RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO
Sumário

I - A privação de uso do veículo sinistrado configura um dano autónomo a ser ressarcido com fundamento em responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, provado que se encontra ter o lesado ficado privado do gozo do veículo por efeito do sinistro e que o mesmo o usava.
II - Na falta de prova de despesas com o aluguer de um veículo de substituição, não é de fixar o dano da privação do uso do veículo sinistrado em função do valor locativo de um veículo similar, conduzindo tal a um injustificado enriquecimento do lesado.
III - Não apurado o valor do dano é o seu quantum fixado de acordo com o previsto no nº3, do art. 566.º, do Código Civil, com recurso a critérios de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida, impostas pela ponderação das realidades da vida, nas circunstâncias do caso.
IV - É equitativa, por adequada e proporcional, a fixação no montante de vinte euros/dia de privação de uso do dano da privação de uso do veículo sofrido por lesado que, usando o veículo em deslocações para o trabalho, em passeio com a família e em férias, não prova a efetiva realização de despesas com veículo de substituição.

Texto Integral

Processo nº 431/23.8T8MTS.P1

Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)

Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4


Relatora: Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
1º Adjunto: Juiz Desembargador Carlos Gil
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Paula Amorim




Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: A..., SA

Recorrido: AA

AA, propôs ação declarativa, com processo comum, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra A..., SA, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de 29.962,02 euros, acrescida de juros de mora, a contar da citação até integral pagamento, a título de indemnização pelos prejuízos que sofreu.

Alega, para tanto, os danos por si sofridos na sequência do embate, ocorrido no dia 13 de junho de 2020, pelas 22 horas, no entroncamento da Rua ... com a Rua ..., em ..., que envolveu o seu veículo, por si conduzido, de matrícula CJ, ligeiro de passageiros, ..., modelo ... e o veículo de matrícula ..-QO-.., seguro na Ré, um ligeiro de passageiros, da marca ..., conduzido por BB, pertença de CC, que, por culpa sua, não imobilizou o veículo ao sinal de stop e lhe foi embater. Contabiliza em 11.600,00 € o dano da privação do uso do seu referido veículo, alegando que vive e trabalha na Roménia, fazendo uso do veículo nas deslocações que fazia a Portugal bem como para se deslocar para o trabalho e passear com a família, vendo-se obrigado a recorrer a outros veículos.

Contestou a ré, aceitando o contrato de seguro e a dinâmica do acidente, impugnando os danos sofridos pelo Autor. Sustenta não se encontrar concretizado o dano da privação do uso e que o mesmo retirou o veículo da oficina onde foi feita a avaliação, impedindo a Ré, injustificadamente, de o reparar.


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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.

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Foi proferida sentença com a seguinte
parte dispositiva:
“Com fundamento no atrás exposto, julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a presente ação e, em consequência:
a) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 6.202,86€ (seis mil, duzentos e dois euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora a contar desde a citação até efetivo pagamento.
b) absolvo a ré do demais peticionado contra si.
Custas: Custas por autor e ré, na proporção dos respetivos decaimentos, nos termos do art. 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil”.
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De tal decisão apresentou-se a Ré a recorrer pugnando por que seja dado provimento ao recurso, “revogando-se ou anulando-se a douta sentença”, juntando alegações com as seguintes

CONCLUSÕES:

I- São elementos constitutivos do direito do lesado a uma indemnização pela privação do uso de um veículo não só a imobilização do automóvel que interveio no sinistro, como também a frustração das respetivas utilidades.

II- Apesar de um veículo estar imobilizado, tal não significa que o lesado não tenha beneficiado das utilidades que aquele automóvel lhe propiciava, nomeadamente por via do uso de outros veículos, capazes de satisfazer as suas necessidades.

III- Sendo que, nesse caso, ou não existe dano, ou o dano consistirá nas despesas acrescidas em que o lesado tenha incorrido para obter um veículo de substituição, ou o maior incómodo que essa solução alternativa tenha gerado.

IV- Lida a matéria de facto dada como provada, verifica-se que não foi dado como demonstrado que o autor, por causa do acidente, tenha ficado privado da utilização de um veículo automóvel, uma vez que se provou que fez uso de veículos emprestados.

V-Não se provou que o autor tenha estado, sequer, privado do uso de veículos automóveis, ou que os veículos que usou não lhe asseguraram as mesmas utilidades que o “CJ” lhe propiciava

VI- Era antes ao autor que competia provar que, nesse mesmo período, esteve privado da utilização do “CJ”, mas também de outros veículos automóveis, já que disso dependia o reconhecimento do seu direito de indemnização a esse título (cfr artigo 342.º do Cod Civil).

VII- Face ao exposto, entende a Ré que não tem o autor direito a qualquer indemnização pela privação do uso de veículos automóveis, pelo que deve ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu ao autor a verba de 3.100€, absolvendo-se a Ré, nessa parte, do pedido.

VIII- Ainda que nada do que acima se expôs fosse atendido – o que não se espera – sempre se imporia a alteração da decisão proferida no que toca à indemnização pela privação do uso de veículos pelo Autor

IX- Atribuição ao demandante de uma indemnização diária de 50,00€ pela privação do uso do “CJ” é, além de infundada, injusta e excessiva.

X- Não estando provado que o Autor tenha procedido ao aluguer de qualquer veículo, nenhum sentido faz associar a indemnização do eventual dano conexo com a privação do uso do veículo ao custo diário desse mesmo aluguer, como se fez na douta sentença.

XI- Ademais, nem sequer está provado qual seria, nos 62 dias subsequentes ao acidente, o custo do aluguer de um veículo igual ao “CJ” pelo que, com todo o respeito, não se vê sustentação para a consideração, feita na douta sentença, de que aquele valor de 50,00€ “afigura-se justo e adequado aos atuais valores de mercado para o aluguer de uma viatura junto de uma empresa dessa área”.

XII- De notar que, para além de não estar provado qual seria o custo do aluguer de um veículo em Portugal, muito menos se sabe quanto custaria na Roménia, sendo certo que, a ter sido alugado um veículo pelo Autor, parte do período de aluguer seria já neste último país.

XIII- Por outro lado, nem é equitativo do valor diário de 50€ fixado na douta sentença.

XIV- Na verdade, deve ter-se em consideração, antes de mais, que o “CJ” era, à data do acidente, um veículo degradado e com 15 anos de antiguidade e mais de 300.000 km percorridos.

XV- Não se pode considerar ajustado à indemnização pela privação do uso de um veículo degradado o pagamento do custo do aluguer de um automóvel de elevada qualidade e em bom estado de conservação, na exata medida em que, nesse caso, a reparação do eventual dano serve para melhorar a situação anteriormente existente e não para a reequilibrar.

XVI- Neste contexto, não se tendo provado que, no período considerado, o Autor tenha sofrido qualquer concreto prejuízo com a imobilização do “CJ”, não se tendo provado que tenha alugado um veículo, muito menos pelo preço diário de 50,00€ não se tendo provado que que tenha deixado de realizar qualquer deslocação, ou que se tenha visto na necessidade de a realizar em condições de conforto ou de custo diferentes das que teria com o “CJ”, tendo-se provado que o demandante fez uso de outros veículos no indicado período, sem que se tenha demonstrado que tais veículos não supriram as utilidades do “CJ”, nas mesmas condições de conforto e custo é excessiva a indemnização arbitrada a este título.

XVII- Assim, em equidade, impunha-se a redução do valor indemnizatório diário da indemnização para 10,00€ (cfr, nesse sentido, o douto acórdão do TRP de 28/05/2020, no processo 289/19.2T8MCN.P1) o que perfaz uma indemnização total, reportada a esse período, de 620,00€.

XVIII- Deve, assim, ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu ao autor a indemnização de 3.100,00€, atribuindo-se ao demandante, a esse título, apenas, 620,00€, o que se requer.

XIX- E se se entender que o valor adequado a reparar o dano não é o acima indicado, sempre se imporia a sua redução para outro valor que seja considerado mais adequado, inferior ao fixado.

XX- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 496.º e 566.º n.º 1 do Cod Civil”.

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Admitido o recurso, após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Da verificação ou não do dano da privação de uso e do quantum indemnizatório por tal dano.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerou o Tribunal de 1ª instância, na sentença recorrida, como factos provados (transcrição):

“1. No dia 13 de junho de 2020, pelas 22 horas, no entroncamento da Rua ... com a Rua ..., em ..., ..., ocorreu um embate, conforme declaração amigável de acidente automóvel junta como documento 2 da petição inicial.

2. Foram intervenientes neste embate, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-QO-.., e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ..., com a matrícula CJ ..., doravante designados QO e CJ respetivamente.

3. A viatura com a matrícula CJ ..., da marca ..., modelo ..., pertence ao autor, conforme documento 1 junto com a petição inicial.

4. E encontrava-se registado na Roménia, país para onde o autor emigrou, conforme documento 16 junto com a contestação, última pág.

5. O veículo QO encontrava-se segurado na companhia de seguros B..., S.A., titulado pela apólice nº ...10, conforme documento 1 e 2 juntos com a contestação.

6. No dia 30 de dezembro de 2016, a Companhia de Seguros B... S.A, foi sujeita a uma fusão com outras companhias de seguros, passando, a partir daquela data, a girar comercialmente sob a designação de C..., S.A.

7. Tendo sido, a 1 de outubro de 2020, sujeita a uma nova fusão comercial, designando-se atualmente A... S.A.

8. O veículo automóvel CJ, era conduzido pelo autor.

9. O veículo QO era pertença de CC, residente na Rua ..., ..., ..., TZ, ... ....

10. No momento do embate, o veículo QO era conduzido por BB.

11. Antes da interceção com o entroncamento, na Rua ..., existe um sinal vertical de paragem obrigatória, denominado Stop ou B2.

12. O condutor do veículo QO não parou imediatamente antes da entrada no entroncamento com a Rua ..., embatendo no veículo CJ, que circulava na Rua ....

13. E, não tendo respeitado o sinal de paragem obrigatória, o condutor do veículo QO, embateu no veículo CJ.

14. Esse embate provocou danos na frente e lateral direita do veículo CJ.

15. Foi preenchida a declaração amigável de acidente automóvel pelo autor e BB, conforme documento 2 junto com a petição inicial, já acima referido.

16. O acidente foi participado à Companhia de Seguros B..., S.A., hoje ré.

17. A qual realizou a peritagem ao veículo automóvel do autor, iniciada a 23 de junho e concluída a 25 de junho de 2020, conforme relatório de peritagem junto como documento 3 da petição inicial.

18. A reparação dos danos foi orçamentada na quantia de 3.102,86€ (três mil cento e dois euros e oitenta e seis cêntimos) e contemplou as partes do carro, peças e mão de obras referidas nesse relatório, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

19. O autor procedeu ao levantamento da viatura da oficina D... no dia 26 do mês de agosto de 2020 e levou-a para a oficina da E..., sita em ....

20. Aí pediu a realização de peritagem/estimativa dos danos que o veículo apresentava e foi a reparação orçamentada pelo valor de € 14.762,02 (catorze mil setecentos e sessenta e sois euros e dois cêntimos), conforme documento 5 junto com a petição inicial.

21. O autor vive na Roménia, deslocando-se a Portugal cerca de três vezes por ano.

22. Na data do embate o autor estava de férias em Portugal.

23. A viatura automóvel CJ era utilizada pelo autor nas deslocações que fazia a Portugal, bem como para se deslocar para o trabalho e passear com a família.

24. O autor viu-se privado da sua viatura automóvel desde o dia do embate, 13 de junho de 2020 até dia não apurado.

25. O autor recorreu a carros emprestados de amigos.

26. Na sequência da participação do acidente, a ré levou a cabo uma peritagem ao veículo CJ, na qual foi orçamentado o custo da reparação dos estragos que esse veículo ostentava e eram visíveis sem desmontagem.

27. A ré acordou com a oficina que, caso no decurso da reparação fossem detetados outros danos no veículo, resultantes do acidente em causa nestes autos, estes seriam objeto de aditamento ao relatório de peritagem e o seu custo seria também suportado pela ré.

28. Depois de o autor ter tido conhecimento do orçamento elaborado pelos serviços da ré, decidiu retirar o veículo da oficina onde foi realizada a peritagem (a D...).

29. O embate foi participado à ré em 16/06/2020, conforme documentos 3 e 4 juntos com a contestação.

30. Na reclamação que dirigiu à ré, o autor informou-a que o veículo CJ se encontrava na oficina “D...”, na Estrada ..., no Porto, conforme documento 4 junto com a contestação.

31. O CJ ... é um veículo de marca ..., modelo ..., do ano de 2005, com motor a gasóleo, com 2987cm3.

32. A D... é um concessionário oficial da marca ... no Porto, conforme documento 5 junto com a contestação.

33. No dia 23/06/2020 a ré, através dos seus serviços técnicos, iniciou a peritagem ao veículo CJ, nas instalações da D..., conforme documento 6 junto com a contestação.

34. Não foi possível concluir a peritagem nesse dia, tendo ficado agendada a sua continuação para o dia 25/06/2020.

35. Nesse dia, 25/06/2020 o veículo CJ foi novamente examinado por um perito indicado pela ré, na companhia de um orçamentista da D....

36. O CJ apresentava danos na sua parte dianteira direita e lateral dianteira direita, conforme documento 7 junto com a contestação.

37. O custo da reparação dos estragos sofridos pelo CJ foi orçamentado, sem desmontagem, em 2.522,65€, acrescidos de IVA, perfazendo o valor de 3.102,86 euros.

38. Nos termos previstos nesse orçamento, a reparação implicava a substituição das seguintes peças do CJ:

• banda frd para choque

• guia d para choque fr

• guia latd para choque fr

• reforço frd para choque fr

• guarda lama frd

• friso g/lama, monograma, resguardo g/lamas

• resguardo fr guarda lama frd

• chapa farol frd

• chapa inf farol frd

• reforco painel frd

• chapa ext cave de roda frd

• para choque fr

• sensor estacionamento ext d

• farol frd

39. Nesse orçamento ficou prevista, ainda, a reparação das seguintes peças do veículo:

• reforco sup cave de roda frd

• capot fr

• jante fd

40. No orçamento em causa foi, ainda, prevista a realização de alinhamento e a pintura das seguintes peças:

• banda frd para choque

• guarda lama frd

• chapa ext cave de roda frd

• para choque f

• capot fr

41.A referida peritagem foi efetuada com “danos à vista”, ou seja, mediante a consideração dos danos que eram visíveis.

42. Não foram detetados danos na sua direção, ou suspensão.

43.Todavia, aquando da realização dessa peritagem, ficou acordado entre a ré e representante da oficina que, caso no decurso da reparação do CJ, fossem detetados outros danos no veículo, nomeadamente após alinhamento da sua direção, estes também seriam reparados pela ré.

44. Assim, ficou acordado entre a ré e a oficina que, caso no decurso da reparação do veículo e apos alinhamento da direção, fossem detetados outros danos, ainda resultantes do acidente, seria elaborado um aditamento à peritagem, para que também o custo da reparação desses outros danos fosse suportado para ré, conforme documento 9 junto com a contestação.

45. No dia 30/07/2020 a ré comunicou à D... que se responsabilizava pelo pagamento do custo da reparação dos danos sofridos pelo CJ, nos termos constantes do orçamento elaborado em 25/06/2020, conforme documento 11 junto com a contestação.

46. A ré acordou ainda com a D... que garantia a reparação integral dos estragos sofridos pelo CJ em consequência do acidente ocorrido no dia 13/06/2020, fossem os já detetados e referenciados no orçamento elaborado em 25/06/2020, fossem aqueles que, após desmontagem do veículo, viessem a ser confirmados.

47. No dia 05/08/2020 a ré informou o autor que assumia a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente em definitivo, conforme documento 12v junto com a contestação.

48. No dia 26/08/2020 a ré foi informada pela D... de que o autor retirou, nessa data, o veículo CJ da indicada oficina, sem o reparar, conforme documento 13 junto com a contestação.

49. O orçamento referido em 20, elaborado pela E..., no valor de 14.762,02€, não corresponde ao custo da reparação dos estragos sofridos pelo veículo CJ em consequência do acidente em causa nestes autos, contemplando a reparação/substituição de peças que não foram afetadas no acidente, ou a substituição de peças que eram passíveis de reparação.

50. Nesse orçamento em causa está prevista, além do mais, a substituição das seguintes peças do CJ:

• Suporte do para-choques da frente esquerda (valor de 35,32€ + IVA+ mão de obra)

• Farol esquerdo (356,12€ + IVA+ mão de obra)

• Cobertura do farol esquerdo (28,79€ + IVA + Mão de obra)

• Friso esquerdo do para-choques traseiro (no valor de 65,78€ + IVA+ mão de obra)

• Sensor parque traseiro esquerdo (no valor de 72,69€+ IVA + mão de obra)

51. Em consequência do acidente o CJ não sofreu danos em qualquer componente da sua parte esquerda, nomeadamente nos mencionados no ponto anterior.

52. Ainda no orçamento referido em 20 está prevista a substituição do capot dianteiro do veículo, com um custo associado de 915€ + IVA + mão de obra e pintura.

53. Contudo, em resultado do acidente o capot do CJ sofreu danos passíveis de reparação.

54. De acordo com o orçamento da D..., o capot do CJ era passível de reparação, não sendo necessária a sua substituição.

55. Mediante a reparação do capot do CJ, essa peça seria restituída ao estado em que se encontrava antes do embate.

56. Apesar de a jante dianteira direita do CJ ter ficado afetada, o pneumático nela colocado não sofreu danos.

57. Ademais, prevê-se nesse orçamento (facto 20) a montagem e desmontagem, reparação e/ou substituição das seguintes peças do veículo:

• Porta da frente direita (40,74€ + IVA + mão de obra e pintura)

• Revestimento da porta da frente direita (29,10€ + IVA + mão de obra)

• Autocolante da porta da frente direita (23,28€ + IVA + mão de obra)

• Friso da porta dianteira direita (5,82€ + IVA + mão de obra)

• Friso suporte da porta dianteira direita (11,64€ + IVA + mão de obra)

• Manípulo da porta da frente direita (11,74€ + IVA + mão de obra)

• Substituição da porta traseira direita (279,36€ + IVA + mão de obra e pintura)

• Antepara sob ilharga direita (29,10€ + IVA + mão de obra e pintura)

• Para-choques traseiro e suas componentes (substituição: 52,38€ + 64,02€ + 17,46€ + 442,81€ + IVA + mão de obra e pintura)

• Grupo ótico traseiro direito (17,46€ + IVA + mão de obra)

• Porta da frente direita (174,60€ + IVA + mão de obra + pintura)

• Autocolante da porta da frente direta (50,93€ + IVA + mão de obra)

• Porta traseira direita (789,80€ + IVA + mão de obra e pintura)

• Borracha da porta traseira direita (127,09€ + IVA + mão de obra)

• Autocolante da porta traseira direita (42,67€ + IVA + mão de obra)

• Friso direito do para-choques traseiro (65,78€ + IVA + mão de obra)

• Sensor de parqueamento do para-choques traseiro direito (72,69€ + IVA +mão de obra)

58. Contudo, nenhuma dessas componentes do veículo foi afetada em consequência do embate em causa.

59. Do embate entre o CJ e o QP não resultaram para aquele primeiro veículo danos na sua porta lateral dianteira direita, na porta lateral traseira direita ou, tão pouco, danos no guarda-lamas traseiro direito, ou para-choques traseiro.

60. Nenhum dano sofreu esse veículo na sua parte lateral ou traseira direita, para trás do guarda-lamas dianteiro direito.

61. Nas suas portas dianteira e traseira direita, bem como no guarda-lamas traseiro direito e para-choques traseiro direito, o CJ apresentava danos de mera raspagem, mas sem qualquer continuidade em relação aos danos ostentados pela parte lateral dianteira direita desse carro.

62. Tais danos (nas portas dianteira e traseira direita, no guarda-lamas traseiro direito e para-choques traseiro direito do CJ) não são decorrentes do acidente em causa.

63. À data do acidente, o CJ encontrava-se degradado e ostentava já vários danos, sem relação com o acidente, como tratando-se de um veículo com mais de 321.000km percorridos.

64. À data do acidente o CJ apresentava danos nas suas portas dianteira e traseira direitas, no guarda-lamas traseiro direito e ainda no para-choques traseiro direito, sem ligação possível com o embate em causa nestes autos, por ausência de continuidade em relação aos danos da sua parte dianteira direita.

65. O CJ ostentava ainda, sem relação com o acidente em causa nestes autos, danos:

• Na zona central do seu para-choques dianteiro

• Na grelha dianteira

• Ausência do símbolo da marca no capot

• Danos dispersos no capot, resultantes de embate em pedras e outros objetos em andamento

• Deficiências e desgaste da sua pintura em toda a sua carroçaria

• Amolgadelas na zona posterior do para-choques traseiro, em alinhamento com a parte interior da ótica traseira direita

• Deformação na sua porta traseira direita, sem sinais de fricção associados

• Elevado desgaste nos plásticos interiores do habitáculo, com pedaços ausentes

• Elevado desgaste dos estofos interiores do habitáculo, com rasgões nos assentos e nos revestimentos das portas

66. Apesar de ter colocado o veículo na D..., o autor nunca deu autorização, seja à ré, seja à oficina, para proceder à desmontagem do CJ.

67. O autor recusou-se a fornecer à ré o seu contacto telefónico, apesar de esta lho ter solicitado, conforme documento 15 junto com a contestação.

68. Não sendo possível a desmontagem do CJ, o perito da ré e o orçamentista da D..., não puderam confirmar a existência de danos na suspensão/direção direita do veículo.

69. E, por essa razão, a ré acordou com a oficina D... que, caso no decurso da reparação do CJ se viessem a detetar outros danos nesse veículo, ainda resultantes do acidente, seria elaborado um aditamento à peritagem iniciar e esses danos seriam também suportados pela ré.

70. Ainda no decurso do mês de agosto de 2020, o autor teve conhecimento de que o custo da reparação do CJ tinha sido avaliado na D... em 3.102,86€.

71. Também no decurso do mês de agosto de 2020 o autor teve conhecimento de que a ré tinha assumido perante a D... a responsabilidade pela reparação dos estragos sofridos pelo CJ em resultado do acidente.

72. À data do embate, o CJ valia, no mercado de usados romeno, no máximo, 5.000,00€, conforme informação de mercado obtida nas redes sociais, documento 17 junto com a contestação.

73. A reparação dos estragos sofridos pelo CJ em consequência do acidente rondaria os 4 a 6 dias úteis.

74. Na sequência da participação do sinistro e por força dos danos apresentados pelas viaturas e pela pouca colaboração do autor, a ré teve suspeita de que o embate poderia ter sido simulado, pelo que determinou uma averiguação, a qual apenas terminou em 30/07/2020”.


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2. FACTOS NÃO PROVADOS

Considerou o Tribunal de 1ª instância que se não provou (transcrição):

“a) A viatura com a matrícula CJ ..., da marca ..., modelo ... estava segurado na Companhia de Seguros F..., com sede na Roménia, tendo-lhe sido atribuído o certificado internacional de seguro automóvel, vulgo carta verde, com o nº ...73....

b) Como consequência do embate, esse veículo sofreu danos ao nível da suspensão direita, manga de eixo e longarina, tendo ficado imobilizado.

c) Foi necessário contactar um reboque para transportá-lo para uma oficina.

d) A declaração amigável de acidente automóvel referida em 15 foi imediatamente preenchida após o acidente.

e) O autor solicitou à ré a realização de uma nova peritagem a fim de se verificarem e avaliarem os danos mecânicos sofridos pela viatura CJ e a mesma recusou realizá-la.

f) O autor viu-se forçado a autorizar a desmontagem da viatura por sua conta e risco, o que fez a 01 de setembro de 2020.

g) A ré deveria ter colocado à disposição do autor uma viatura automóvel, com as mesmas características da sua viatura, enquanto não efetuassem o pagamento da indemnização.

h) O autor não possuía outra viatura que pudesse substituir o CJ, recorrendo a transportes públicos para se deslocar, nomeadamente, entre a sua casa e o seu local de trabalho.

i) Viu-se impedido de visitar o seu país, por não possuir qualquer outra viatura automóvel para o efeito.

j) O autor é comerciante na Roménia, pelo que tem necessidade de se deslocar diariamente em visitas a clientes e fornecedores.

k) A privação do uso da viatura CJ veio prejudicar o desempenho da atividade profissional do autor.

l) O autor viu-se obrigado a reparar a viatura CJ a suas expensas, pois se não o fizesse, e dada a inércia da ré, teria que pagar taxa de parqueamento.

m) O autor deu ordem de reparação da viatura à E..., tendo-lhe a mesma entregue o veículo reparado no final de janeiro de 2021.

n) Qual o período de paralisação do veículo CJ (232 dias).

o) Uma vez reparada a viatura, o autor viu-se obrigado a providenciar pelo seu transporte para a Roménia, país onde reside e trabalha.

p) Despendeu com o transporte da viatura CJ para a Roménia o montante de 2.300,00€ (dois mil e trezentos euros).

q) A ré nunca contactou o autor a assumir a sua responsabilidade.

r) A ré não apresentou ao autor uma proposta de indemnização.

s) O autor tomou conhecimento, em agosto de 2020, que a ré tinha acordado com a oficina que seria efetuado um aditamento ao relatório de peritagem do veiculo caso, no decurso da sua reparação, fossem detetados outros danos ao nível da direção e suspensão dianteiras diretas do automóvel”.

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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Do dano da privação de uso e do seu quantum

Insurge-se a Ré quanto à condenação pelo dano da privação de uso do veículo, dada a falta de prova de tal dano, pelo Autor, como lhe competia (por de factos constitutivos do direito se tratar - nº1, do art. 342º, do Código Civil), não tendo resultado provadas despesas acrescidas do lesado para obter um veículo de substituição nem maiores incómodos, pois que, tendo feito uso de veículos emprestados, não provou que lhe não foram asseguradas as mesmas utilidades que o veículo sinistrado lhe proporcionava.

Conclui, assim, não ter o Autor direito a indemnização pela privação do uso do seu veículo, sinistrado, e que, ainda que se não entenda desse modo, sempre, por razões de equidade, se impunha a redução do valor indemnizatório para 10,00€/dia, o que perfaz uma indemnização total, reportada ao período em que esteve privado do seu veículo (62 dias), de 620,00 €, o que requer.

Pacífica sendo a verificação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e a obrigação da Ré de indemnizar os danos sofridos pelo autor decorrentes do acidente de viação em causa nos autos, apenas é objeto do presente recurso a verificação do dano da privação do uso do veículo e, a ocorrer, se o montante fixado para o seu ressarcimento deve ser reduzido.
Apreciemos.
Fixou o Tribunal a quo o dano da privação de uso em € 3.100,00 (quantia acrescem juros de mora a contar desde a citação, conforme peticionado pelo autor, nos termos do art. 805º nº 1 e 3 do Código Civil), considerando a privação de uso de 62 dias, à razão diária de 50,00 euros, dado ter resultado provado o Autor, que vive na Roménia e se desloca a Portugal cerca de três vezes por ano, utilizar o veículo em causa nas deslocações a Portugal e nas demais para o trabalho e passeio com a família e se ter visto privado de tal veículo pelo referido período de tempo (com início no dia do acidente), tendo recorrido a veículos emprestados por amigos. Fixou o tribunal a quo o referido montante diário com recurso a “juízos de equidade, porquanto o autor não provou um dano concreto (por exemplo, não recorreu a veículo de aluguer, juntando faturas, não recorreu a transportes públicos ou táxi, juntando os bilhetes/fatura, etc)”, considerando o referido valor “justo e adequado aos atuais valores de mercado para o aluguer de uma viatura junto de uma empresa dessa área”. E considerou aquele valor devido desde o dia do embate (13/6/2020) até 13 de agosto de 2020, pois se provou demorar a reparação de 4 a 6 dias úteis, e a data em que a ré deu ordem de reparação à oficina ter sido 30 de julho de 2020 (facto 45º dado como provado), tendo comunicado ao autor no dia 5 de agosto de 2020, pelo que poderia ter iniciado no dia 06 de agosto, (quinta-feira), dia seguinte a ter comunicado ao autor a sua assunção de responsabilidade. Considera ter a Ré dado origem a que a reparação não pudesse ter-se iniciado antes do dia 06 de agosto, dia seguinte à comunicação ao autor, e, por isso, responde pelo dano da privação do uso desde o dia do embate, 13 de junho, até ao dia 13 de agosto de 2020 (62 dias).
Ora, bem resultou provada a imobilização do veículo do Autor que interveio no sinistro, pelo referido período (cfr. factos provados 19, 24, 29, 33 a 35, 48 e 73), e que o Autor ficou impedido de o utilizar nesse período de tempo, resultando, também, que o mesmo dele fazia uso, em trabalho e em lazer, com a família, e, designadamente, em férias em Portugal, vindo da Roménia, onde vive (cfr. factos provados 21 a 23), frustrando-se as referidas utilidades e uso que vinha a ser dado ao veículo, certo sendo ter o Autor direito ao seu gozo.
Conforme se analisa no Acórdão da Relação do Porto de 7/10/2024, proferido no proc. 1444/22.2.T8GDM.P1 (Relator: Senhor Desembargador Carlos Gil), em que a ora Relatora foi adjunta, exarando-se no local próprio as respetivas notas de rodapé para melhor perceção:
“O dano da privação do uso tem na realidade judiciária diversos figurinos que ora o colocam na esfera dos danos patrimoniais ora o colocam na zona dos danos não patrimoniais e noutras situações numa zona algo ambígua dos danos patrimoniais cujo montante se fixa com recurso à equidade (artigo 566º, nº 3, do Código Civil)[1].
A questão da ressarcibilidade do dano da privação do uso tem sofrido ao longo do tempo uma evolução jurisprudencial que aponta num sentido de maior abertura na reparação de tal dano[2].
Assim, numa corrente mais exigente para o lesado, para que o dano da privação do uso da coisa danificada seja ressarcível exige-se a prova de factos demonstrativos da repercussão negativa dessa privação no património do lesado[3].
Outra corrente jurisprudencial, mais favorável ao lesado, basta-se com a prova de que o lesado usaria normalmente a coisa danificada para que o dano da privação do uso seja indemnizado[4].
Outra posição, ainda mais favorável ao lesado, pronuncia-se no sentido da ressarcibilidade do dano da privação do uso mesmo que não seja feita prova de uma utilização quotidiana do veículo, indemnização a fixar com recurso à equidade e com ponderação das concretas circunstâncias de cada caso[5]”.
Esta questão foi, também, apreciada no Acórdão da Relação do Porto de 9/3/2020, processo nº. 445/18.0T8ILH.P1 (Relatora: Fátima Andrade) em que a ora relatora foi adjunta[6].
Como se entendeu naquele, recente, Acórdão da Relação do Porto, em que foi Relator o ora 1º Adjunto “… o dano da privação do uso do veículo sinistrado, sempre que o lesado não prova a efetiva realização de despesas com o aluguer de um veículo de substituição, não se pode aferir pelo valor locativo de um veículo similar ao sinistrado, sob pena de um injustificado enriquecimento do lesado” e “…em tempos ainda não muito distantes, a jurisprudência dos tribunais superiores tem tomado como referência para cálculo do dano da privação do uso valores de dez euros diários e até inferiores[7] e numa situação estando em causa um veículo de gama bem superior ao veículo da recorrente[8]”, acrescentando-se “… tudo visto e ponderado dado o tempo decorrido desde a prolação das decisões judiciais antes citadas e o reaparecimento de uma significativa inflação, reputa-se equitativa a fixação do dano da privação do uso do veículo … sofrido pela autora, no montante diário de vinte euros”.
Assim, o dano, autónomo, da privação de uso do veículo, não apurado o valor dos danos, é fixado de acordo com o previsto no nº3, do art. 566.º, do Código Civil, com recurso a critérios de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida, impostas pela ponderação das realidades da vida, nas circunstâncias do caso[9].

Revertendo para o caso concreto, temos por evidente bem resultar provado o dano do Autor da privação do uso do veículo sinistrado, pois que ficou privado do uso do mesmo, bem resultando provado o uso que lhe era, por ele, dado no dia a dia, sendo utilizado, normalmente, em trabalho e em lazer (inclusive em passeios com a família e em férias, em Portugal).

Assim, na verificação do dano da privação de uso, sempre a importância que a Ré se apresentou nas conclusões das alegações a requerer seja fixada o teria de ser, considerando-se, contudo, que, tal como foi entendido no Acórdão desta Relação acima citado, se tem de ir mais além, sendo, na consideração do uso que era dado ao veículo e da inflação, adequada, justa e equitativa a importância de 20,00€/dia para o concreto veículo em causa.

Deste modo, sendo de seguir este juízo de equidade, reputamos adequada para ressarcir o dano de privação de uso sofrido pelo Autor a referida importância de 20,00€/dia, pelo período em que a privação de uso se manteve.
Destarte, não apurado o valor exato dos danos, é a sua fixação efetuada com recurso aos critérios de equidade, de acordo com o previsto no nº3, do art. 566.º, não se justificando a atribuição de montante superior àquele, por infundado. Uma vez que o Autor esteve privado do uso do seu veículo sinistrado, resultando provado que, efetivamente, o usava, em trabalho, nas deslocações com a família e nas férias, e mais se provando que a privação do uso do veículo se prolongou por 62 dias, tem o mesmo direito a ser indemnizado por tal dano, com a importância de € 1.240,00, a adequada ao ressarcimento de tal dano.
Procedem, por conseguinte, parcialmente as conclusões da apelação, devendo, por isso, a decisão recorrida ser parcialmente revogada na parte que excede a referida importância.

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As custas da ação e do recurso são da responsabilidade do autor e da ré na proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogando-se, parcialmente, a decisão recorrida, fixa-se a indemnização pelo dano de privação de uso em mil duzentos e quarenta euros - €1.240,00 (ficando, assim, o montante total da condenação reduzido a € 4.342,86 (€3.102,86 + €1.240,00)).
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Custas em ambas as instâncias por apelante e apelado, na proporção do decaimento.








Porto, 25 de novembro de 2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Carlos Gil
Ana Paula Amorim

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[1] A ambiguidade resulta a nosso ver da circunstância de que, por definição, os danos patrimoniais são aqueles que são passíveis de avaliação pecuniária e isso porque são o reflexo do dano real na situação patrimonial do lesado (veja-se por todos, Das Obrigações em Geral, 6ª Edição, João de Matos Antunes Varela, Almedina 1989, Vol. I, páginas 568 e 569) e de no dano da privação do uso do veículo automóvel é esta projeção na situação patrimonial do lesado que nalguns casos causa dificuldades, precisamente aqueles em que se afirma a impossibilidade de determinação do valor exato dos danos. De todo o modo, parece não ser contestável que a privação do uso de um veículo é uma afetação do gozo deste concreto património mobiliário. Uma explicitação clara deste carácter poliédrico do dano da privação do uso pode ver-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06 de fevereiro de 2018, proferido no processo nº 189/16.7T8CDN.C1, acessível na base de dados do IGFEJ.
[2] Sobre esta problemática veja-se Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa 2015, Maria da Graça Trigo, páginas 57 a 63. Atualmente, a nível da segunda instância tem-se vindo a admitir que o dano da privação do uso possa nalgumas circunstâncias ser ressarcido como dano não patrimonial (vejam-se por exemplo os seguintes acórdãos acessíveis na base de dados do IGFEJ: do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de junho de 2021, proferido no processo nº 2125/18.7T8VNF.G2; do Tribunal da Relação de Coimbra de 07 de setembro de 2021, proferido no processo nº 1022/20.0T8LRA.C1), posição que já no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de dezembro de 2003, proferido no processo nº 03B3030, teve acolhimento maioritário.
[3] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de outubro de 2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa no processo nº 07B1961, acessível no site do IGFEJ.
[4] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de junho de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alves Velho, no processo nº 1583/1999.S1, acessível no site do IGFEJ.
[5] Neste sentido leia-se Temas da Responsabilidade Civil, Vol. I, Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2ª edição revista e actualizada, Almedina 2005, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 72 e 73, posição também mencionada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de julho de 2018, tirado por maioria, relatado pelo autor que se acaba de citar, no processo nº 176/13.7T2AVR.P1.S1, acessível no site do IGFEJ.
[6]Aí se considerou:
No que ao dano de privação de uso concerne, temos como correto o entendimento jurisprudencial, maioritariamente seguido pelo STJ que defende constituir este dano um dano autónomo suscetível de indemnização desde que o lesado alegue e prove não só que ficou impedido de utilizar o veículo em causa, como ainda que essa impossibilidade de utilização se traduziu numa efetiva impossibilidade de fruir das utilidades que esse mesmo bem lhe proporcionava, descartando assim a exigência de prova de danos concretos e específicos decorrentes de tal privação que a outra corrente jurisprudencial considera igualmente necessário.
Esta corrente jurisprudencial, menos exigente por não fazer depender a indemnização de tal dano da prova de concretos e efetivos prejuízos, tem ganho força, sendo maioritariamente seguida pelo STJ.
Tal como referido no Ac. STJ de 14/12/2016[13], Relatora Fernanda Isabel Pereira, in www.dgsi.pt [e reportando-se ainda a posição já antes defendida em Ac. de 09/07/2015 pela mesma Relatora no mesmo sítio] este tribunal superior tem vindo maioritariamente a entender “no domínio da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação que a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava”.
Recorrendo à distinção que jurisprudencialmente tem sido realçada entre “privação do uso” e “privação da possibilidade do uso”, afere-se a exigida prova de que a privação gerou perda de utilidades que o bem proporcionava ao seu titular. Não bastando, no campo das possibilidades, a suscetibilidade de a coisa poder ser usada durante o período da privação.
E uma vez demonstrada a perda de utilidades (não a mera possibilidade) que decorrerá desde logo do demonstrado uso normal que o lesado fazia da coisa, reconhece-se demonstrado um efetivo prejuízo, porquanto só naquele caso fica demonstrada a privação como causa de prejuízo gerador de indemnização [cfr. nesse sentido Ac. TRP de 08/09/2014 Relator Alberto Ruço e Ac. TRP de 30/06/2014 Relator Manuel D. Fernandes; Ac. TRP 30/01/2017, Relator O. Abreu; Ac. STJ de 08/11/18 do mesmo Relator O. Abreu, publicados todos in www.dgsi.pt]”.
[7] Vejam-se por exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de setembro de 2017, proferido no processo nº 252/08.8TBVLN.G1, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de dezembro de 2019, proferido no processo nº 3088/19.7YRLSB-2 e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de maio de 2020, proferido no processo nº 289/19.T8MCN.P1, todos acessíveis na base de dados da DGSI.
[8] Veja-se, a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de setembro de 2021, proferido no processo nº 6250/18.6T7GMR.G1.S1 e acessível no site do IGFEJ.
[9]Cfr. Ac. da Relação do Porto de 17/6/2024, proc. 1313/21.3T8VFR.P1, acessível in dgsi.pt.