Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
AGREGADO FAMILIAR
VALOR DA PRESTAÇÃO
Sumário
I. Na fixação da prestação devida pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, ao abrigo da Lei nº 75/98, de 19/11, importa atender, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às actuais necessidades do(s) menor(es) II. Assim, ainda que se deva considerar que, por regra, o valor da prestação de alimentos que foi judicialmente fixada ao devedor, cujo incumprimento deu origem à intervenção do Fundo, é o que se adequa às necessidades do menor, nada obsta que a prestação do Fundo seja fixada em valor inferior nas situações em que tenha existido alteração dos pressupostos que determinaram a fixação desta prestação. III. Mantendo-se o status quo da capacidade económica do agregado familiar, tendo a pensão sido fixada há mais de 10 anos, sem que tenha sido objecto de qualquer actualização por parte do progenitor, e tendo em atenção a tendência ascendente das despesas com o crescimento das crianças, é de fixar a cargo do FGADM prestação de montante igual ao fixado para o progenitor. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
c, veio, por apenso ao processo de Regulação das Responsabilidades Parentais dos seus filhos menores L, M e N, intentar incidente de incumprimento da prestação de obrigação de alimentos, nos termos do art. 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, requerendo a cobrança coerciva da pensão de alimentos, nos termos do art. 48.º do Citado diploma, contra b.
Fundamentou a requerente a sua pretensão alegando, em suma, o seguinte:
1. Por sentença, transitada em julgado, foi fixado que para fazer face às despesas necessárias ao sustento das menores L e M o pai contribuiria com a quantia mensal de € 100,00 para cada menor, até ao dia 15 de cada mês, e para fazer face às mesmas despesas do menor N o pai contribuiria com a quantia de € 40,00 mensais, a pagar até ao dia 8 de cada mês;
2. Os menores residem com a requerente sendo esta quem suporta todas as despesas com os mesmos;
3. Desde Janeiro de 2013 que o requerido não paga a pensão de alimentos fixada às menores L e M, no montante total – à data de Março de 2023 – de € 24 600,00;
4. Desde Janeiro de 2019 que o requerido não paga a quanto devida a título de alimentos ao menor N, no montante total – à data de Março de 2023 – de € 2 040,00.
5. É incomportável para a requerente suportar as despesas integrais de todos os menores.
Termina assim requerendo que seja decretado o respectivo incumprimento, sendo o requerido condenado no pagamento da quantia de € 26 640,00, acrescida de juros, devendo ser ordenada a cobrança coerciva da pensão de alimentos.
Nos termos do disposto no art. 41.º do RGPTC ordenou-se a notificação do requerido para alegar o que tivesse por conveniente, sob pena de se considerarem confessados os factos alegados, não tendo este, por qualquer forma, intervindo nos autos.
Por promoção de 18-10-2023 requereu-se a procedência do pedido assim como a realização de diligencias com vista ao apuramento dos rendimentos auferidos pelo requerido.
A 23-12-2023 foi proferida sentença, rectificada por despacho de 08-02-2023, na qual, o tribunal recorrido:
“ julg(ou) procedente pedido da requerente e, em consequência, condena o requerido B, a pagar-lhe a quantia respeitante às pensões de alimentos devidas às filhas menores L, M e N, vencidas e não pagas no valor de 26.640,00€ (vinte e seis mil seiscentos e quarenta euros) até à data da propositura deste incidente e nas que entretanto se venceram e não foram pagas, e nas vincendas à razão de €200,00 (duzentos euros) mensais – 100€ ( cem euros) por cada uma das menores e € 40,00 pelo menor”.
Por requerimento de 06-03-2024 veio a requerente informar os autos que o requerido não havia liquidado as pensões de alimento em que foi condenado nem as que se venceram posteriormente e, face ao resultado das pesquisas negativas aos rendimentos deste, requerer que as despesas sejam suportadas pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do mesmo, nos termos do art. 3.º da Lei 164/99, de 13-05.
Foi solicitado inquérito de avaliação às necessidades e situação sócio económica dos menores e seu agregado familiar, o qual foi junto aos autos em 20-05-2024.
Indo os autos com vista ao M.P. pelo Exmo. Sr. Procurador da República foi promovida a intervenção do FGADM, no valor da pensão de alimentos fixada, em substituição do progenitor incumpridor.
A 28-07-2024 foi proferida decisão (decisão recorrida) nos seguintes termos:
“Pelo exposto, o Tribunal fixa, a título de pensão de alimentos mensal devida às menores a quantia de € 65,00 (sessenta e cinco euros) mensais a suportar pelo FGADM.
Sem custas.
Notifique nos termos do artigo 4º/3 do DL 164/99 de 13/05.”
Inconformada com tal decisão, veio a requerente C interpor recurso da mesmo, em 16-09-2024, juntando as respectivas alegações, nas quais concluiu da seguinte forma:
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls., que decidiu fixar a título de pensão de alimentos mensal devida aos menores L, M E N a quantia de € 65,00 (setenta e cinco euros) mensais cada, a suportar pelo FGADM.
B) A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, pelo que, está em causa apreciar se a prestação a estabelecer a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGAM) deverá ser reduzida para € 65,00/mês, quando o valor da prestação fixada ao obrigado a alimentos é de € 100,00/mês.
C) Por doutas sentenças de fls., já transitadas em julgado, ficou fixado que, para fazer face às despesas necessárias ao sustento das menores L e M, “(9) 9. A título de alimentos o pai contribuirá com a quantia de 100,00€ (cem euros) mensais, para cada menor (9)” e que para fazer face às despesas necessárias ao sustento do menor N, “(9) 10. A título de alimentos o pai contribuirá com a quantia de 40,00€ (quarenta euros) mensais (9)”.
D) O Requerido condenado ao pagamento da quantia respeitante às pensões de alimentos devidas aos filhos não efectuou o pagamento das mesmas.
E) A Recorrente solicitou a intervenção do FGAM, em substituição do Requerido, para garantir o pagamento da pensão de alimentos, tendo sido ordenado que se procedesse a Inquérito nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 164/99 de 13/05, o que aconteceu.
F) A obrigação de garantia de alimentos por parte do Estado é norteada por factores de ordem social e constitucional de protecção à infância e do bem-estar da criança.
G) O valor mensal a fixar pelo Tribunal a título de prestação de alimentos deve ser determinado em função da ponderação dos factores sociais e económicos do agregado familiar em que os menores se inserem e, nessa medida, aferida a capacidade económica dos progenitores e as necessidades dos menores, de acordo com a idade destes e as condições específicas que revele.
H) Na sequência da realização do inquérito, resulta dos autos que a Recorrente reside com os seus três filhos menores e com um tio, sendo única e exclusivamente dos parcos rendimentos da Recorrente, da PSI, do complemento do tio, do apoio à habitação, e do abono de família, que o agregado familiar subsiste, tendo nessa medida sido verificada a condição de recursos, uma vez que o rendimento per capita se situa no montante de Eur: 397,76€.
I) É a Recorrente que suporta todas as despesas com os menores e as despesas básicas do agregado familiar, como sendo água, luz, gás, alimentação, etc.,
J) Conclui-se que a Recorrente reúne as condições legalmente previstas para beneficiar da prestação social do FGAM.
K) O parecer do MP que figura nos autos a fim de acautelar o superior interesse dos menores foi no sentido de “Promovo a intervenção do FGADM, devendo o mesmo proceder ao pagamento do valor da pensão de alimentos em substituição do progenitor incumpridor.”.
L) Salvo melhor opinião, e ao contrário do que resulta do relatório social e da promoção do MP o Tribunal “a quo” andou mal ao decidir como decidiu, fixando apenas o valor de Eur: 65,00€ para cada menor, a suportar pelo FGAM.
M) A experiência e o senso comum dizem-nos que as despesas suportadas com menores tendem a aumentar, ou não fosse a idade daqueles evoluir e as despesas associadas aumentarem.
N) Pelo que, a quantia de Eur: 65,00€ a título de pensão de alimentos fixada e a suportar pelo FGAM é insuficiente para que a Requerente, sozinha, consiga fazer face às despesas dos menores.
O) Se o progenitor obrigado ao pagamento da pensão de alimentos não a suporta, privando a criança desse direito essencial, é o Estado que irá suprir a sua falta.
P) Tendo a obrigação do FGAM uma função de garantia relativa à obrigação do progenitor faltoso em prestar alimentos ao menor, a que, enquanto progenitor estava obrigado, e não satisfez, e que também não foi possível cobrar coercivamente, não deve a mesma ser reduzida, mas sim mantida.
Q) Dos autos resulta a capacidade económica do agregado familiar e as necessidades específicas dos menores, requisitos legais e essenciais para ser atribuído o FGAM, os quais não foram postos em causa, pela decisão em análise.
R) Andou mal o Tribunal “a quo” a ter proferido a decisão no sentido de ser reduzida a prestação mensal a ser paga pelo FGAM, a qual, salvo melhor opinião não se encontra minimamente fundamentada.
S) Mal andou o tribunal ao decidir no sentido de “não sendo obrigatório que a mesma coincida com a fixada em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais, atento a natureza social e jurídica de tal intervenção”.
T) Não se pode aceitar que estando em causa a prestação de alimentos aos menores, o valor mensal fixado inicialmente pelo Tribunal, que na data da fixação auferiu as condições do agregado familiar daquele e as suas necessidades, venha agora, alterar a mesma, reduzindo a prestação, quando a tendência face ao decurso do tempo e em função das circunstâncias concretas é que as despesas sejam superiores.
U) Os menores vão continuar a crescer e vão aumentar as suas necessidades com o início/continuação da actividade escolar e condição física.
V) É uma realidade e um circunstancialismo fáctico que não pode deixar de ser ponderado no juízo valorativo a efectuar no momento da emanação de qualquer decisão, situação que o Tribunal “a quo” não considerou.
W) O montante de Eur: 100,00 mensais judicialmente fixado a título de alimentos devidos pelo pai aos menores mostra-se ajustado à efectiva e actual condição económica do agregado familiar das crianças e às concretas necessidades de sustento destas, não se evidenciando que tenham ocorrido quaisquer alterações aos pressupostos em que assentou a determinação daquele valor no processo principal ou o desajuste de tal atribuição, sendo que, os montantes indicados não sofreram actualização desde a data da sua estipulação.
X) A situação actual dos menores e do agregado familiar em que se inserem revelam que os mesmos continuam a carecer da prestação alimentícia nos exactos termos fixados ao progenitor incumpridor, não se detectando, nomeadamente, a alteração das necessidades de sustento dos indicados menores ou dos rendimentos do agregado familiar da requerente, sua mãe, com quem vivem, que imponham a redução do respectivo valor.
Y) Pelo que a prestação a cargo do FGAM deverá manter-se em montante equivalente ao que foi fixado ao Requerido no processo principal.
Z) Pelo que, deve a decisão recorrida ser revogada e, consequentemente ser substituída por outra que fixe a título de pensão de alimentos mensal devidas aos menores L, M e N a quantia de Eur: 100,00€ (cento e vinte euros) cada, a suportar pelo FGAM.
Devidamente notificado da interposição de recurso e das alegações apresentadas pela recorrente, veio o Ministério Público apresentar alegações nas quais apresentou as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos a Recorrente C veio recorrer do despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal de Família e Menores, o qual determinou fixar “o valor da prestação de alimentos a suportar pelo FGADM em 65,00 (sessenta e cinco) euros mensais para cada menor, montante que se considera adequado ao caso considerando o valor do rendimento mensal global ilíquido - 397,76 euros- e que às menores beneficiam de abono de família com majoração monoparental.”.
2. A progenitora manifestou a sua oposição.
3. Resulta do artigo 4º-A da Lei 75/98 de 19-11que compete ao Juiz fixar o valor a ser pago pelo FGADM, em substituição do progenitor incumpridor, e que tal valor apenas tem como limite máximo o valor de pensão de alimentos fixado na regulação do exercício das responsabilidades parentais, isto é, compete ao Tribunal valorar as necessidades de cada menor e, sendo caso disso, definir um valor adequado, tendo apenas o limite máxima acima referido.
4. Volvendo ao caso concreto, importa aferir se a atribuição do valor de € 65,00 por cada menor é suficiente ou não para satisfação das necessidades dos mesmos, atendendo ao rendimento per capita de € 397,76, tal como referido pela Segurança Social, aquando da elaboração do respectivo relatório social.
5. Entendemos que face às actuais dificuldades, com a carestia e subida da inflação a que assistimos, fenómeno que ainda não cessou, forçoso é de concluir que a quantia de € 100,00 para cada menor é o valor mais adequado à satisfação das necessidades dos menores.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber, no caso concreto:
- do acerto do montante fixado a título de pensão de alimentos a suportar pelo FGADM, relativamente a cada um dos menores.
II . FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido, aos quais se acrescentam os factos resultantes do Relatório do ISS que se passam a elencar:
a)- o agregado familiar da requerente é composto por si, pelos menores L, M e N de, respectivamente, 16, 14 e 8 anos e por um tio da requerente.
b)- em 2024 a L, M e N recebiam €72,00 de abono de família, € 50,00 de garantia para a infância e € 61 de majoração agregado monoparental, cada um.
c)- o rendimento anual ilíquido do agregado, considerando rendimento de trabalho dependente, prestações sociais e apoio à habitação, é de € 15273,93.
d)- a capitação do rendimento do agregado familiar é de € 397,76.
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A questão essencial a decidir consiste em saber se a prestação alimentar a fixar a cargo do FGADM pode e deve corresponder ao montante da prestação fixada por sentença para cada um dos menores ou se, in casu, se justifica uma redução da mesma no que respeita à menores e um incremento no que respeita ao menor.
Isto porque a prestação a que o progenitor se havia obrigado, relativamente à L e à M, era no montante de € 100/mês, cada uma;
E a prestação referente ao N era no montante de € 40/mês.
Assim, se a fixação de € 65/mês, a cargo do FGADM, representa uma diminuição do valor da prestação da L e da M, tendo em atenção a prestação fixada ao progenitor, já em relação ao menor N a fixação em € 65 representa um incremento, em relação àquela.
Trataremos separadamente as duas questões.
Na decisão recorrida justificou-se esse montante nos seguintes termos:
“(…)
Apurou-se que a situação do agregado familiar da requerente e dos menores, reúne as condições económicas para ser admitida a intervenção do FGADM.
No processo de regulação das responsabilidades parentais foi fixado que o requerido contribuiria com 100,00 euros mensais a título de pensão de alimentos para cada menor.
A fixação do valor de alimentos a suportar pelo FGADM não deverá ultrapassar o valor fixado para a pensão de alimentos a que está obrigado o devedor originário, ou seja, o requerido, não sendo obrigatório que a mesma coincida com a fixada em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais, atento a natureza social e jurídica de tal intervenção.
Assim, fixa-se o valor da prestação de alimentos a suportar pelo FGADM em 65,00 (sessenta e cinco) euros mensais para cada menor, montante que se considera adequado ao caso considerando o valor do rendimento mensal global ilíquido - 397,76 euros- e que às menores beneficiam de abono de família com majoração monoparental.” Prestação do menor N:
A pensão de alimentos devida pelo progenitor ao menor N foi fixada, por acordo homologado por sentença, em €40/mês.
A decisão dos autos fixou, indistintamente, em € 65 a prestação a cargo do Fundo, isto é, superior aquela a que o devedor se encontrava obrigado.
Quanto à questão de saber se é legalmente admissível fixar uma prestação alimentar a cargo do FGADM superior àquela que o devedor se encontra obrigado judicialmente sempre se pronunciou negativamente Tomé d’Almeida Ramião.[1]
E assim também se decidiu nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/01/2014, proferido no processo n.º 130/06.5TBCLD-E.L1, e de 20/02/2014, processo n.º 1852/10.1TBTVD-A.L1, ou seja, no sentido de não ser legalmente admissível ultrapassar o montante da prestação alimentar fixada judicialmente a cargo do devedor.
Aí se concluiu que o valor da prestação a fixar a cargo do “Fundo de Garantia”, não poderá, em qualquer caso, ultrapassar o montante da prestação judicialmente fixada ao devedor principal, bem como o seu valor máximo de 1 IAS, por cada devedor, independentemente do número de filhos menores (art.º 2.º/1 da Lei 75/98)[2].
Entretanto, veio o Supremo Tribunal de Justiça uniformizar jurisprudência quanto a esta concreta questão, no seu Acórdão n.º 5/2015, de 19/3/2015 (publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 4 de maio de 2015), nos termos seguintes:
“Nos termos do disposto no artigo 2º da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3º nº 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário”.
Recentemente, reforçando e clarificando este entendimento, o legislador, através da Lei n.º 71/2018, de 31/12 (Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2019), veio no seu art.º 327.º, aditar à Lei n.º 75/98, de 19/11, o art.º 4.º-A, com a seguinte redacção:
1 — O montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos.
2 — Caso tenham sido fixados coeficientes de actualização da pensão de alimentos, devem estes ser considerados na determinação da prestação a atribuir pelo Fundo desde que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público.
3 — A actualização da prestação de alimentos é efectuada oficiosamente pelo Fundo de Garantia aquando da renovação dos pressupostos para a respectiva atribuição e tendo como referência a variação positiva em vigor no termo do ano anterior ao da renovação.
Assim, quer por força do citado AUJ, quer pela introdução da citada disposição legal à Lei n.º 75/98, (em vigor desde 1 de janeiro de 2019), a prestação a fixar a cargo do FGADM não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Todavia, é admitida a actualização oficiosa da prestação pelo FGADM desde que: a) tenham sido fixados coeficientes de actualização da pensão de alimentos; b) a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público.
Daqui decorre, desde logo, não ser possível qualquer outra actualização “para cima” da prestação a cargo do FGADM.
Tendo em atenção que a sentença que fixou o valor da prestação de alimentos ao menor N previu a actualização anual da mesma, fixou o coeficiente de actualização (por referência ao Índice de preços no consumidor fornecida pelo INE) e que a sua liquidação é passível de ser realizada através de simples cálculo aritmético (com recurso a coeficientes de divulgação pública) , o valor da prestação a fixar ao menor N nunca poderia ir além dos € 45,56 (já aplicando os factores de actualização do Índice de Preços ao consumidor tendo como ano inicial 2019 e ano final 2023).
Não obstante, a fixação de uma prestação ao menor N por parte do FGADM, superior à judicialmente fixada ao progenitor, não foi objecto de recurso por parte daquele, razão pela qual não se diminuirá o valor fixado na decisão recorrida, mas também não se aumentará, conforme pretendido pela recorrente.
Por esta razão improcede a apelação na parte em que pretende a fixação de uma prestação da favor do N, a prestar pelo FGADM (no valor de € 100,00), mantendo-se, neste particular, a decisão recorrida. Prestação das menores L e M
No caso das menores L e M a prestação de alimentos a prestar pelo progenitor era no valor de €100/mês a cada uma, prestação essa fixada por sentença de 03-12-2012, sendo que em relação à mesma se previu igualmente a actualização anual de acordo com o índice de inflação após o primeiro ano de pagamento.
Feita essa actualização, o valor da prestação de alimentos a cargo do progenitor cifrar-se-ia, no ano de 2024 no montante mensal de € 118,28 para cada uma das menores.
Não obstante, para efeitos de prestação a suportar pelo FGADM, a decisão recorrida fixou-a em € 65,00 para cada uma das menores.
A lei nº 75/98, de 19-11, que veio a ser regulamentada pelo DL 164/99, de 13 de Maio, criou a «Garantia dos Alimentos Devidos a Menores».
Determinou a referida lei [3] no nº 1 do seu artigo 1º: «1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação».
Especificando o art. 2:
«1 - As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.
2 - Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor».
No preâmbulo do diploma que regulamentou a lei – o acima citado DL 164/99 – mencionou-se que «a Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral» e que «ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida», traduzindo-se «no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna».
Reafirma o nº 1 do art. 5 do DL 164/99 que o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem foram atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso, mencionando o nº 5 do art. 3 que as prestações de alimentos são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
Da conjugação destas disposições afigura-se-nos ser de retirar que a prestação a cargo do Fundo não tem de ser idêntica àquela a que estava obrigado o progenitor faltoso – as prestações a satisfazer pelo Fundo são fixadas pelo tribunal, atendendo à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada ao progenitor e às necessidades específicas do menor (art. 2, nº 2 da lei 75/98 e art. 3, nº 5 do dl 164/99, de 13-5), embora não possam exceder o limite máximo fixado na lei, tendo como bitola máxima o montante fixado para o progenitor inadimplente, conforme entendimento do supra citado AUJ, que sufragamos.
Como diz Remédio Marques [4], a propósito, o Fundo visa «propiciar uma prestação autónoma de segurança social, uma prestação a forfait de um montante, por regra equivalente ao que fora fixado judicialmente – mas que pode ser maior ou menor, sendo certo que as prestações atribuídas não podem exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidades de conta de custas». «A prestação do Fundo de Garantia pode ser superior ou inferior à que tenha sido anteriormente fixada ( …) Se assim não fosse, seria inútil e supérfluo ordenar-se a realização de diligências probatórias e o inquérito social acerca das necessidades do menor (…)». «Vale tudo isto por dizer que ao Tribunal é licito e é exigível efectuar a reponderação da situação de facto do menor à luz da qual fora anteriormente fixada a pensão de alimentos cujo incumprimento tenha dado origem ao pedido de condenação dirigido contra o Fundo de Garantia, já que esta anterior pensão constitui apenas um dos índices de que o julgador se pode servir ao fixar a pensão do Fundo de Garantia…».
Também Helena Melo, João Raposo, Luís Carvalho, Manuel Bargado, Ana Teresa Leal e Felicidade d’Oliveira [5] discorrem no sentido de que o «pagamento levado a cabo pelo Fundo é independente do montante fixado ao obrigado que não cumpriu, embora esse valor seja uma referência para o tribunal das necessidades do alimentado, podendo ser inferior, igual ou superior, devendo o Tribunal atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor».
Aderimos ao entendimento de que a prestação fixada a cargo do FGADM pode ser inferior à prestação a cargo do devedor. Não obstante, é insofismável a afirmação de que o montante da prestação de alimentos fixada ao obrigado é um dos elementos a que o Tribunal terá de atender, não tendo, não obstante, de ficar retido a esse montante como limite inferior. Caso as diligências probatórias a efectuar conduzam no sentido de que o valor necessário para o sustento do(s) menor(es) ser inferior ao fixado por acordo ou sentença, será esse o valor a atender e a fixar pelo Tribunal.
Não obstante, a realidade dos nossos dias demonstram que a regra é as despesas aumentarem, assim como o custo de vida, daí inclusive a razão de ser da previsão de actualização automática das prestações de alimentos.
Conforme se refere no Ac. da R.L. de 22-01-2015 “Aliás, as crianças crescem e as suas despesas aumentam – as despesas de uma criança de três anos não são as mesmas de uma de dez anos. “
De referir que por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentado – Art.º 2003º/1 e 2, do C. C.
O direito a alimentos é um direito actual, pelo que os alimentos têm que corresponder às possibilidades do obrigado e às necessidades do alimentando no momento.
Assim, a prestação alimentar a cargo do progenitor/devedor deve corresponder ao quantum necessário mensal para suprir as necessidades alimentares dos filhos, abrangendo habitação, alimentação, vestuário, higiene, educação, instrução, necessidades medico-medicamentosas e todas as demais carências dos menores durante esse período temporal.
Ora, o art.º 2.º, n.º2, da Lei 75/98 de 19/11, estabelece que para a determinação do montante a cargo do FGADM, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
Também no n.º5 do art.º 3.º do Dec. Lei n.º 164/99, de 13/05E, se refere ao “montante da prestação de alimentos fixada” enquanto critério a atender na fixação dessa prestação, a qual não pode exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.
Por isso, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas assegura o pagamento efectivo duma prestação, desde que o menor deles careça e enquanto o devedor não inicie o seu pagamento ou não cesse essa obrigação, ficando este onerado com o reembolso dessa prestação.
Atentos os elementos constantes dos autos – (i) valor da prestação de alimentos assumida pelo requerido; (ii) data em que o foi; (iii) não pagamento da mesma até à data e, consequentemente, ausência de qualquer actualização monetária, (iv) teor do relatório do ISS e (v) idade das menores e necessidades e despesas inerentes ao crescimento – não vemos razões, tal como o MP junto do Tribunal recorrido, para alterar (reduzindo) o montante da prestação a cargo do FGADM, relativamente ao montante a que o progenitor se havia obrigado.
Procede, pois, a apelação no que respeita às prestações devidas pelo FGADM às menores L e M, que se fixam em € 100 (cem euros)/mês, a cada uma das menores.
***
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação:
- revogando-se a sentença recorrida, na parte em que fixou a prestação do FGADM às menores L e M em € 65,00 (sessenta e cinco euros), substituindo-se por outra, na qual se fixa em 100,00 Euros mensais, a prestação a cargo do Fundo, a cada uma das menores – L e M -, quantia que será actualizada anualmente de acordo com os índices de inflação publicados pelo INE;
- confirmando-se, no demais – prestação referente ao menor N – a decisão recorrida.
Condena-se a recorrente no pagamento das custas, na proporção do decaimento que se fixa em 1/3, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido à apelante.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 5 de Dezembro de 2024
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
Nuno Gonçalves
Teresa Pardal
_______________________________________________________ [1] In “Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada”, 10.ª Edição, 2012, Quid Juris, págs. 198 a 203; e in “Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado”, 2108, 3.ª edição, Quid Juris, págs 203/204 [2] Neste mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos do T. R. Coimbra, de 17/12/2002, Col. Jur. T-V, 2002, pág. 35; de 6/6/2006, Processo n.º 0533453, in www.dgsi.pt, onde pode ler-se, no seu sumário, nomeadamente que “A lei não permite que a substituição do devedor de alimentos pelo FGADM exceda a sua sub-rogação total. Não se pode transmitir um crédito de 50 por mais de 50. O Tribunal pode, dentro do máximo de 4UC, fixar a cargo do FGADM uma prestação mensal de montante igual ou inferior, mas não superior à fixada anteriormente a cargo do obrigado de alimentos”; e de 19/02/2013, Processo n.º 3819/04.0TBLRA-C.C1, Relator: Alberto Ruço, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que “ A prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) prevista no art.º 1.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, não pode ser superior à prestação colocada a cargo do devedor de alimentos”; e bem assim os Acórdãos deste Tribunal da Relação, de 08/11/2012, Processo n.º 1529/03.4TCLRS-A.L2-6, Relator: Aguiar Pereira, disponível em www.dgsi.pt, decidindo que “a prestação de alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em caso de incumprimento, pelo progenitor, da obrigação previamente fixada judicialmente não pode ser estabelecida em montante superior a esta” ; e de 16/01/2014, Agravo nº 306/06.5TBAGH-A.L1, Relator: António Martins. Em sentido contrário se pronunciou o Acórdão do S. T. J. de 04/06/2009, Processo n.º 91/03.2TQPDL.S1, Relatora: Maria dos Prazeres Beleza, acessível em www.dgsi.pt, entendendo que «o montante das prestações cujo pagamento incumbe ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores pode ser superior, igual ou inferior ao da prestação judicialmente fixada e não satisfeita pelo obrigado”; e o Acórdão deste T. R. Lisboa, de 11.07.2013, Processo n.º 5147/03.9TBSXL-B.L1-2, Relatora: Maria José Mouro, acessível em www.dgsi.pt. [3] Sendo a sua versão mais recente a introduzida pela Lei 71/2018, de 31-12. [4] «Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores», Coimbra, 2ª edição, págs. 234 e 237-239. [5] «Poder Paternal e Responsabilidades Parentais», Quid Juris, 2ª edição, pag. 110.