterados em conformidade com a fundamentação acima exposta, ou seja, serem considerados como não provados. Vigésima-segunda: O arguido AA, ora recorrente, foi condenado a pagar ao ofendido BB a quantia de 250,00 euros (duzentos e cinquenta euros). Tal indemnização foi arbitrada ao ofendido atendendo ao facto do mesmo ter estatuto de vítima especialmente vulnerável, nos termos do disposto no art. 82.º-A, do C.P.P. e do mesmo não se ter oposto à fixação da mesma. Mais, o montante foi calculado com base na obrigação de indemnizar pelos danos causado pela alegada prática de factos ilícitos, dolosos e danosos por parte do arguido. Ora, reitera-se tudo quanto foi já aduzido no presente recurso, mais concretamente, quanto ao facto do arguido não ter sido ao autor dos factos. E, desta feita, a reavaliação da prova importará, necessariamente, a alteração do Douto Acórdão também nesta parte, absolvendo o arguido nessa conformidade. Vigésima-terceira: O arguido AA, ora recorrente, coloca, ainda, em crise o Douto Acórdão recorrido por entender que tal decisão viola o princípio do “in dúbio pro reo”, porquanto entende que, não obstante a ausência de prova para tal, veio a ser condenado quer na causa criminal, quer na indemnização arbitrada. Efetivamente, da análise crítica feita à prova produzida na audiência de discussão e julgamento, resulta que o Tribunal a quo não poderia dar como provado que foi o arguido o autor dos factos, como determinou. Não podia o Tribunal recorrido chegar a tal conclusão, pelo menos a coberto da inexistência de uma dúvida razoável, pois não pode o Tribunal asseverar, sem margem de dúvida, que foi o arguido o autor dos factos tal como vêm descritos na matéria dada como assente pelo Tribunal recorrido. O que resulta da análise de toda a prova produzida é a insuficiência da prova para a matéria de facto dada como provada, pelo que, atendendo aos princípios do processo penal, em especial a presunção de inocência e do seu corolário in dúbio pro reo, tais factos carecem de ser dados como não provados, o que se requer! Vigésima-quarta: Assim, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo fez uma vaga e insuficiente valoração da prova crítica dos factos, o que não permite com segurança, e sem qualquer dúvida, imputar a prática dos factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 ao arguido, ora recorrente. O Princípio in dúbio pro reo é um princípio atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação das questões de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito – cfr. Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, vo. 1, pág. 111; Figueiredo Dias, direito Processual Penal, pág. 215 e Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, pág. 58. A livre apreciação da prova exige a convicção, fundamentada, do julgador, para além da dúvida razoável. E o princípio in dúbio pro reo limita a livre convicção quando, após a produção de prova e sua análise à luz das regras da experiência comum, persista uma dúvida razoável. Vigésima-quinta: No caso sub judice, o Tribunal a quo perante o quadro fático que lhe foi apresentado, não fez uma valoração crítica capaz de dar resposta de tal modo precisa e objetiva que não deixasse qualquer tipo de dúvida no sentido da imputação de tais factos ao arguido AA. Como foi referido, resulta que o Tribunal a quo suportou a prova dos factos dados como provados (pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9), na errada valoração que fez das declarações do arguido, da errada interpretação que fez do depoimento do ofendido BB, do depoimento da testemunha CC e da valoração que fez, e não devia ter feito, de um meio de prova que não podia ser valorado – prova por reconhecimento do arguido, ora recorrente. Vigésima-sexta: Desta forma, e porque os factos provados são desfavoráveis ao arguido AA, exigia-se do Tribunal um absoluto grau de certeza, certeza essa que é plenamente contrariada pelas declarações do arguido, conjugadas com a prova documental junta aos autos, pelo depoimento do ofendido e pela prova por reconhecimento do arguido, sem fundamentar devidamente tal opção. Na ausência dessa certeza e de outros meios de prova a corroborar tais factos, os factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 deveriam ser considerados como não provados. Deste modo, e atento o princípio in dúbio pro reo, deveria o referido arguido ser absolvido do crime pelo qual foi condenado pelo Douto Acórdão recorrido. Vigésima-sétima: Violou, assim, o Tribunal a quo os artigos 18.º e 32.º, ambos da C.R.P. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, deve o Acórdão condenatório recorrido ser revogado, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!
3
O Ministério Público respondeu ao recurso, propondo a sua improcedência, concluindo pelo modo seguinte:
1. A motivação do acórdão recorrido está fundamentada de forma coerente e objectiva, sendo perfeitamente possível reconstituir e apreender o caminho lógico seguido pelo Tribunal para chegar às conclusões a que chegou, sempre orientada pelas regras da experiência comum. 2. O Tribunal da Relação só pode modificar a decisão recorrida em termos de facto quando a prova imponha decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal recorrido. 3. Se a prova indicada no recurso permitiria, eventualmente, uma decisão diversa da recorrida mas não a impõe, o recurso não pode merecer provimento, por não poder o Tribunal de recurso, em casos destes, bulir na decisão recorrida. 4. A perspectiva que o recorrente traz da prova, admitindo-se como defensável, não é única; e não o sendo, não impõe decisão diversa da recorrida. 5. O acórdão nenhuma censura merece no que à apreciação da prova feita em audiência de discussão e julgamento e no que aos factos de tal prova retirados respeita. 6. Em todo o caso, o recorrente, não obstante discordar da avaliação da prova efectuada pelo Tribunal a quo, não indica, como lhe competia nos termos do disposto no artigo 412º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, os elementos probatórios que no seu entender impunham decisão diversa, limitando-se a divagar genericamente sobre as razões da sua discordância. 7. A alegação de que as características físicas do recorrente e das outras duas pessoas chamadas ao alinhamento do reconhecimento não eram minimente semelhantes, já que estas duas pessoas supostamente eram mais altas e muito mais encorpadas do que o arguido, não se encontra minimamente demonstrada, uma vez que os referidos indivíduos não consentiram em ser fotografados, conforme declaração expressa a fls. 12 verso. 8. O artigo 147º do Código de Processo Penal trata do reconhecimento de pessoas. Nele se podem distinguir três modalidades: o reconhecimento por descrição ou intelectual, o reconhecimento presencial e o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação. 9. O reconhecimento por descrição, previsto no n.º 1, do artigo 147º, do Código de Processo Penal, consiste em solicitar à pessoa que deve fazer a identificação que descreva a pessoa a identificar, com toda a pormenorização de que se recorda, sendo-lhe depois perguntado se já a tinha visto e em que condições e sendo, finalmente, questionada sobre outros factores que possam influir na credibilidade da identificação. 10. No caso em apreço o ofendido declarou que a pessoa a reconhecer era «(…) um indivíduo do sexo masculino, com cerca de 28 anos de idade, compleição física magra, com cerca de 1,80m de altura, cabelo curto de cor ..., não podendo precisar mais dados». 11. Ora, as características assim avançadas pelo ofendido são, em tudo, coincidentes com o arguido, embora se reconheça que não suficientemente distintivas. 12. O reconhecimento presencial, previsto no n.º 2, do mesmo artigo, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal – e ela só o será se «satisfizer o critério probatório da fase processual em que o reconhecimento teve lugar». 13. No caso em apreço, foi realizado o reconhecimento presencial, tendo o arguido sido colocado numa sala, juntamente com EE e FF, ambos agentes da P.S.P. mas com características fisionómicas o mais semelhantes possíveis às do suspeito. 14. Ao arguido foi dada a possibilidade de escolher a posição em que queria ficar no alinhamento, tendo o mesmo escolhido a posição número dois. 15. Perante isto, o ofendido foi conduzido para junto do local e questionado se reconhecia algum dos indivíduos como autor dos factos denunciados, sendo que, após uma observação cuidada, o mesmo declarou que não tinha quaisquer duvidas que o indivíduo colocado na linha com o n.º 2 é um dos autores dos factos a que se reportam os presentes autos. 16. Diga-se, aliás, que igual procedimento e grau de certeza foram apresentados no reconhecimento do arguido DD, conforme decorre do auto de fls. 22. 17. A diligência probatória de reconhecimento de pessoas ora em crise cumpriu com todos os requisitos previstos no artigo 147º, do Código de Processo Penal, sendo, por isso, perfeitamente válida. 18. Bem andou também o Tribunal a quo ao estribar parte da decisão recorrida na matéria decorrente de tal reconhecimento. 19. Não decorre da decisão a quo qualquer violação do princípio in dubio pro reo, porquanto da factualidade dada como provada e da fundamentação de facto aí explanada não se alcança que se haja instalado na convicção do julgador qualquer dúvida quanto à forma como os factos ocorreram. 20. A decisão recorrida não violou quaisquer normativos legais, designadamente os invocados pelo recorrente. 21. A decisão recorrida não merece qualquer censura, nomeadamente na parte ora sindicada pelo recorrente.
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Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Este, o entendimento que perfilhámos.
4
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi dito.
6
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
II FUNDAMENTAÇÃO
1 Objeto do recurso:
A
A prova por reconhecimento produzida nos autos viola o disposto no artigo 147.º do Código de Processo Penal?
B
Ocorre erro de julgamento em relação aos factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, dos factos dados como provados na decisão recorrida?
C
Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, deve revogar-se a condenação do ora recorrente no pagamento ao ofendido BB a quantia de 250,00 euros (duzentos e cinquenta euros), arbitrada pelo facto de este ter estatuto de vítima especialmente vulnerável, nos termos do disposto no art.º 82.º-A, do C.P.P., e de se não ter oposto à fixação da mesma?
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2 Decisão recorrida (excertos relevantes):
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 Da matéria de facto.
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1. No dia 12 de Setembro de 2021, cerca das 13h30m, o arguido AA e DD dirigiram-se à avenida ..., em ..., com o intuito de, mediante o uso de violência e de uma arma, se apropriarem de quantias monetárias e bens pertencentes a qualquer pessoa que ali se encontrasse. 2. Ali chegados, e de forma a dar execução ao combinado, o arguido AA abordou o ofendido BB, nascido a ../../2006, que se encontrava no local, e disse-lhe “Sou de .... Preciso de dinheiro”. 3. Como o ofendido recusou entregar dinheiro, o arguido AA retorquiu “Dá-me uma moedinha, porque o meu amigo também está ali”. 4. Nesse momento, aproximou-se do ofendido o DD, empunhando uma navalha que trazia consigo, e disse-lhe para entregar tudo o que tivesse. 5. Receando pela sua própria vida e integridade física, logo o ofendido BB entregou ao arguido e a DD a quantia de 13 € (treze euros), em numerário. 6. Ao proceder conforme descrito, o arguido e DD apoderaram-se e fizeram sua a referida quantia monetária, integrando-a na sua esfera patrimonial, em prejuízo do seu legítimo proprietário e em seu único exclusivo proveito. 7. O arguido AA e DD quiseram constranger o ofendido para que este lhes entregasse dinheiro, usando para o efeito de uma navalha, intimidando-o e aproveitando-se da sua superioridade numérica e do facto de aquele ser menor de idade, o que lograram. 8. O arguido e DD sabiam que não podiam retirar quantias monetárias pertencentes ao ofendido, sem a sua autorização e contra a sua vontade, usando de uma arma para o efeito, mas não obstante tal cognição, agiram do modo acima descrito, bem sabendo que faziam sua a quantia acima descrita, a qual não lhes pertencia e que a integravam no seu património, por actos contrários à vontade do respectivo dono e em prejuízo deste. 9. Agiram, o arguido e DD, livre e deliberadamente, mediante um plano previamente delineado e acordado por ambos, em conjugação de esforços e vontades, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 10. DD faleceu no dia ../../2024. 11. Mais se provou que: a) O arguido nasceu no dia ../../1988; b) AA é natural de ..., sendo o mais novo de dois irmãos. O seu processo de desenvolvimento decorreu em agregado familiar disfuncional, cuja dinâmica relacional foi descrita como negativamente condicionada pela significativa diferença de idades dos pais, pelo falecimento do pai quando o arguido tinha 5 anos de idade e pelas práticas educativas pouco assertivas da mãe. c) Iniciou a escolaridade na idade própria, tendo o percurso escolar decorrido no ensino regular. d) Neste contexto apresentou elevado absentismo às aulas, reduzida motivação pela aprendizagem dos conteúdos escolares e alterações do seu comportamento normativo, factores que determinaram a sua posterior integração, aos 14 anos, no Centro Juvenil de ..., no ..., sendo que após uma saída não regressou e, mais tarde viria a ingressar, no Centro Educativo ..., na Guarda, onde se manteve cerca de 10 meses, tendo aqui concluído o 6º ano através de uma formação PETI (Programa de Educação Técnica Integrada). e) A falta de motivação para a progressão nos estudos, levou AA a iniciar-se laboralmente como empregado de restauração, contexto que abandonou prematuramente por o considerar incompatível com as necessidades de consumos de drogas, percurso iniciado em contexto escolar. f) De regresso a casa da mãe, o seu quotidiano foi marcado por comportamentos inerentes à manutenção da sua dependência de estupefacientes, que levaram frequentemente as autoridades policiais a sua casa. g) Registou contactos com o sistema judicial, com diversas condenações por crimes de diferente tipologia, situação que desagradava à mãe e ao companheiro desta, gerando um contexto relacional de desconfiança e mau estar face à sua presença na família. h) Aos 18 anos e a pedido da sua mãe foi acolhido por uma tia, em ..., agregado que teve de abandonar decorridos poucos meses por relacionamento conturbado, passando posteriormente a residir num quarto arrendado a expensas da progenitora. i) No âmbito de uma suspensão de execução de pena de prisão com regime de prova, com obrigação de tratamento, foi orientado para o CRI - Centro de Repostas Integras, de ..., que frequentou de forma regular de 28 de Outubro de 2008 a 14 de Abril de 2009. j) Sem ocupação laboral com carácter regular, foi desenvolvendo actividades que lhe iam permitindo garantir a sua subsistência, sendo que pôde sempre contar com o apoio económico que a progenitora lhe prestava. k) No seu quotidiano manteve rotinas centradas no seu comportamento aditivo, procurando contextos sociais menos exigentes. l) AA foi preso pela primeira vez em Abril de 2013 e libertado em Junho de 2017 após ter cumprido na totalidade uma pena de 4 anos e 2 meses de prisão, pela prática de crimes de roubo qualificado e de condução sem habilitação legal. m) Quando restituído à liberdade, o arguido reintegrou o agregado materno e residiu ali durante 2 meses, tendo trabalhado como operário de construção civil e, na procura de melhores condições socioprofissionais, arrendou um quarto em ..., passando a trabalhar em estabelecimento nocturno, durante dez meses. n) Posteriormente, trabalhou durante algum tempo para uma empresa de catering. o) Neste período estava em acompanhamento pela DGRSP no âmbito de uma pena suspensa com regime de prova, pelo período de 5 anos, por crime de tráfico de estupefacientes cometido quando cumpria pena de prisão no EP .... p) Foi, também, neste período acompanhado no CRI ... revelando na altura empenho pela sua recuperação da problemática aditiva. q) No inicio de 2019, na companhia da namorada, deslocou-se para o ... por ter ali uma oferta de trabalho que lhe oferecia melhores condições socioprofissionais, no entanto as suas expectativas não se confirmaram pelo que regressou a ... em Julho de 2019, sendo readmitido na empresa de catering e retomou o acompanhamento no .... Nessa altura trabalhou também em empresa situada no Parque Industrial .... r) Em Outubro de 2019 terminou a relação afectiva e foi para ... onde permaneceu até Janeiro de 2020, regressando a ... para um quarto arrendado, sendo que nesta altura retomou os consumos e deixou de ter controlo na sua vida, sendo preso preventivamente em Agosto de 2020. s) AA foi preso preventivamente em Agosto de 2020 sendo que em Outubro de 2020 foi-lhe alterada a medida de coacção para obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, tendo para esse efeito dado entrada na Comunidade Terapêutica do Projecto Homem, em ... de onde fugiu em Janeiro de 2021 permanecendo foragido até data posterior a 12-09-2021. t) No exterior o arguido continua a beneficiar de todo o apoio da sua mãe, que manifesta uma grande tristeza pela situação do filho porque sempre procurou transmitir-lhe bons princípios. u) Este não é o primeiro contacto de AA com o Sistema de Justiça, tendo arguido antecedentes criminais, tendo já cumprido uma pena de prisão e sido acompanhado pela DGRSP em medidas alternativas à prisão, no âmbito das quais demonstrou razoáveis níveis de adesão, muito embora não se tenham vindo a verificar alterações no seu estilo de vida. v) Cumpre uma a pena única de cinco anos e quatro meses de prisão resultante de cúmulo jurídico efectuado no processo n.º 1458/22...., do Juízo Central Criminal de Braga - J... e a pena de cinco anos de prisão, resultante de revogação da suspensão da sua execução da pena de prisão, decidida no processo n.º 471/16...., também do Juízo Central Criminal de Braga - J.... w) O arguido revela sentido crítico referindo que errou e terá que arcar com as consequências seus actos. x) Neste estabelecimento prisional, onde se encontra desde Novembro de 2021, tem tido comportamento adaptado, encontrando-se, a trabalhar como faxina da Ala E desde Dezembro de 2023, não tendo registos disciplinares averbados. y) O arguido tem os seguintes antecedentes criminais: (…)
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Factos não provados.
Com interesse para a correcta decisão da causa, não resultaram provados quaisquer factos diferentes e/ou contrários dos que especificamente foram dados como provados, designadamente, que:
a) Que a arma referida em 1. seja uma “arma branca”; b) O arguido AA e DD tivessem coarctado ao ofendido qualquer possibilidade de resistir; c) O arguido permaneceu o período de 8 meses aludido na parte final do ponto 11., al. s) dos factos provados, em casa da mãe.
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Convicção do Tribunal
Os factos provados e supra elencados resultaram da convicção sobre eles formada pelo Tribunal alicerçada do conjunto obtido pela prova documental junta aos autos, pelas declarações do arguido, pela prova por reconhecimento e pelo depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, tudo concatenado com as regras da experiência comum.
Assim, desde logo, o Tribunal tomou em consideração: - Auto de denúncia de fls. 5 (no que respeita à data e local da prática dos factos); - Auto de reconhecimento pessoal de fls. 14, (datado de 23-09-2021) no qual o ofendido, após fazer uma breve descrição da pessoa a reconhecer, veio a identificar, sem quaisquer dúvidas, o arguido como um dos autores dos factos a que se reportam os autos; - Auto de reconhecimento pessoal de fls. 22 (datado de 24-02-2022) no qual o ofendido, após fazer uma breve descrição da pessoa a reconhecer, identificou, sem quaisquer dúvidas, GG como um dos autores dos factos referenciados nos autos; - Clichês fotográficos de fls. 51 e 52; - Fotocópia do auto de interrogatório de arguido ocorrido no processo n.º 487/20...., datado de 24-09-2021, no âmbito do qual foi determinada a sujeição do arguido AA à medida de coacção prisão preventiva (cfr. fls. 81 e ss.); Quanto aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal atendeu ao teor do seu CRC de fls. 270 e ss.. No que tange às condições pessoais, económicas e sociais do arguido, tomou-se em consideração o teor do relatório social de fls. 287 e ss., concatenados com as suas declarações prestadas em audiência, na parte em que obtiveram credibilidade. O Tribunal analisou ainda criticamente as declarações do arguido AA. No essencial, as declarações do arguido foram no sentido de que: a) Conhece DD; b) Na data dos autos não estava com DD, nem se encontrava em ...; c) Nessa data estava em ..., em casa da sua mãe, não havendo autocarros para ...; d) Na altura dos factos andava a fugir das autoridades, dado que lhe tinha sido aplicada a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação que estava a cumprir no Projecto Homem e tirou a pulseira electrónica e fugiu; e) Nessa sequência refugiou-se em casa da mãe, só vindo a ... 1 ou duas vezes por mês. Apreciando criticamente as declarações do arguido refira-se que elas só convenceram o Tribunal na parte em que se mostraram concordantes com a demais prova produzida (dos documentos constantes dos autos resulta que ao arguido foi aplicada a medida de coacção e obrigação de permanência na habitação que ele cumpria no Projecto Homem todavia, em Janeiro de 2021, o arguido fugiu para parte incerta, tendo sido interceptado em data posterior àquela a que se reportam os autos e tendo-lhe então sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva). No demais, as declarações do arguido mostraram-se claramente comprometidas e parciais. Além disso, na parte em que negou a matéria de facto dada como provada, as declarações do arguido apresentaram-se desprovidas de corroborações periféricas indubitavelmente válidas e foram frontalmente contrariadas por prova clara em sentido diferente (isto é, em sentido convergente com o que se deu por provado). O Tribunal apreciou ainda criticamente o depoimento do ofendido BB. O depoimento do ofendido BB foi, no importante, no sentido de que: a) Na data dos autos foi ao ... buscar o almoço; b) Quando se deslocava para casa, a cerca de 50 metros desta, foi abordado por uma pessoa do sexo masculino, “HH”, que aparentava ter 25/30 anos, que meteu conversa com o ofendido, perguntando-lhe se tinha dinheiro para lhe dar para que poder ir para .... Acha que este individuo estava com máscara de covid na cara; c) O depoente respondeu a esse primeiro individuo que não tinha dinheiro; d) Depois aproximou-se o 2.º individuo, que era “negro”, com cerca de 25/30 anos, que estava de camisola ás riscas; d) Este segundo individuo se falou era só para repetir o que o primeiro dizia; e) A determinada altura percebeu que o 2.º individuo empunhava uma faca que tinha tirado do bolso; f) Na sequência, entregou o dinheiro que tinha -13 euros – para a mão dos indivíduos, que logo abandonaram o local; g) Apresentou queixa cerca de 7 dias após a ocorrência dos factos; h) Efectuou o reconhecimento presencial dos indivíduos que participaram nos factos, não tendo tido quaisquer dúvidas que os indivíduos que reconheceu foram os que o abordaram na data dos autos; i) Foram lidas as declarações do ofendido prestada perante órgão de polícia criminal que constam de fls. 13 e 13 verso, tendo o ofendido confirmado o respectivo teor, até porque foram prestadas em data mais próxima da ocorrência. Avaliando criticamente o depoimento da testemunha refira-se que ele convenceu o Tribunal na parte em que se mostrou concordante com a matéria de facto dada como provada. Efectivamente, o depoimento do ofendido mostrou-se espontâneo e natural, não demonstrando quaisquer sinais de inverdade. Com efeito, a testemunha apresentou-se em tribunal (tendo sido inquirido através de Webex) com uma postura de simplicidade e humildade e do seu discurso não se denotaram quaisquer sentimentos de inimizade e/ou vingança para com o arguido, o qual declarou nem sequer conhecer (a não ser da situação dos autos). Na formação da sua convicção, o Tribunal atendeu ainda ao testemunho de CC, mãe do ofendido, que, não tendo presenciado os factos, no essencial, corroborou a versão apresentada por BB. Apenas existiu discrepância entre o depoimento de BB e de CC quanto ao facto de ter sido o arguido o primeiro a aproximar-se do ofendido, pois que a testemunha declarou achar que o ofendido lhe disse que o primeiro a aproximar-se de si na data e local dos autos foi o individuo de “raça negra”. Ora, na parte em que existiu essa diferença nos depoimentos o Tribunal deu primazia ao testemunho de BB, ofendido que vivenciou os factos e que, por isso, em melhores condições se encontrava para os relatar (notando-se que essa parte depoimento de BB é concordante com o depoimento que ele prestou perante OPC logo em 23-09-2021 e que lido foi em audiência). Pela sua importância refira-se que, relativamente ao reconhecimento efectuado e que consta de fls. 14, ele foi realizado em data muito próxima da ocorrência (os factos ocorreram no dia 12-09-2021, a queixa foi apresentada no dia 19-09-2021 e o reconhecimento realizou-se no dia 23-09-2021). Como é salientado por Santos Cabral in CPP Comentado, 4.ª ed., António Henriques Gaspar et al., Almedina, p. 567, o “tempo é um elemento essencial na determinação da fidelidade da identificação e o número de correctas identificações declina à medida que o intervalo de tempo entre o crime e o procedimento de identificação aumenta”. Ademais, os factos praticados pelo arguido não foram instantâneos, ou executados com tal rapidez que impossibilitasse, em face das regras da experiência comum, o reconhecimento do autor dos factos (ainda que, porventura, à data tivesse ele actuado com máscara de protecção contra a covid- 19). A isto acresce que, no âmbito dos factos apurados, o ofendido esteve mais tempo com o individuo que inicialmente o abordou. Ora, segundo o depoimento do ofendido, concatenado com o reconhecimento presencial, esse individuo que inicialmente o contactou – e esteve presente durante toda a ocorrência - foi o ora arguido AA. Acrescente-se ainda que a circunstância de o autor dos factos poder ter usado máscara de protecção contra a covid-19 não implica que o reconhecimento de pessoas não possa ser efectuado com um grau de certeza suficiente para convencer o Tribunal. De facto, o reconhecimento positivo de determinada pessoa por outra funda-se, normalmente, num conjunto de elementos (v.g. altura, constituição física, forma do corpo de várias perspectivas, cor dos olhos, cor do cabelo, altura, peso, existência de barba e/ou bigode, forma do cabelo, dimensão e forma das orelhas, existência de tatuagens e sua forma, maneira de se movimentar, o tom de voz, etc.; observa-se, todavia, que nada impede que o reconhecimento positivo se funde apenas num desses elementos, por exemplo, perante uma tatuagem invulgar) que traduzem percepções sensoriais (na maioria das vezes, visuais; sendo discutível na doutrina e jurisprudência se outras percepções sensoriais reconhecíveis possam fundar o reconhecimento [cfr., sobre o assunto, Paulo Dá Mesquita in Comentário Judiciário do CPP, 3.ª ed., t. II, Almedina, pp. 339 e ss.) susceptíveis de comparação. Desta forma, a circunstância de a pessoa a reconhecer, na data dos factos inicialmente percepcionados, apresentar máscara de protecção contra covid-19 não impede que não pudesse ser efectuado um reconhecimento fidedigno e fiel, como veio a suceder nos autos. No caso dos autos o reconhecimento do arguido foi positivo, não tendo o ofendido, à data, quaisquer dúvidas de que foi o arguido um dos autores dos factos. Em julgamento, o ofendido reafirmou, de modo que se considerou sincero e genuíno, que, na data em que realizou o reconhecimento, não teve quaisquer dúvidas em reconhecer o arguido como um dos autores dos factos. Assim, com base neste aglomerado de meios de prova, analisado à luz das regras do normal acontecer, não restaram a este Tribunal, em consideração de tudo quanto se disse, hesitações de qualquer ordem a respeito da autoria dos factos por banda do arguido, nos termos dados como provados, por essa ser a versão mais consentânea com a realidade, atentas as provas carreadas no sentido da sua culpabilidade, para além de que não foi apresentada prova que abalasse a convicção a que se chegou com base nos descritos elementos probatórios. A matéria de facto dada como não provada deve-se à falta de elementos seguros que a pudesse confirmar ou à prova de factos com ela incompatível. Foi do contexto da prova produzida, apreciada criticamente nos sobreditos termos, que resultou a matéria de facto dada como provada.
3 O direito.
A A prova por reconhecimento produzida nos autos viola o disposto no artigo 147.º do Código de Processo Penal?
Começamos por analisar esta questão em primeiro lugar, uma vez que constitui uma das premissas da impugnação da matéria de facto empreendida neste recurso, sendo que da sua procedência poderá resultar a impossibilidade legal de valoração do aludido meio de prova.
Alega o recorrente a este respeito, essencialmente, que:
- constatamos que o ofendido BB reconheceu o arguido AA apenas e tão só porque no painel de identificação estava o arguido acompanhado de duas pessoas que eram dois agentes da Polícia de Segurança Pública – conforme decorre do auto de reconhecimento de fls. 14 dos autos. Além do aspeto físico não ser minimamente comparável - o arguido era consumidor de produtos estupefacientes há vários anos e a degradação física que decorre de tal facto é percetível ao cidadão comum - as características físicas do arguido e das outras duas pessoas também não eram minimente semelhantes, já que estas duas pessoas eram mais altas e muito mais encorpadas do que o arguido. Assim, o ofendido apenas reconheceu o arguido porque este era o que tinha um aspeto físico mais próximo do aspeto físico do autor dos factos e porque as duas outras pessoas presentes no painel de identificação em nada se assemelhavam fisicamente a tal pessoa; - o autor dos factos, no momento em que os mesmos ocorreram, tinha colocada na face uma máscara de proteção (devido à pandemia de Covid19) – como decorre da leitura das declarações do ofendido realizada na audiência de discussão e julgamento ao abrigo do disposto no art. 356.º, do C.P.P. -, e o reconhecimento foi realizado sem a presença de qualquer máscara – cfr. decorre do auto de reconhecimento de fls. 14, juntos aos autos. - no Acórdão, agora posto em crise, afirma-se que, em julgamento, o ofendido reafirmou que na data em que se realizou o reconhecimento não teve quaisquer dúvidas em reconhecer o arguido. Ora tal não corresponde às declarações do ofendido que, por várias vezes, afirmou que não se lembrava de ter realizado o reconhecimento do arguido, que apenas se lembrava do reconhecimento do indivíduo de raça negra, como aliás decorre da das declarações do ofendido
Convoquemos a lei aplicável - Código de Processo Penal:
CAPÍTULO IV
Da prova por reconhecimento Artigo 147.º Reconhecimento de pessoas 1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação. 2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual. 3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando. 4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto. (…) 7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.
Ora, no que se refere à primeira questão, consta do auto de reconhecimento junto ao processo que o ofendido afirmou que se tratava “(…) de um individuo do sexo masculino, com cerca de 28 anos de idade, compleição física magra, cerca de 1.80 metros de altura, e cabelo curto de cor ... (…)”, e que juntamente com o então suspeito, aqui recorrente, foram colocadas duas outras pessoas na linha de reconhecimento com “(…) as características fisionómicas mais semelhantes possíveis às do suspeito (…) – ora, com base nestes dados que constam do auto, e atenta a falta de autorização para registo fotográfico das pessoas que, para além do suspeito, participaram na diligência probatória em causa, é inviável a apreciação da invocada argumentação de ordem física (altura, compleição, degradação), sem embrago de se reconhecer a dificilmente compreensível extrema magreza descritiva das características físicas dos identificados dois intervenientes (pelo menos deveria fazer-se constar a idade, altura, compleição, e cor dos olhos, esta última, uma vez que poderia estar em causa a prática do facto por individuo com máscara sanitária). Esta frugalidade descritiva deve ser alvo de especial atenção por parte do tribunal, não podendo deixar-se ao critério da entidade que produz a dita prova o julgamento sobre as características fisionómicas mais semelhantes possíveis às do suspeito; pelo contrário, o Ministério Público, enquanto dominus do inquérito, titular da ação penal, e órgão do Estado submetido ao dever de objetividade e legalidade, deve orientar as entidades que o coadjuvam na realização da investigação criminal no sentido de realizar este tipo de diligência probatória de modo absolutamente claro e transparente, sendo indispensável, para tanto, uma mais pormenorizada descrição física dos intervenientes, de modo a que o tribunal melhor possa julgar o valor do meio de prova em causa, tanto mais, que a regra geral, sem exceção até, dir-se-ia, é a declinação de autorização para fotografar tais intervenientes. Temos presente o pugnacíssimo esforço persuasivo que o Ministério Público empreendeu na sua empenhada resposta ao recurso, designadamente nas conclusões 7) a 17), acima transcritas, bem como o denodo com que no parecer emitido se sustentou e reforçou essa posição, mas não podemos deixar de sublinhar que a frieza legalista que subjaz ao assim asseverado não leva, necessariamente, a uma decisão perfeita, e, mais do que isso, incontornavelmente segura, algo que o julgador incessantemente procura, acolhendo sempre confiante e humildemente o sábio ensinamento do nosso imenso Padre António Vieira: é mais santo e justo ficar o crime sem castigo que castigar-se o inocente – assim o dispõe o direito, que pesa mais para a perdição e condenação do juiz uma sentença injusta do que muitas e muito justas – in Documentos, Memorial a favor da gente de nação hebreia sobre o recurso que intentava ter em Roma, exposto ao Sereníssimo Senhor Príncipe D. Pedro, Regente do Reino de Portugal.
No que concerne à utilização de máscara sanitária pelo autor dos factos em julgamento, deve ter-se presente que nada consta do auto de reconhecimento a esse respeito, pelo que será lícito inferir que tal objeto não foi utilizado na diligência em causa (tal como o arguido declara ao minuto 11:30), o que nos encaminha para o a questão da possibilidade de um reconhecimento assim efetuado poder ser considerado relevante – como reconhecer uma pessoa, quando na altura da prática dos factos se não viu a sua cara ou parte relevante dela? Ora, aceitando que o valor probatório da diligência se encontra numa relação de óbvia paridade com a mais fiel possível reprodução da factualidade alegadamente ocorrida, não podemos negar, à partida, todo o valor probatório da diligência apenas por isso, uma vez que, tal como, e bem se refere na decisão recorrida, o reconhecimento é de uma pessoa, que inclui o seu rosto, mas também muitos outros elementos físicos, já atrás mencionados, desde a compleição física, altura, cor de cabelo e olhos, postura, outros pormenores que, porventura, possam existir, como, por exemplo, uma cicatriz visível (embora não seja esse o caso), a própria cor ou tonalidade da pele, etc., etc. Além disso, há um outro pormenor importantíssimo que convém reter: os olhos e o olhar constituem dois dos elementos mais importantes na identificação das pessoas, não sendo raro que, por exemplo, nos meios de comunicação social, para se ocultar a identidade de alguém, se insira uma faixa de invisibilidade retangular na zona dos olhos da pessoa em causa, e se permita ver a restante parte da face, inviabilizando assim qualquer identificação positiva da pessoa cujo anonimato se pretende assegurar. Nesta sequência, contudo, diríamos que deve revestir-se de especial cuidado a apreciação por parte do tribunal de uma prova por reconhecimento que contenha esta imperfeição, sendo certo que tal cuidado seria ainda mais apurado se o contrário, academicamente, dir-se-ia, ocorresse – factos imputados sem máscara e pessoas a reconhecer com máscara.
Assim sendo, assentando que a prova por reconhecimento não enferma de qualquer vício previsto na lei, devemos reconhecer que a sua concreta produção e descrição em auto reclamam uma muito cuidada apreciação por parte do tribunal, sendo essa ponderação escrutinada em seguida, no âmbito da impugnação do julgamento da matéria de facto.
B Ocorre erro de julgamento em relação aos factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, dos factos dados como provados na decisão recorrida?
A matéria de facto dada como provada numa decisão jurisdicional pode ser escrutinada em recurso por dois modos: o primeiro, que é também de verificação oficiosa, está previsto no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e consubstancia uma imperfeição do texto da própria decisão e/ou do raciocínio nele expendido, por si só considerado ou conjugado com o objeto do processo e as regras da experiência, desdobrando-se nos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova; o segundo, previsto no artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, através do qual, e mediante a reanálise de segmentos probatórios testemunhais ou outros, devidamente circunscritos e identificados, se discute a bondade do juízo efetuado na decisão, igualmente em relação a pontos factuais específicos devidamente individualizados, quer por imparidade entre o selecionado conjunto probatório existente e o que foi julgado como assente, quer por incorreta aplicação do principio da livre apreciação da prova.
Atendendo ao objeto do recurso, acima fixado, foquemos a nossa atenção no segundo dos modos acima indicados de sindicar o julgamento de facto, consubstanciado na invocação de erro de julgamento.
Atentemos no que consta no Código de Processo Penal em relação ao que ora nos ocupa: Artigo 412.º Motivação do recurso e conclusões (…) 3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (…) 6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Estamos, deste modo, em face do triplo dever (ónus, segundo outros) que legalmente impende sobre o inconformado recorrente de facto.
Assim, se a indicação dos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados não apresenta dificuldade de maior, bastando indicá-los tout court, sendo certo que a maior parte das decisões têm a factualidade estruturada através de numeração (convém, todavia, ter presente que alguns números contêm vários pontos concretos), já as concretas provas dizem respeito ao conteúdo específico das provas, não sendo suficiente a simples indicação de uma testemunha ou perícia, por exemplo, para fundar aquela pretensão – quanto à prova gravada, é necessário indicar com precisão o ficheiro áudio de que consta, e até a data da sessão da audiência em que foi produzida, se forem várias, bem como o momento inicial e final (minutos e segundos), na dita gravação, do excerto em causa, e quanto às restantes provas (documental, pericial, apreensões, etc.), o preciso local dos autos em que foram adquiridas e produzidas, designadamente a data ou referência da sua junção, bem como a explicitação da parte ou partes do seu teor que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa, não sendo necessária, todavia, atualmente, a transcrição da gravação áudio invocada, tal como defende o Conselheiro Pereira Madeira, Código de Processo Penal, Comentado, Almedina, 2014, pag. 1390, nota 6.
Observação importantíssima tem que ver com as condições de procedência do recurso em sede de impugnação da matéria de facto. Na verdade, o julgamento efetuado em primeira instância beneficia, em pleno, dos princípios da oralidade e imediação da produção de prova, o que, consabidamente, confere aos julgadores melhores possibilidades de apreciar a prova com rigor e clarividência, permitindo um juízo mais aproximado da verdade material e, portanto, uma mais precisa reconstituição desta.
Por isso, a lei estabelece no preceito ora em análise que a argumentação do recorrente deve conter a indicação das provas que impõem uma decisão diversa, bem como, naturalmente, qual é ela. Que impõem, e não apenas que aconselham, permitem, autorizam ou facultam. E tal exigência não deriva, como muitas vezes se afirma, do princípio da livre apreciação da prova, ínsito no art.º 127.º do Código de Processo Penal, pois este tanto se aplica ao julgamento do tribunal recorrido como ao julgamento do tribunal de recurso; na verdade, tão livre é um tribunal quanto o outro para apreciar a prova; a diferença entre ambos radica, precisamente, na aludida proximidade em relação à prova produzida na primeira instância, a qual confere particulares garantias de fiabilidade do juízo que assim sobre elas se produz, ideia que a lei acolhe expressamente, quando opta pelo vocábulo impõe para autorizar uma alteração daquele julgamento primordial – basta pensarmos na diferença entre um julgador numa sala de audiências com várias pessoas olhar diretamente o arguido, a testemunha ou o perito nos olhos, assistir às suas reações, postura corporal, esgares, hesitações ou assertividade, e olhares, assistir ao seu interrogatório ou formular-lhe as perguntas que entender necessárias, no momento que lhe parecer ser pertinente ou adequado, mostrar-lhe documentos ou outras partes do processo, apreciar, no decurso da audiência, comparativa e simultaneamente as reações isoladas ou recíprocas de uns e outros, enfim, ter perante si este completíssimo e riquíssimo cenário, dir-se-ia teatro até, por um lado, e entre um outro julgador que está durante umas horas, dias ou até mais, fechado no seu gabinete, com uns auscultadores nos ouvidos e de olhos abertos, cerrados ou semicerrados, tentando captar a maior parte que lhe é humanamente possível de toda aquela riqueza de pormenores através da simples audição, para percebermos por que (acertado) motivo a lei tomou a opção acima referida. É, na verdade, esta diferença fundamental de condições que justifica que a intervenção do tribunal de recurso no julgamento da matéria de facto só ocorra se estiver irrefutável e cabalmente demonstrado que há um claro e evidente erro de apreciação, seja por inexperiência, desconhecimento, precipitação ou outro qualquer motivo, de tal modo que se torne absolutamente indiscutível proceder à correção ou acerto da decisão nesta sede.
Assim, e em conclusão, o art.º 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, apenas permite a alteração do julgamento de facto quando as provas invocadas pelo recorrente impõem uma decisão diversa, não bastando que a permitam; trata-se de concluir que se impõe quase como um imperativo categórico kantiano um “julgamento necessário” e não apenas que se configura como aceitável ou possível um “julgamento diferente”.
Além disso, é consabido que a jurisprudência e a doutrina entendem de forma unânime que o recurso do julgamento da matéria de facto não se traduz na realização de um novo e inteiro julgamento pelo tribunal recorrido, antes constituindo um meio de sanar evidentes erros, devidamente circunscritos, sendo certo que não se pode negar que a verificação de um desse erros de julgamento possa ter consequências mais ou menos extensas na decisão da matéria de facto, consoante a sua relevância e a matéria a que respeitar. Seguro é que uma pretensão recursiva de inconformismo genérico e total com o julgamento da matéria de facto, traduzida na proposta de uma completa inversão do decidido se afigura como quase inaceitável à luz do teor da nossa lei e da interpretação que dela é feita, como se disse.
O princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127.º do Código de Processo Penal, estatui que o tribunal aprecia o valor da prova de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção; a ele se contrapõe ao princípio da prova legal, nos termos do qual o valor dos meios de prova é legalmente tarifado.
“O princípio da livre apreciação da prova significa, negativamente, a ausência de critérios legais que predeterminem o valor da prova e, positivamente, que as entidades a quem caiba valorar a prova o façam de acordo com o dever de perseguir a realização da justiça e a descoberta da verdade material, numa apreciação que terá de ser sempre objetivável, motivável, e, por conseguinte, suscetível de controlo.” – cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Almedina, 4.ª Edição, pag. 202.
Ou seja, este princípio não constitui, evidentemente, uma autorização genérica da lei para decidir de forma arbitrária ou caprichosa, pois a livre convicção terá de resultar sempre de um esforço intelectual e emocional sério, profundo e rigoroso, e da conjugação aturada de todos os elementos nesse campo aproveitáveis dos autos, conferindo e validando essa íntima opção com os dados objetivos e consabidos das regras da experiência, de modo a chegar a uma decisão compreensível e verosímil, da qual até se pode discordar, mas que, intelectualmente, se aceita, pelo menos como possível, razoável, numa palavra, normal. Não é, portanto, necessário que todos concordem com a decisão para que se conclua que foi aplicado o principio em causa com rigor; o que é preciso é que essa decisão observe estritamente os passos e requisitos acima elencados na difícil tarefa de reconstituição histórica e aplicação da lei que aos tribunais incumbe levar a cabo no seu múnus de dirimir litígios na comunidade. Depois disto, e cumprido isto, aceitar ou não a confissão como livre ou eficaz (neste caso, se o crime for punido acima de cinco anos), acreditar nesta ou naquela testemunha, conferir ou não relevância a um documento (sendo autêntico, pode a falsidade afastar o seu valor legal), apoiar-se ou não numa perícia (com especial fundamentação em caso de divergência, é claro), por exemplo, é uma prerrogativa exclusiva do poder jurisdicional. E, como dissemos, este campo da decisão também é sindicável nesta sede, mas para que com ele se bula ter-se-á de concluir pela análise da prova que a decisão assim livremente tomada contraria frontalmente as regras da experiência, põe em causa os mais elementares bom senso e prudência, desafia de modo incontroverso as circunstâncias práticas e humanas da vida, enfim, constitui um autêntico paradoxo, algo que, como demonstraremos, não sucede no caso de que ora nos ocupamos.
Não obstante tudo o que se disse, devemos procurar sempre dar cumprimento ao norteador Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/2010, processo n.º 3518/06-3, citado por Simas Santos/Leal Henriques, Recursos Penais, Rei dos Livros, 9.ª edição, 151, nota 1, segundo o qual “o recurso em matéria de facto (quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto) não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (…) ou da renovação da prova nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer. A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, também se não poderá bastar com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objeto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. (…). Paralelamente, o regime de impugnação das decisões em matéria de facto não consente a afirmação de que o tribunal de recurso «só pode afastar-se do juízo feito pelo julgador de primeira instância, naquilo que não tiver origem nos dois princípios (oralidade e imediação), ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum»”.
Na verdade, costuma ler-se nas posições enunciadas pelos sujeitos processuais, quando ocorre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que lhes é favorável, a proclamatória afirmação de erigir a oralidade e a imediação a sacrossantos e absolutamente inultrapassáveis pressupostos da decisão, inalcançáveis pela Relação, e, por isso, conferidores de inexpugnável solidez ao assim decidido. Como se vê, não é assim, de todo, sendo que os poderes da Relação tanto se dirigem às puras imparidades probatórias como à razoabilidade da operacionalização da livre apreciação da prova, sendo que, em qualquer caso, se tratará sempre de uma imposição, afigurando-se evidente ser mais fácil surpreender essa imposição nos casos de imparidade do que nos restantes - uma coisa é saber se a testemunha A ou o documento x dizem isto ou aquilo, outra é apreciar se o que é dito ou o que está escrito corresponde à verdade. E tenha-se presente que, se bem que a imediação da Relação com as provas pessoais seja impossível de alcançar (salvo nos – inexistentes, de resto - casos de renovação da prova), ela é alcançada com outras provas, como a prova documental, por exemplo, e que a oralidade está decididamente, pelo menos parcialmente, ao alcance desta instância, uma vez que as audiências de julgamento são objeto de gravação áudio digital, sendo possível, pelo menos, ouvir tudo o que é dito, quando é dito e como é dito, o que representa instrumento de análise não totalmente despiciendo – ou seja, mesmo na instância de recurso permanece uma réstia de oralidade, ao contrário de antanho, em que a impugnação da matéria de facto era levada a cabo com base em depoimentos escritos, o que faz, se não toda, muita diferença.
E não há dúvida de que a pretensão aqui formulada pelo recorrente está muito próxima, se não a abraçar mesmo, da dita postura de varrimento completo do decidido, tantos são, comparativamente com os que constam da acusação, os pontos concretos cuja alteração reclama – e repare-se que não são pontos concretos constantes de pontos relativos à numeração da factualidade dada como provada na decisão, são os textos integrais de muitos (praticamente todos, dir-se-ia) desses pontos com função numerativa, metamorfoseando uma condenação numa absolvição.
Vejamos, todavia, as razões em que se estriba o recorrente a este respeito.
Começa por afirmar que não é aceitável a desconsideração a que o tribunal recorrido votou as suas declarações prestadas em audiência de julgamento, segundo a quais, em síntese, na altura em que os factos ocorreram estava em casa da sua mãe, pelo que não podia ter neles participado – explicou que havia fugido do Projeto Homem, refugiou-se em casa da mãe, ia a ... uma ou duas vezes por mês, sempre de autocarro. Admitiu, contudo, que participou com o coarguido num outro crime, mas não neste. Além disso, quando confrontado com a facto de ter sido reconhecido nos autos, manifestou o seu protesto por ter estado numa linha de reconhecimento com dois agentes da PSP, muito mais altos e mais fortes, estando ele ao meio, sendo certo que, como já dissemos, o auto de reconhecimento não permite chegar a tanto, mas também não permite infirmar o que o arguido disse a este respeito, como também já foi sublinhado.
Vejamos o que disse o tribunal a respeito destas declarações:
Apreciando criticamente as declarações do arguido refira-se que elas só convenceram o Tribunal na parte em que se mostraram concordantes com a demais prova produzida (dos documentos constantes dos autos resulta que ao arguido foi aplicada a medida de coacção e obrigação de permanência na habitação que ele cumpria no Projecto Homem todavia, em Janeiro de 2021, o arguido fugiu para parte incerta, tendo sido interceptado em data posterior àquela a que se reportam os autos e tendo-lhe então sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva). No demais, as declarações do arguido mostraram-se claramente comprometidas e parciais. Além disso, na parte em que negou a matéria de facto dada como provada, as declarações do arguido apresentaram-se desprovidas de corroborações periféricas indubitavelmente válidas e foram frontalmente contrariadas por prova clara em sentido diferente (isto é, em sentido convergente com o que se deu por provado).
Ora, desde já se pode afirmar que a apreciação crítica das declarações do arguido se afigura, por um lado, como algo tautológica (comprometidas e parciais – efetivamente, não é de esperar um arguido nobremente descomprometido e imparcial, lembrando até que essas serão as mais elevadas características do julgador), e, por outro lado, como atribuidora de uma espécie de mácula genética que só pode ser redimida por uma qualquer confirmação adjacente. Diferente, e, em tese, mais convincente, natureza tem ou pode ter o segmento de que as declarações do arguido foram frontalmente contrariadas por prova clara em sentido diferente (isto é, em sentido convergente com o que se deu por provado), equivalendo este excerto à afirmação de que o tribunal acreditou nestas provas e com base nelas fundou a sua convicção, pelo que terá sido por isso que assim decidiu, e não por falta de confirmação periférica do que disse o arguido.
Essas provas são, segundo a decisão, o depoimento da vítima e o reconhecimento por si efetuado nos autos, sendo certo que é, precisamente, em relação ao valor de tal reconhecimento que o recorrente se insurge, designadamente se compaginado com as declarações da vítima em audiência de julgamento e nos autos a este respeito.
Ora, ouvimos o depoimento na íntegra (tal como ouvimos na íntegra as declarações do arguido), e concordamos com a decisão recorrida no que concerne à descrição dos factos, ao número de intervenientes, à utilização de um objeto com uma lâmina e ao caráter impositivo da ação, não resultando da argumentação recursiva qualquer diferente imposição probatória, que, a ser atendida, implicaria, na prática o aludido varrimento geral do decidido – é verdade, que há algumas hesitações em relação ao número de intervenientes, mas devem-se mais à forma como a testemunha procurou reproduzir a atuação da pessoa que o abordou do que à sua convicção de que eram dois, mais não seja pela proximidade física de ambos, pela abordagem por um e pela posse do objeto com lâmina por outro; quanto ao objeto, também ocorrem algumas hesitações, afirmando que o não mostraram, mas que o viu, esclarecendo que queria dizer que não lho apontaram, mas que lhe deram conhecimento que o tinham e que o viu; quanto ao facto de inicialmente ter referido que lhe pediram por favor para entregar o dinheiro, esclareceu que foi um lapso, sendo certo que muitas vezes se dão autênticas ordens acompanhadas dessa expressão de cortesia, que, nesse contexto, deixa, naturalmente, de o ser, e passa a ser um reforço do comando. Todavia, a partir daqui, e em pontos fulcrais do depoimento, o grau de certeza, de segurança e de espontaneidade estão seriamente comprometidos, não podendo aceitar-se a apreciação de que este depoimento é prova clara, como faz o tribunal recorrido. Na verdade, perguntado sobre se os autores dos factos usavam máscaras sanitárias de proteção (era altura da pandemia COVID-19), disse não se recordar (minuto 16:00), o que é, pelo menos, desconcertante, pois alguém que é vítima de roubo não ter presente este relevantíssimo pormenor é, no mínimo, inusitado, sendo certo que nas declarações que prestou em inquérito, que foram lidas em audiência, afirmou que um deles a usava; depois, disse que não teve qualquer dúvida quando fez os reconhecimentos (16:20), mas, simultaneamente, afirmou que só fez um (17:00), o que suscitou o mais vivo espanto da acusação, pois os autos demonstram dois, e espaçados no tempo por meses (23/09/21 e 24/02/22), mantendo, quando perguntado, que não teve dúvidas na identificação – ora, um ou dois atos processuais deste jaez, salvo explicação a preceito, ficam certamente na memória de quem os realizou, especialmente se forem, como são, casos singulares de vida; mais perturbador ainda, no que concerne à solidez deste depoimento nesta parte (e relembremos o quão isso é importante, atento o que antes dissemos sobre a prova por reconhecimento aqui em causa), são as respostas que deu às instâncias que lhe foram formuladas pela defesa, pois não conseguiu recordar se nos reconhecimentos havia ou não pessoas de máscara (26:09), nem se eram todos de raça branca (26:30) – recorde-se que um dos suspeitos presentes num dos reconhecimentos era de raça negra -, não obstante esclarecer que se recorda melhor do reconhecimento que foi fazer mais tarde, que é, precisamente, aquele em que estava em causa um suspeito de raça negra, sendo certo que será quase cómico, para não dizer outra coisa, promover um reconhecimento de um suspeito de raça negra com dois figurantes de raça branca; depois de todo este atabalhoamento testemunhal, o julgador (27:00), numa última demanda de indagação de segurança desta parte do depoimento, e fazendo-o, embora não intencionalmente, como é óbvio, com alguma aspereza, inquire Oh Sr. BB, mesmo em relação ao primeiro reconhecimento, mesmo com máscara ou sem máscara, o Sr. teve alguma dúvida no reconhecimento, o Sr. disse que foi rápido, mas eu fiquei com a sensação de que foi rápido porque o Sr. reconheceu-o logo, foi isso, ao que a testemunha anuiu laconicamente (sim, sim), mas sem grande convicção, após o que se insistiu foi isso, o Sr. ficou com alguma dúvida que era aquela pessoa ou não, não tenha problemas em dizer olhe afinal tive dúvida, não teve nenhuma dúvida?, ao que, de novo, e após ensurdecedora pausa de 4 segundos, a testemunha disse, ainda mais laconicamente, não. É verdade que passou tempo relevante desde a prática dos factos, e desde a realização dos aludidos reconhecimentos, mas não é menos verdade que a traumatizante experiência de ser vítima de um roubo demanda melhor memorização e fixação de determinados pormenores, ou, pelo menos, assim o exigem a normalidade, a razoabilidade e verosimilhança, sendo certo, também, que estas anómalas dessincronizações podem, eventualmente, ocorrer, e não inquinar a prova de que emanam, mas carecem de explicação, de justificação para poderem ser compreendidas e, portanto, aceites, algo que, neste contexto, não se afigura intuitivo ou apriorístico, sendo certo que não há o mais ínfimo resquício da aludida sustentação da irrazoável memória da testemunha. E é seguro para nós que a demanda final do julgador, acima transcrita, se bem que eivada de reta intenção, se afigura ineficaz para alcançar a almejada segurança, atento o voluntarismo com que é levada a cabo, bastando para tanto comparar o número de palavras da indagação, e o lapso de tempo por elas ocupado, com o tempo que foi consumido com as respostas, secas e quase meramente confirmadoras do afirmado na indagação – não pode ser assim. E, note-se bem, mesmo nas demais ocasiões em que durante o seu depoimento disse que reconheceu sem dúvidas os suspeitos, acima mencionadas, fê-lo confirmando o que lhe era perguntado nesse sentido, sempre de modo lacónico, e, em nosso entender, muito pouco convicto. Afirmamos, convictamente, que uma verdadeira prova por reconhecimento, que preencha os requisitos acima enunciados, e por nós exigidos para assim ser considerada, não carece de confirmação em julgamento por parte de quem fez o reconhecimento, mas uma tal diligência probatória acometida das surpreendidas fragilidades demanda uma apreciação de fino, finíssimo, dir-se-ia, crivo jurisdicional, sob pena de se poder cometer grave injustiça, não obstante a aparente satisfação da estrita legalidade.
A restante prova testemunhal consiste apenas no depoimento da mãe do ofendido, que apenas reproduz o que este lhe contou, com ligeiras discrepâncias, quase irrelevantes, tendo o tribunal atendido em geral ao que afirmou aquele, e fez essa opção de modo coerente e perfeitamente justificado. O problema nos autos é de outro nível, e tem que ver com a segurança revelada pelo ofendido em relação à autoria dos factos, bem como a parte relevante destes que com essa questão se conexionam diretamente, e, não menos importante, ao modo como se referiu ao fulcral reconhecimento(s) feito nos autos, em que participou, e às condições em que tal diligência se realizou.
Note-se que em nada interessa aqui convocar as declarações do arguido, cujo convenientíssimo alibi se afigura até como de facílima convocação e dificílimo escrutínio - estar em casa da mãe na altura dos factos é quase um clássico, sendo certo que ainda que tal não fosse verdade, muito dificilmente uma mãe o negaria em tribunal, ainda que com mágoa pelos eventuais atos do filho, porque, como muito bem dizia Velira, a nossa mãe é a única pessoa que nos ama sem condições, que nada nos exige em troca - nem mesmo o nosso amor. Assim, embora o tribunal recorrido o não tenha dito expressamente, parece-nos que foi esta a ideia que presidiu à desconsideração das ditas declarações, que traduzem algo tão conveniente quão hermético e insondável, características de tal modo singulares que demandariam alguma confirmação credível adjacente, pois dois dos principais crivos da decisão jurisdicional em sede de cognição de facto, a verosimilhança e a razoabilidade, quadram mal ou com muita dificuldade com a extrema conveniência, salvo justificação ou explicação bastante e satisfatória, que não ocorreu no caso, pois as coincidências probatórias a este respeito invocadas no recurso não passam disso – tão só coincidências, e convenientes.
O verdadeiro problema situa-se a montante, ou seja, na prova apresentada pela acusação, que, ainda que o arguido se tivesse remetido ao silêncio (Pitágoras dizia, com propriedade, se o que tens a dizer não é mais belo que o silêncio, então cala-te), mereceria sempre da nossa parte o veredicto já enunciado, atenta a neblina que sobre si recai em segmento essencial do seu conteúdo.
Assim sendo, este é um daqueles casos em que a prova produzida impõe decisão diversa.
Trata-se aqui da imposição de atuação do princípio in dubio pro reo, por se entender que o tribunal recorrido ultrapassou indevidamente um estado de, pelo menos, dúvida razoável.
Não se pode dizer que o tribunal recorrido violou este princípio, atento o teor da decisão.
Recorde-se que este princípio não constitui regra de apreciação da prova, mas antes regra de decisão da prova, caso surja uma dúvida razoável em relação aos factos incriminadores ou que excluem a ilicitude ou a culpa. Não há por isso que apreciar as provas em favor dos arguidos; deve é decidir-se em favor dos arguidos se estas forem dúbias.
“Produzida a prova (artigos 340. º e 341.º do CPP), o tribunal aprecia a mesma segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, que deverá ser sempre objetivável e motivável (artigo 127.º do CPP), concluindo que foi produzida prova dos factos imputados ao arguido, caso em que os mesmos são dados como provados; que não foi produzida prova de tais factos, caso em que os mesmos são dados como não provados; ou que, apesar da prova produzida, ficou aquém da dúvida razoável, caso em que dá como provados os favoráveis ao arguido.” – cfr. Maria João Antunes, in Direito Processual Penal, 4.ª Edição, Almedina, pag. 205.
Portanto, o princípio do in dubio pro reo não é um princípio fundamental em matéria de apreciação da prova – mau era que se fosse apreciar as provas logo com princípios dubitativos orientadores. É uma regra de decisão da prova, como se disse, e, para alguns, está implícito no princípio da presunção de inocência, previsto no art.º 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Ora, para haver violação do princípio do in dúbio pro reo tem de existir uma dúvida no espírito do tribunal; e se da decisão recorrida não resultar a existência dessa dúvida, não poderá, evidentemente, ocorrer violação desse princípio. Assim, este princípio só é violado de o tribunal assumir ou manifestar dúvidas em relação à matéria de facto e, não obstante, condenar o arguido. Diferente será a situação se em sede de recurso da matéria de facto, nos termos do art.º 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, ou por entender que ocorre erro notório na apreciação da prova, o tribunal de recurso decidir que se impõe a opção por uma dúvida razoável, não sendo aceitáveis as certezas do tribunal recorrido, caso em que aplicará tal regra de decisão da matéria de facto e dará como não provados (ou provados, se forem favoráveis) os factos sobre os quais, em seu entender, incidem essas dúvidas.
Assim, na verdade, a pretensão recursiva consiste em afirmar que o tribunal recorrido devia entender que não havia prova ou, pelo menos, que era imperioso permanecer numa dúvida insanável, e retirar daí as devidas consequências jurídico-processuais; isso é legítimo; e não tendo o tribunal recorrido assim entendido, para se alterar esse entendimento, terá que decidir o tribunal de recurso que se impõe que seja de outro modo, com os fundamentos já em cima enunciados. E pode fazê-lo ou não, em sua livre consciência. E isto também é legítimo – é, precisamente, o que aqui sucede.
Conclui-se, assim, que assiste razão ao recorrente na impugnação do julgamento de facto, impondo as aludidas imperfeições probatórias a opção por uma dúvida razoável em relação à autoria dos factos em julgamento por parte do aqui arguido, o que determina que essa factualidade, e apenas essa e a que esteja diretamente com ela relacionada, seja, nesta instância, julgada como não provada, em obediência ao princípio in dubio pro reo.
Assim sendo, nos factos dados como provados será eliminado o nome do arguido e será incluído o segmento pessoa não concretamente identificada, ficando a constar nos factos não provados que o arguido tenha sido o autor dos factos dados como provados, bem como a materialidade concernente à tipicidade subjetiva, culpa e consciência da ilicitude, enquanto imputada ao aqui recorrente.
Esta decisão implica, naturalmente a absolvição do arguido da prática do crime pelo qual foi julgado, porque se não apurou nos autos qualquer facto por si praticado.
C Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, deve revogar-se a condenação do ora recorrente no pagamento ao ofendido BB a quantia de 250,00 euros (duzentos e cinquenta euros), arbitrada pelo facto de este ter estatuto de vítima especialmente vulnerável, nos termos do disposto no art.º 82.º-A, do C.P.P., e de se não ter oposto à fixação da mesma?
Com decorrência natural e óbvia da decisão dada à anterior questão, também a condenação a que aqui se alude deve ser abrangida pela revogação da decisão recorrida.
III DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso apresentado por AA, e, em consequência: A) Revogam parcialmente o julgamento de facto, eliminando o nome do arguido dos factos dados como provados, que será substituído pelo segmento pessoa não concretamente identificada, passando a constar nos factos dados como não provados que o arguido tenha sido o autor dos factos dados como provados, bem como a materialidade concernente à tipicidade subjetiva, culpa e consciência da ilicitude, enquanto imputada ao aqui recorrente; B) Absolvem o arguido AA da prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, al. f) e 4, ambos do Código Penal, bem como do pagamento da quantia 250,00€ a BB.
Sem tributação.
Guimarães, 19 de Novembro de 2024,
Os Juízes Desembargadores
Bráulio Martins
Cristina Xavier da Fonseca
Isilda Pinho