CONTRA-ORDENAÇÃO
ANACOM
LEI DAS COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS
COMPORTAMENTO PADRONIZADO
CONCURSO
Sumário

1. É julgado improcedente o alegado vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código do Processo Penal.
2. No âmbito contraordenacional e ao abrigo do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, aqui aplicável por remissão do artigo 32.º do Regime Geral das Contraordenações, a conclusão sobre se o agente deve ser punido mais do que uma vez, deve basear-se em desvalores de ação individualizáveis e dotadas de sentidos diversos, com referência a situações previstas ou pressupostas pelo tipo legal.
3. Nestes termos, a arguida, relativamente a dois comportamentos padronizados, deve ser condenada não por uma (conforme sustenta a sentença recorrida), nem por três (conforme sustenta a Recorrente Anacom), mas por duas contraordenações muito graves, previstas e punidas pelos artigos 48.º, n.º 16 e 113.º, n.º 2, al. x), n.º 6 e n.º 9, alínea d), da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17/06, em coimas parcelares de 120.000,00 € e 180.000,00 €.
4. Acresce a prática pela arguida de uma contraordenação grave, prevista e punida pelos artigos 108.º, n.ºs 1 e 5 e 113.º n.º 2, alínea pp), da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho (violação do dever de prestar informações à entidade reguladora/supervisora), cuja coima foi fixada, pelo tribunal a quo, em 7.000,00 €.
5. Considera-se proporcional, adequada e justa, uma coima única de 230.000,00 €.
6. Tal coima única, atenta a gravidade dos factos, o elevado número de pessoas afetadas pelos comportamentos padronizados ilícitos, e as exigências de prevenção geral do caso concreto, não deve ser, total ou parcialmente, suspensa na sua execução.
(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
Recorrente/Recorrida/Entidade Supervisora: Autoridade Nacional de Comunicações (doravante, Anacom)
Recorrente/Recorrida/arguida: NOWO COMMUNICATIONS, SA (doravante, Nowo)

1. A Nowo impugnou judicialmente a decisão da Anacom, que a condenou nos seguintes termos:
1) uma coima no valor de 350.000 (trezentos e cinquenta mil euros), pela prática dolosa de uma contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves (não prestação da informação do direito de rescisão do contrato sem qualquer encargo, no prazo fixado no contrato, caso não concordassem com as alterações contratuais propostas);
2) uma coima no valor de 300.000 (trezentos mil euros), pela prática dolosa de uma contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves (não comunicação das alterações contratuais propostas, aos assinantes consumidores, de forma adequada, por ter diferido para um momento posterior ao da comunicação das propostas de alteração contratual a disponibilização da informação complementar);
3) uma coima no valor de 150.000 (cento e cinquenta mil euros), pela prática dolosa de uma contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves (não comunicação das alterações contratuais propostas, aos assinantes não consumidores, de forma adequada, por não lhes ter disponibilizado, no local e na forma que lhes haviam sido comunicadas, a informação complementar);
4) uma coima de 11.000 (onze mil euros), pela prática dolosa e reincidente de uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE (por não ter indicado à ANACOM os períodos temporais em que a informação adicional complementar permaneceu disponível no seu site);
5) uma coima de 11.000 (onze mil euros), pela prática dolosa e reincidente de uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE (pelo envio extemporâneo de elementos solicitados pela ANACOM).
Coimas essas cumuladas numa coima única de 664.000,00 euros (seiscentos e sessenta e quatro mil euros).”
2. Em 04-10-2023, foi proferida decisão pelo TCRS, que dispôs o seguinte:
“I. Absolvo a arguida NOWO Communications, SA da prática das seguintes infrações:
1) Duas Contraordenações muito graves sancionadas nos termos do disposto no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves;
2) Uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE.
II. Condeno a arguida pela prática das seguintes infrações:
1) Uma Contraordenação muito grave sancionada nos termos do disposto no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves, numa coima de 90.000,00 (noventa mil) euros;
2) Uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE, numa coima de 7.000,00 (sete mil) euros.
III. Em cúmulo jurídico, condeno a Arguida NOWO Communications, SA na coima única de 94.000,00 (noventa e quatro mil) euros.”
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3. Inconformadas com a decisão judicial dela recorreram a ANACOM e a NOWO para o presente tribunal da relação.
4. Em 04-03-2024, por este tribunal, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso da ANACOM parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
a) Julgar improcedente a nulidade por falta de fundamentação (artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Código do Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO), no tocante à absolvição da NOWO quanto à prática das duas contraordenações muito graves, sancionadas nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 2, al. x) e n.º 6, artigo 48.º, n.º 16, ambos da LCE;
b) Julgar improcedente a verificação de erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, al. c), aplicável ex vi artigo 74.º, n.º 4, do RGCO), pela circunstância de o tribunal recorrido não ter dado como assente que a «Cabovisão – Televisão por Cabo, S.A.» e a «Nowo Communications S.A.» são a mesma pessoa jurídica;
c) Julgar improcedente a nulidade por falta de fundamentação (artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Código do Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO), relativamente à contraordenação grave prevista no artigo 113.º n.º 2, al. pp), da LCE, que vinha imputada à NOWO na decisão administrativa condenatória, em concreto, por não ter enviado a totalidade da informação solicitada pela ANACOM em 31.01.2017 (indicação dos períodos temporais em que a informação adicional complementar permaneceu disponível no seu site);
d) Julgar procedente a nulidade por omissão de pronúncia (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código do Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO), relativamente à contraordenação ora descrita em c), e, em consequência, determina-se que o tribunal a quo se pronuncie sobre se a arguida agiu por falta de cuidado de que era capaz quando “[e]m resposta à solicitada informação sobre os “períodos temporais em que a informação ou adicional complementar permaneceu disponível” no seu site, a arguida escreveu que “a informação continua disponível na área dos clientes” (facto provado 3) - vide, supra 48 e 51;
e) Julgar prejudicadas as demais questões levantadas no recurso da Recorrente ANACOM e prejudicado o recurso interposto pela Recorrente NOWO.
5. Mais se consignou naquele Acórdão, o seguinte: “o tribunal a quo deverá pronunciar-se sobre se a arguida agiu por falta de cuidado de que era capaz quando “[e]m resposta à solicitada informação sobre os “períodos temporais em que a informação ou adicional complementar permaneceu disponível” no seu site, a arguida escreveu que “a informação continua disponível na área dos clientes” (facto provado 3). O tribunal a quo deverá ainda, de acordo com o aludido em 48 determinar da eventual necessidade de reabertura da audiência para este efeito.” (n.º 51).
6. Na sequência do descrito em d) do Acórdão precedente, o tribunal a quo proferiu despacho em 22-08-2024 (ref.ª 472625) onde considerou desnecessária a reabertura da audiência. Mais decidiu proceder a determinados aditamentos à sentença proferida em 04-10-2023, mantendo, apesar de tais aditamentos, o já decidido na sentença de 04-10-2023.
7. Por requerimento da Anacom de 06-11-2024, foi requerida a atribuição de natureza URGENTE aos autos, alegando, em suma que “os prazos de prescrição em curso, e somando já os 160 dias de extensão de prazo por causa da emergência sanitária do período Covid, verificou o DMMP no último parágrafo do seu douto despacho de 04.01.2023, que a prescrição das referidas infrações ocorreria nas seguintes datas: 11.04.2024, 30.07.2025 e 26.08.2025.”.
8. Por despacho de 18-11-2024 (ref.ª 490012), e atento os prazos de prescrição, foi atribuída natureza URGENTE aos autos.
9. Recorda-se, ainda, que segundo o despacho do Ministério Público de 04-01-2023 (ref.ª 391061), foram indicados os seguintes prazos de prescrição: “Quanto às 3 CO consumadas a 01/11/2024, a prescrição ocorrerá a 11/04/2025; Quanto à CO consumada a 20/02/2017, a prescrição ocorrerá a 30/07/2025; Quanto à CO consumada a 16/03/2017, a prescrição ocorrerá a 26/08/2025.” (sublinhados nossos). Tais datas foram admitidas “a título meramente indicativo e liminar”, por despacho do tribunal a quo de 09-01-2023 (ref.ª 391852).
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10. A ANACOM veio interpor novo recurso, onde formulou as seguintes
CONCLUSÕES e PEDIDO (transcrição):
1.ª No que respetiva à contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, que vinha imputada à NOWO, por não ter enviado a totalidade da informação solicitada pela ANACOM em 31.01.2017 (mais concretamente, a indicação dos períodos temporais em que a informação adicional complementar permaneceu disponível no seu site), o Tribunal a quo determinou a sua absolvição, por considerar não se ter provado o elemento subjetivo da conduta típica da infração.
2.ª Atentos os factos provados 1.º, 3.º e 4.º, dúvidas não restam que o pedido que a ANACOM fez à NOWO era totalmente claro quanto à informação que se pretendia e que consistia na indicação dos períodos temporais em que a informação adicional ou complementar permaneceu disponível em cada um desses suportes;
3.ª E que a informação que foi prestada pela NOWO – de que a informação continua disponível na área dos clientes – não dá resposta à questão colocada pela ANACOM, pois não refere quando é que tal informação foi inicialmente disponibilizada.
4.ª A NOWO é uma entidade dotada de todas as capacidades para compreender que a informação que prestou à ANACOM não referia a data que a informação havia sido inicialmente disponibilizada, é evidente que a Recorrida, pelo menos, representou que a informação que prestou não dava cumprimento à questão colocada da ANACOM;
5.ª Pois, face à resposta enviada pela NOWO ao pedido de informação da ANACOM, a Recorrida necessariamente representou (não havendo como possa não ter representado, tal foi a clareza da solicitação que lhe foi enviada) que a informação que prestava não dava cumprimento ao que havia sido solicitado pela ANACOM, tendo-se conformado com o resultado que dali poderia advir: a prática de contraordenação, tendo, assim, agido com dolo eventual.
6.ª Assim, considera-se que o Tribunal a quo errou notoriamente ao absolver a Recorrida da prática de uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, seja enquanto conduta dolosa, seja enquanto conduta negligência.
7.ª O Tribunal a quo errou também ao não ter tido em devida conta que, tal como consta do facto provado 5.º, a fatura identificada como sendo “de novembro de 2017” correspondia a uma fatura emitida em janeiro de 2014, o que levou a ANACOM por fax datado de 14.03.2017, com a referência ANACOM-S007002/2017, a ANACOM notificou a Arguida para, no prazo de 48 horas, remeter os elementos necessários para se conhecer as comunicações prévias aos assinantes das propostas de alterações contratuais realizadas, conforme já havia sido solicitado na comunicação mencionada no fato provado 1º.
8.ª Tendo a NOWO enviado uma fatura de 2014 quando estavam em causa situações ocorridas em 2016, é evidente que não poderia ser essa a fatura através da qual a Recorrida tinha comunicado aos assinantes a proposta de alterações contratuais – pois a NOWO realizou essa comunicação nas faturas emitidas em novembro de 2016, conforme facto provado 6.º – e, nessa medida, o seu conteúdo não era fiável.
9.ª Deve, assim, ser considerado provado que a NOWO, ao responder à ANACOM que a informação continua disponível na área dos clientes, previu que tal conduta não dava cumprimento ao pedido da ANACOM e que, nessa medida, consubstanciava a prática de contraordenação, e, não obstante tal previsão, conformou-se com o resultado antijurídico dessa conduta;
10.ª E, consequentemente, ser a Recorrida condenada pela prática dolosa de uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da mesma Lei – no caso de falta de envio de um elemento da informação solicitada pela ANACOM em 31.01.2017, mais concretamente a indicação dos períodos temporais em que a informação adicional complementar permaneceu disponível no seu site,
11.ª Sendo-lhe aplicada uma coima parcelar no valor de 7.000 euros.
12.ª Relativamente à absolvição da NOWO quanto à prática de duas contraordenações muito graves, sancionadas nos termos do disposto no n.º 6 conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, o Tribunal a quo considerou que se verifica uma unidade de resolução e que não há nem pluralidade de resoluções, nem pluralidade de condutas, nem unidade de conduta com violação plúrima de bens jurídicos distintos.
13.ª Verifica-se também um erro na aplicação das regras do concurso de contraordenações, previstas no artigo 30.º do CP, aplicável ex vi o artigo 36.º da Lei n.º 99/2009, de 4 de setembro, por o Tribunal a quo ter considerado que não há três violações distintas e autónomas da mesma norma, mas uma só, razão pela qual se entende que a conduta da arguida preenche, uma só vez o tipo legal.
14.ª Atenta a redação da norma prevista no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, dúvidas não restam que as regras aplicáveis à alteração das condições contratuais, nas quais se inclui o preço – alteração em causa nos presentes autos –, são várias e correspondem a diferentes obrigações que os prestadores de serviços têm de cumprir, consubstanciando a violação de cada uma dessas regras a prática de contraordenações autónomas entre si.
15.ª Ao contrário do que considera o Tribunal a quo – de que a violação das diferentes obrigações previstas no n.º 16 do artigo 48.º constitui apenas a prática de uma contraordenação –, e como decorre da norma tipificadora prevista na alínea x) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, a violação de cada uma das obrigações previstas no n.º 16 do artigo 48.º da LCE consubstancia uma contraordenação autónoma.
16.ª Isso mesmo decidiu já o Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão proferido em 18.03.2024[1], no qual referiu que: Perante o texto da norma em questão [n.º 16 do artigo 48.º] e estando em causa a alteração de condições contratuais do contrato em vigor, entendemos que cada uma das indicadas obrigações aqui em causa constitui um (1) dever e que cada um desses deveres é autónomo, prosseguindo finalidades distintas. Não existe entre estes dois deveres qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção. Entendemos, pois, que, no caso, a norma cria dois diferentes tipos de deveres e que a violação de cada um desses dois deveres, separada ou conjuntamente, constitui um diferente tipo de ilícito.
17.ª Não obstante o exposto, a verdade é que as contraordenações imputadas à NOWO na decisão final adotada pela ANACOM, embora relacionadas com o n.º 16 do artigo 48.º da LCE, não se reconduzem à mera violação das obrigações previstas em tal norma legal, na medida em que o que está efetivamente em causa é a adoção de comportamentos padronizados suscetíveis de violar (e que efetivamente violaram) essas mesmas regras.
18.ª No RGCO, diploma aqui aplicável subsidiariamente ex vi o artigo 36.º da Lei n.º 99/2009, de 4 de setembro, vale a regra do concurso efetivo de contraordenações prevista no n.º 1 do artigo 30.º do CP, que corresponde à equiparação do concurso ideal e concurso real de contraordenações.
19.ª O critério legalmente determinante para apuramento do número de ilícitos praticados é a pluralidade de tipos legais violados ou o número de vezes que o mesmo tipo legal de ilícito é violado.
20.ª A unidade de resolução que o Tribunal a quo encontrou apenas se verifica quando está em causa uma unidade de ação, ou seja, quando estamos perante um concurso ideal, pois sendo adotada pelo agente uma pluralidade de ações dúvidas não restam que estamos perante um concurso real de contraordenações e, nessa medida, serão imputadas ao agente tantas contraordenações quantos os tipos legais violados (concurso real heterogéneo) ou quantas as vezes em que foi violado o mesmo tipo legal (concurso real homogéneo).
21.ª No caso em apreço, e conforme resulta da matéria de facto provada e da fundamentação de direito, a NOWO adotou efetivamente (três) comportamentos padronizados (diferentes entre si) suscetíveis de violar – e que efetivamente violaram – regras legais aplicáveis (in casu, as previstas no n.º 16 do artigo 48.º da LCE), das quais resultou a prática de infrações graves.
22.ª Comportamentos esses que consubstanciam três ações distintas:
23.ª A primeira, que consiste na omissão de informação aos assinantes, consumidores e empresarias, do direito de rescisão sem encargos, caso não concordassem com a proposta de alteração de preços;
24.ª A segunda, que consiste numa ação tardia, por só ter disponibilizado, aos assinantes consumidores, a informação com o detalhe do aumento cerca de um mês depois de ter comunicado as alterações; e
25.ª E uma terceira ação, ao ter exigido que os assinantes empresariais, para conhecerem o detalhe do aumento de preços, tivessem de contactar telefonicamente os serviços de apoio da NOWO.
26.ª Estamos aqui perante uma pluralidade de condutas – a adoção de três comportamento padronizados distintos entre si – e, nessa medida, deve a NOWO ser condenada pela praticada de três (e não apenas de uma) contraordenações muito graves, previstas sancionadas nos termos do disposto no n.º 6 conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, nos termos constantes da Decisão Final adotada pela ANACOM.
27.ª Ainda que se entendesse que a NOWO tinha adotado uma única conduta – o que, como vimos não sucede –, a verdade é que sempre estaríamos perante um concurso ideal de contraordenações, o qual, para efeitos de punição, se equipara ao concurso real;
28.ª Desde logo porque inexiste, no caso em apreço, uma situação motivacional unitária, não estando demonstrada a existência de uma ação que pressupõe que as condutas parcelares corresponderam a um só desígnio criminosos e que a reiteração nos atos ilícitos tenha sido dominada por uma só mesma resolução.
29.ª O que resulta evidente da matéria de facto provada constante da Sentença Recorrida é a adoção, pela NOWO, de três resoluções diferentes (a que corresponderam três condutas diferentes, como acima se referiu):
30.ª Por um lado, pretendeu não informar nenhum dos assinantes (consumidores e empresariais) a quem comunicou a proposta de alterações contratuais do direito de rescisão do respetivo contrato sem encargos, caso não concordassem com as alterações propostas;
31.ª Por outro lado, pretendeu dar a conhecer aos assinantes consumidores o detalhe dos aumentos propostos num momento muito posterior àquele em foi comunicada a alteração dos preços;
32.ª E, em relação aos assinantes empresariais, a NOWO pretendeu dificultar-lhe o acesso a tal informação, uma vez que tais assinantes foram informados, na comunicação com a proposta de alteração, que os detalhes da proposta (valor concreto dos aumentos de preço) estariam disponíveis no site da NOWO no dia 01.12.2016 e, nessa data, não foi disponibilizada qualquer informação para estes assinantes, tendo sido publicada informação de que deveriam contactar uma linha telefónica para obterem tal informação.
33.ª Assim, também com base nas diferentes resoluções que adotou deve a NOWO ser condenada pela praticada de três (e não apenas de uma) contraordenações muito graves, previstas sancionadas nos termos do disposto no n.º 6 conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, nos termos constantes da Decisão Final adotada pela ANACOM.
34.ª A coima parcelar aplicada pelo Tribunal a quo à NOWO pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista na alínea x) do n.º 2 e no n.º 6 do artigo 113.º da LCE, no valor de 90.000 euros, é absolutamente desajustada face às contraordenações efetivamente praticadas pela NOWO – 3 contraordenações muito graves que o Tribunal a quo transformou, erradamente, como alegado, numa única contraordenação muito grave –, à gravidade das condutas ilícitas adotadas, à culpa com que atuou e às finalidades das exigências de prevenção geral e especial.
35.ª A gravidade das condutas ilícitas adotadas pela NOWO é extremamente elevada;
Pois que,
36.ª Os 144.257 assinantes (consumidores e não consumidores, os quais representam praticamente a totalidade dos clientes que a Recorrida tinha à data dos factos) que não foram informados pela NOWO do direito de rescisão contratual sem encargos, caso não concordassem com as alterações propostas, foram privados de uma informação absolutamente essencial, da qual dependia a adoção de uma decisão livre e esclarecida quanto à continuidade do contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas.
37.ª Os assinantes consumidores (a maior parte dos 144.257) não foram informados pela NOWO de forma adequada das alterações contratuais propostas, pois só tiveram conhecimento da informação complementar com o detalhe dos aumentos de preços que a empresa pretendia introduzir um mês depois de lhes terem sido comunicado a proposta de alterações contratuais, não tendo assim disposto atempadamente de toda a informação essencial e necessária à adoção de uma decisão livre e esclarecida quanto à proposta apresentada.
38.ª Os assinantes não consumidores não foram informados pela NOWO de forma adequada, das alterações contratuais propostas, pois, ao acederem à respetiva Área Reservada – local para o qual remetia a comunicação com a proposta de alterações contratuais –, continuaram sem conhecer o detalhe dos aumentos de preços propostos pela empresa, incumbindo-lhes contactar o apoio ao cliente para obterem uma informação que lhes deveria ter disponibilizado, por escrito, na própria Área Reservada.
39.ª O nível de culpa com que a NOWO atuou – dolo direto em todas as essas situações – é também bastante acentuado.
40.ª As exigências de prevenção geral são elevadas, pois estamos perante regras que, por um lado, visam promover a concorrência e a liberdade de escolha dos assinantes relativamente ao prestador de serviços de comunicações eletrónicas e, por outro lado, visam também garantir a proteção da segurança jurídica dos assinantes nas condições inicialmente contratualizadas.
41.ª As exigências de prevenção especial são igualmente elevadas, pois que é necessário incentivar a Arguida a não adotar comportamentos padronizados violadores de regras legais aplicáveis, em concretos as regras previstas no n.º 16 do artigo 48.º da LCE – atualmente previstas no artigo 135.º da nova Lei das Comunicações Eletrónicas;
42.ª E, atenta a própria configuração da contraordenação em que a NOWO vem condenada – e aquelas em que a ANACOM pugnou acima que deve a empresa ser também condenada –, constata-se que a Recorrida não é um agente meramente ocasional, verificando-se uma inclinação para incumprimento de normas que lhe são especial e diretamente destinadas, o que aumenta as exigências de prevenção especial, pois incumpriu as regras legais aplicáveis à matéria aqui em causa em relação a 144.257 assinantes.
43.ª Assim, deve a NOWO ser condenada pela prática de 3 contraordenações muito graves e não apenas pela prática de uma única contraordenação muito grave, considera-se adequada e proporcional a aplicação pelo Tribunal ad quem das seguintes coimas parcelares:
44.ª Uma coima no valor de 350.000 euros, pela prática dolosa de 1 contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar (e que efetivamente violou) o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves – nos casos de não prestação a 144 257 assinantes (consumidores e não consumidores) da informação do direito de rescisão do contrato sem qualquer encargo, no prazo fixado no contrato, caso não concordassem com as alterações propostas;
45.ª Uma coima no valor de 300.000 euros, pela prática dolosa de 1 contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar (e que efetivamente violou) o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves – nos casos de não comunicação das alterações contratuais propostas, aos assinantes consumidores, de forma adequada, por ter diferido para um momento posterior ao da comunicação das propostas de alteração contratual a disponibilização da informação complementar;
46.ª Uma coima no valor de 150.000 euros, pela prática dolosa de 1 contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar (e que efetivamente violou) o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves – nos casos de não comunicação de forma adequada, das alterações contratuais propostas aos assinantes não consumidores, por não lhes ter disponibilizado, no local e na forma que lhes haviam sido comunicadas, a informação complementar com o detalhe dessas alterações.
47.ª Tendo em conta o valor de cada uma dessas coimas parcelares, bem como as coimas parcelares relativas à contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, que o Tribunal a quo fixou em 7.000 euros, e à contraordenação grave que a ANACOM considera existir quanto à situação descrita no ponto II das presentes alegações, deverá o Tribunal ad quem aplicar à Recorrida uma coima única no valor de 582.000 euros.
Subsidiariamente,
48.ª Caso o Tribunal ad quem considerasse que estamos apenas perante uma única contraordenação muito grave, prevista na alínea x) do n.º 2 e no n.º 6 do artigo 113.º da LCE – o que não se admite –, deveria ser aplicada à NOWO uma coima parcelar a essa contraordenação no valor de 400.000 euros[2] e uma coima única próxima desse valor.
Termos em que, tudo visto e ponderado, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para produção de nova decisão em que sejam corrigidas as desconformidades constantes da Sentença ora recorrida, pelos motivos melhor explicitados na MOTIVAÇÃO que antecede, assim se fazendo JUSTIÇA!
*
11. A NOWO respondeu ao recurso da ANACOM, pugnando, em suma, pela respetiva improcedência.
12. O Ministério Público junto do tribunal de primeira instância, respondeu ao recurso da ANACOM, onde entendeu que o recurso a que por ora se responde deve ser:
i) Rejeitado na parte em que pretende uma revisitação da matéria de facto dada como provada – e sobre a qual incidiu um juízo de inexistência/improcedência de quaisquer nulidades operadas pelo tribunal recorrido, nomeadamente ao nível da sua fundamentação e consequente bondade da decisão – pretendendo uma nova reforma da sentença relativamente a condenações que já transitaram em julgado;
ii) Julgado improcedente, por não provado, na parte em que pretende a reforma do quantum sancionatório aplicado à recorrente, uma vez que na base de tal pretensão encontra-se o já aludido retorno a questões que constituem já caso julgado.
*
13. A NOWO também interpôs novo recurso, onde teceu as seguintes
CONCLUSÕES e PEDIDO (transcrição):
A. O presente recurso incide sobre a sentença condenatória proferida nos presentes autos (complementada pelo teor do despacho proferido a 22.08.2024 que, para efeitos do presente recurso, mantém inalterados os seus fundamentos de facto e de direito), na parte em que condena a Recorrente numa coima de € 90.000,00, pela prática da contraordenação prevista no art.º 113.º, n.º 6 da Lei n.º 15/2016, de 17 de junho (“LCE”), e numa coima de € 7.000,00, pela prática da contraordenação prevista na al. pp) do art.º 113.º, n.º 2 da LCE, fixando a final, e em cúmulo jurídico, a coima única de € 94.000,00.
B. Em primeiro lugar, impugna-se a coima aplicada quanto à contraordenação muito grave, entendendo-se que a mesma deverá ser reduzida.
C. Em segundo lugar, impugna-se a coima única que acabou por ser fixada, em resultado cúmulo jurídico.
D. Finalmente, e sem prejuízo do que venha a ser decidido quanto a estas duas questões, requer-se a suspensão, senão integral, pelo menos parcial, da coima única em que se venha a condenar a Recorrente.
E. Como é consabido, a determinação da medida da coima é feita em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente, dos benefícios obtidos com a prática da contra-ordenação e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou coletiva do agente.
F. E, tal como referido na sentença recorrida, demonstram-se diminutas as exigências de prevenção geral e especial, bem como a necessidade de ressocialização da Recorrente.
G. Nesta esfera, aliás, a gravidade da conduta da Recorrente também se revela diminuta.
H. Com efeito, tratou-se de uma infração isolada, da qual a Recorrente não retirou nenhum benefício económico.
I. Não tendo a Recorrente agido com intenção de dificultar a descoberta de qualquer infracção, por parte da ANACOM, tendo sempre colaborado com o que lhe fora solicitado, como aliás se mostra provado na sentença recorrida.
J. Desta forma, e no tocante à contraordenação muito grave sancionada nos termos do disposto no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves, demonstram-se reunidas as condições para que haja a redução da coima concreta e individualmente aplicada para um montante aproximado do mínimo legalmente admitido – € 10.000,00.
K. Na verdade, temos que resulta manifestamente claro, no caso concreto, que a conduta da Recorrente revela que todas as circunstâncias a que se alude no art.º 5.º, n.º 2 do Regime Quadro se mostram devidamente verificadas, na sua forma atenuada.
L. De outra banda, e no que concerne à coima única decorrente do cúmulo jurídico das duas contraordenações em causa, a mesma fixou-se num montante mais próximo do seu máximo legalmente permitido.
M. De facto, o limite mínimo seria € 90.000,00, enquanto o máximo corresponderia a € 97.000,00, tendo a coima única sido incompreensivelmente fixada em € 94.000,00, ou seja, em valor mais próximo do limite máximo.
N. Certo sendo que tal sucede sem explicação alguma e, ainda por cima, à revelia de tudo quanto se demonstrou, em favor da actuação da Recorrente no caso concreto.
O. De resto, é o próprio Tribunal a quo a referir que não se justificava a aplicação de uma coima única próxima do máximo legal, mas depois acaba por actuar em sentido contrário.
P. Assim, requer-se que a coima única decorrente do cúmulo jurídico seja fixada em montante próximo ao mínimo legalmente admissível, já que é isso que se mostra consentâneo com tudo o que demais decorre da sentença recorrida.
Q. Por último, e independentemente do que venha a ser decidido quanto ao acima referido, considera também a Recorrente que deverá ser determinada a suspensão da coima, senão total, pelo menos parcial.
R. Na verdade, ponderadas todas as circunstâncias do caso concreto, e sendo indubitavelmente favorável o juízo de prognose e revelando-se adequado e proporcional reconhecer um espaço de oportunidade à Recorrente para persistir no rigoroso cumprimento da Lei, exortando-a a repensar e otimizar o quadro de controlo e supervisão dos seus colaboradores, deve determinar-se, ao abrigo do disposto no art.º 31.º do Regime Quadro e nos arts. 50.º e ss. do CP – diploma subsidiariamente aplicável ex vi do disposto no art.º 41.º, n.º 2 do RGCO –, mutatis mutandis, a suspensão integral da execução da coima que venha a ser aplicada – ou, subsidiariamente, parcial –, conquanto a simples censura do facto e a ameaça da sanção realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
S. Note-se, aliás, que na sentença recorrida se reconhece que, mesmo sem ter havido sanção, a Recorrente já adequou a sua conduta.
T. O que significa, por outras palavras, que a coima não terá efeito algum dissuasor, porque o mesmo já se produziu e foi assimilado.
Termos em que deverá ser concedido integral provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se, em consequência:
- A redução da coima parcelar, concretamente aplicada no tocante à contraordenação muito grave em que foi condenada a Recorrente, sancionada nos termos do disposto no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adopção de um comportamento padronizado suscetível de violar o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves, para um valor próximo do limite mínimo legal, ou seja, € 10.000,00; e
- Ainda que a tal não seja dado provimento, que se determine a redução da coima única aplicada à Recorrente em cúmulo jurídico para um montante próximo ao mínimo legalmente permitido, nos termos do artigo 5.º do Regime Quadro e do artigo 19.º do RGCO;
- Adicionalmente, e independentemente do que venha a ser decidido quanto ao acima referido, requer-se que seja determinada a suspensão, senão total, pelo menos parcial, da execução da coima única em que a Recorrente acabe por ser condenada, ao abrigo do disposto no art.º 31.º do Regime Quadro e nos arts. 50.º e ss. do CP, assim se fazendo JUSTIÇA!
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14. A ANACOM respondeu ao recurso interposto pela NOWO, pugnando, em suma, pela respetiva improcedência.
15. O Ministério Público junto do tribunal de primeira instância, respondeu ao recurso da NOWO, entendendo que deve ser julgado improcedente.
16. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer onde acompanhou as posições do Ministério Público junto do tribunal a quo.
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Esclarecimento prévio
17. Antes de prosseguirmos, e atentas algumas alegações feitas pelo Ministério Público junto do TICRS em resposta ao recurso da Anacom, cremos que é necessário esclarecer o âmbito deste recurso.
18. Efetivamente, segundo a referida resposta, o Ministério Público entende, face ao decidido por este tribunal no acórdão de 04-03-2024, além do mais, o seguinte:
“Ou seja, resulta do assim decidido em tal Acórdão que a condenação da visada «NOWO COMMUNICATIONS S.A.», nos termos melhor já acima melhor discriminados e constantes da sentença proferida em primeira instância, transitou em julgado.
De resto, diga-se até, que a improcedência das alegadas nulidades conforme o acima exposto, confirmaram o sentido decisório do tribunal recorrido quanto ao número e à qualificação jurídica das infracções verificadas e imputáveis à NOWO.

De resto, não se crê que a reforma operada pelo tribunal recorrido no tocante ao ordenado suprimento da omissão de pronúncia verificada – nos termos em que a mesma foi feita e que não merece, salvo melhor opinião, qualquer reparo – confira à recorrente qualquer espaço para reapreciação de tal tema, como seja, repita-se, o quantum sancionatório aplicado.”.
19. Ou seja, de acordo com o Ministério Público não podem aqui ser apreciadas, pela sentença recorrida ter transitado em julgado, as questões relativas ao número de contraordenações pelas quais a Nowo deve ser condenada e ao quantum das coimas.
20. Discorda-se desta posição do Ministério Público.
21. Em primeiro lugar, é consensual que o objeto do recurso é a sentença de 04-10-2023, complementada pelos aditamentos feitos pelo tribunal a quo pelo despacho em 22-08-2024 (ref.ª 472625).
22. Recorde-se que a Anacom, no primeiro recurso interposto sobre a sentença de 04-10-2024, formulou o respetivo pedido nos seguintes termos: “Termos em que, tudo visto e ponderado, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para produção de nova decisão em que sejam corrigidas as desconformidades constantes da Sentença ora recorrida, pelos motivos melhor explicitados na MOTIVAÇÃO que antecede, assim se fazendo JUSTIÇA!”.
23. Tal recurso, como resulta do Relatório supra, obteve parcial provimento, tendo-se, além do mais, decidido pela nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código do Processo Penal), conforme resulta da alínea d) do respetivo dispositivo.
24. O que deve considerar-se, portanto, transitado em julgado no presente processo, como nos parece evidente, são as questões que foram efetivamente objeto de apreciação e decisão no acórdão de 04-03-2024.
25. Resulta claro de tal acórdão que as questões aí apreciadas e que obtiveram resposta efetiva são as que subjazem às alíneas a) a d) do respetivo dispositivo, supra citado no Relatório.
26. A questão então suscitada no recurso da Anacom, de saber se “[a] sentença recorrida violou as regras do concurso de contraordenações, no que concerne à existência de três violações distintas e autónomas, conforme o disposto nos artigos 48.º n.º 16 e 113.º n.º 2 al. x), ambos da LCE?”, não foi objeto de pronúncia por este tribunal, porquanto mostrava-se prejudicada (a par das questões suscitadas no recurso da Nowo), devido à nulidade da sentença declarada na alínea d) do mesmo dispositivo.
27. Assim sendo, é evidente que aquela questão, envolvendo o número de contraordenações pelas quais a Nowo deve ser punida, não pode considerar-se definitivamente decidida e será, assim, aqui apreciada.
28. Aliás, muito se estranha a posição do Ministério Público quando a própria Defesa não levanta quaisquer questões a este respeito e responde, como seria expectável, ao fundo das novas alegações de recurso da Anacom nesta sede, defendendo em grande pormenor (vide, artigos 17 a 49 da respetiva resposta), em suma, que é “manifestamente infundada a tese de suposta prática de três contraordenações muito graves pela Recorrida – desde logo porque, de acordo com os factos provados, só houve uma única resolução – não tendo aqui aplicação as regras do concurso de contraordenações.”.
29. Também quanto à questão de fundo do quantum das coimas, também não foi objeto de apreciação por este tribunal, tendo a Nowo respondido em pormenor a esta matéria (cf. artigos 50.º a 63.º).
30. Assim sendo, também não vislumbramos razões para não conhecer da questão do quantum das coimas suscitado no recurso da Anacom.
*
II. QUESTÕES
31. Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores, que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação de recurso (artigo 412.º, n° 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da apreciação das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito.
32. Nestes termos, e perante as conclusões de recurso, cumpre ao presente tribunal responder às seguintes questões:
DO RECURSO DA ANACOM
i.Deve ser considerado provado que a NOWO, ao responder à ANACOM que a informação continua disponível na área dos clientes, previu que tal conduta não dava cumprimento ao pedido da ANACOM e que, nessa medida, consubstanciava a prática de contraordenação, e, não obstante tal previsão, conformou-se com o resultado antijurídico dessa conduta?
ii.Consequentemente, a Recorrida deve ser condenada pela prática dolosa de uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da mesma Lei – no caso de falta de envio de um elemento da informação solicitada pela ANACOM em 31.01.2017, mais concretamente a indicação dos períodos temporais em que a informação adicional complementar permaneceu disponível no seu site, sendo-lhe aplicada uma coima parcelar no valor de 7.000,00 €?
iii.A sentença recorrida violou as regras do concurso de contraordenações, no que concerne à existência de três violações distintas e autónomas, conforme o disposto nos artigos 48.º n.º 16 e 113.º n.º 2 al. x), ambos da LCE?
iv.Devendo a NOWO ser condenada pela prática de 3 contraordenações muito graves e não apenas pela prática de uma única contraordenação muito grave, deve ser condenada em coimas parcelares de, respetivamente, 350.000,00 €, 300.000,00 € e 150.000,00 € e, numa coima única de 582.000,00 €?
v.Subsidiariamente, caso este Tribunal ad quem considera que estamos apenas perante uma única contraordenação muito grave, prevista na alínea x) do n.º 2 e no n.º 6 do artigo 113.º da LCE, deve ser aplicada à Nowo uma coima parcelar a essa contraordenação no valor de 400.000,00 € e uma coima única próxima desse valor?
DO RECURSO DA NOWO
vi.A medida concreta da coima parcelar fixada pelo tribunal a quo no que respeita à contraordenação muito grave prevista no art.º 113.º, n.º 6 da LCE, deve ser reduzida de 90.000,00 € para 10.000,00 €?
vii.A coima única fixada pelo tribunal a quo deve ser reduzida para um montante próximo ao mínimo legalmente permitido?
viii.Deve ser determinada a suspensão, total ou parcial, da execução da coima única?
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DA MATÉRIA DE FACTO
33. A sentença recorrida de 04-10-2023, complementada pelos aditamentos feitos pelo tribunal a quo pelo despacho em 22-08-2024 (ref.ª 472625),  considerou a factualidade que se passa a expor.
34. Esclarece-se que o aditamento feito pelo tribunal a quo pelo despacho em 22-08-2024 em sede do facto não provado n.º 2, será salientado a negrito.
Factos provados
1.º Na sequência de reclamações recebidas pela ANACOM, esta entidade solicitou à Arguida as seguintes informações e documentos, por ofício datado de 31.01.2017, com a referência ANACOM-S003373/2017 – e recebido em 01.02.2017:
a) Datas em que procedeu a alterações às condições contratuais que devem constar dos contratos nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da LCE, incluindo alterações de preços retalhistas em contratos vigentes com assinantes (consumidores ou não consumidores), desde 18 de julho de 2016;
b) Indicação dos meios utilizados para proceder à comunicação das referidas alterações aos dois tipos de assinantes acima indicados;
c) Cópias dos modelos usados, em cada caso, para proceder à referida comunicação (por exemplo, cópia da fatura, cópia da informação enviada através de SMS, etc.);
d) No caso de, no meio de comunicação utilizado, se remeter para outros suportes através dos quais os assinantes pudessem obter informação adicional ou complementar sobre as alterações contratuais em causa, deveriam ser igualmente enviados os seguintes elementos:
− a indicação dos períodos temporais em que a informação adicional ou complementar permaneceu disponível em cada um desses suportes;
− se a informação foi disponibilizada no site:
i) a hiperligação que dá/dava acesso especificamente a essa informação e, caso tal hiperligação já não se encontrasse ativa, a localização dessa informação (na página de entrada ou, se noutra, o caminho necessário para lhe aceder);
ii) a cópia da informação disponibilizada, por exemplo, através das impressões das páginas onde constava ou, caso fosse impossível, de documentos que pudessem demonstrar qual a informação que era disponibilizada nessas páginas;
− caso na comunicação das alterações fosse disponibilizado um contacto telefónico para obter informação complementar:
i) a apresentação, para os diferentes números de telefone indicados nas comunicações escritas aos assinantes, dos guiões a seguir pelos operadores telefónicos; e
ii) os números de telefone utilizados para esse fim;
− se a informação tivesse sido disponibilizada através de outro meio:
i) a indicação do meio utilizado; e
ii) a cópia da informação nele disponibilizada ou, caso fosse impossível, dos documentos que pudessem demonstrar qual a informação que era disponibilizada nesses suportes.
e) O número de assinantes abrangido por casa um dos tipos de comunicações referidos nas alíneas anteriores.
2.º Após prorrogação do prazo inicialmente concedido, por carta datada de 20.02.2017, a Arguida informou que, em 01.01.2017, alterou o preço das mensalidades sobre os serviços prestados em contratos vigentes com assinantes, tendo também indicado a forma e os meios através dos quais comunicou tais alterações, e o número de assinantes abrangidos por tais comunicações (144 257 assinantes).
3.º Em resposta à solicitada informação sobre os “períodos temporais em que a informação ou adicional complementar permaneceu disponível” no seu site, a arguida escreveu que “a informação continua disponível na área dos clientes”.
4.º Com a carta mencionada no fato provado 2º, a Arguida juntou os seguintes documentos: “cópia de uma fatura de novembro de 2017”, “cópia de um print retirado da área de um cliente” e ainda cópia de um documento pdf onde é indicada a “Tabela de Preços em vigor”.
5.º Uma vez que a fatura identificada como sendo “de novembro de 2017” correspondia a uma fatura emitida em janeiro de 2014, por fax datado de 14.03.2017, com a referência ANACOM-S007002/2017, a ANACOM notificou a Arguida para, no prazo de 48 horas, remeter os elementos necessários para se conhecer as comunicações prévias aos assinantes das propostas de alterações contratuais realizadas, conforme já havia sido solicitado na comunicação mencionada no fato provado 1º.
6.º A Arguida não respondeu àquele ofício até ao dia 16 de março de 2017.
7.º Por fax datado de 23.03.2017, a Arguida enviou à ANACOM uma fatura de um cliente, emitida em 01.11.2016.
8.º Por faturas emitidas em 01.11.2016, a Arguida comunicou a 144 257 assinantes o seguinte: “A NOWO irá proceder, a partir de 1 de janeiro de 2017, a uma atualização de preços dos seus produtos e serviços. Para mais informações consulte nowo.pt a partir de 1 de dezembro de 2016. Poderá contactar o nosso serviço ao cliente através do número 16800, 24 horas por dia, 7 dias por semana”.
9.º Em 01.12.2016 (e, pelo menos, até 20.12.2017), a Arguida disponibilizou no seu site, em https://cliente.nowo.pt/login?ga=1.224387803.1744306263.1477473514, informação complementar sobre as alterações contratuais comunicadas, devendo o cliente, para aceder a tal informação, fazer login com os respetivos dados de utilizador.
10.º Naquele endereço e site constava, designadamente, a informação sobre "Novos Preços Consulte aqui os novos preços em vigor a partir do dia 1 de janeiro de 2017".
11.º O documento ali disponibilizado, designado por “Tabela de Preços em vigor a partir de 1 de janeiro de 2017” informava, quanto ao “mercado residencial”, que as mensalidades menores de 25 euros teriam um aumento de 1 euro; as mensalidades entre os 25 e os 35 euros seriam aumentadas em 1,5 euros; nas mensalidades entre 35 e 50 euros o aumento seria de 2 euros e nas mensalidades superiores a 50 euros o aumento seria de 2,5 euros, indicando, ainda, “Para mais informações ligue: 16 800”.
12.º Relativamente aos assinantes empresariais, o documento disponibilizado no site da Arguida, para onde remetiam as comunicações de propostas de alterações contratuais, referia “Para mais informações sobre produto empresarial: ligue 16 807”.
13.º No dia 01.01.2017, a Arguida alterou o preço das mensalidades dos serviços contratados a 140.004 assinantes, consumidores e não consumidores.
14.º Nas faturas emitidas em novembro de 2016 a Arguida não informa os assinantes, consumidores e não consumidores, que lhes assiste o direito de rescindirem o contrato, sem qualquer encargo, no prazo estipulado no contrato, em caso de não aceitação das novas condições.
15.º A informação complementar com o detalhe das alterações propostas foi disponibilizada, no site da NOWO, apenas a partir do dia 01.12.2016.
16.º Quanto aos assinantes empresarias, no site da Arguida – local para o qual remetia a comunicação constante das faturas referentes ao mês de novembro de 2016 – não foi disponibilizada qualquer informação complementar sobre o detalhe das alterações propostas, constando a indicação “para informações sobre o produto empresarial” ligar para o número 16 807.
17.º A Arguida é uma empresa que oferece serviços de comunicações eletrónicas em Portugal, e conhece as obrigações legais que regem a sua atividade, em particular, as regras relativas à comunicação de alterações contratuais que promova e, bem assim, os termos e os prazos em que os assinantes devem ser informados de tais alterações.
18.º A Arguida sabia que, pretendendo alterar os termos do contrato que celebrou com cada assinante, estava obrigada a enviar-lhe, por forma adequada, uma comunicação escrita contendo a proposta de alteração contratual, mais sabendo que, não tendo tal alteração sido configurada exclusiva e objetivamente em benefício do assinante, deveria informar este último do direito de, caso não aceitasse as novas condições, rescindir o contrato sem qualquer encargo.
19.º Ao adotar, deliberadamente, tais condutas, fazendo-o de forma idêntica em relação a um elevado número de assinantes, bem sabendo que tais comportamentos eram suscetíveis de conduzir a violações de obrigações legais e constituíam contraordenações a Arguida agiu, de forma livre e consciente.
20.º A arguida não respondeu ao ofício com a referência ANACOM-S007002/2017, de 14.03.2017, no prazo ali estabelecido de 48 horas.
21.º A Arguida agiu de forma livre e consciente, sabendo que estava obrigada a responder à ANACOM nos prazos por esta fixados, e que a falta de resposta atempada a faria incorrer em responsabilidade contraordenacional.
22.º Por ofício datado de 06.12.2017, com a referência ANACOM-S026431/2017, tendo em vista estimar o valor da receita adicional obtido em resultado das referidas alterações contratuais, a ANACOM solicitou à Arguida o preenchimento de uma tabela, que incluía a indicação do número total de assinantes abrangidos pelas novas condições contratuais no momento posterior a essas alterações.
23.º Por carta datada de 20.12.2017, a Arguida respondeu à ANACOM, tendo indicado que “O número de subscritores abrangidos pelas novas condições contratuais no momento posterior às alterações contratuais, a NOWO foi de 140.004, discriminados do seguinte modo”:
➢ Mensalidade menor de [inferior a] € 25 – 406 subscritores;
➢ Mensalidade entre € 25 e € 35 – 29.079 subscritores;
➢ Mensalidade entre € 35 e € 50 – 101.017 subscritores;
➢ Mensalidade superior a € 50 – 9.502 subscritores.
24.º Com base nessa informação, a ANACOM estimou que a receita adicional obtida pela Arguida no mês seguinte à aplicação das alterações contratuais, foi de 219 360,57 euros (sem IVA).
25.º Em cumprimento da deliberação do Conselho de Administração da ANACOM, adotada em 13.07.2017, a Arguida, por comunicação remetida em 24.08.2017, informou a ANACOM que o número de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência vigente à data em que foram comunicadas as referidas alterações contratuais pela empresa ascendia a 138 310 e que remeteu as comunicações determinadas pela ANACOM na mencionada deliberação a 117 121 subscritores, informando-os da possibilidade de resolverem o contrato sem encargos.
26.º De acordo com os dados constantes do seu Relatório e Contas relativo ao ano de 2019, a Arguida apresentou nesse ano um resultado líquido negativo no valor de 39 266 526 euros, um volume de negócios de 62 455 719 euros e um balanço total de 177 029 168 euros.
27.º A Arguida teve, em 2019, um número médio de 125 trabalhadores ao seu serviço.
28.º Por Sentença proferida em 10.05.2016 no âmbito do Proc. n.º 61/16.0YUSTR, que se tornou definitiva em 23.05.2016, foi a Cabovisão – Televisão por Cabo, SA, condenada no pagamento de uma coima no valor de 8 000 euros, pela prática negligente de uma contraordenação, por, em 17.04.2012, ter violado os n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE.
29.º Em alterações tarifárias efetuadas nos anos de 2018 e 2020 sobre os serviços premium de TV, a arguida comunicou tais alterações nas faturas, com uma antecedência superior a 30 dias, indicando o valor do aumento e a possibilidade de resolução sem encargos.

Factos não provados
1) A arguida, em resposta ao ofício com a referência ANACOM-S003373/2017, de 31.01.2017, ao não indicar os períodos temporais em que a informação adicional complementar permaneceu disponível no seu site, tendo antes respondido “a informação continua disponível na área dos clientes”, dificultou com tal conduta a supervisão e fiscalização do exercício da atividade pela ANACOM.
2) A Arguida, ao responder à ANACOM que “a informação continua disponível na área dos clientes”, sabia que estava a agir contrariamente à lei, violando normas legais, e que uma tal resposta a faria incorrer em responsabilidade contraordenacional. De igual modo, não se considera provado que ao responder pela forma descrita a arguida tenha agido com a falta de cuidado de que era capaz, não representando que tenha prestado uma informação lacunar em face do que havia sido solicitado.
3) Considerando a variação da mensalidade média entre o momento anterior e imediatamente a seguir às alterações contratuais, ainda que apenas em relação a 138.310 assinantes do total de 140.004 assinantes abrangidos pelas novas condições contratuais no momento posterior a tais alterações, bem como a variação verificada entre o número de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência vigente à data em que foram comunicadas as referidas alterações contratuais pela arguida (138.310) e o número de assinantes a quem esta enviou as comunicações determinadas pela ANACOM na deliberação de 13.07.2017 acima referida (117.121), e pressupondo que tal variação ocorreu gradualmente ao longo dos meses que decorreram entre as alterações contratuais e a comunicação determinada pela ANACOM (7 meses), é possível concluir que as alterações tarifárias promovidas pela Arguida, para um número médio de 104 694 assinantes, importaram uma receita adicional estimada de, pelo menos, 1.126.424 euros.
4) Este valor corresponde à soma, para cada um dos escalões de mensalidade considerados, do produto entre a variação da mensalidade média referida no artigo anterior, o número médio de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência e o número de meses que decorreu entre estas alterações e agosto de 2017.
5) O valor da receita adicional estimada corresponde, assim, a uma variação positiva de cerca de 1,15 euros (sem IVA), por assinante e por mês, considerando os subscritores abrangidos pelas novas condições no momento posterior às mesmas (140.004 assinantes), ou de 1,54 euros (sem IVA), considerando o número médio de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência entre a data em que foram comunicadas as alterações contratuais e a data em que foram enviadas as comunicações determinadas na deliberação da ANACOM de 13.07.2017 acima referida e relativamente aos quais, de acordo com a informação disponível, se apurou um aumento da mensalidade média (104.694 assinantes).
6) O valor da receita adicional estimada mencionada no fato provado nº 24 corresponde ao valor da receita adicional obtido pela arguida.
7) A Nowo Communications, SA e a Cabovisão – Televisão por Cabo, SA são a mesma pessoa jurídica.
*
B. DO MÉRITO DOS RECURSOS

35. O presente recurso segue a tramitação prevista no Código do Processo Penal, com as especialidades previstas no artigo 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contraordenações.
36. No âmbito de processos de contraordenação, em recursos interpostos de decisões do tribunal de primeira instância, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, como estatui o n.º 1, do art.º 75.º, do Regime Geral das Contraordenações.
37. Podem, ainda, ser conhecidos os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código do Processo Penal e nulidades conforme previsto no n.º 3 deste preceito[3].
38. De notar, por último, que os referidos preceitos do Código do Processo Penal, quando necessário, devem ser “devidamente adaptados” ao processo contraordenacional (artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações).
39. Passemos, pois, a responder às questões suscitadas pela respetiva ordem lógica.
i. Deve ser considerado provado que a NOWO, ao responder à ANACOM que a informação continua disponível na área dos clientes, previu que tal conduta não dava cumprimento ao pedido da ANACOM e que, nessa medida, consubstanciava a prática de contraordenação, e, não obstante tal previsão, conformou-se com o resultado antijurídico dessa conduta?
40. Nesta sede, a ANACOM imputa à sentença recorrida um erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código do Processo Penal, alegando, em especial, o seguinte:
“2.ª Atentos os factos provados 1.º, 3.º e 4.º, dúvidas não restam que o pedido que a ANACOM fez à NOWO era totalmente claro quanto à informação que se pretendia e que consistia na indicação dos períodos temporais em que a informação adicional ou complementar permaneceu disponível em cada um desses suportes;
3.ª E que a informação que foi prestada pela NOWO – de que a informação continua disponível na área dos clientes – não dá resposta à questão colocada pela ANACOM, pois não refere quando é que tal informação foi inicialmente disponibilizada.
4.ª A NOWO é uma entidade dotada de todas as capacidades para compreender que a informação que prestou à ANACOM não referia a data que a informação havia sido inicialmente disponibilizada, é evidente que a Recorrida, pelo menos, representou que a informação que prestou não dava cumprimento à questão colocada da ANACOM;
5.ª Pois, face à resposta enviada pela NOWO ao pedido de informação da ANACOM, a Recorrida necessariamente representou (não havendo como possa não ter representado, tal foi a clareza da solicitação que lhe foi enviada) que a informação que prestava não dava cumprimento ao que havia sido solicitado pela ANACOM, tendo-se conformado com o resultado que dali poderia advir: a prática de contraordenação, tendo, assim, agido com dolo eventual.
6.ª Assim, considera-se que o Tribunal a quo errou notoriamente ao absolver a Recorrida da prática de uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, seja enquanto conduta dolosa, seja enquanto conduta negligência.
7.ª O Tribunal a quo errou também ao não ter tido em devida conta que, tal como consta do facto provado 5.º, a fatura identificada como sendo “de novembro de 2017” correspondia a uma fatura emitida em janeiro de 2014, o que levou a ANACOM por fax datado de 14.03.2017, com a referência ANACOM-S007002/2017, a ANACOM notificou a Arguida para, no prazo de 48 horas, remeter os elementos necessários para se conhecer as comunicações prévias aos assinantes das propostas de alterações contratuais realizadas, conforme já havia sido solicitado na comunicação mencionada no fato provado 1º.
8.ª Tendo a NOWO enviado uma fatura de 2014 quando estavam em causa situações ocorridas em 2016, é evidente que não poderia ser essa a fatura através da qual a Recorrida tinha comunicado aos assinantes a proposta de alterações contratuais – pois a NOWO realizou essa comunicação nas faturas emitidas em novembro de 2016, conforme facto provado 6.º – e, nessa medida, o seu conteúdo não era fiável.
9.ª Deve, assim, ser considerado provado que a NOWO, ao responder à ANACOM que a informação continua disponível na área dos clientes, previu que tal conduta não dava cumprimento ao pedido da ANACOM e que, nessa medida, consubstanciava a prática de contraordenação, e, não obstante tal previsão, conformou-se com o resultado antijurídico dessa conduta.”.
41. É, portanto, neste contexto que, a Anacom alega que o facto não provado n.º 2 deve ser dado como provado.
42. O facto não provado controverso é do seguinte teor: “A Arguida, ao responder à ANACOM que “a informação continua disponível na área dos clientes”, sabia que estava a agir contrariamente à lei, violando normas legais, e que uma tal resposta a faria incorrer em responsabilidade contraordenacional. De igual modo, não se considera provado que ao responder pela forma descrita a arguida tenha agido com a falta de cuidado de que era capaz, não representando que tenha prestado uma informação lacunar em face do que havia sido solicitado.”.
43. Esta factualidade não provada deve ser lida em conjunto com os factos provados n.ºs 1 a 3 que são do seguinte teor (agora com sublinhados nossos):
“1.º Na sequência de reclamações recebidas pela ANACOM, esta entidade solicitou à Arguida as seguintes informações e documentos, por ofício datado de 31.01.2017, com a referência ANACOM-S003373/2017 – e recebido em 01.02.2017:
a) Datas em que procedeu a alterações às condições contratuais que devem constar dos contratos nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da LCE, incluindo alterações de preços retalhistas em contratos vigentes com assinantes (consumidores ou não consumidores), desde 18 de julho de 2016;
b) Indicação dos meios utilizados para proceder à comunicação das referidas alterações aos dois tipos de assinantes acima indicados;
c) Cópias dos modelos usados, em cada caso, para proceder à referida comunicação (por exemplo, cópia da fatura, cópia da informação enviada através de SMS, etc.);
d) No caso de, no meio de comunicação utilizado, se remeter para outros suportes através dos quais os assinantes pudessem obter informação adicional ou complementar sobre as alterações contratuais em causa, deveriam ser igualmente enviados os seguintes elementos:
− a indicação dos períodos temporais em que a informação adicional ou complementar permaneceu disponível em cada um desses suportes;
− se a informação foi disponibilizada no site:
i) a hiperligação que dá/dava acesso especificamente a essa informação e, caso tal hiperligação já não se encontrasse ativa, a localização dessa informação (na página de entrada ou, se noutra, o caminho necessário para lhe aceder);
ii) a cópia da informação disponibilizada, por exemplo, através das impressões das páginas onde constava ou, caso fosse impossível, de documentos que pudessem demonstrar qual a informação que era disponibilizada nessas páginas;
− caso na comunicação das alterações fosse disponibilizado um contacto telefónico para obter informação complementar:
i) a apresentação, para os diferentes números de telefone indicados nas comunicações escritas aos assinantes, dos guiões a seguir pelos operadores telefónicos; e
ii) os números de telefone utilizados para esse fim;
− se a informação tivesse sido disponibilizada através de outro meio:
i) a indicação do meio utilizado; e
ii) a cópia da informação nele disponibilizada ou, caso fosse impossível, dos documentos que pudessem demonstrar qual a informação que era disponibilizada nesses suportes.
e) O número de assinantes abrangido por casa um dos tipos de comunicações referidos nas alíneas anteriores.
2.º Após prorrogação do prazo inicialmente concedido, por carta datada de 20.02.2017, a Arguida informou que, em 01.01.2017, alterou o preço das mensalidades sobre os serviços prestados em contratos vigentes com assinantes, tendo também indicado a forma e os meios através dos quais comunicou tais alterações, e o número de assinantes abrangidos por tais comunicações (144.257 assinantes).
3.º Em resposta à solicitada informação sobre os “períodos temporais em que a informação ou adicional complementar permaneceu disponível” no seu site, a arguida escreveu que “a informação continua disponível na área dos clientes”.”.
44. A Nowo sustenta a inexistência do alegado vício.
Apreciação deste tribunal
45. Como é sabido, o erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código do Processo Penal, consiste num vício que deve prescindir da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
46. Por outro lado, recorde-se que o presente tribunal não pode sindicar a decisão sobre a matéria de facto, fora dos casos previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código do Processo Penal.
47. Os poderes de cognição deste tribunal nesta sede são, portanto, bastante limitados.
48. Vejamos agora o caso concreto.
49. Não é, por si só, evidente que a Nowo, ao responder como respondeu, tenha representado que estava a prestar uma informação insuficiente.
50. Efetivamente, colocam-se pelo menos duas possíveis explicações para a aludida falta:
a) A Nowo representou e conformou-se com prestação da informação lacunar (tese da Anacom);
b) A Nowo não representou que estaria a prestar uma informação insuficiente, por descuido;
51. Lendo o texto da sentença, agora complementada com aditamentos, depreende-se que o tribunal a quo afastou ambas as hipóteses, fundamentando-se, em suma, na atitude colaborativa que a Nowo assumiu durante o processo.
52. Nesta sede, da sentença originária realçam-se os seguintes enxertos:
“À primeira vista, parece evidente que esta resposta não abrange toda a informação que lhe havia sido solicitada, nomeadamente, porque não indica o momento a partir do qual a informação ficou disponível.

Se é verdade que, de um ponto de vista abstrato, uma tal resposta é suscetível de dificultar a supervisão e fiscalização da autoridade administrativa, também não se pode deixar de dizer que toda a prova com que a autoridade instruiu o presente processo resultou de informação facultada pela arguida, na sequência de notificações para esse efeito.

Ou seja, não se mostra lógico, nem coerente, nem credível, que fornecendo a arguida toda a informação necessária à sua incriminação, tomasse depois a decisão autónoma e deliberada, relativamente a esse ponto específico, de ocultar aquela informação, omitindo uma data.”.
53. Cremos que esta linha de fundamentação afasta, de forma razoável, a primeira hipótese supra enunciada, ou seja, de que a Nowo representou e conformou-se com prestação da informação lacunar.
54. Efetivamente, cremos que é razoável concluir, no contexto da referida colaboração da Nowo, que esta ao prestar uma resposta parcialmente lacunar, numa situação circunscrita e perante um pedido de uma panóplia significativa de informações, fê-lo de forma não propositada, sem qualquer representação da falta em causa.
55. Assim se compreende, aliás, que no nosso acórdão de 04-03-2024 se tenha reconhecido a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, porquanto o tribunal a quo não se tinha pronunciado sobre a hipótese b) que, como nos parece evidente, segundo as regras da experiência comum, se apresentava como mais verosímil.
56. E foi nesta sequência que o tribunal a quo complementou a sentença originária, pelo despacho de 22-08-2024, com o seguinte esclarecimento “Pelos mesmos precisos fundamentos, e considerando, uma vez mais, a louvável colaboração prestada pela arguida na instrução do processo, entende-se não ter havido qualquer violação de um dever de cuidado por parte da arguida, sem que esta tenha representado que dessa falta de cuidado (que se considera não ter existido), resultasse a prestação de uma informação lacunar e, por isso, contrária à lei.”.
57. As explicações suplementares do tribunal a quo colmatam a nulidade por omissão de pronúncia imputada no nosso já referido acórdão.
58. Mas a Anacom não pugna, em essência, por qualquer descuido por parte da Nowo, e continua a insistir que esta “necessariamente representou (não havendo como possa não ter representado, tal foi a clareza da solicitação que lhe foi enviada)”, sustentado, em consequência, a imputação da respetiva contraordenação a título de dolo (eventual).
59. Ora, pelo menos em sede de erro notório na apreciação da prova, tal como já resulta do supra exposto em 53 e 54, julga-se que tal visão das coisas sempre estaria votada ao fracasso.
60. Repare-se, aliás, tal como foi aflorado, que o pedido de informações em causa, envolveu uma panóplia significativa de informações e não apenas “a indicação dos períodos temporais em que a informação adicional ou complementar permaneceu disponível em cada um desses suportes” (cf. facto provado n.º 1).
61. Não se pode, pois, acompanhar a Anacom, quando afirma que a Nowo não podia deixar de ter representado a insuficiência da informação prestada “tal foi a clareza da solicitação que lhe foi enviada”.
62. Em suma, limitando-nos ao texto da sentença recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum, não vislumbramos o apontado erro notório na apreciação da prova.
63. Por estas razões, neste ponto o recurso deverá improceder.
ii. Consequentemente, a Recorrida deve ser condenada pela prática dolosa de uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da mesma Lei – no caso de falta de envio de um elemento da informação solicitada pela ANACOM em 31.01.2017, mais concretamente a indicação dos períodos temporais em que a informação adicional complementar permaneceu disponível no seu site, devendo lhe ser aplicada uma coima parcelar no valor de 7.000,00 €?
64. A resposta (negativa) a esta questão já se mostra implícita na resposta à questão precedente.
65. Conforme aí se deixou explicitado, a imputação a título de dolo sempre estaria votada ao fracasso.
66. Efetivamente, não se mostram provados os elementos subjetivos necessários à imputação em causa.
67. Assim sendo, neste ponto, o recurso deve ser julgado improcedente.
iii. A sentença recorrida violou as regras do concurso de contraordenações, no que concerne à existência de três violações distintas e autónomas, conforme o disposto nos artigos 48.º n.º 16 e 113.º n.º 2 al. x), ambos da LCE?
68. Nesta sede, a Anacom salienta, além do mais, o seguinte:
“14.ª Atenta a redação da norma prevista no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, dúvidas não restam que as regras aplicáveis à alteração das condições contratuais, nas quais se inclui o preço – alteração em causa nos presentes autos –, são várias e correspondem a diferentes obrigações que os prestadores de serviços têm de cumprir, consubstanciando a violação de cada uma dessas regras a prática de contraordenações autónomas entre si.
15.ª Ao contrário do que considera o Tribunal a quo – de que a violação das diferentes obrigações previstas no n.º 16 do artigo 48.º constitui apenas a prática de uma contraordenação –, e como decorre da norma tipificadora prevista na alínea x) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, a violação de cada uma das obrigações previstas no n.º 16 do artigo 48.º da LCE consubstancia uma contraordenação autónoma.

21.ª No caso em apreço, e conforme resulta da matéria de facto provada e da fundamentação de direito, a NOWO adotou efetivamente (três) comportamentos padronizados (diferentes entre si) suscetíveis de violar – e que efetivamente violaram – regras legais aplicáveis (in casu, as previstas no n.º 16 do artigo 48.º da LCE), das quais resultou a prática de infrações graves.
22.ª Comportamentos esses que consubstanciam três ações distintas:
23.ª A primeira, que consiste na omissão de informação aos assinantes, consumidores e empresarias, do direito de rescisão sem encargos, caso não concordassem com a proposta de alteração de preços;
24.ª A segunda, que consiste numa ação tardia, por só ter disponibilizado, aos assinantes consumidores, a informação com o detalhe do aumento cerca de um mês depois de ter comunicado as alterações; e
25.ª E uma terceira ação, ao ter exigido que os assinantes empresariais, para conhecerem o detalhe do aumento de preços, tivessem de contactar telefonicamente os serviços de apoio da NOWO.”.
69. A Nowo pugna pela manutenção do decidido pelo tribunal a quo.
Apreciação deste tribunal
70. Segundo o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, aqui aplicável por remissão do artigo 32.º do Regime Geral das Contraordenações, “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”.
71. Conforme se verifica de p. 36 a 39 da sentença recorrida, em sede da problemática do concurso de infrações, o tribunal a quo conduziu-se pelo critério do bem jurídico complementado pelo critério da resolução do agente, aplicando a interpretação tradicional do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal concebida, naturalmente, para o Direito Penal.
72. Obviamente que não descuramos aqui as interpretações que a jurisprudência dominante faz deste preceito, baseando-se, para tanto, nos ensinamentos do saudoso Professor Eduardo Correia, conhecido como tese normativista (critério do tipo legal de crimes) contraposta à tese naturalística (critério da ação causal)[4].
73. Segundo tal doutrina, seguida pela jurisprudência largamente dominante em matéria penal[5],  o número de tipos de crime efetivamente cometidos reconhece-se pelo número de bens jurídicos protegidos. “Na verdade, se todos os juízos de valor jurídico-criminais hão-de ser fornecidos através de tipos legais de crimes, é por outro lado certo que cada tipo legal há-de ser informado por um específico valor jurídico-criminal”[6].
74. Neste primeiro plano do bem jurídico, em sede de Direito Penal, a referida interpretação doutrinal e jurisprudencial sofre desde logo uma precisão quanto aos bens jurídicos eminentemente pessoais, como a vida, integridade física, etc, segundo o qual haverá tantos crimes quanto os bens jurídicos pessoais violados, entenda-se, o número de pessoas afetadas. Este critério, apenas está presente no texto consagrado para a figura do crime continuado (artigo 30.º, n.º 2 e 3, do Código Penal), e resulta, portanto, de uma interpretação doutrinal e jurisprudencial.
75. O critério objetivo do bem jurídico é ainda complementado com o critério subjetivo de “resolução”, “no sentido de determinações de vontade”. Entenda-se aqui determinações da vontade contra a norma de determinação (o tipo de crime), substrato volitivo do juízo de censura penal (culpa). “Se, pois, diversas resoluções foram tomadas para o desenvolvimento da actividade criminosa, diversas vezes deixa a norma de alcançar concretamente a eficácia determinadora a que aspirava e vários serão os fundamentos para os juízos de censura em que a culpa se analisa.”[7].
76. Note-se, contudo, que o critério da resolução apenas funciona quando estamos perante casos de concurso homogêneo. Efetivamente, “tendo-se embora tomado uma só resolução, se violam os comandos de diversas normas de determinação, do ponto de vista destes são diversos e autónomos os fundamentos para o juízo referencial de censura em que a culpa se analisa, e fica por isso excluída a capacidade unificadora da resolução… o número de resoluções funciona, pois, e só pode funcionar como elemento limitador da unificação resultante de actividades a um só valor ou bem jurídico, ou seja, da unificação resultante da possibilidade de subsunção de uma actividade a um só Tatbestand legal.” (sublinhados nossos)[8].
77. Da nossa parte consideramos a dita teoria muito pouco compatível com a natureza das contraordenações[9].
78. Pelas razões que passaremos a expor, nem o bem jurídico, nem a culpa nem tampouco as exigências de prevenção especial, possuem o mesmo sentido quando passamos do domínio penal para o domínio contraordenacional.
79. Em sede contraordenacional, como é reconhecido pela respetiva doutrina especializada, o bem jurídico, essencial em sede penal, não assume a mesma função e, por vezes, simplesmente inexiste. Por exemplo, será difícil descortinar-se um bem jurídico subjacente à proibição de estacionar um automóvel num lugar de estacionamento sito na via pública reservado a residentes de um certo bairro ou por tempo superior ao permitido em zonas de estacionamento de duração limitada. O que encontramos como motivo da norma é apenas um fim de ordenação social.
80. É neste contexto que se pode afirmar que “[u]ma contra-ordenação corresponde em regra a um ilícito qualitativamente distinto do ilícito criminal: o seu desvalor é pré-configurado pela criação normativa de deveres que pré-existem à infracção (as normas de conduta) e não necessariamente pelo juízo jurídico-político sobre a necessidade de tutela de um bem jurídico fundamental. A infracção do ilícito de mera ordenação social é constituída nuclearmente pela violação desse dever e, depois, pode ou não incorporar outros elementos de desvalor associados a um bem jurídico, ao resultado e à danosidade do facto e à necessidade de os evitar.” (sublinhados nossos)[10].
81. Acresce, no que concerne ao bem jurídico, que o conceito de bem jurídico eminentemente pessoal fará pouco ou nenhum sentido em sede contraordenacional.
82. Quanto à culpa, é desde logo de notar que em sede de direito penal, para além de pressuposto da verificação do crime é também limite inultrapassável da pena (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal). No Regime Geral das Contraordenações tal não se verifica, conforme se pode constatar do respetivo artigo 18.º.
83. Aliás, diferentemente do que sucede em sede de direito penal, onde o substrato da culpa é, na grande maioria dos casos (com exclusão da responsabilidade penal das pessoas coletivas), a personalidade do agente documentada no facto ilícito, a culpa em sede contraordenacional, deve ter por parâmetro normativo, o papel social. Como nos ensina a doutrina especializada deste domínio “no centro da imputação subjetiva e da censura estão as representações, procedimentos e comportamentos típicos do papel em cada sector da actividade económica e social: o empresário, o contribuinte, o condutor, o intermediário financeiro, etc., diligentes e criteriosos. O papel é densificado mediante o conjunto de deveres, práticas e usos que regulam o exercício de cada sector da actividade e se espera que cada participante cumpra ou adopte.”[11]. Ou, nos dizeres do Tribunal Constitucional “não se trata de uma culpa, como a jurídico-penal baseada numa censura ética dirigida à pessoa do agente, à sua abstracta intenção, mas apenas de uma imputação do acto à responsabilidade social do seu autor, que serve como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições  legislativas” (Ac. TC. n.o 180/2014, citando Jorge de Figueiredo Dias; no mesmo sentido, entre outros, Acs. TC n.º 344/07 e 336/08).
84 Por fim, quanto às exigências de prevenção especial (artigo 40.º, n.º 1, segunda parte, do Código Penal), que obviamente não são alheias à necessidade de unificar condutas criminosas para deste modo evitar a aplicação de penas privativas da liberdade detrimentais para a reinserção social do agente, não suscitam no direito contraordenacional as mesmas preocupações porquanto neste ramo do direito, como é consensual, inexiste a previsão da privação da liberdade.
85. Por todas estas razões, portanto, cremos que a teoria do concurso de crimes tradicional não deve ser aplicada no domínio contraordenacional.
86. Mas tal não quer dizer que não interpretamos o artigo 30.º, n.º 1 em acordo com a respetiva letra e espírito, o número de contraordenações determinar-se-á sempre pelo número de tipos de contraordenação efetivamente cometidos e, caso se trate de um mesmo tipo, pelo número de vezes que esse tipo for preenchido pela conduta do agente.[12]
87. O que nos parece verdadeiramente importante nesta sede, é evitar a “redundância punitiva” e a consequente violação do princípio ne bis in idem (artigo 29.º, n.º 5, da CRP).
88. Ora, um tipo é formado, desde logo, por uma “classe” de condutas (conjunto de ações e/ou omissões) e situações (“act-situation”[13]). Nestes termos, a conclusão de que o agente deve ser punido mais do que uma vez num determinado caso concreto, deve basear-se em desvalores de ação individualizáveis e dotadas de sentidos diversos, com referência a situações previstas ou pressupostas pelo tipo legal.
89. Admitimos que a tarefa de individualização não é fácil e depende, em todo caso, por um lado, de um esforço interpretativo da norma aplicável ao caso e, por outro, de uma análise e valoração das circunstâncias do caso concreto. A norma dar-nos-á o dever-ser que é esperado e as circunstâncias do caso concreto dar-nos-ão, em especial, o número de condutas que podem e devem ser valoradas.
90. Efetivamente, a norma deve ser aqui concebida como um enunciado, geral e abstrato, de um certo dever-ser (conteúdo deôntico). Ou seja, a norma é um enunciado que, pressupondo determinadas situações, prescreve uma conduta (ação ou omissão), dirigindo-se a um determinado universo (indeterminado, mas determinável) de pessoas (físicas e/ou jurídicas).
91. É certo que um determinado enunciado normativo pode conter uma diversidade de ações, abstratamente isoláveis entre si. Em tais casos a questão será, portanto, se estamos perante um ou vários tipos contraordenacionais?
92. Quando tal enunciado é construído e estruturado pelo Legislador, numa inquestionável unidade de sentido, apesar da aparência da diversidade de tipos induzida por um isolamento abstrato das ações aí contidas, ao que cremos, estaremos perante um só tipo contraordenacional.
93. Aqui chegados vejamos as normas aqui em causa.
94. Segundo o artigo 48.º, n.º 1 e 16 da LCE (Lei n.º 5/2004, de 10/02, na redação aqui aplicável, que é a dada pela Lei n.º 15/2016, de 17/06):
“Contratos
1 - Sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é objeto de contrato, do qual devem obrigatoriamente constar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, os seguintes elementos:
a) A identidade e o endereço do fornecedor;
b) Os serviços fornecidos, os respetivos níveis de qualidade mínima, designadamente o tempo necessário para a ligação inicial, bem como os níveis para os demais parâmetros de qualidade de serviço que sejam fixados nos termos do artigo 40.º;
c) Restrições impostas à utilização de equipamentos terminais fornecidos, eventuais limitações no acesso e à utilização de serviços, bem como medidas implementadas para condicionar o tráfego de modo a evitar esgotar ou ultrapassar a capacidade contratada, indicando, neste caso, o modo como esses procedimentos se poderão repercutir na qualidade do serviço;
d) Informação sobre a disponibilização, ou falta de disponibilização, do acesso aos serviços de emergência e à informação de localização da pessoa que efetua a chamada, bem como sobre a existência de quaisquer limitações à oferta dos serviços de emergência, nos termos do artigo 51.º;
e) Os tipos de serviços de apoio e manutenção oferecidos, bem como as formas de os contactar;
f) Os detalhes dos preços e os meios de obtenção de informações atualizadas sobre todos os preços e encargos de manutenção aplicáveis, bem como as formas de pagamento e eventuais encargos ou penalizações inerentes a cada uma delas;
g) A duração do contrato, as condições de renovação, de suspensão e de cessação dos serviços e do contrato;
h) Os sistemas de indemnização ou de reembolso dos assinantes, aplicáveis em caso de incumprimento dos níveis de qualidade de serviço previstos no contrato;
i) Quando seja o caso, a existência do direito de livre resolução do contrato, o respetivo prazo e o procedimento para o exercício do direito, nos termos do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro;
j) As condições em que é disponibilizada a faturação detalhada;
l) Indicação expressa da vontade do assinante sobre a inclusão ou não dos respetivos elementos pessoais nas listas telefónicas e sua divulgação através dos serviços informativos, envolvendo ou não a sua transmissão a terceiros, nos termos da legislação relativa à proteção de dados pessoais;
m) Indicação da possibilidade de inscrição dos dados do assinante na base de dados prevista no artigo 46.º;
n) Medidas que o fornecedor poderá adotar na sequência de incidentes relativos à segurança ou à integridade da rede ou para reagir a ameaças ou situações de vulnerabilidade;
o) Medidas de proteção do assinante contra riscos para a segurança pessoal, para a privacidade e para os dados pessoais.
16. Sempre que a empresa proceda por sua iniciativa a uma alteração de qualquer das condições contratuais referidas no n.º 1, deve comunicar por escrito aos assinantes a proposta de alteração, por forma adequada, com uma antecedência mínima de 30 dias, devendo simultaneamente informar os assinantes do seu direito de rescindir o contrato sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições, no prazo fixado no contrato, salvo nos casos em que as alterações sejam propostas exclusiva e objetivamente em benefício dos assinantes.” (sublinhados nossos).
95. Por seu turno, dispõe o artigo 113.º, n.º al. x) e n.º 6, da LCE:
“2 - Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, constituem contraordenações graves:
x) A violação de qualquer das obrigações e requisitos previstos nos n.ºs 1 a 8, 10 a 16, 18 e 19 do artigo 48.º;
6 - Constitui contraordenação a adoção pelas empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de comportamentos habituais ou padronizados, bem como a emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios, cuja aplicação seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN, contraordenação que é muito grave sempre que daqueles atos resulte ou possa resultar infração muito grave ou grave, sendo grave nos restantes casos.” (sublinhados nossos).
96. Cremos consensual que ao “comportamento padronizado” subjaz a ideia de um comportamento estandardizado, ou seja, uma atuação homogênea, adotada para um conjunto de casos com uma ou mais características idênticas (sobre este conceito, Ac. TRL de 23-09-2024, processo n.º 243/23.9YUSTR.L1, ainda não publicado no site da dgsi.pt).
97. Tal comportamento tanto pode revelar-se sincronicamente, por exemplo, através do envio de um email tipo contendo informações erradas a um conjunto de destinatários, como se pode revelar num determinado continuum temporal (diacronicamente), por exemplo, através de uma mensagem de telefone pré-gravada informando cada cliente que telefona para a empresa com uma determinada questão, sempre com o mesmo conteúdo errôneo.
98. Sobre a não inconstitucionalidade da norma contida no n.º 6 do referido artigo 113.º, por alegada violação do princípio da legalidade, na vertente da tipicidade (artigo 29.º, n.º 1 da CRP), veja-se o Acórdão TC n.º 809/2024, de 07-11-2024.
99. Por seu turno, os factos relevantes nesta sede são os seguintes:
“8.º Por faturas emitidas em 01.11.2016, a Arguida comunicou a 144 257 assinantes o seguinte: “A NOWO irá proceder, a partir de 1 de janeiro de 2017, a uma atualização de preços dos seus produtos e serviços. Para mais informações consulte nowo.pt a partir de 1 de dezembro de 2016. Poderá contactar o nosso serviço ao cliente através do número 16800, 24 horas por dia, 7 dias por semana”.
9.º Em 01.12.2016 (e, pelo menos, até 20.12.2017), a Arguida disponibilizou no seu site, em https://cliente.nowo.pt/login?ga=1.224387803.1744306263.1477473514, informação complementar sobre as alterações contratuais comunicadas, devendo o cliente, para aceder a tal informação, fazer login com os respetivos dados de utilizador.
10.º Naquele endereço e site constava, designadamente, a informação sobre "Novos Preços Consulte aqui os novos preços em vigor a partir do dia 1 de janeiro de 2017".
11.º O documento ali disponibilizado, designado por “Tabela de Preços em vigor a partir de 1 de janeiro de 2017” informava, quanto ao “mercado residencial”, que as mensalidades menores de 25 euros teriam um aumento de 1 euro; as mensalidades entre os 25 e os 35 euros seriam aumentadas em 1,5 euros; nas mensalidades entre 35 e 50 euros o aumento seria de 2 euros e nas mensalidades superiores a 50 euros o aumento seria de 2,5 euros, indicando, ainda, “Para mais informações ligue: 16.800”.
12.º Relativamente aos assinantes empresariais, o documento disponibilizado no site da Arguida, para onde remetiam as comunicações de propostas de alterações contratuais, referia “Para mais informações sobre produto empresarial: ligue 16.807”.
13.º No dia 01.01.2017, a Arguida alterou o preço das mensalidades dos serviços contratados a 140.004 assinantes, consumidores e não consumidores.
14.º Nas faturas emitidas em novembro de 2016 a Arguida não informa os assinantes, consumidores e não consumidores, que lhes assiste o direito de rescindirem o contrato, sem qualquer encargo, no prazo estipulado no contrato, em caso de não aceitação das novas condições.
15.º A informação complementar com o detalhe das alterações propostas foi disponibilizada, no site da NOWO, apenas a partir do dia 01.12.2016.
16.º Quanto aos assinantes empresarias, no site da Arguida – local para o qual remetia a comunicação constante das faturas referentes ao mês de novembro de 2016 – não foi disponibilizada qualquer informação complementar sobre o detalhe das alterações propostas, constando a indicação “para informações sobre o produto empresarial” ligar para o número 16 807.
17.º A Arguida é uma empresa que oferece serviços de comunicações eletrónicas em Portugal, e conhece as obrigações legais que regem a sua atividade, em particular, as regras relativas à comunicação de alterações contratuais que promova e, bem assim, os termos e os prazos em que os assinantes devem ser informados de tais alterações.
18.º A Arguida sabia que, pretendendo alterar os termos do contrato que celebrou com cada assinante, estava obrigada a enviar-lhe, por forma adequada, uma comunicação escrita contendo a proposta de alteração contratual, mais sabendo que, não tendo tal alteração sido configurada exclusiva e objetivamente em benefício do assinante, deveria informar este último do direito de, caso não aceitasse as novas condições, rescindir o contrato sem qualquer encargo.
19.º Ao adotar, deliberadamente, tais condutas, fazendo-o de forma idêntica em relação a um elevado número de assinantes, bem sabendo que tais comportamentos eram suscetíveis de conduzir a violações de obrigações legais e constituíam contraordenações a Arguida agiu, de forma livre e consciente.”
100. Nesta sede, a Anacom defende a punição autónoma de três comportamentos padronizados, a saber:
a) A primeira, que consiste na omissão de informação aos assinantes, consumidores e empresarias, do direito de rescisão sem encargos, caso não concordassem com a proposta de alteração de preços;
b) A segunda, que consiste numa ação tardia, por só ter disponibilizado, aos assinantes consumidores, a informação com o detalhe do aumento cerca de um mês depois de ter comunicado as alterações; e
c) E uma terceira ação, ao ter exigido que os assinantes empresariais, para conhecerem o detalhe do aumento de preços, tivessem de contactar telefonicamente os serviços de apoio da NOWO.
101. A redação do artigo 48.º, n.º 16 supra citado, pelo menos numa primeira aparência, dá algum sustento à tese da Anacom, pois a norma efetivamente prevê diversos deveres que, inclusive, podem ser vistos como expressando valores jurídicos diversos, a saber a segurança jurídica (dever de comunicar a proposta de alteração do contrato por escrito), a proteção do assinante na previsão de um período de reflexão (dever de comunicar a proposta com uma antecedência de 30 dias) e de um direito de informação (do seu direito à rescisão do contrato sem encargos).
102. Cremos, contudo, que tal diversidade é, em certa medida, aparente. A norma expressa no artigo 48.º, n.º 16 parece-nos revelar uma única ação desvaliosa, mas sob uma condição essencial que será melhor desenvolvida infra.
103. É certo que tal ação pode ser dividida, em abstrato, em várias partes. Contudo, a norma incide sobre uma única situação – a alteração das condições de um contrato -, prevendo uma ação que deve revestir-se de, pelo menos, 3 propriedades essenciais. E isto, repare-se, no contexto de uma originária assimetria de poderes entre a operadora e o cliente (assinante) onde, através de obrigações impostas ao primeiro, repõe-se um certo equilíbrio na relação obrigacional.
104. Esta interpretação da norma, como contendo uma unidade de ação e sentido, revela-se desde logo na respetiva letra, quando usa o termo “simultaneamente”. Os vários deveres devem, assim, ser cumpridos numa única ação, conforme a preferência expressa pelo Legislador.
105. Note-se, aliás, que a fonte do artigo 48.º, n.º 16 da LCE aqui em questão, é o artigo 20.º, n.º 4 da Diretiva 2002/22/CE de 7/03, cuja redação é “Os Estados-Membros garantem aos assinantes o direito de resolução dos contratos sem qualquer penalidade, sempre que sejam notificados de qualquer alteração das condições contratuais propostas pelas empresas que fornecem redes e/ou serviços de comunicações electrónicas. Os assinantes devem ser devidamente avisados dessas alterações com, pelo menos, um mês de antecedência, devendo ser simultaneamente informados do seu direito de resolução do contrato, sem qualquer penalização, caso não aceitem as novas condições. Os Estados-Membros asseguram que as autoridades reguladoras nacionais possam especificar o formato destas notificações.”[14] (sublinhados nossos).
106. Por seu turno, da remissão que o artigo 113.º, n.º 2, al. x) faz para “qualquer” das obrigações previstas, inclusive, no artigo 48.º, n.º 16, deduz-se que a violação de qualquer um daqueles deveres constitui uma contraordenação acabada.
107. Assim sendo, bastará a violação de um único dever para estarmos perante uma contraordenação consumada. Ou seja, o dever - ser expresso pela norma apenas se mostrará perfeito se a conduta da operadora se revestir de todas as propriedades previstas no artigo 48.º, n.º 16 – comunicação da alteração por escrito e de forma adequada, com uma antecedência de 30 dias e com informação sobre a possibilidade de rescisão do contrato sem encargos.
108. Por outro lado, se todos os deveres forem violados pela operadora, por exemplo, através de uma total omissão da comunicação da alteração das condições do contrato, será dificilmente sustentável concluir pela prática de várias contraordenações.
109. Contudo, como referimos supra, esta unidade de (desvalor) de ação que se retira da própria estrutura da norma, tem um pressuposto essencial, a saber que se trate da mesma situação de base, em concreto, “uma alteração de qualquer das condições contratuais”. Ou seja, parte-se de alterações unilaterais quanto a um mesmo contrato ou, quando estamos no âmbito de comportamentos padronizados, de um mesmo tipo de contrato. A verificação da unicidade da conduta tem, portanto, que obedecer a este pressuposto.
110. Ora, o caso trata de uma situação de alterações contratuais operadas de forma standardizada para dois universos diferentes de destinatários – assinantes consumidores e assinantes não consumidores (também designados, respetivamente, de “mercado residencial” e “assinantes empresariais”).
111. Quanto a ambas as categorias de assinantes faltou, desde logo, a informação sobre a possibilidade de rescisão do contrato sem encargos e, quanto ao grupo dos assinantes empresariais não lhes foi sequer comunicada a proposta de alteração por escrito.
112. Que o caso trata de dois tipos de contratos diversos resulta patente, pois os dois universos de clientes referidos mereceram tratamento diverso, não sendo sequer comunicado por escrito aos assinantes empresariais as alterações do contrato em causa, obrigando-os para tanto a um contacto telefónico para o número 16 807.
113. Veja-se, aliás, que apenas distinguindo duas tipologias de condutas, diversas entre si, é que poderemos considerar a existência de comportamentos padronizados.
114. Efetivamente, se o comportamento padronizado pressupõe uma atuação homogênea, na falta da distinção que aqui expomos, sempre se concluiria que a Nowo adotou comportamentos não homogêneos, pois se aos assinantes consumidores comunicou as alterações contratuais por escrito, quanto às empresas não o fez.
115. Temos, pois, duas condutas diferentes, que contém em si dois desvalores de ação individualizáveis e distintos. A arguida deverá, assim, ser punida por duas contraordenações relativas a dois comportamentos padronizados.
116. Já quanto ao carácter tardio da comunicação das alterações contratuais aos assinantes consumidores, este desvalor não é, pelas razões já aduzidas, individualizável e distinto, e não pode, por isso, merecer uma punição autónoma.
117. Diferentemente do que alega a Nowo (cf. artigo 49 da respetiva resposta), não julgamos que o presente entendimento viole o princípio ne bis in idem, pelas razões aqui expostas (cf. supra n.ºs 86 e ss.). A Recorrida parte, aliás, do pressuposto errado de que está em causa “o mesmo universo de assinantes”, o que não corresponde à factualidade apurada.
118. Conclui-se, pois, que a Anacom tem parcial razão neste ponto. iv. Devendo a NOWO ser condenada pela prática de 3 contraordenações muito graves e não apenas pela prática de uma única contraordenação muito grave, deve ser condenada em coimas parcelares de, respetivamente, 350.000,00 €, 300.000,00 € e 150.000,00 € e, numa coima única de 582.000,00 €?
119. Conforme decorre da resposta à questão anterior, nesta sede estamos perante duas contraordenações muito graves, e não três.
120. O tribunal a quo, considerando apenas uma contraordenação muito grave, fixou a respetiva coima em 90.000,00 euros.
121. A Anacom defende aqui que a gravidade das condutas é “extremamente elevada”, a culpa é “bastante acentuada” e as exigências de prevenção são elevadas, o que justifica, da sua perspetiva, os agravamentos requeridos.
122. Por sua vez, a Nowo sustenta que inexistem razões para qualquer aumento da coima aplicada, defendendo no seu recurso que a coima de 90.000,00 € deve ser reduzida de para 10.000,00 € e suspensa na sua execução.
Apreciação deste tribunal
123. De acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 9, alínea d) da LCE, as contraordenações muito graves aqui em causa são puníveis com coimas de 10.000,00 a 450.000,00 euros, porquanto a arguida, pelo número de trabalhadores que possuía e pelo volume de negócio que realizou (fatos provados 26 e 27) se enquadra no conceito de média empresa previsto pelo art.º 7.º, n.º 6, alínea c) da Lei nº 99/2009, de 4 de setembro (Regime Quadro das Contraordenações do Setor das Comunicações – RQCSC).
124. Pertinente para a determinação das coimas aplicáveis, para além dos factos relativos às condutas ilícitas descritas e analisadas na resposta à questão anterior, é a seguinte matéria de facto:
22.º Por ofício datado de 06.12.2017, com a referência ANACOM-S026431/2017, tendo em vista estimar o valor da receita adicional obtido em resultado das referidas alterações contratuais, a ANACOM solicitou à Arguida o preenchimento de uma tabela, que incluía a indicação do número total de assinantes abrangidos pelas novas condições contratuais no momento posterior a essas alterações.
23.º Por carta datada de 20.12.2017, a Arguida respondeu à ANACOM, tendo indicado que “O número de subscritores abrangidos pelas novas condições contratuais no momento posterior às alterações contratuais, a NOWO foi de 140 004, discriminados do seguinte modo”:
➢ Mensalidade menor de [inferior a] € 25 – 406 subscritores;
➢ Mensalidade entre € 25 e € 35 – 29.079 subscritores;
➢ Mensalidade entre € 35 e € 50 – 101.017 subscritores;
➢ Mensalidade superior a € 50 – 9.502 subscritores.
24.º Com base nessa informação, a ANACOM estimou que a receita adicional obtida pela Arguida no mês seguinte à aplicação das alterações contratuais, foi de 219.360,57 euros (sem IVA).
25.º Em cumprimento da deliberação do Conselho de Administração da ANACOM, adotada em 13.07.2017, a Arguida, por comunicação remetida em 24.08.2017, informou a ANACOM que o número de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência vigente à data em que foram comunicadas as referidas alterações contratuais pela empresa ascendia a 138 310 e que remeteu as comunicações determinadas pela ANACOM na mencionada deliberação a 117.121 subscritores, informando-os da possibilidade de resolverem o contrato sem encargos.
26.º De acordo com os dados constantes do seu Relatório e Contas relativo ao ano de 2019, a Arguida apresentou nesse ano um resultado líquido negativo no valor de 39 266.526 euros, um volume de negócios de 62.455.719 euros e um balanço total de 177.029.168 euros.
27.º A Arguida teve, em 2019, um número médio de 125 trabalhadores ao seu serviço.

29.º Em alterações tarifárias efetuadas nos anos de 2018 e 2020 sobre os serviços premium de TV, a arguida comunicou tais alterações nas faturas, com uma antecedência superior a 30 dias, indicando o valor do aumento e a possibilidade de resolução sem encargos.
125. Segundo o artigo 5.º, da Lei nº 99/2009 (RQCSC), no que aqui releva:
Determinação da sanção aplicável
1 - A determinação da medida da coima e a decisão relativa à aplicação de sanções acessórias são feitas em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente, dos benefícios obtidos com a prática da contraordenação e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou coletiva do agente.
2 - Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas coletivas e entidades equiparadas atende-se, entre outras, às seguintes circunstâncias:
a) Ao perigo ou ao dano causados;
b) Ao carácter ocasional ou reiterado da infração;
c) À existência de atos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infração;
d) À existência de atos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infração.

4 - Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a situação económica e a conduta do agente.
126. Ora, olhando ao caso concreto, dir-se-á que o grau de ilicitude é efetivamente elevado. A arguida, quanto a todos os clientes em causa, omitiu o dever de informação sobre o direito à rescisão dos contratos sem encargos. Quanto aos clientes empresariais omitiu ainda o dever da comunicação das alterações propostas por escrito.
127. O universo dos subscritores afetados foi elevado – mais de 140.000.
128. A violação de deveres em causa revela um elevado défice organizacional da arguida e uma culpa elevada.
129. Dentro da categoria de média empresa, a arguida é já de uma dimensão relevante, em 2019 tinha, em média, 125 trabalhadores, sendo certo que no ano de 2019, a Arguida apresentou um resultado líquido negativo no valor de 39.266.526,00 €, um volume de negócios de 62.455.719,00 € e um balanço total de 177.029.168,00 €.
130. Resulta dos factos provados 25 e 29 que a conduta da arguida posterior aos factos foi positiva.
131. Em sede de jurisprudência deste tribunal e com valor meramente exemplificativo (mas com importantes reflexos no princípio da igualdade), foi aplicada a uma grande empresa, pela violação dos mesmos preceitos legais (em concreto a não informação sobre o direito de rescisão do contrato sem encargos), num universo muito grande de subscritores (mais de 5 milhões), uma coima no valor de 4.000.000 euros (Ac. TRL de 04-03-2024, processo n.º 1/23.0YUSTR.L1). Naquele processo a arguida também apresentava resultados económicos negativos (relativamente ao ano de 2019 apurou-se um balanço total na ordem dos 5.385.296.269,00 euros e um resultado líquido do exercício negativo da ordem dos 2.184.796,94 euros). Mas para além da significativa diferença quanto à dimensão das empresas (naqueles autos a empresa tinha, em média, mais de 6.500 trabalhadores) e o universo das pessoas afetadas, também devem ser salientadas diferenças do nosso caso com aquele no que toca a uma conduta posterior negativa da ali arguida (apurou-se, inclusive, que “A Arguida não revela sentido crítico da sua conduta”) e antecedentes contraordenacionais.
132. Neste contexto, julgam-se proporcionais, adequadas e justas, as seguintes coimas parcelares:
a) Contraordenação com referência ao universo de subscritores consumidores, onde se violou o dever de informação sobre o direito de rescisão do contrato sem encargos, 120.000,00 €.
b) Contraordenação com referência ao universo de subscritores empresas, onde se violou o dever de informação sobre o direito de rescisão do contrato sem encargos e o dever de comunicar por escrito as alterações contratuais propostas, 180.000,00 €.
133. A estas coimas acresce uma contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE (violação do dever de prestar informações à entidade reguladora/supervisora), em relação ao qual foi fixada uma coima de 7.000,00 €. Esta coima foi aplicada na sentença originária e não é colocada em crise nos presentes recursos.
Quanto à coima única
134. Apuradas as coimas parcelares, importa proceder ao cúmulo nos termos previstos no artigo 19.º, do RGCOC, a partir de uma moldura legal em que o limite mínimo é de 180.000,00 euros (valor da coima individual mais alta) – art.º 19.º, n.º 3, do RGCOC -, e o limite máximo corresponderá ao somatório do valor de todas as coimas individuais, ou seja, 307.000,00 euros – art.º 19.º, n.º 1, do RGCOC.
135. Nesta sede deverá levar-se em conta os factos e a “personalidade” do agente (revelado, no que toca a pessoas coletivas, nomeadamente, pelo respetivo défice organizacional), vistos em conjunto e no seu sentido global.
136. Assim sendo, há que ter aqui em especial consideração que os factos ocorreram no mesmo período temporal (de novembro de 2016 a março de 2017), o que diminui a gravidade global da atuação da arguida.
137. Considera-se, assim, proporcional, adequada e justa, uma coima única abaixo do meio da moldura, em concreto, 230.000,00 €.
v. Subsidiariamente, caso este Tribunal ad quem considera que estamos apenas perante uma única contraordenação muito grave, prevista na alínea x) do n.º 2 e no n.º 6 do artigo 113.º da LCE, deve ser aplicada à Nowo uma coima parcelar a essa contraordenação no valor de 400.000,00 € e uma coima única próxima desse valor?
138. Esta questão mostra-se prejudicada face às respostas das duas questões precedentes.
vi. A medida concreta da coima parcelar fixada pelo tribunal a quo no que respeita à contraordenação muito grave prevista no art.º 113.º, n.º 6 da LCE, deve ser reduzida de 90.000,00 € para 10.000,00 €? (recurso da Nowo)
139. Esta questão mostra-se prejudicada face à resposta à questão iv.
vii. A coima única fixada pelo tribunal a quo deve ser reduzida para um montante próximo ao mínimo legalmente permitido?
140. Esta questão mostra-se prejudicada face à resposta à questão iv.
viii. Deve ser determinada a suspensão, total ou parcial, da execução da coima única?
141. Conforme resulta das conclusões da Recorrente Nowo, supra reproduzidas, esta entende que deve ser aplicado o instituto da suspensão da execução da coima está previsto no artigo 31.º do Regime Quadro das Contraordenações do Setor das Comunicações (RQCSC).
142. Segundo o preceito legal em causa:
“1 - O ICP-ANACOM pode suspender a aplicação das sanções se, atendendo à conduta do agente, anterior ou posterior à prática da infracção, e às circunstâncias desta concluir que a simples censura do facto e a ameaça da sanção realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais.
3 - O tempo de suspensão é fixado entre dois e cinco anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória.
4 - A suspensão não abrange custas.
5 - Decorrido o tempo de suspensão sem que o arguido tenha praticado qualquer contra-ordenação no âmbito do sector das comunicações e sem que tenha violado as obrigações que lhe hajam sido impostas, fica a condenação sem efeito, procedendo-se, no caso contrário, à execução das sanções aplicadas.”.
143. Ora, apesar dos factos provados que descrevem comportamentos da arguida conformes ao Direito, o certo é que haverá que ter aqui em conta, em especial:
a) A elevada gravidade das condutas ilícitas, em especial, os comportamentos padronizados supra analisados,
b) Com a afetação de um elevado número de pessoas;
c) A natureza essencial dos serviços em causa (telecomunicações);
144. Tendo em conta estes fatores, julga-se, pois, que as exigências de prevenção geral positiva se opõem inequivocamente à suspensão da “aplicação” da coima única.
145. O restabelecimento das expetativas comunitárias na validade e vigência das normas violadas exige, portanto, a aplicação efetiva da coima única na sua totalidade.
146. Nestes termos, o recurso da Nowo deverá ser julgado integralmente improcedente.
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso da ANACOM parcialmente procedente e o Recurso da NOWO totalmente improcedente, em consequência, decide-se alterar a sentença recorrida, condenando a NOWO nos seguintes termos:
a) Pela prática de duas contraordenações muito graves, previstas e punidas pelos artigos 48.º, n.º 16 e 113.º, n.º 2, al. x), n.º 6 e n.º 9, alínea d), da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, em coimas parcelares de 120.000,00 € e 180.000,00 €.
b) Pela prática de uma contraordenação grave, prevista e punida pelos artigos 108.º, n.ºs 1 e 5 e 113.º n.º 2, alínea pp), da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, numa coima de 7.000,00 €.
c) Em cúmulo jurídico a NOWO é condenada na coima única de 230.000,00 €.
d) As restantes questões suscitadas nos recursos e supra analisadas em sede de fundamentação do presente acórdão, são julgadas improcedentes.
e) No mais, e no que não é contraditório com o ora decidido, mantém-se o decidido na sentença recorrida.

Custas pela NOWO, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s (artigo 93.º, n.º 3, do RGCO, e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III do RCP).
**
Lisboa, 11-12-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira
José Paulo Abrantes Registo, com a seguinte declaração de voto: “I - Na ausência de um critério legal de distinção entre unidade e pluralidade de infracções, no âmbito do sector das comunicações electrónicas acessíveis ao público, deve ser seguido, com as devidas adaptações, o regime jurídico que se encontra previsto no art.º 30.º, n.º 1, do CP, para os ilícitos de natureza criminal.
II - Deste dispositivo decorre que existe pluralidade de infracções quando o agente integrar, com a sua conduta, por mais do que uma vez, o mesmo tipo (concurso homogéneo) ou diferentes tipos de infracção (concurso heterogéneo). Por contraposição, o agente cometerá um único delito quando, com a sua conduta, preencher uma única norma e por uma única vez a norma tipificadora.
III - No caso vertente, estando em causa um único comportamento (alteração das condições contratuais para produzir efeitos no dia 01-01-2017) e verificando-se inclusive a infracção das mesmas normas jurídicas, entende-se que só pode ser dirigido um único juízo de censura à empresa de comunicações, representativo de uma única resolução, ainda que a ilicitude global devesse ser apreciada para a determinação da medida da coima a aplicar.
IV – Deste modo, teria condenado a empresa pela prática de um único ilícito de mera ordenação social e, neste particular, confirmado a sentença recorrida, ao contrário do entendimento que fez vencimento.”.
Bernardino Tavares
_______________________________________________________
[1] Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 229/23.3YUSTR.L1, indisponível online.
[2] Sendo a NOWO condenada pela prática de uma única contraordenação muito grave – o que não se admite – deve o valor da coima parcelar e única refletir os incumprimentos das várias regras previstas no n.º 16 do artigo 48.º da LCE.
[3] Cf. fundamentação do Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2019, DR. n.º 124/2019, Série I de 2019-07-02.
[4] Eduardo Correia, “Teoria do Concurso em Direito Criminal”, Almedina, 2.ª reimpressão, 1996.
[5] Cf. Acórdãos de fixação de jurisprudência do STJ n.ºs 8/2000, 10/2013 e 8/2019.
[6] Eduardo Correia, supra nota 4, p. 90-91.
[7] Eduardo Correia, supra nota 4, p. 94-95.
[8] Eduardo Correia, idem, p. 95, nota 1.
[9] No sentido de que a autonomia do regime das contraordenações exige um tratamento diverso do direito penal em matéria de concurso sem, no entanto, desenvolver este ponto, Jorge de Figueiredo Dias, “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra Editora, 2001, p. 150.
[10] Frederico de Lacerda da Costa Pinto, “As garantias do Estado de Direito e a evolução do direito de mera ordenação social”, SCIENTIA IVRIDICA, TOMO LXVI, nº 344 – Maio/Agosto, 2017, p. 250.
[11] Augusto Silva Dias, “Direito das Contra-Ordenações”, Almedina, 2019, reimpressão, p. 65.
[12] Partimos aqui de uma conceção objetivista da interpretação jurídica e não subjetivista. Ou seja, a ratio legis não deve ser reconduzida ao pensamento de uma qualquer pessoa ou entidade empírica. Deve antes procurar-se o sentido da norma, partindo da letra da lei e presumindo-se a razoabilidade do Legislador, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º do Código Civil). [13] Conceito desenvolvido por Joseph Raz, citado em David Duarte, Norm Individuation: A Passage in Time, in “Research Handbook on Legal Evolution”, Edward Elgar Publishing, 2024. Conforme enuncia o próprio Raz “It is desirable that every act-situation (i.e. the performance of a certain act by certain persons in certain circumstances) that is guided by a legal system should be the core of a law…” e “An act-situation is the core of a law (which, as will be seen in Chapter VII, need not be a norm) if it is the object of a normative modality ('ought', 'must', 'may', etc.) or a normative predicate ('have a right', 'is a duty', etc.)”, in Joseph Raz, The Concept of a Legal System: An Introduction to the Theory of Legal System, 2. ed., reimp. (Oxford: Clarendon Press, 2003), 144-145.
[14] Redação dada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2009.