Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
DISPENSA
TRÂNSITO EM JULGADO
REFORMA DA DECISÃO
Sumário
I. A preclusão do direito de pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por via da aplicação da jurisprudência uniformizadora - AUJ n.º 1/2022 – «tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.» II. Em termos de meio processual para formular tal pedido, e em relação à instância recursória, o mesmo deve ser apresentado por meio de requerimento antes da prolação do Acórdão, podendo também ser apreciado oficiosamente na decisão proferida. III. Não se verificando nenhuma dessas situações, a parte pode requerer a reforma da decisão quanto a custas, no prazo de 10 dias após a notificação da decisão, se a mesma não for recorrível, ou na alegação em caso de ter sido interposto recurso. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Processo n.º 3631/22.4T8LLE-D.E1
Acordam em Conferência na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora
I. O BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., Apelante neste Apenso, notificado do Acórdão proferido em 12-09-2024, por via eletrónica em 13-09-2024, apresentou nos autos, em 27-09-2024 (pagando a multa prevista no artigo 139.º, n.º 5, alínea a), do CPC), ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
À cautela e subsidiariamente, pediu a reforma da decisão quanto a custas, nos termos do artigo 616.º ex vi do artigo 666.º, n.º 1, ambos do CPC, pugnando, do mesmo modo, pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Alega fundamentalmente que a execução tem o valor de €23.509.428,10 e que o valor do remanescente da taxa de justiça pode acender a €142.290,00, valor manifestamente desproporcionado e irrazoável considerando a falta de complexidade da causa e conduta processual das partes, o que viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso ao direito.
Concluiu do seguinte modo: «a) Ser o Recorrente dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, em conjugação com a Tabela I-A e I-B e o parágrafo que a ela se segue, anexa ao RCP, sob pena de violação dos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. b) Caso se entenda que o meio processualmente adequado para o pedido é a reforma (e não simples requerimento), deve ser reformada a decisão ora em crise, dispensando-se o Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, em conjugação com a Tabela I-A e I-B e o parágrafo que a ela se segue, anexa ao RCP, sob pena de violação dos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.»
II. Foi dado cumprimento ao princípio do contraditório, nada tendo vindo aos autos.
Foram colhidos os vistos.
III. Relevam para a apreciação do requerido, os seguintes elementos fáctico-jurídicos:
1. O valor da causa e do recurso corresponde a €23.509.428,10.
2. O valor máximo da taxa de justiça da Tabela I-B é de €275.000,00.
3. O valor do remanescente da taxa de justiça corresponde a €142.290,00 (€23.509.428,10 - €275.000,00 = €23.234.428,10:€25.000,00 = 930 frações x 1,5UC (Tabela I-B) = 1,395,00 UC x €102,00= €142.290,00).
4. O Recorrente pagou de taxa de justiça pela interposição do recurso no valor de €816,00.
5. O valor da taxa de justiça devida a final é de €141.474,00 (€142.137,00 - €816,00).
IV. Cumpre, agora, apreciar o requerido. Previamente:
1. Meio processual para pedir a dispensa do remanescente da taxa de justiça e respetivo prazo
Esta questão foi objeto de decisões superiores divergentes de tal modo que deu azo à prolação de jurisprudência uniformizadora (AUJ n.º 1/2022[1]) nos seguintes termos: «A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.»
Em relação ao meio processual para a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e no caso dos recursos, não tendo a parte apresentado requerimento com essa finalidade, antes da prolação do acórdão, nem tendo o acórdão oficiosamente dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, de acordo com a jurisprudência uniformizadora, resta à parte, dentro do prazo de 10 dias após a notificação do acórdão, requerer a reforma quanto a custas (artigo 616.º, n.º 1, e 149.º, n.º 1, do CPC), ou, havendo recurso da decisão do coletivo que condenou a parte em custas, apresentar o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na alegação do recurso (artigo 616.º, n.º 3, do CPC).
No caso sub judice, verifica-se que o Apelante, vencido no recurso, foi condenado nas custas devidas pelo recurso sem que tenha havido pedido anterior do mesmo ou apreciação oficiosa da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Porém, o Apelante no prazo de 10 dias (com acréscimo de um dia de multa) apresentou requerimento a pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e, subsidiariamente, pediu a reforma quanto a custas.
Por conseguinte, e em face dos fundamentos jurídicos prevalecentes na jurisprudência uniformizadora, entende-se que o requerimento autónomo não é o meio adequado para formulação de tal pedido após já ter sido proferida a condenação em custas, mas antes o pedido de reforma, que, no caso, foi deduzido subsidiariamente.
Nestes termos, decide-se apreciar o requerido em termos de pedido e reforma do acórdão quanto a custas.
Passando-se, então, a conhecer da questão principal suscitada.
2. Dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça
Como decorre do artigo 529.º, n.º 2, do CPC, a taxa de justiça é devida pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor da causa e da complexidade da mesma, nos termos do RCP.
Dispõe o artigo 1.º, n.º 1, do RCP, que todos os processos estão sujeitos a custas nos termos fixados neste diploma e o n.º 2 do mesmo normativo que para esse efeito «considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dará origem a uma tributação própria.»
Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RCP, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da Tabela I-A, que faz parte integrante do mesmo, sendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, nos recursos a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B.
A lei permite, contudo, a flexibilização na concreta aplicação ao caso concreto. Tanto permitindo a agravação da tributação aos casos de especial complexidade (artigo 530.º, n.º 7, do CPC e artigo 6.º, n.º 5, do RCP), como permite a redução ou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça se a situação o justificar, atendendo, nomeadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes (artigo 6.º, n.º 7, do RCP).
Nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, na redação dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13/02: “Nas causas de valor superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
No caso, o valor da ação e do recurso cifra-se em €23.509.428,10, pelo que a taxa de justiça remanescente pode ser reduzida ou dispensada por o valor da ação ser superior a €275.000,00.
Entendimento que se encontra sufragado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 421/2013[2], que, para além do mais, aferiu da constitucionalidade do artigo 6.º do RCP, pronunciando-se no sentido do juiz, fundamentadamente e em face do caso concreto, poder reduzir a taxa de justiça remanescente, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
A elasticidade do sistema visa salvaguardar o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição de excesso, decorrente do artigo 2.º da CRP, uma vez que a violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação desembocam numa ilegítima restrição no acesso à justiça.[3]
Na aferição da proporcionalidade, como refere o STJ[4] é de atender «antes de mais, à correlação entre o montante das custas e a utilidade económica da causa, ao princípio da igualdade e ao particular circunstancialismo dos autos.»
A complexidade da causa reporta-se não apenas aos aspetos substantivos do litígio, mas igualmente aos processuais, nomeadamente, à extensão e densidade dos articulados e correlativo esforço de compreensão dos mesmos, à natureza e complexidade dos incidentes suscitados, à complexidade e morosidade na aferição e produção da prova, às questões de facto e de direito suscitadas, aos recursos interpostos.
Nos presentes autos, as questões apreciadas no recurso consistiam em aferir da nulidade do despacho recorrido e da suspensão da execução sem prestação de caução.
A maior dificuldade e demora na apreciação das questões decorreu da necessidade de analisar o vasto acervo documental junto aos autos e compreender o sentido probatório do mesmo para aferir da razão do pedido de suspensão da execução sem prestação de caução.
De qualquer modo, não se pode considerar que o recurso revelou uma complexidade excessiva.
Quanto à conduta processual dos requerentes, a relevar positiva ou negativamente, prende-se com o princípio da colaboração previsto no artigo 7.º do CPC, com vista à resolução célere, eficaz e justa do litígio, sempre sem prejuízo da defesa dos interesses respetivos.
Nada encontramos nos autos que justifique uma valoração negativa do comportamento dos litigantes.
Quanto ao valor da causa e do recurso, o mesmo é elevado, evidenciando pela utilidade económica do pedido, juízo que, naturalmente, tem de se abstrair do concreto resultado da lide.
Para as partes a utilidade económica do recurso deriva do valor da quantia exequenda.
Atendendo ao valor da taxa de justiça já pago pelo Recorrente e o altíssimo valor do remanescente da taxa de justiça, nos termos acima referidos, que ascende a €142.137,00, considerado a referida regra de proporcionalidade e adequação, tendo o Recorrente já pago a taxa de justiça devida resposta ao recurso no montante de €816,00, entende-se que este valor é adequado e proporcional ao serviço de justiça prestado, pelo que se justifica, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devido pelo Recorrente.
V. Nos termos e pelas razões expostas, acordam, em Conferência, em reformar o Acórdão proferido neste Apenso, em 12-09-2024, dispensando o Apelante BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. do pagamento do remanescente da taxa de justiça aplicável ao recurso .
Sem custas.
Évora, 05-12-2024
(Maria Adelaide Domingos – Relatora)
(Manuel Bargado – 1.ª Adjunto)
(Francisco Xavier – 2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Publicado no DR n.º 1/2022, Série I de 03-01-2022, pp. 31-71.
[2] DR, II, n.º 209, de 16/10/2013. Foi concretamente decidido: «Julga inconstitucionais as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.»
[3] Cfr., entre outros, acórdão do Tribunal Constitucional de n.º 471/2007, de 25/09/200, in DR, II, de 31/10/2007.
[4] Ac. STJ, de 12.12.20013, proc. 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, em www.dgsi.pt.