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ARTIGO 380º
N.º 1
AL. B)
DO CÓDIGO DO PROCESSO PENAL
CONTRADIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO
REENVIO DO PROCESSO À PRIMEIRA INSTÂNCIA
Sumário
Da leitura da fundamentação a quo não resulta claro ou sequer indiciado que a mens do julgador a quo era de fixar o período da suspensão por igual período ao da prisão, pois a lei penal permite-lhe outra opção, pelo que não pode afirmar-se que se está perante um mero lapso suscetível de ser corrigido ao abrigo do artigo 380.º, n.º1, al. b), do CPP. Mas ainda que fosse lapso ou até ambiguidade, a sua eliminação só poderia ocorrer se não importasse modificação essencial. Ora, será já de concluir que tal correção importaria numa modificação essencial da decisão em face dos efeitos, com ameaça de prisão, que a revogação da suspensão pode ter. Em face do exposto, podemos concluir que existe uma contradição entre a fundamentação e a decisão a qual se mostra insanável. A mesma não pode ser conhecida por este tribunal superior, art. 431º do CPP, dado que não se consegue escrutinar qual foi efetivamente o pensamento do tribunal a quo dada a possibilidade legal daquele período poder ser fixado em tempo inferior ao da pena concreta de prisão fixada. Determina-se o reenvio do processo para o conhecimento concreto da questão a realizar pela mesma juíza que prolatou a decisão a quo.
(Da responsabilidade do Relator)
Texto Integral
Proc. Nº 551/22.6GCSTS.P1
Relator Paulo Costa
Adjuntas Maria Rosário Silva Martins
Madalena Caldeira
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Criminal de Santo Tirso - Juiz 2
Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
Nos autos de processo comum n.º 551/22.6GCSTS, no tribunal em epígrafe identificado foi decidido:
“a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p.e p. pelo artigo artº 152º, nºs 1, als. a) e c), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.
b) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos
artºs 153º, nº 1, e 155º, nº 1, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à taxa de 6€ (seis euros)
c) Suspender a pena enunciada em a), na sua execução, por igual período, condicionada ao cumprimento do regime de prova que contemple o respeito pela proibição de contacto com a vítima e a frequência de programa de promoção de competências pessoais e emocionais e de prevenção de comportamentos abusivos na conjugalidade, tudo mediante plano a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social (artigos 50.°, n.°s 1, 2, 3 e 5; 52.°, n.°s 1 e 2; 53.°, n.° 1; e 54.° do Código Penal e artigo 494.° do Código de Processo Penal) e ainda ao pagamento da indemnização fixada em d), à demandante, no mesmo prazo.
d) Julgar o pedido de indemnização cível procedente e condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de €3500.00 (três mil e quinhentos euros.
e) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça de 4 UC (cf. artigos 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais).
f) Ordenar a remessa aos serviços de identificação criminal, após trânsito da sentença, de boletins do registo criminal em relação ao arguido.
g) Manter a sujeição do arguido até ao trânsito em julgado da presente sentença às medidas de coacção oportunamente aplicadas.”
Inconformado, veio o arguido AA, interpor recurso referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve: “Conclusões:
a) O Tribunal omitiu uma pronúncia/apreciação na sentença recorrida da factualidade alegada no artigo 1.º da Contestação (“O arguido, que se encontra divorciado da alegada ofendida por mútuo consentimento (…)”), a qual, acarreta a uma nulidade da mesma nos termos do artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, cuja declaração ora se requer, por ser matéria essencial para a descoberta da verdade material, incluindo consequências a nível da sanção do arguido.
b) Requer-se que seja declarado que a sentença recorrida enferma do vício de contradição insanável da fundamentação previsto no artigo 410.º, nº 2.º, al. b) do CPP, e, seja ordenada a prolação de nova sentença com vista à sanação de tal vício, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 426º, nº 1 do CPP, com respeito das regras de competência constantes do artigo 426º-A do CPP, porquanto, o Tribunal a quo entendeu que a sanção de prisão devia ser suspensa na sua execução, afirmando na respectiva sentença, na parte da fundamentação, que a decisão seria “suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de dois anos e sete meses”(sic), relativamente ao crime de violência doméstica. No entanto, posteriormente na alínea c) do dispositivo da sentença, o Tribunal recorrido, altera o seu julgamento em relação ao crime de violência doméstica, e, afirma que a suspensão da execução da pena de prisão será coincidente com a “pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão”, ao julgar “c) Suspender a pena enunciada em a), na sua execução, por igual período (…)”.
c) Requer-se que seja declarado que a sentença recorrida enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º, nº 2.º, al. a) do CPP, e, seja ordenada a prolação de nova sentença com vista à sanação de tal vício, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 426º, nº 1 do CPP, com respeito das regras de competência constantes do artigo 426º-A do CPP, dado que o Tribunal a quo não indica os fundamentos para dar como provado o seguinte facto: “Reduzido sentido crítico do arguido”.
d) A decisão de suspender a pena prisão na sua execução, condicionada ao pagamento da indemnização de €3.500,00 à demandante, quando o arguido com 73 anos tem uma reforma de €510,00, além de violar o princípio da razoabilidade para estas situações, não se encontra legalmente fundamentada, pelo que, a sentença recorrida deverá ser declarada nula nos termos do disposto na alínea a) e c) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal.
e) O Tribunal, ao ter omitido a decisão de cúmulo de penas a que estava obrigado na sentença recorrida, criou um vício na mesma, de acordo com o artigo 379.º n.º1 alínea c) do CPP, cuja consequência é a nulidade, cuja declaração ora se requer.”
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O Ministério Público apresentou resposta pugnando pela improcedência do recurso, referindo:
“1. Não se verifica a invocada nulidade prevista no art.º 379.º, n.º1, al c.), do Código de Processo Penal, na medida em que o facto de o tribunal a quo não ter considerado provado que “o arguido se encontra divorciado da ofendida por mútuo consentimento” não configura uma questão que o tribunal devesse apreciar, sendo certo, ademais, que se trata de matéria de prova exclusivamente documental.
2. Também não ocorre o vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão previsto no artigo 410.º, nº 2.º, al. b) do CPP, pois que decorre do texto da sentença que se trata de lapso de escrita na fundamentação, pretendendo fazer coincidir-se o prazo da pena com o prazo da suspensão – 2 anos e 10 meses – tal como indicado no dispositivo, pelo que apenas deverá haver lugar à sua correção, nos termos do artigo 380.º, n.º1, al. b), do CPP.
3. Relativamente à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, por o tribunal não indicar os fundamentos para ter dado como provado o “reduzido sentido crítico do arguido”, consideramos que o tribunal explana devidamente o que o leva a concluir nesse sentido, ao referir “a falta de colaboração para com o tribunal na descoberta da verdade e ausência de autocensura relativamente ao desvalor da ação cometida”.
4. Com efeito, sendo certo que o arguido não pode ser prejudicado por exercer o seu direito a não prestar declarações, esse não prejuízo não implica uma “ausência de interpretação da opção pela falta de tomada de posição nos autos”.
5. Não ocorre falta de fundamentação da decisão de subordinar a suspensão da pena de prisão ao pagamento da indemnização de 3500,00€ à demandante, pois que é referido na sentença que “Acresce que, o artigo 34.º- B da Lei n.º112/2009 de 16 de Setembro determina no seu número 1 que a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinado ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta que protejam a vítima (…), cabendo nesta proteção da vítima o assegurar de uma atribuição de um montante compensatório pelo crime sofrido.
6.Em face do que vem de dizer-se, nenhuma razão se coloca que determine a alteração do teor da sentença proferida.”
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Neste Tribunal a Digna Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, tendo emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
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Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., tendo a assistente e arguido recorrente exercido o contraditório.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
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Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto dos recursos, apreciar:
a) O Tribunal omitiu uma pronúncia/apreciação na sentença recorrida da factualidade alegada no artigo 1.º da Contestação (“O arguido, que se encontra divorciado da alegada ofendida por mútuo consentimento (…)”), a qual, acarreta a uma nulidade da mesma nos termos do artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, cuja declaração ora se requer, por ser matéria essencial para a descoberta da verdade material, incluindo consequências a nível da
sanção do arguido.
b) a sentença recorrida enferma do vício de contradição insanável da fundamentação previsto no artigo 410.º, nº 2.º, al. b) do CPP, porquanto o Tribunal a quo entendeu que a sanção de prisão devia ser suspensa na sua execução, afirmando na respetiva sentença, na parte da fundamentação, que a decisão seria “suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de dois anos e sete meses”(sic), relativamente ao crime de violência doméstica. No entanto, posteriormente na alínea c) do dispositivo da sentença, o Tribunal recorrido, altera o seu julgamento em relação ao crime de violência doméstica, e, afirma que a suspensão da execução da pena de prisão será coincidente com a “pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão”, ao julgar “c) Suspender a pena enunciada em a), na sua execução, por igual período (…)”.
c) a sentença recorrida enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º, nº 2.º, al. a) do CPP, dado que o Tribunal a quo não indica os fundamentos para dar como provado o seguinte facto: “Reduzido sentido crítico do arguido”.
d) A decisão de suspender a pena prisão na sua execução, condicionada ao pagamento da indemnização de €3.500,00 à demandante, quando o arguido com 73 anos tem uma reforma de €510,00, além de violar o princípio da razoabilidade para estas situações, não se encontra legalmente fundamentada, pelo que, a sentença recorrida deverá ser declarada nula nos termos do disposto na alínea a) e c) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal.
e) O Tribunal, ao ter omitido a decisão de cúmulo de penas a que estava obrigado na sentença recorrida, criou um vício na mesma, de acordo com o artigo 379.º n.º1 alínea c) do CPP, cuja consequência é a nulidade.
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II.1
Da sentença proferida
Por facilidade de exposição, retenha-se o teor da sentença na parte relevante: (…)
II. Fundamentação De facto Factos Provados
Com relevância para a decisão da mesma, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido e a ofendida BB casaram no dia ../../1976 e residem na habitação sita à Rua ...., ....
2. Com a ofendida e o arguido reside o filho, CC, já maior de idade.
3. Na sequência do inquérito nº ..., que correu termos no DIAP de ..., o arguido saiu de casa e residiu durante cerca de cinco anos em casa da sua mãe, na localidade de ..., não mais tendo importunado a ofendida.
4. No dia do funeral da mãe do arguido, ocorrido em data não apurada de Janeiro de 2020, a ofendida deixou-o pernoitar em sua casa nessa noite, no sofá da sala, por o mesmo ter referido que não teria onde ficar.
5. Contudo, após essa noite, o arguido não mais saiu de casa da ofendida.
6. Após essa data o arguido tentou reatar o relacionamento com a ofendida, dizendo: “Ando aqui a dormir no sofá feito palhaço, feito filho da puta!”, tentando pressioná-la a levá-lo para o quarto e a que voltassem a dormir juntos.
7. Por vezes o arguido pede à ofendida para lhe emprestar dinheiro, e quando ela diz que não tem, este diz-lhe: “Filha da puta, és uma cabra, és muito fraca, ordinária”, repetindo-o de forma contínua, acabando por se calar apenas porque a ofendida nada lhe responde.
8. Nessas ocasiões o arguido também ameaça a ofendida dizendo: “Vou-te torcer o pescoço. Vai à policia. Se fores à polícia já vais sem cabeça!”.
9. O arguido diz ainda à ofendida: “Eu vou preso, mas primeiro vais tu, para eu ficar com a tua reforma! O que tu queres é que eu te bata, para ir preso, mas eu só vou três dias!”.
10. Por vezes, quando a ofendida sai de casa, o arguido segue-a, controlando com quem esta falou e que tipo de conversa teve.
11. Outras vezes, quando a ofendida sai de casa, o arguido aproveita para mexer nas suas coisas e objectos pessoais.
12. Por vezes, o arguido diz à ofendida que se atira abaixo de uma ponte.
13. Entre o dia 29 de Agosto de 2022, data da apresentação da queixa, e o dia 30 de Novembro de 2022, as injúrias e ameaças passaram a ser mais frequentes, dizendo o arguido à ofendida: “És muito fraca, ordinária, filha da puta, vou-te torcer o pescoço, vais ficar sem pescoço, vais na minha frente, para eu ficar com a tua reforma, vai-te sair a sorte grande.”
14. No dia 19 de Março de 2023, pelas 11h00, na residência da ofendida, esta informou o arguido de que não iria confeccionar-lhe o almoço, porque a isso não estava obrigada.
15. Então, o arguido apelidou a ofendida de “fraca, reles, ordinária, aldrabona e filha da puta”, bem como lhe dirigiu as seguintes expressões: “Vais à polícia, mas vais sem cabeça.
16. Em acto contínuo, dirigindo-se à BB e ao filho CC, o arguido disse-lhes, em tom sério e intimidatório: “Vou buscar as facas e fodo-te a ti e a ele”.
17. A seriedade imprimida pelo arguido a esta expressão deixou os ofendidos receosos de que o mesmo pudesse vir a atentar contra as suas vidas.
18. A ofendida sofre de esclerose múltipla, locomovendo-se com o auxílio de uma muleta e sente-se deprimida por não ter capacidade de reagir aos comportamentos do denunciado, devido ao medo que sente dele.
19. Com o comportamento supra descrito o arguido molestou a ofendida BB na sua integridade psíquica e saúde, causando-lhe sofrimento psíquico, mercê da humilhação medo, nervosismo e constrangimento a que a expôs, atento o seu comportamento e o teor das expressões que lhe dirigiu.
20. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de molestar a ofendida, sua mulher e mãe do seu filho, na sua integridade física e psíquica e de lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal.
21. Mais agiu o arguido com o propósito de intimidar o ofendido CC e de lhe provocar receio de vir a sofrer acto atentatório da sua vida, ciente de que o meio por si utilizado era adequado a causar-lhe tal receio.
22. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
23. Devido ao ambiente que vive em casa, quando não está na cozinha, a ofendida refugia-se no quarto, onde passa grande parte do dia.
24. Por ter medo do arguido, a ofendida continua a lavar-lhe a roupa.
25. Sendo também a ofendida que paga todas as despesas da casa, excepto a comida do arguido, designadamente a renda, no valor de €382.00, agua, electricidade e saneamento, uma vez que o arguido se recusa a comparticipar com qualquer montante.
26. A ofendida sente mal estar físico resultante da humilhação medo e revolta causados pelo arguido quando lhe dirigia as expressões enunciadas em 6 a 9, 13 e 15.
27. Todo isto deixa a ofendida permanentemente chorosa e depressiva.
28. Afecta o seu apetite, descanso e sono e a sua vontade de viver.
29. Valendo-lhe os telefonemas que diariamente faz para a sua irmã DD, para desabafar e receber desta palavras de conforto e incentivo.
30. Por tudo isto, a ofendida tornou-se uma pessoa cada vez mais triste, depressiva, menos sociável e paciente.
31. Andando invariavelmente ansiosa e nervosa.
32. Toma antidepressivos.
33. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.
34. O arguido foi viver para um quarto, tendo sido apoiado numa fase inicial no seu pagamento pela Acção Social da Câmara .... Permaneceu ali cerca de 9 meses, após o que se mudou para a actual morada, onde ocupa também o quarto de uma habitação.
35. O seu quotidiano decorre circunscrito ao espaço habitacional e algum convívio com os residentes
36. Em 2019, AA foi diagnosticado com problemas do foro cardíaco que motivaram uma cirurgia e que envolvem, actualmente, um controlo medicamentoso e clínico regular.
37. Com o 4º ano de escolaridade, o seu percurso de trabalho decorreu fundamentalmente por conta própria, na área têxtil, da Confecção, em parceria com a ofendida, que não resultou bem-sucedido. No ano de 2010, a empresa familiar ficou insolvente, sendo que sobrevieram processos judiciais, em resultado do incumprimento de responsabilidades financeiras. A partir de então, o arguido ficou em situação de desemprego, até à sua reforma.
38. Actualmente, AA aufere uma pensão de reforma, no valor actual de 510 euros, sendo que apresenta como despesa fixa mais relevante a prestação de renda do quarto, no valor de 200 euros/mês, que inclui o consumo de energia eléctrica e água.
39. Ao nível alimentar é apoiado pela Cruz Vermelha ... e, pela Acção Social da Câmara daquela localidade, na compra da medicação.
*
Factos não provados
a) O arguido apoderou-se das chaves e mandou fazer uma cópia das chaves do apartamento, da porta do prédio e da caixa do correio.
b) O arguido apenas sai de casa durante cerca de uma hora entre as 11h30 e as 12h30.
c) A ofendida aufere uma reforma de €914,65, e receberia €1649,98, não fossem as penhoras que sobre ela recaem em resultado de dividas contraídas aquando da exploração de uma pequena empresa de confecção.
d) Após ter sido notificado do teor da acusação publica, o arguido dirigiu-se à ofendida e disse “andas a dizer que te vou torcer o pescoço e vou mesmo. Isto ainda vai dar uma volta muito grande!”
e) A ofendida não tem acompanhamento psicológico, porque o não pode pagar.
f) A ofendida é uma mulher educada, meiga, bem formada.
g) Respeitadora e respeitada e estimada por todos quantos a conhecem.
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Consigno que, relativamente à acusação particular e ao pedido de indemnização civil, o tribunal expurgou dos factos provados e não provados aqueles já constantes da acusação pública, bem como os que constituem matéria conclusiva, de direito, ou irrelevantes para a decisão da causa.
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Indicação, valoração e análise crítica da prova
A convicção do Tribunal relativamente aos factos considerados provados fundou-se na apreciação crítica da prova produzida de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma valoração de acordo com critérios lógicos e objectivos que determinem uma convicção racional, objectivável e motivável e com recurso às regras de experiência de vida e da normalidade.
Toda a prova verbalmente produzida foi objecto de gravação, o que melhor permite aquilatar da mesma em conjugação com a demais prova. Infra se exporá detalhadamente a valoração do Tribunal na sua análise crítica sobre tais depoimentos, nomeadamente sobre a respectiva credibilidade, na certeza de que só a valoração da globalidade da prova produzida permitiu ao Tribunal ajuizar de facto nos termos em que o fez.
Assim, o arguido, ao abrigo do direito que tem, não prestou declarações.
A Assistente BB, de forma circunstanciada e objectiva, relatou a factualidade enunciada em 3 a 18 e 23 a 32. Fê-lo com notória angustia, sendo certo até que acabou por não confirmar todos os factos constantes da acusação, o que denotou ao Tribunal ser o seu relato verdadeiro, em conjugação com os demais, como infra se concretizará.
CC, filho do arguido, com quem referiu não ter relação, confirmou que o pai regressou a casa em 2020, após 5 anos ausente e proferia ameaças – “mato-te fodo-te, torço-te o pescoço, esgano-te”, à mãe, e ainda que “Eu vou para a prisão mas mato-vos – aos 2”, dirigindo-se também ao depoente e que se ia atirar abaixo da ponte, mais confirmando as ameaças com facas. Descreveu ainda a situação débil da mãe, por motivos de saúde, e que esta chorava e sofria imenso com a violência do arguido, levando-a a tomar medicação.
DD, irmã da assistente, refere ter assistido a ameaças por parte do arguido em relação à irmã - que a matava, que a liquidava, torcia-lhe o pescoço e se fosse á GNR que a matava, sendo que a irmã desabafou que o arguido lhe dirigia as expressões “filha da puta, vaca, ordinária, fraca e cabra” e ainda que sentia medo dele, que chorava e apresentava estado depressivo, encontrando-se medicada, confirmando ainda os problemas de saúde, tanto que desde há 1 ano, passou a ser cuidadora da sua irmã,
EE, cunhado da Assistente, refere ter ido a casa da assistente mais do que uma vez para serenar os ânimos do arguido, a pedido desta, tendo também o filho do arguido chegado a ter de sair do trabalho para acalmar o pai. Relatou ainda um episodio, que não conseguiu localizar no tempo, mas na altura da apresentação da queixa, em que foi solicitada a sua presença na casa da Assistente e que, quando chegou, a viu em lágrimas e aterrorizada, tendo contado que o arguido lhe havia dirigido expressões como filha da puta, cabra. Confirmou ainda os problemas de saúde da assistente, e que a mesma toma medicamentos.
FF, irmão da assistente, refere que se deslocava diariamente a casa do casal, e ouviu o arguido dizer que dava 1 tiro, e chamar a assistente de filha da puta e fraca, que não valia nada, cabra e ordinária, tendo chegado a ir à casa da irmã por várias vezes, a pedido desta, para acalmar o arguido.
GG, sobrinha da assistente, relatou um episodio ocorrido em Agosto ou Setembro de 2022, em que foi ajudar a assistente com a mudança e que ouviu o arguido a dizer-lhe que lhe agarrava o pescoço, não valia nada, trapo, fraca, que tinha uma arma no carro e que a ia buscar, tendo ido buscar a tia, que chorava, para o quarto, sendo hábito, em tom de desabafo, a tia contar-lhe situações idênticas, mas só assistiu naquela ocasião. Por ocasião dos desabafos, através de conversas telefónicas, a tia chorava ao telefone e mostrava-se muito triste e com medo do arguido.
De notar que estes depoimentos, em conjugação com as declarações da assistente, por terem sido prestados de forma logica e objectiva, lograram convencer o Tribunal da ocorrência dos factos considerados provados em 3 a 18 e 23 a 32.
Foram também ouvidas duas testemunhas de defesa mas cujo depoimento não relevou para o apuramento dos factos, visto que as mesmas, HH e II, amigo e conhecido do arguido, respectivamente, não privavam com o casal.
Relevaram ainda o auto de notícia de 18 a 19, as certidões de fls. 31 a 35, aditamentos de fls. 110 a 111 e 134 a 135 verso, documentos de fls. 116 a 120, avaliação de risco de fls. 140 a 142 e CRC de fls. 150.
Quanto ao enunciado em 25, o tribunal atentou nos documentos juntos com o pedido de indemnização civil.
Atendeu-se ainda à certidão do processo de inquérito emitida pelo DIAP de ..., quanto à queixa apresentada – ponto 3 dos factos provados.
No plano subjectivo dos ilícitos apurados, na falta de qualquer confissão e/ou assunção dos factos, ter-se-á de ponderar o iter criminis apurado, quanto ao dolo imputado.
E assim, no que respeita à factualidade vertida no ponto 19 a 22., para além do que já supra se foi referindo, que o arguido quis actuar do modo em que o fez, de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de humilhar, intimidar e importunar a sua mulher, a quem sabia dever uma especial obrigação de respeito, bem como com o intuito de a atingir na sua integridade física e psíquica, o que logrou concretizar, criando-lhe um estado de medo, inquietação e insegurança, é o que deflui, com clareza, da conjugação com as características de personalidade do mesmo com a experiência comum projectada na sua actuação objectiva. Tais regras de experiência comum, e tendo em conta os padrões de entendimento e comportamento do homem médio, projectadas no contexto fático provado e as presunções naturais que delas emergem, não deixam margem para dúvidas de que a intenção real daquele arguido foi a exacta intenção apurada.
Os elementos subjectivos das incriminações, resultam igualmente inferidos da materialidade dos factos dados como provados e da ressonância ético-jurídica que torna ao alcance de qualquer cidadão o conhecimento da proibição jurídico-penal daqueles actos e, ainda, dos factos concretamente imputados ao arguido, julgados provados nesta instância, o qual, com a sua conduta, não poderia deixar de estar consciente de que se encontrava a criar constrangimento e medo no seu filho, agindo intencionalmente com vista a alcançar esse desiderato, sabendo o arguido que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei como crime.
A inexistência de antecedentes criminais do arguido emerge do certificado do registo criminal junto aos autos.
O relatório social elaborado pela DGRSP fundou a convicção do Tribunal sobre os factos apurados em relação às condições de vida do arguido (cf. pontos 34 a 39.), não tendo o teor de tal relatório sido infirmado por qualquer outro elemento de prova.
Vertendo agora a objectiva para os factos não provados, estes resultaram assim julgados em consequência da completa ausência de produção de prova idónea sobre a veracidade dos mesmos. Concretizando, a decisão negativa tem neste caso, em particular, motivação na versão que a própria assistente foi verbalizando ao longo das suas declarações em audiência de julgamento, sendo que mais nenhuma prova foi feita no sentido de que tais factos tiveram existência real.
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Fundamentação de Direito Da responsabilidade criminal
Face ao objecto do presente processo, as questões jurídicas que importa conhecer e decidir assumem metodologicamente o seguinte conteúdo e cadência:
i) Primeira, averiguar se o arguido deve ser jurídico-penalmente responsabilizado pela prática dos crimes de que vem acusado ou por algum deles.
ii) Depois, caso se conclua pela responsabilidade jurídico-penal daquele, aquilatar da espécie e medida concreta da pena a aplicar-lhe.
Crime de violência doméstica
O artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal dispõe que quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: b) a pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
O bem jurídico protegido por este crime é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, o qual pode ser prejudicado por toda uma multiplicidade de comportamentos1.
1 Vide Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, pág. 332.
2 In Comentário Conimbricense, tomo I, 1999, pág. 330.
3 Ob. citada, pág. 332.
4 Taipa de Carvalho, in Ob. citada, pág. 334.
5 Processo n.° 486/08.5GAPMS.C1 (www.dgsi.pt/j trc)
A criminalização destas condutas, com a consequente responsabilização penal dos seus agentes, resultou da progressiva consciencialização ético-social da gravidade individual e social destes comportamentos ocorridos no seio da família que, nas palavras de Taipa de Carvalho2, “(…) não mais podiam constituir feudos sagrados, onde o direito penal se tinha de abster de intervir”. Assim, Taipa de Carvalho3 afirma (relativamente ao anterior crime de maus tratos) que, em última instância, o bem jurídico protegido por este crime é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, o qual pode ser prejudicado por toda uma multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal do cônjuge.
O crime de violência doméstica exige que sejam infligidos a outra pessoa maus tratos físicos ou psíquicos, tratando-se de um crime de execução não vinculada, podendo tais maus-tratos consistir nas mais diversas acções ou omissões. As condutas previstas e punidas por este artigo podem ser de várias espécies: maus-tratos físicos, maus-tratos psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade ou ofensas sexuais. Embora tais condutas revistam a forma de acção, o tipo comporta também omissões que não carecem de ser “configuráveis como omissões de acções juridicamente impostas com base no dever de garante e, portanto, não têm que ser adequadas a produzir a lesão de determinado bem jurídico”4.
Este é um crime específico, que será próprio ou impróprio, consoante as condutas em si mesmas consideradas já constituam crime ou não configurem em si mesmas qualquer crime.
Pressupõe o crime em causa uma relação presente ou passada de natureza familiar, tendencialmente familiar ou de grande proximidade vivencial, entre agente e vítima (como a que existiu entre arguido a assistente, marido e mulher à data dos factos), sendo que, como se pondera no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.01.20135 "A degradação de relações desta natureza que, do ponto de vista dos valores que o direito penal também prossegue, impõe a exigência de um maior grau de consideração / respeito pelo outro, ainda que em situações de litígio, e os excessos que essa degradação potencia, por força da maior proximidade e muitas vezes da impossibilidade de um afastamento total e efectivo, é um dos factores que justifica a criação de um tipo específico de crime que se distingue dos tipos comuns preenchidos quando não se verifica o especial relacionamento entre agente do crime e vítima e que abarca situações típicas que vão para além desses tipos de crime comuns. O que significa que eventuais injúrias, ofensas à integridade física, ameaças, coacções são já consideradas pela lei como mais graves se ocorridas dentro desse tipo de relacionamentos, mais lesivas da condição humana que se quer revestida de dignidade. Esta consideração que patentemente emana da lei apenas excepcionalmente permite que assim se não conclua, quando tal ocorra em situações muito incidentais e que manifestamente demonstrem que a dignidade do outro foi afectada de forma insignificante que não justifica a penalização em causa."
No que se refere ao elemento subjectivo, este tipo de crime exige o dolo por parte do agente que o executa, sendo o respectivo conteúdo variável em função da espécie de comportamento do agente. De acordo com o artigo 14.º do Código Penal, age com dolo quem, tendo previsto um certo resultado como consequência possível da conduta – elemento intelectual – toma a sério a possibilidade de violação de bens jurídicos e, não obstante, decide-se pela execução do facto – elemento volitivo.
No caso dos autos, percorrida a factualidade provada, não podem, manifestamente, qualificar-se como insignificantes ou muito incidentais as demonstradas ofensas do arguido à dignidade da assistente, sua mulher, a quem humilhou e atemorizou, insultando-a, ameaçando-a e impondo-lhe a sua presença e interpelações.
O modo como o arguido se dirigiu à assistente leva-nos a concluir, sem margem para dúvidas, que a sua conduta é manifestamente demonstradora de desconsideração e desrespeito pela dignidade de que a sua mulher era merecedora.
Relembramos que os maus tratos físicos e/ou psíquicos não se limitam às acções de bater ou de injuriar, as quais, com alguma frequência, não provocam danos tão graves como os originados por uma conduta que, pela violência que encerra, se repercute na saúde física e psíquica da vítima.
Tal conduta do arguido, de intensa violência emocional, foi claramente incompatível com a consideração que o arguido devia à assistente com quem mantinha uma relação familiar de grande proximidade, pessoa que o arguido antes diminuiu na sua dignidade, o que fez de modo voluntário e conscientemente, actuando dolosamente, verificando-se pois também os pressupostos subjectivos do crime de violência doméstica por que vinha acusado (cf. artigos 13.° e 14.° do Código Penal).
Deste modo, da factualidade provada, encontra-se verificado o cabal preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e c), e 2, al. a) do Código Penal, inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude, bem como de desculpação. Crime de ameaça
Dispõe o artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal que, “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Por sua vez, o artigo 155.º, n.º1, alínea a), do Código Penal dispõe que quando os factos contidos no artigo 153.º forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º.
Através da incriminação da ameaça, pretendeu o legislador reprimir jurídico-penalmente os ataques ou afectações ilícitas da liberdade individual, acolhendo-a como bem jurídico intrassocial, e tutelando-a enquanto interesse jurídico individual e próprio de cada indivíduo à imperturbada formação e actuação da sua vontade, à possibilidade de, nas múltiplas formas de interacção social, tranquilamente se conformar e dispor de si mesmo, dentro dos limites traçados pela lei (cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I., pg.340.)
Do ponto de vista da conduta descrita e no sentido que interessa ao preenchimento do tipo legal, ameaçar corresponde ao acto de prometer ou pronunciar um mal futuro, anunciar, de modo explícito ou implícito, a intenção de causar um facto maléfico, injusto e grave, consistente em danos físicos, económicos ou morais, necessariamente futuros, independentemente do concreto prazo eventualmente assinalado para a concretização da ameaça. Posto é que, aos olhos do homem médio, dotado das características individuais do ameaçado, a concretização futura do mal anunciado dependa ou apareça dependente da vontade do agente.
O mal ameaçado tem, além do mais, de configurar em si mesmo um facto ilícito e típico, embora não necessariamente culposo, ainda que, após a revisão operada através do DL n.º43/95, de 15 de Março, obrigatoriamente afirmado por referência directa a determinados bens criminalmente tutelados.
De facto, do confronto entre a redacção introduzida pelo diploma revisor e aquela outra que até então vigorava, resulta que, no que concerne ao tipo em análise, foi deliberadamente estreitado o respectivo campo de aplicação através da indicação precisa dos bens ameaçados e, simultaneamente, alargado o âmbito da matéria proibida pela conversão do crime em delito de perigo concreto (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Actas da Comissão de Revisão, 24ª sessão, pg.232).
Com efeito, o que se exige agora para o preenchimento do tipo é apenas que a actuação do agente objectivamente reúna certas características que a tornem particularmente adequada a provocar na vítima receio ou inquietação, e não já também que, em consequência da actuação contra si desenvolvida, se sinta a vítima efectivamente inquieta ou amedrontada: o preenchimento da factualidade típica basta-se, pois, agora com a criação de uma concreta situação de perigo para o bem jurídico tutelado, independentemente do dano eventualmente produzido.
Pode, assim, dizer-se que, após a revisão operada em 95, o crime de ameaça, para além de um crime comissivo ou de resultado - no sentido em que, à consumação do crime interessa a percepção da ameaça por parte do visado, isto é, a tomada de consciência da ameaça por parte do ameaçado - passou a estruturar-se, sob o ponto de vista da actuação do agente sobre o bem jurídico, como um delito de perigo concreto (Figueiredo Dias, op. cit., pg.232 e F. Mantovani, Manual de Direito Penal, Crimes Contra as pessoas, CEDAM, pag.402). Deste modo, para que releve jurídico-penalmente, a conduta do agente haverá de traduzir-se num comportamento que, de acordo com as regras da experiência comum e os conhecimentos existentes, se possa dizer adequado a originar um dano. Assiste-se, portanto, a uma punição do chamado âmbito pré-delitual, originando como que uma antecipação da punibilidade, justificada pela particular importância que o bem jurídico protegido pelo crime de ameaça assume no contexto da vida comunitária.
Tratando-se de um crime de perigo concreto, é necessário, para afirmar a respectiva prática, que, através de um juízo ex ante, se reconheça na ameaça perpetrada efectiva potencialidade intimidatória, ou seja, aptidão para criar sentimentos de medo ou de inquietação no visado. E uma vez que o critério de adequação a utilizar para um tal efeito será do tipo objectivo-individual (cfr. idem), para se aferir da idoneidade da ameaça, deve levar-se em consideração, além do mais:
- as circunstâncias do caso concreto (mal anunciado, sua credibilidade e exequibilidade, forma, tempo e lugar da conduta maléfica anunciada, capacidade do agente para delinquir e seus antecedentes criminais, costumes locais, etc.);
- as particulares condições do sujeito passivo (impressionabilidade, passividade, estado psicológico, idade, capacidade de resistência, etc.) e ao conhecimento que o agente activo tenha, no momento da conduta, dessas particulares condições do sujeito passivo (neste exacto sentido, F. Mantovani, op. cit., pags.398/399).
A ameaça será adequada se, de acordo com a experiência comum e consideradas as descritas circunstâncias, for susceptível de ser levada a sério pelo respectivo destinatário, independentemente de o ameaçado ficar, ou não, inquieto ou atemorizado.
Ora, em concreto, não se duvida que o facto do arguida ter demonstrado a sua vontade de lesar futuramente o ofendido na sua vida, afirmando que o fodia, mencionando que ia buscar as facas, era susceptível de lhe provocar (ou em qualquer outra pessoa) medo ou inquietação.
Ao proferir tal expressão, o arguido, anuncia que o iria agredir em breve, suprimindo-lhe a vida, pois não se pode retirar outra interpretação da expressão senão a de o matar, tendo em conta as sequencias inerentes a esfaquear alguém, causando receio ao ofendido, o que, efectivamente, conseguiu.
Assim apreciadas, as expressões proferidas pelo arguido são objectivamente compagináveis com o anúncio ou manifestação de execução de um mal futuro, tal como exige a norma incriminadora. E subjectivamente, o anúncio do mal, tem a virtualidade de constranger e perturbar o quotidiano de qualquer pessoa.
As expressões empregues pelo arguido inculcam a ideia do anúncio de algo que tem, previsivelmente, possibilidade de ser executado e que na sua acepção normal pode ser entendido como apto a vir a ser concretizável.
Quanto ao elemento subjectivo deste tipo de crime resultou provado que o arguido agiu com o propósito alcançado de intimidar o ofendido, e provocar-lhe receio de vir a sofrer acto atentatório da sua vida ou da sua integridade física, agindo sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
As expressões proferidas pelo arguido integram actos que configuram a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos – art. 131º do CP.
Estão por isso integralmente preenchidos os elementos típicos do crime de ameaça, na pessoa do ofendido CC, imputado ao arguido, pela idoneidade da sua conduta para, no circunstancialismo descrito, provocar medo, inquietação ou prejudicar o sentimento de segurança e tranquilidade daquele.
Por outro lado, não se verifica qualquer causa de exclusão de ilicitude ou de exculpação.
Pelo que, o arguido praticou um crime de ameaça previsto e punido pelo art. 153º n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal. Das consequências jurídicas dos crimes praticados pelo arguido.
A moldura legal aplicável pela prática do crime de violência doméstica é de dois a cinco anos de prisão (cf. artigo 152.º, n.º1 e 2, al. a) do Código Penal).
Por sua vez, o art. 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal prescreve, para o crime de ameaça agravada, pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias.
Na determinação da medida concreta das penas deve o Tribunal tomar em conta, como directrizes fundamentais, conforme imposição legal do n.º1 do artigo 71.º, a culpa do agente e as exigências de prevenção, mas sempre com observância plena do princípio da proibição da dupla valoração, devendo ainda tomar em consideração, entre outros, os diversos factores enunciados no n.º 2 do artigo acabado de mencionar.
Tendo, pois, em conta os princípios gerais que acabam de ser formulados, deverão ser, neste momento, consideradas todas aquelas circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos legais convocados, sejam expressivas da culpa do arguido e da medida das necessidades de prevenção.
Descendo ao caso concreto, para a determinação das penas concretas a aplicar ao arguido por reporte aos crimes que praticou, desfavoravelmente ao mesmo, na globalidade das suas apuradas condutas, importa realçar que:
Agiu com dolo directo em cada uma das apuradas situações, que é o grau mais grave de censura jurídico-penal, e com culpa muito elevada.
No que concerne ao crime de violência doméstica, a intensidade criminal é ainda revelada pelo modo reiterado como persistiu na sua conduta, praticando os factos em causa em diferentes datas, o que demanda uma já relevante e intensa vontade de cometer o crime.
As exigências de prevenção geral que são elevadíssimas relativamente ao crime de violência doméstica (artigo 71.º, n.º2, do Código Penal), não podendo o tribunal ser alheio ao facto de, não obstante a criminalidade em geral estar a diminuir no nosso país, tal não suceder com o crime em causa, o qual tem vindo a aumentar de acordo com os dados estatísticos recentes, o que é revelador da necessidade de reafirmação das normas jurídicas violadas junto da comunidade, de modo a corresponder às expectativas desta.
O reduzido sentido crítico do arguido.
A favor do arguido temos:
- A circunstância de o arguido ter levado a sua vida em conformidade com o direito, não registando quaisquer condenações.
- Encontrar inserido socialmente.
Cumpre, por fim, salientar que as penas a aplicar por reporte aos crimes praticados pelo arguido devem defender o ordenamento jurídico, nomeadamente porque os comportamentos desviantes daquele são reveladores de uma atitude especialmente censurável, não considerando o desvalor de condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.
Como tal, tem de ser convenientemente sublinhada, perante a sociedade, a validade das normas que punem tais condutas e protegem os respectivos bens jurídicos fundamentais.
E assim, sopesados os circunstancialismos acima enunciados e salvaguardadas as finalidades da pena e as exigências de prevenção que se fazem sentir no caso concreto, e considerando a moldura penal aplicável ao ilícito criminal em causa, julga-se adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena de dois anos e dez meses de prisão relativamente ao crime de violência doméstica.
Uma vez que a pena de prisão a aplicar ao arguido é superior a dois anos e não excede os cinco anos de prisão, a única pena de substituição susceptível de aplicação é a prevista no artigo 50.º do Código Penal, cujo n.º 1 dispõe que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O período de suspensão não pode ser inferior a um ano.
Conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.20086, “face a este texto, deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais, que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora, funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar resposta adequada a problemas específicos”.
6 Proc. 07P4573, em www.dgsi.pt.
7 Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Proc. 07P797, em www.dgsi.pt.
Na suspensão da execução da pena não estão em causa considerações de culpa, mas apenas de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e de prevenção especial. Perante um prognóstico favorável nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, são considerações de prevenção especial que determinam a socialização do arguido em liberdade, por dessa forma se lograr alcançar a finalidade reeducativa e pedagógica, pela ameaça da pena, e ser adequada e suficiente às finalidades da punição7.
Descendo ao caso vertente, importa avaliar se deve ou não ser objecto de suspensão a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pela prática do referido crime de violência doméstica.
Considerando que o arguido era primário na data da prática dos factos, o que revela que levou a sua vida em conformidade com o direito, e que os factos cometidos integradores do crime de violência doméstica pelo qual vai ser condenado tinham na sua génese a vida enquanto casal com a assistente, somos de concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão podem ainda realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Acrescenta-se que entendemos que a ameaça da prisão, porque tenderá a servir de suficiente desincentivo à reiteração futura do comportamento que se sanciona, não será entendida como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza contra o crime e, por consequência, não comprometerá a defesa do ordenamento jurídico e exigências da exteriorização física da reprovação8.
8 Cf. Anabela Rodrigues, em anotação ao Ac. do STJ de 21/5/90, in RPCC, 2, 1991, pág.256.
Por tudo quanto foi exposto, decido suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de dois anos e sete meses.
Sublinhamos que a gravidade dos factos não deixa qualquer margem para contemporizar alguma falha do comportamento futuro do arguido no cumprimento desse regime ou no cometimento de novos crimes.
Acresce que, o artigo 34.º-B da Lei n.º112/2009 de 16 de Setembro determina no seu número 1 que “A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinado ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou do seu local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.
Como tal, julgamos conveniente e adequado à realização das finalidades da punição condicionar a suspensão da pena de prisão ao cumprimento do regime de prova que contemple o respeito pela proibição de contacto com a vítima, promova o recurso a estratégias de gestão de risco e auto-controlo e orientada pedagogicamente no sentido da consciencialização do impacto das suas condutas na esfera das relações de intimidade, tudo mediante plano a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social.
Mais decido condicionar a suspensão da pena de prisão ao pagamento da indemnização à demandante que infra se vai fixar.
Quanto ao crime de ameaça, importa atentar que, de acordo com o art.º 70.º do C.P., o nosso sistema jurídico-penal dá preferência às reacções criminais não detentivas sobre as penas privativas da liberdade, desde que aquelas satisfaçam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, as quais se encontram plasmadas no art.º 40.º do C.P.
A preferência pela pena não privativa da liberdade é imposta e justificada por finalidades exclusivamente preventivas. Havendo um juízo favorável de prognose social, - em atenção a considerações de prevenção especial de socialização -, só deve negar-se a aplicação da medida não detentiva quando a execução da pena de prisão se revele necessária ou mais conveniente do ponto de vista da defesa do ordenamento jurídico, ou seja, da tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada - prevenção geral de integração.
Na situação presente, afigura-se-nos que, atenta a ausência de antecedentes criminais, é lícito ao Tribunal efectuar um prognóstico favorável quanto ao efeito de uma condenação em pena de multa sobre o futuro comportamento do arguido.
Por outro lado, a tanto parece não se oporem as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico.
Pelo exposto, entendo ser de aplicar ao arguido pena não privativa da liberdade.
A este respeito, depõe em desfavor do arguido a actuação com dolo directo, bem como a falta de colaboração para com o tribunal na descoberta da verdade e ausência de auto-censura relativamente ao desvalor da acção cometida.
A favor do arguido milita a ausência de antecedentes criminais.
Da conjugação de todos estes factores, afigura-se-nos justa e suficiente condenar o arguido na pena de 240 dias de multa pela prática de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelo art. 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) do CP
Quanto à taxa diária, atendendo às condições de vida do arguido que resultaram demonstradas, reputo adequado fixá-la em 6 € (seis euros). Do pedido de indemnização civil
(…) IV. Dispositivo
Pelo exposto, o Tribunal decide:
a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p.e p. pelo artigo artº 152º, nºs 1, als. a) e c), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.
b) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artºs 153º, nº 1, e 155º, nº 1, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à taxa de 6€ (seis euros)
c) Suspender a pena enunciada em a), na sua execução, por igual período, condicionada ao cumprimento do regime de prova que contemple o respeito pela proibição de contacto com a vítima e a frequência de programa de promoção de competências pessoais e emocionais e de prevenção de comportamentos abusivos na conjugalidade, tudo mediante plano a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social (artigos 50.°, n.°s 1, 2, 3 e 5; 52.°, n.°s 1 e 2; 53.°, n.° 1; e 54.° do Código Penal e artigo 494.° do Código de Processo Penal) e ainda ao pagamento da indemnização fixada em d), à demandante, no mesmo prazo.
d) Julgar o pedido de indemnização cível procedente e condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de €3500.00 (três mil e quinhentos euros.
e) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça de 4 UC (cf. artigos 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais).
f) Ordenar a remessa aos serviços de identificação criminal, após trânsito da sentença, de boletins do registo criminal em relação ao arguido.
g) Manter a sujeição do arguido até ao trânsito em julgado da presente sentença às medidas de coacção oportunamente aplicadas.(…) “
Apreciando.
A decisão da matéria de facto – com a qual o recorrente não se conforma – só pode ser sindicada, em sede de recurso, por duas vias distintas:
- Por verificação, ainda que oficiosa, dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., a denominada revista alargada que, a proceder, deflui na realização de um novo julgamento, total ou parcial, apenas excecionalmente o podendo fazer o próprio tribunal superior (art.ºs 426.º, n.º 1, 430.º, n.º 1, e 431.º, als. a) e c), do C.P.P.);
- Através da impugnação ampla, prevista no art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do C.P.P., com eventual correção do decidido pelo tribunal superior (cfr. art.º 431.º, al. b), do C.P.P.).
No segundo caso a sindicância pode envolver o próprio processo e resultado da formação da convicção do julgador sobre a prova produzida, designadamente a suficiência ou insuficiência desta para justificar a materialidade considerada, a capacidade e a segurança do convencimento que emerge dos meios de prova a valorar, seja à luz dos critérios legais da avaliação (art.º 127.º do C.P.P.), seja sob o espectro das disposições sobre prova vinculada.
O recorrente impugna com base nos vícios dom 410ºdo CPP e invoca nulidades.
Das nulidades.
No que concerne à invocada nulidade prevista no art.º 379.º, n.º1, al c.), do Código de Processo Penal, esta não se verifica, na medida em que o facto de o tribunal a quo não ter considerado provado que “o arguido se encontra divorciado da ofendida por mútuo consentimento”, tinha já conhecimento que o arguido já não residia com a assistente, como resulta da matéria fáctica da como provada relativamente à suas condições pessoais e na abordagem que fez sobre a suspensão da pena ao afirmar que os factos cometidos tinham por pressuposto e por origem a vida enquanto casal.
Por sua vez, tratando-se de matéria de prova exclusivamente documental o arguido invocando tal situação não a juntou a certidão, nem a requereu posteriormente e o tribunal não sentiu necessidade de o obter.
Acresce como bem refere o Sr.PGA no seu parecer “Ora, o arguido, na sua contestação, limitou-se a dizer o seguinte (o realce a negrito é nosso): “O arguido, que se encontra divorciado da alegada ofendida por mútuo consentimento, não cometeu os crimes de que vem acusado como se irá provar em sede de audiência de julgamento, pelo que que deverá ser absolvido tanto na jurisdição criminal como na jurisdição cível”.
Ou seja, limitou-se a intercalar a afirmação do seu divórcio num artigo da contestação onde apenas pretendia, genericamente, negar a prática dos crimes e clamar pela sua absolvição.
Nem indicou a data em que esse divórcio ocorreu nem, tão pouco, apresentou a necessária certidão de onde pudesse comprovar o seu atual estado civil.
Não apresentou o facto autonomamente, dando-lhe a relevância que, agora, parece nele encontrar, nem sequer tratou de apresentar o necessário elemento de prova.
E em boa verdade assim o terá feito porque, efetivamente, tal facto - o seu estado civil atual - não nos parece relevante para a condenação de que foi alvo, sabendo-se que os normativos que estabelecem os requisitos da sentença (arts. 374º e 379º do C. P. Penal) não impõe a enunciação dos factos provados e não provados que sejam irrelevantes ou inócuos para o objeto processual.
E de facto, a dimensão dos factos dados como provados justificam a razão das penas fixadas e a suspensão da prisão e dentre esses factos, o facto do arguido ter morada diferente da assistente, sendo que o estado civil por si não é fator dirimente substancial em termos de análise da prevenção especial, tanto mais que o crime de violência doméstica não pressupõe o divórcio, podendo as vitimas serem cônjuge ou ex-cônjuge ou pessoa com quem se tenha ou tenha tido relações de namoro ou análoga à dos cônjuges.
E como vimos o tribunal a quo não desconsiderou o facto do recorrente e vitima não já viverem sobre o mesmo teto, tanto mais que a medida de coação que lhe foi imposta implicava o seu afastamento.
Esclarece-se ainda que a situação em causa a verificar-se situar-se-ia no domínio do art. 379º, n º 1, al. a) atinente a questões de facto e não da alínea c) do citado artigo, o qual diz respeito apenas a questões de direito.
Em face do exposto, não era essencial que se fizesse constar nos factos provados o divórcio por mútuo consentimento.
Também não ocorre a nulidade prevista nos termos do disposto na als. a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º, ambos do C. P. Penal, pois que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, o Tribunal a quo fundamentou devidamente a decisão de suspender a pena prisão na sua execução, condicionada ao pagamento da indemnização de €3.500,00 à ofendida.
Como se pode ler na sentença recorrida na parte relativa à suspensão da execução da pena, “Acresce que, o artigo 34.º-B da Lei n.º112/2009 de 16 de Setembro determina no seu número 1 que a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinado ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou do seu local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio. Como tal, julgamos conveniente e adequado à realização das finalidades da punição condicionar a suspensão da pena de prisão ao cumprimento do regime de prova que contemple o respeito pela proibição de contacto com a vítima, promova o recurso a estratégias de gestão de risco e auto-controlo e orientada pedagogicamente no sentido da consciencialização do impacto das suas condutas na esfera das relações de intimidade, tudo mediante plano a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social. Mais decido condicionar a suspensão da pena de prisão ao pagamento da indemnização à demandante que infra se vai fixar”.
Secundando o que refere a Senhora Procuradora da República junto do tribunal recorrido, cabe “nesta proteção da vítima o assegurar de uma atribuição de um montante compensatório pelo crime sofrido”.
Tal decisão tem substrato igualmente no disposto no art. 51º n º 1 al. a) do C.P, na medida em que um dos deveres que podem ser impostos como condição da suspensão da pena de prisão é precisamente o de pagar dentro de um certo prazo a indemnização devida ao lesado.
Assim, vemos que a decisão de condicionar a suspensão da execução da pena em que o arguido foi condenado ao pagamento daquela indemnização à ofendida se mostra devidamente fundamentada na sentença em análise, não ocorrendo, pois, a nulidade invocada pelo recorrente.
Por último, diga-se que a sentença recorrida não incorreu em qualquer nulidade por omissão de pronúncia, como refere o recorrente, ao não ter proferido decisão sobre o cúmulo das duas penas em que o arguido foi condenado, uma pelo crime de violência doméstica e outra pelo crime de ameaça agravado.
Como se decidiu no Ac. TR do Porto de 12/03/2014, proc. nº 955/06.1TAFLG-A.P1, “para se proceder ao cúmulo jurídico de penas é necessário que estas, além de estarem em concurso, sejam da mesma espécie”.
No caso em apreço, ainda que estejamos perante dois crimes que se encontram numa relação de concurso, foram punidos com penas de natureza diferente, um com pena de prisão e outro com pena de multa.
Assim, estas penas mantêm, pois, a sua autonomia e não há lugar à realização de qualquer cúmulo jurídico. Tal resulta claramente do art. 77º, n º 3 do C.P.
O recorrente fica sempre com duas penas por cumprir, situação de cúmulo material: uma de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, e outra de 240 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.
Por isso, a sentença recorrida não incorreu na nulidade invocada pelo recorrente.
Logo, não vislumbramos aqui qualquer omissão de pronúncia que importe a nulidade da sentença, como defende o recorrente.
Dos alegados vícios.
Nos termos do art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova».
Assim e como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam exógenos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 338/339], isto é, qualquer um dos referidos vícios tem de existir «internamente, dentro da própria sentença ou acórdão» [Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 340].
No caso específico do vício decisório prevenido na al. a), a indicada insuficiência determina a formação incorreta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto (não os meios de prova que a sustêm) é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa, estando, pois, associado à insuficiência da matéria de facto para a decisão, o que não se confunde com insuficiência de prova.
No segundo caso, o da “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), este consiste na incompatibilidade, de inviável ultrapassagem através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal vício ocorre quando um mesmo facto, obviamente com interesse para a decisão da causa, seja julgado como provado e não provado simultaneamente e logicamente anulando-se, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode prevalecer, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Por fim, o invocado “erro notório na apreciação da prova”, prevenido no inciso da al. c), ocorre quando um homem, medianamente sagaz, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente intui e percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação notoriamente errada, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou inverosímeis.
O vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão previsto no artigo 410.º, nº 2.º, al. b) do CPP.
Como explica Fernando Gama Lobo em Código do Processo Penal Anotado, 2ª ed. 2017 – “A contradição insanável da fundamentação; A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão: São dois vícios endógenos da sentença, que se encontram previstos no art. 410º-2-b). Mas em nenhuma circunstância se deve confundir contradição na fundamentação, com contradição entre ela e a decisão. São vícios algo distintos, embora a sua essência se encontre na fundamentação. O primeiro diz respeito á fundamentação da sentença em si, o segundo á sua relação com a decisão e só com a decisão. Une-os a circunstância comum de terem que assentar em contradições, que resultam do próprio texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Quaisquer outras contradições, que estritamente, não se contenham na fundamentação ou entre esta e a decisão, não preenchem este vício. Igualmente não se deve confundir este erro, que assenta em meras contradições, tendo como referência a fundamentação da sentença, com o problema da falta de fundamentação (e exame critico da prova) a que alude o art. 374º-2. (v. notas a este artigo). A fundamentação das decisões publicas, maxime das decisões judiciais, impõe-se como uma exigência do próprio estado democrático, aqui residindo, quiçá, a parte mais nobre da função de julgar e da respetiva legitimação dos julgadores, aos quais não pode bastar decidir, mas explicar como e porquê assim decidiram, sob pena de suspeição de falta de preparação técnica ou abuso de poderes. (v. art. 205º da C.R.P. e art. 97-4). Basicamente, a fundamentação de uma sentença, destina-se ao esclarecimento dos processos racionais que conduziram à avaliação dos meios de prova e permitir a todos os interessados uma análise crítica do percurso mental do julgador que determinou as suas convicções. Segue-se à fundamentação a decisão, que há de ser coerente com ela, não podendo entre a fundamentação e a decisão existir outro tipo de relacionamento que não seja aquele que existe entre as premissas e a respectiva conclusão, i.é, um puro silogismo lógico.
Portanto, o vicio da «contradição insanável da fundamentação, só existirá, quando, numa análise global, se possa concluir que em termos lógicos e racionais, a decisão não fica suficientemente esclarecida, dada a colisão entre os vários fundamentos invocados, enquanto o vicio da «contradição insanável entre a fundamentação e a decisão só existirá, quando, perante a mesma análise global e de acordo com o mesmo tipo de raciocínio, seja de concluir que a fundamentação em análise, justifica uma decisão precisamente oposta ou no mínimo não concordante com a tomada. Assim, se a sentença contiver uma fundamentação lógica e escorreita, despida de contradições, a necessária e suficiente para acompanhar o raciocínio do Juiz, e a decisão se encontrar escorada em todo o circunstancialismo fundamentador, então não há contradição insanável da fundamentação nem contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Por contradição entende-se o facto de afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas; proposições contraditórias são as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo difere na quantidade e na qualidade. Para haver contradição insanável é necessário que haja oposição entre factos que mutuamente se excluem por impossibilidade lógica ou de outra ordem por versarem a mesma realidade. (Acs. STJ de 08.05.1996, in, proc. n.º 327/96 e de 25.09.1996, in, proc n.° 48/31). A "contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão", vício previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptivel de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. (Ac. TRC de 30.03.2011, proc. 10/10.0PECTB.C1, in, wwwdgsi.pt).”
Posto isto, analisada a fundamentação da sentença resulta que esta em si não é contraditória. Contudo o mesmo já não se pode dizer da relação entre a fundamentação e a decisão, pois que na fundamentação a propósito do período da suspensão o tribunal a quo decidiu que a pena seria suspensa por um período de “2 anos e 7 meses” e n decisão parte do dispositivo determinou a suspensão pelo período de 2 anos e 10 meses, período correspondente ao tempo de prisão fixada.
Ocorre que o artigo 50º do CP em causa estipula nos pressupostos da sua aplicação:
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
O que significa que o tempo de duração da execução não tem que necessariamente ser igual ao do tempo da prisão.
Da leitura da fundamentação a quo não resulta claro ou sequer indiciado que a mens do julgador a quo era de fixar o período da suspensão por igual período ao da prisão, pois a lei penal permite-lhe outra opção, pelo que não pode afirmar-se que se está perante um mero lapso suscetível de ser corrigido ao abrigo do artigo 380.º, n.º1, al. b), do CPP.
Mas ainda que fosse lapso ou até ambiguidade, a sua eliminação só poderia ocorrer se não importasse modificação essencial.
Ora, será já de concluir que tal correção importaria numa modificação essencial da decisão, porquanto não se pode ignorar que um maior ou menor período de suspensão da pena condiciona a vida do condenado, em face dos deveres a que pode ficar sujeito durante aquele período, o arguido ficou sujeito a um regime de prova e ao pagamento de uma indemnização, e das consequências da violação dos mesmos nesse mesmo período, já para não mencionar a relevância da data de extinção da pena para efeitos de registo criminal bem como dos efeitos, com ameaça de prisão, que a revogação da suspensão pode ter se, por exemplo praticar algum tipo de crime durante aquele período, art. 56º do Código Penal.
Em face do exposto, podemos concluir que existe uma contradição entre a fundamentação e a decisão a qual se mostra insanável. A mesma não pode ser conhecida por este tribunal superior, art. 431º do CPP, dado que não se consegue escrutinar qual foi efetivamente o pensamento do tribunal a quo dada a possibilidade legal daquele período poder ser fixado em tempo inferior ao da pena concreta de prisão fixada.
Relativamente à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Com bem refere o autor supra id. “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada: É um vicio endógeno da sentença, que se encontra previstos no art. 410º-2- a), isto é, tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Conforme o seu nomem júris, é um erro que tem assento exclusivamente na matéria de facto considerada provada; já não na não provada. Nada tem a ver com erro de julgamento em matéria de facto, que analisámos supra (confusão tantas vezes feita nos recursos). Em todo o caso, entre o erro/nulidade de "omissão de pronúncia" e este erro/vicio, existe uma relação de causa e consequência. É unânime a jurisprudência no sentido de que só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando do acervo de factos vertidos na sentença se constata faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados e julgados (provados ou não provados), são necessários para se formular um juízo seguro de condenação (ou absolvição) e se determinar a natureza e a medida da sanção; ou, noutra formulação, quando a matéria de facto considerada provada na sentença, é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa, o que se verifica quando o tribunal recorrido deixou ou não conseguiu apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como este está configurado pela acusação e pela defesa, o que conduz à formação incorreta de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as premissas ou nelas não se ancora. É, em suma, um problema lacunar de raciocínio, Na alegação deste vício da sentença, importa que o recorrente invoque a factualidade considerada provada (não releva a não provada) e a confronte com a decisão sobre a matéria de facto evidenciando a falta de elementos para a conclusão, sem invocação de elementos exteriores. O vício é puramente lacunar e puramente endógeno da sentença. Obviamente, nada tem a ver com o entendi- mento pessoal do recorrente sobre a prova produzida. Não deve ele confundir o que foi considerado provado, com aquilo que ele recorrente, considerará ter-se provado (se quiser assim proceder, terá de ir pela via do erro de julgamento). Em suma; se as premissas da sentença, no que toca á matéria de facto, são suficientes para se alcançar a conclusão condenatória que se alcançou, então não há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; se os factos reportados na sentença como provados, não constituem um acervo factual de elementos, inclusivamente de ordem típica, que consubstanciem o necessário e suficiente para se chegar á conclusão condenatória a que se chegou, então, há insuficiência para a decisão da matéria de facto considerada provada. "o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão exige que deixe de ser apurada matéria factual relevante, não se mostrando elencado o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face a equação jurídica a resolver no caso" (Ac. TRL de 23.03.2006, Proc. n.° 06P959, in, www.dgsi.pt.).”
Ora da análise do texto decisório não se verifica que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe se o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insuscetível de adequada subsunção jurídico-criminal, “pressupondo a existência de factos constantes dos autos ou derivados da causa, que ainda seja susceptivel apurar, sendo esse apuramento necessário para a decisão a proferir. (Ac. do STJ de 18.11.98, in, proc. n. 855/98).
Tudo o que havia para investigar foi investigado sendo que este vicio se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. (Ac. TRC de 30.03.2011, proc. 10/10.0ÐÅÑÒB.Cl, in, www.dgsi.pt).
Quando o recorrente diz que existe tal vício porquanto o tribunal não indica os fundamentos para dar como provado o facto “ reduzido sentido critico do arguido”, não estamos no domínio do vicio citado, que se reporta a factos, como acima se explanou mas quiçá no domínio da falta de fundamentação, nulidade prevista no art. 379º, n º 1, al.a) por referência ao art. 374º ambos do CPP.
Importa desde logo dizer que a expressão em causa não consta do elenco dos factos provados, tratando-se antes de uma conclusão que o tribunal a quo extraiu da matéria de facto dada como provada e fê-lo legitimamente atendendo ao comportamento adotado pelo arguido para com as vitimas, o qual é manifestamente revelador, dada a sua intensidade e reiteração, de reduzido sentido critico, pois se assim não o fosse nem sequer tinha adotado tais condutas, pelo que inexiste, também, falta de fundamentação.
Improcede, pois alegado vício.
Em face do vício detetado, terá que se ter em conta o disposto no art. 426º do CPP e determinar o reenvio do processo para novo julgamento o qual deve incidir sobre e apenas a contradição identificada, devendo, para tal ser reaberto o julgamento para novas alegações quanto à questão viciada e a ser realizado pela mesma juiz, visto que o tema decidendum não justifica a renovação de toda a prova produzida a efetuar por outro tribunal, mantendo-se, pois, a competência no juiz que prolatou a decisão reenviada.
*
IV.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e em:
-Considerar verificado o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
-Determinar o reenvio do processo para a mesma juíza que o prolatou a fim de suprir tal vício no que toca à questão concreta do tempo de duração do período da suspensão da pena de prisão em que o arguido recorrente foi condenado.
Sem custas da responsabilidade do arguido/recorrente.