I - O princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405.º do Cód. Civil não é absoluto, como resulta claramente da parte inicial do seu n.º 1 – “Dentro dos limites da lei “ –, dizendo tais limites respeito quer à liberdade de celebração, quer à liberdade de fixação do conteúdo do contrato, quer à liberdade de modificação e extinção do contrato.
II - A autonomia privada é tutelada para que seja exercida no amplo espaço de liberdade individual, e não para ser utilizada na construção de mecanismos contratuais de invasão das áreas reservadas à tutela de valores e princípios garantes da coexistência social e do bem público.
III - Um contrato em que a contrapartida da vantagem patrimonial que a ré se obrigou a pagar ao autor é a utilização pelo autor da sua posição de funcionário da entidade com quem a ré pretende contratar para favorecer a celebração de contratos entre a ré e as referidas entidades empregadoras, sem que tais entidades empregadoras tenham qualquer conhecimento desses acordos/pagamentos, ofende a exigência da conformidade do objeto do negócio jurídico à ordem pública estabelecida pelo n.º 2 do art. 280.º do Cód. Civil, com a consequente nulidade aí cominada.
Tribunal a quo Juízo Local Cível do Porto – J8
Recorrente(s) A..., L.da.
Recorrido(a/s) AA
Sumário:
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I – Relatório
AA instaurou ação declarativa, com processo comum, contra A..., L.da., concluindo com o seguinte pedido:
(…) deverá a presente ação totalmente procedente por provada e, em consequência, ser a Ré condenada:
a) a pagar a quantia de € 41.019,37 (quarenta e um mil e dezanove euros e trinta e sete cêntimos;
b) a pagar os juros de mora à taxa legal desde, pelo menos, a citação até ao efetivo pagamento integral.
Para tanto, alegou, em síntese, que autor e ré acordaram:
– através de documento escrito datado de 19 de setembro de 2017, que a ré pagaria ao autor o montante correspondente a 5% do valor das avenças mensais que a ré cobraria ao “Grupo B...”, enquanto o autor prestasse serviços para esse grupo ou, no limite, pelo prazo de 3 anos, se o autor deixasse de trabalhar para tal grupo, tendo esse acordo durado até 19 de setembro de 2020;
– através de documento escrito datado de 4 de maio de 2018, que a ré pagaria ao autor o montante correspondente a 10% do valor das avenças mensais que a ré cobraria ao ao “Centro C...”, enquanto o Autor prestasse serviços para tal centro ou, no limite, pelo prazo de 4 anos, se o autor se fosse embora, mantendo-se esse acordo em vigor até 4 de maio de 2020.
Que em cumprimento dessa obrigação assumida pelo autor de “promover/realizar negócios com um mercado determinado e delineado”, este realizou trabalhos de prospeção de angariação de clientes e encomendas para a ré, tendo a ré, por causa da atuação do autor, passado a fornecer todas as empresas do Grupo B... e o Centro C..., fornecendo-lhes equipamentos, bens e produtos de higiene e cobrando as avenças mensais e produtos fornecidos, sem ter pago ao autor a contrapartida acordada, que era de € 37.190,81 quanto ao acordo referente ao Grupo B... (5% do valor das vendas efetuadas e cobradas pela ré de € 743.816,23 entre 19/09/2017 e 19/09/2020) e de € 13.077,78 quanto ao acordo referente ao Centro C... (10% do valor das vendas efetuadas e cobradas pela ré de € 130.777,83 entre 04/05/20187 e 19/10/2020).
Tendo a ré efetuado o pagamento da quantia de €4.624,61, estão por pagar €41.019,37.
Citada, a ré contestou, defendendo-se por impugnação e por exceção, alegando que os acordos foram por si subscritos para não perder os contratos de prestação de serviços com o Grupo B... e o Centro C..., porque o autor, tendo as funções de responsável nas compras do Grupo B... e, mais tarde, do Centro C..., lhe comunicou que, para a continuação do contrato de fornecimento com o Grupo B... e a celebração de contrato de fornecimento com o Centro C..., tinha que lhe pagar as referidas comissões.
Invoca a anulabilidade dos acordos celebrados, por coação moral (art. 255.º do Cód. Civil), e alega ainda a existência de ulterior – final de 2019 – acordo verbal com o autor de cessação do pagamento da comissão de 5%, mais impugnando os valores sobre os quais o autor calculou as comissões e alegando ter efetuado ao autor o pagamento do montante de € 11.069,16.
Facultado ao autor o exercício do contraditório, este – além de impugnar parte da factualidade da contestação – alega que a ré havia efetuado pagamentos que o autor não indicou na petição inicial, alegando ter recebido € 7.315,36 a título de comissões (requerimento de 28-06-2021, ref. 29320820).
Após realização da audiência final – no decurso da qual (Ata de Julgamento de 14/03/2024, ref. 458117827) foi requerida e deferida, ampliação do pedido, indicando o autor que as comissões referentes ao grupo B... ascendiam a € 27.943,12 e as referentes ao Centro C... a €16.838,45, num total de € 44.781,57, encontrando-se por liquidar, dado o pagamento efetuado pela ré de € 7.466,21, a quantia de €37.315,36 –, o tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, concluindo nos seguintes termos:
(…) condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 31.082,36 (trinta e um mil, e oitenta e dois euros, e trinta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado.
Custas da acção por Autor e Ré na proporção dos respectivos decaimentos, cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, concluindo nos seguintes termos:
(C) (…) como ponto prévio vem a Recorrente invocar a nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por considerar que existe uma contradição lógica entre a factualidade dada como provada e a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
(D) Com efeito, na sentença sub judice, vem o Tribunal a quo dar por provados os seguintes factos:
“3. A Ré, através de documento escrito datado de 19 de Setembro de 2017, acordou com o Autor que lhe pagaria o montante correspondente a 5% do valor das avenças mensais que cobraria ao grupo de empresas denominado “Grupo B...”, enquanto o Autor prestasse serviços para esse mesmo Grupo empresarial, ou no limite pelo prazo de 3 anos, se o Autor se fosse embora. (…) 6. Por acordo escrito com data de 4 de Maio de 2018, A. e R. estabeleceram outro acordo, onde aquela se comprometeu a pagar ao Autor o montante correspondente a 10% do valor das avenças mensais que cobraria ao “Centro C...”, enquanto o Autor prestasse serviços para o Grupo ou, no limite, pelo prazo de 4 anos, se o Autor se fosse embora” (bold e sublinhado nosso). (…)
(F) Do relatório pericial resulta expressamente elencado e diferenciado quais os valores faturados pela Recorrente a título de avenças e quais os valores constantes das faturas emitidas pela Recorrente a título de extras (cfr. Relatório Pericial junto aos autos em 27 de outubro de 2023), o que também foi confirmado pelo próprio Senhor Perito em sede de audiência de discussão e julgamento (prova gravada entre o minuto 2:18 e o minuto 2:46). (…)
(L) Assim, e face à jurisprudência e doutrina existente sobre a matéria, apenas poderá concluir-se que o acórdão ora em apreço enferma de nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois é claramente contraditório, do ponto de vista lógico, dar como celebrados os acordos nos termos exatos que constam dos Documentos n.º 1 e 2 juntos com a Petição Inicial mas, no que toca ao cálculo das comissões, olvidar por completo a letra desses mesmos acordos, calculando as comissões como se em tais acordos não constasse expressamente que aquelas seriam contabilizadas por referência a uma percentagem aplicada ao valor das avenças mensais e apenas fossem devidas após boa cobrança das respetivas avenças.
(M) Posto isto, vem a Recorrente ainda recorrer da matéria de facto provada, requerendo, por um lado, o aditamento de certos factos e, por outro, a alteração dos pontos 5, 7, 8 a 13, 14, 16, 17, 18, 20 e 22.
(N) Começando pelo aditamento de novos factos, começa-se por recordar que nos artigos 12.º, 13.º e 28-º da respetiva Contestação, veio a Recorrente esclarecer que apenas assinou os acordos em discussão nos autos por porque, por um lado, no caso do Grupo B... tinha receio que o Recorrido cumprisse com a ameaça feita e acabasse por arranjar forma de terminar o contrato que já existia entre Recorrente e o cliente em causa; e, no caso do Centro C..., receou que caso não cumprisse as exigência do Recorrido, perdesse a oportunidade de obter aquele negócio.
(O) Relativamente ao Grupo B..., efetivamente já existia uma relação comercial consolidada entre a Recorrente e as unidades hoteleiras que passaram a fazer parte do referido Grupo desde 2012, o que resulta demonstrado através do Documento n.º 3A da Contestação e do Documento n.º 5 do Requerimento apresentado pela Recorrente em 17 de fevereiro de 2023 e com referência Citius 44768177.
(P) Aliás, da comunicação constante do Documento n.º 5 do Requerimento apresentado pela Recorrente em 17 de fevereiro de 2023 e com referência Citius 44768177, resulta ainda demonstrado um outro ponto: apesar de as unidades hoteleiras em causa terem passado a ser geridas por outras sociedades, a relação contratual manteve-se inalterada, apenas sendo requerida a alteração das entidades a quem seriam faturados os serviços; o que também é corroborado, diga-se, pelos Documentos n.º 1 a 3 da Contestação, que vêm demonstrar que a partir de março de 2016 que a Recorrente se encontrava a faturar os serviços em questão às sociedades D..., Lda., E... Company e F... Company.
(Q) No caso do Grupo B... a Recorrente encontrava-se sujeita ao cumprimento de um contrato com uma outra sociedade, a G..., sendo que o cumprimento desse mesmo contrato estava dependente da manutenção do contrato com o Grupo B.... Esta relação societária foi detalhadamente explicada pela Testemunha BB, constando o respetivo depoimento da prova gravada entre os minutos 02:09 e 03:00.
(R) Foi também corroborado por esta mesma testemunha que, não só a proposta para a celebração do acordo para pagamento das comissões partiu do aqui Recorrido, como, este o fez com base numa ameaça: ou as partes acordavam no pagamento das comissões, ou o Recorrido faria com que a Recorrente perdesse o contrato que tinha com o Grupo B... – sendo de particular relevância a prova gravada entre os minutos 09:47 e 12:00. (…)
(T) Relativamente ao Centro C..., veio ainda a testemunha BB esclarecer que o pedido de comissão foi feito pelo aqui Recorrido, à sua frente, tendo dito “Olhe agora são 10% aqui toda a gente paga, até o padeiro paga e portanto paga o homem da alface, paga o padeiro, toda a gente paga, são 10% porque 5% eu tinha do outro lado e agora não tenho” (prova gravada entre os minutos 17:20 e 18:37).
(U) No entanto, um facto particularmente relevante no caso do acordo celebrado em 04 de maio de 2018, por referência ao contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e o Centro C..., é que, no âmbito dos presentes autos, foi o próprio Centro C... que veio informar o Tribunal, através do Requerimento de 12 de novembro de 2021 com referência Citius 30492608, de que o Recorrido não podia receber comissões no âmbito das suas funções: “O C... celebrou contrato de trabalho a termo certo com AA conforme doc. que se junta. O trabalhador auferia o seu salário a que acrescia subsídio de alimentação. O trabalhador não tinha autorização e consequentemente não podia receber comissões dos fornecedores de mercadorias, porque lhe estava vedado fazer esse tipo de “negociatas” paralelas por forma a receber além do seu salário. O trabalhador tinha que desempenhar com zelo as suas funções, negociar e comprar as mercadorias ao melhor preço favorecendo a sua entidade empregadora, nada mais.”
(V) Em face do exposto, é manifesto que o Tribunal a quo deveria ter considerado provado que “A celebração dos acordos nos termos dos Documentos n.º 1 e 2 da Petição Inicial partiu da iniciativa do Autor, sob condição de a Ré perder o negócio que já tinha com os hotéis que incorporaram o Grupo B... e impedir a viabilidade da proposta da Recorrente junto do Centro C...”, factualidade que se requer seja ADITADA à factualidade provada. (…)
(X) Para efeitos desta prova, diga-se, é particularmente relevante o depoimento prestado pelo Representante Legal da Ré entre o minuto 12:00 e o minuto 13:04 da prova gravada, o depoimento prestado pela Testemunha BB e que consta da prova gravada entre os minutos 12:35 e 14:42 e os documentos n.º 1 a 52 juntos com o Requerimento apresentado pela Recorrente em 05 de junho de 2023 com referência Citius n.º 45770505, já que toda a referida prova demonstra que no caso do Grupo B... ocorreu, em momento posterior à saída do Recorrido, uma renegociação das avenças mensais, levando a uma séria redução dos valores acordados.
(Y) Face ao exposto, deveria ter sido dado como provado que “No início de 2018, o Grupo B... tentou rescindir o contrato que tinha com a Ré, o que levou à necessidade de renegociação do contrato e a uma redução dos valores das avenças mensais acordadas” devendo tal facto ser ADITADO à factualidade provada.
(Z) Em sede de audiência de discussão e julgamento, veio o Representante Legal da Ré esclarecer que no final de 2018 se iniciaram as negociações para venda da carteira de clientes da Ré a uma sociedade denominada H..., que já meses antes havia adquirido a sociedade G..., sendo que no final de 2019 a celebração desse mesmo negócio se encontrava iminente, tendo aliás sido outorgada uma Letter of intent nesse sentido. Razão pela qual, aliás, a aqui Recorrente no final de 2019 contactou o Recorrido no sentido de o informar que não poderia manter o acordo relativo às comissões a pagar sobre a avença mensal do Centro C..., conforme consta da prova gravada do depoimento do Representante Legal da Ré entre os minutos 15:45 e 16:33.
(AA) Face ao exposto, deveria ter sido dado como provado que “No final de 2019 a Ré encontrava-se em vias de vender o seu negócio a uma sociedade denominada H...” devendo tal facto ser ADITADO à factualidade provada.
(BB) Ademais, vem a Recorrente requerer a alteração da matéria de facto dada como provada nos pontos 5, 7, 8 a 13, 14, 16, 17, 18, 20 e 22. (…)
(DD) No caso em concreto, não só o Representante Legal da Ré (prova gravada nos minutos 12:00 a 14:45) como a Testemunha BB (prova gravada entre os minutos 12:35 a 15:49) atestam que o Autor, ainda que verbalmente, aceitou que o Acordo relativamente ao Grupo B... (Documento n.º 1 junto com a Petição Inicial) cessasse os seus efeitos em março de 2018 e relativamente ao Centro C... (Documento n.º 2 junto com Petição Inicial) terminasse em dezembro de 2019, como a própria factualidade envolvente, à luz daquilo que é a experiência comum, torna verosímil a existência de uma convenção extintiva relativamente a ambos os acordos; (…)
(FF) É de notar que, aliás, este contexto fáctico também se encontra devidamente sustentado pelo email de 5 de fevereiro de 2018 junto pela Ré como Documento n.º 1 do Requerimento de 17 de fevereiro de 2023 com referência Citius 44768177, no qual se aborda a questão de o Grupo B... pretender cancelar todos os contratos que mantinha com a Ré. E, mais, também os documentos n.º 1 a 52 juntos com o Requerimento apresentado pela Ré em 05 de junho de 2023 com referência Citius n.º 45770505 importam nesta sede, já que demonstram uma verdadeira alteração nas avenças mensais cobradas pela Ré o que, em face da experiência comum, justifica facilmente a necessidade que a Ré sentiu de terminar o contrato.
(GG) Assim sempre deveria o Tribunal a quo ter considerado provado que “O acordo perdurou até ao final de março de 2018”, pelo que o facto provado no ponto 5 deve ser alterado nos seguintes termos: “5. O acordo perdurou até ao final de março de 2018”. (…)
(JJ) Face a todo o exposto, apenas se poderá concluir que, de facto, o acordo celebrado entre Recorrente e Recorrido com data de 4 de maio de 2018 vigorou somente entre essa mesma data e dezembro de 2019, altura em que a carteira de clientes da Recorrente se encontrava na iminência de ser vendida à H.... Assim sempre deveria o Tribunal a quo ter considerado provado que “O acordo perdurou até ao final de dezembro de 2019”, pelo que o facto provado no ponto 7 deve ser alterado nos seguintes termos: “7. O acordo perdurou até ao final de dezembro de 2019”.
(KK) Quanto aos pontos 8 a 13 e 17 e 18 da matéria de facto provada, não entende a Recorrente em que factos se baseou o Tribunal a quo para chegar a tais factos.
(LL) Com efeito, ao confrontar os documentos n.º1 a n.º3Ajuntoscoma Contestação, o documento n.º 5 junto com o Requerimento da Ré de 16 de fevereiro de 2023 com referência Citius 4474995 e, ainda, os documentos juntos aos autos pelo próprio Grupo B... através do email com referência Citius30378176, facilmente chegamos a uma conclusão: a relação comercial entre a Ré e as empresas que integram o Grupo B... é muito anterior à relação laboral entre este último e o autor. Com efeito, a Ré prestava serviços de forma regular e em regime de avença às várias empresas que integram o Grupo B... desde 2012!
(MM) Logo, só por aí se compreende que não é verdadeira a afirmação segundo a qual foi por intermédio do Recorrido que a Recorrente passou a fornecer os seus serviços e produtos ao cliente em causa.
(NN) Mesmo relativamente ao Centro C..., não se pode falar numa verdadeira promoção e angariação de vendas por parte do Autor (…)
(OO) Nesta sede, é relevante considerar a informação/documentação prestada pelo próprio Centro C... aos autos através do Requerimento com data de 12 de novembro de 2021 e referência Citius 30492608, em particular, o seguinte: “O C... celebrou contrato de trabalho a termo certo com AA conforme doc. que se junta. O trabalhador auferia o seu salário a que acrescia subsídio de alimentação. O trabalhador não tinha autorização e consequentemente não podia receber comissões dos fornecedores de mercadorias, porque lhe estava vedado fazer esse tipo de “negociatas” paralelas por forma a receber além do seu salário. O trabalhador tinha que desempenhar com zelo as suas funções, negociar e comprar as mercadorias ao melhor preço favorecendo a sua entidade empregadora, nada mais.” (bold e sublinhado nosso)
(QQ) Assim, devem os pontos 8 a 13 e 17 e 18 da matéria de facto provada ser considerados NÃO PROVADOS.
(RR) Quanto ao ponto 14 da matéria de facto dada como provada, aparentemente o Tribunal a quo ignorou por completo os Documentos n.º 5A a 5C juntos com a Contestação, bem como os Documentos n.º 1 a 4 juntos com o Requerimento apresentado pela Recorrente em 16 de fevereiro de 2023 com referência Citius 44749956 os quais comprovam pagamentos feitos por parte da Recorrente ao Recorrido, bem como pagamentos de determinados serviços utilizados pelo Recorrido!
(SS) Nos termos de tal documentação conclui-se que a Recorrente pagou ao Recorrido o montante total de EUR 11.069,30. (…)
Em face do exposto, também deverá este ponto da matéria de facto provada ser dado como NÃO PROVADO.
(TT) Quanto ao ponto 16 da matéria de facto provada, (…) [considerando] Documentos n.º 1 a n.º 3A juntos com a Contestação, documento n.º 5 junto com o Requerimento da Ré de 16 de fevereiro de 2023 com referência Citius 4474995 e, ainda, os documentos juntos aos autos pelo próprio Grupo B... através do email com referência Citius 30378176 (…) deve este ponto ser alterado, nos seguintes termos: “16. A Ré não detinha conhecimentos comerciais com o “Centro C...”.
(UU) A Recorrente considera os pontos 20 e 22 da matéria de facto provada como sendo matéria conclusiva, uma vez que a questão a decidir nos presentes autos é exatamente se são ou não devidas comissões e, em caso afirmativo, qual o valor em divida.
(VV) Em qualquer caso, se assim não se entender, resulta expressamente da letra dos acordos celebrados que os valores das comissões são calculados com base no valor da avença mensal acordada com o respetivo cliente. Assim, deverá a matéria de facto ser alterada nos seguintes termos:
“20. Desses valores cobrados, o Autor deveria receber, nos termos acordados, 5% a título de “comissões” – correspondente a um total de EUR 2.838,06” e “22. Desses valores cobrados, o Autor deveria receber, nos termos acordados, 10% a título de “comissões” – correspondente a um total de EUR 3.717,18”.
(WW) Por fim, quanto ao ponto 23 da matéria de facto, o Tribunal a quo ignorou por completo os Documentos n.º 5A a 5C juntos com a Contestação, bem como os Documentos n.º 1 a 4 juntos com o Requerimento apresentado pela Recorrente em 16 de fevereiro de 2023 com referência Citius 44749956 os quais comprovam pagamentos feitos por parte da Recorrente ao Recorrido, bem como pagamentos de determinados serviços utilizados pelo Recorrido!
(XX) Assim, uma vez que da prova documental junta aos autos resulta que a Ré efetivamente pagou, a título de comissões, o montante total de EUR 11.069,30, deve o ponto 23 da matéria de facto ser alterado nos seguintes termos: “A Ré pagou, a título de comissões, o montante total de EUR 11.069,30”.
(YY) Em virtude dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo e identificados como factos 2 a 4, 6, bem como da alteração da matéria de facto, nos termos acima pugnados, resulta que (i) As empresas do Grupo B... eram clientes da Recorrente desde 2012, com serviços prestados de forma regular e em regime de avença; (ii) Em 2017, o Recorrido passou a exercer funções de responsável de compras do Grupo B... e informou a Recorrente que, para esta continuar a prestar serviços ao dito Grupo, teria que lhe pagar uma comissão de 5% do valor das avenças mensais; (iii) De tal acordo, não resultava qualquer obrigação para o Recorrido; i.e., o Recorrido apenas beneficiava do pagamento da comissão sem ter de prestar qualquer tipo de serviço; (iv) até então, a Recorrente havia fornecido produtos e prestado serviços ao Grupo B... sem nunca lhe ter sido cobrada qualquer comissão; (v) já após a saída do Recorrido do Grupo B..., a Recorrente viu-se forçada a renegociar os termos do contrato celebrado com este cliente, tendo baixado bastante o valor atribuído às avenças mensais; (vi) em virtude de tal renegociação, a Recorrente, por já não gozar das margens de lucro anteriormente existentes, viu-se forçada a terminar o acordo que havia celebrado com o Recorrido, o que este entendeu e aceitou; (vii) em 2018, o Recorrido começou a trabalhar no Centro C... e informou a Recorrente que, para apresentar uma proposta de prestação de serviços a essa entidade, seria necessário pagar-lhe uma comissão de 10% sobre o valor das avenças mensais, até para compensar o valor que tinha deixado de receber em resultado da revogação do acordo relativo ao Grupo B...; (viii) a Recorrente, nomeadamente em face da renegociação dos valores cobrados ao Grupo B..., encontrava-se na necessidade de conseguir novos clientes com a máxima urgência possível; (ix) durante todo o período que decorreu entre a revogação do acordo relativo ao Grupo B... e até depois do Recorrido sair do Centro C..., este nunca veio reclamar quaisquer valores relativos ao primeiro acordo…; (x) o Recorrido não angariou novos clientes, não promoveu negócios, nem aumentou o volume de encomendas para a Ré; (xi) os acordos não continham referências à contrapartida de serviços específicos prestados pelo Recorrido, já que tais serviços, na verdade, eram inexistentes; (xii) em dezembro de 2019, a Recorrente encontrava-se em vias de vender a sua carteira de clientes, razão pela qual terminou o segundo acordo, tendo o Recorrido aceitado nada mais ter a receber nesse contexto, (xiii) a Recorrente pagou ao Recorrido, a título de comissões, o valor total de EUR 11.069,30; e (xiv) o Recorrido, em bom rigor, já nada tem a receber.
(ZZ) Face à jurisprudência dos Tribunais portugueses, necessariamente se deverá considerar a factualidade supra descrita como suficiente para demonstrar a celebração de ambos os acordos sob coação moral já que a Recorrente apenas celebrou os acordos em causa devido à pressão exercida pelo Recorrido. (…)
(DDD) Ademais, o Recorrido não prestou qualquer contrapartida, o que também é uma evidência da coação, na medida em que não se verificaram quaisquer benefícios reais para a Recorrente.
(EEE) Sempre importa relembrar que, tal como já referido várias vezes, o Recorrido sempre atuou como funcionário dos clientes da Recorrente, não como um verdadeiro agente e, aliás, no caso do Centro C... encontrava-se expressamente vedado a atuar nos termos que atuou.
(FFF) Para a verificação de uma situação de coação moral relevante para conduzir à anulação do negócio devem verificar-se quatro requisitos: (i) ameaça de um mal, (ii) ilicitude da ameaça; (iii) intencionalidade da ameaça e (iv) dupla causalidade.
(GGG) A Recorrente considera que face à prova junta aos autos, à exposição da mesma no presente Recurso, tais requisitos se verificam (…)
(HHH) Não obstante, mesmo se não se considerar procedente o acima referido, a decisão sempre terá de ser alterada já que a decisão do Tribunal a quo não está de acordo com os factos dados como provados pelo mesmo.
(III) Com efeito, o Tribunal a quo fundamenta a condenação da Ré na letra dos acordos celebrados entre as partes, nomeadamente quanto à celebração e vigência dos mesmos, mas em simultâneo, desconsidera essa mesma letra quanto ao cálculo das comissões em causa, quando os acordos são ambos taxativos ao referir que se deve ter por referência o valor da avença mensal (…).
(JJJ) Em bom rigor, uma vez que o primeiro acordo terminou em março de 2018 e o segundo em dezembro de 2019, nesse caso o valor devido a título de comissões seria apenas de EUR 8.982,20 mas, de facto, Recorrente já pagou o valor total de EUR 11.069,30 (cfr. Documentos n.º 5A a 5C da Contestação) nada mais tem a Recorrente a dever!
(KKK) Mas mesmo que se assuma que o período relevante é o prazo máximo estabelecido para cada acordo, no máximo, a Recorrente apenas poderia ser condenada a pagar o valor de EUR 22.323,32!
(LLL) Em face de todo o exposto, é manifesto que, não só os pressupostos quanto à anulabilidade dos acordos por força do regime da coação moral se encontram verificados como, nunca a Recorrente poderia ser condenada nos termos definidos pelo Tribunal a quo, devendo, por essa razão a decisão recorrida ser revogada.
O apelado contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II – Objeto do recurso
Face às conclusões das alegações de recurso, cumpre apreciar:
– a arguida nulidade da sentença;
– a impugnação da decisão de facto: a) Aditamento à decisão de novos factos; b) Alteração da decisão de facto quanto aos pontos 8 a 13, 14, 17 e 18 dos factos provados, considerando tal factualidade não provada; c) Alteração da matéria de facto dos pontos 5, 7 e 16 dos factos provados; d) Eliminação dos pontos 20 e 22 dos factos provados por ser matéria conclusiva; subsidiariamente, alteração da referida matéria constante dos referidos pontos.
– o mérito da decisão recorrida: invalidade dos acordos celebrados com fundamento nos quais foi proferida a decisão de condenação; erro da decisão recorrida na determinação do valor da comissão acordada face aos termos do acordo efetuado; exceção de pagamento.
Acresce a fixação da responsabilidade pelas custas.
III – Fundamentação
É a seguinte a fundamentação de facto da sentença recorrida:
Factos provados
1 – O autor desde há vários anos que desempenha funções comerciais e gestão de compras, nomeadamente na indústria hoteleira.
2 – A ré é uma empresa que comercializa produtos de higienização.
3 – A ré, através de documento escrito datado de 19 de setembro de 2017, acordou com o autor que lhe pagaria o montante correspondente a 5% do valor das avenças mensais que cobraria ao grupo de empresas denominado “Grupo B...”, enquanto o autor prestasse serviços para esse mesmo Grupo empresarial, ou no limite pelo prazo de 3 anos, se o autor se fosse embora.
4 – Por “Grupo B...” queriam autor e ré referir-se às seguintes cinco empresas (sociedades): “I...”, “J...”, E... View Beach Club (“F...”), “D...” e “E...” (“E...”).
5 – O acordo perdurou por três anos, isto é, até 19 de setembro de 2020.
6 – Por acordo escrito com data de 4 de Maio de 2018, autor e ré estabeleceram outro acordo, onde aquela se comprometeu a pagar ao autor o montante correspondente a 10% do valor das avenças mensais que cobraria ao “Centro C...”, enquanto o autor prestasse serviços para o Grupo ou, no limite, pelo prazo de 4 anos, se o Autor se fosse embora.
7 – Este acordo manteve-se em vigor (pelo prazo de 4 anos) até 4 de maio de 2022.
8 – Nos termos dos dois referidos acordos celebrados entre autor e ré, o primeiro assumiu o compromisso de promover/realizar negócios com um mercado determinado e delineado, obtendo uma contrapartida por parte da ré.
9 – O autor realizou trabalhos de prospecção de angariação de clientes e encomendas para a ré.
10 – O autor empenhou-se na promoção e angariação de vendas.
11 – Na sequência dos acordos realizados entre autor e ré,
12 – … A ré passou a fornecer todas as empresas (hotéis) do Grupo B... e, bem assim, o Centro C..., fornecendo-lhe equipamentos, bens e produtos de higiene,
13 – … E cobrando-se das avenças mensais e produtos fornecidos
14 – Porém, a ré não pagou ao autor as percentagens acordadas, após o recebimento.
15 – Apesar das interpelações para o cumprimento integral do acordado, a ré não se mostrou disponível para tanto.
16 – A ré não detinha conhecimentos comerciais com o “Grupo B...”, nem com o “Centro C...”.
17 – A ré apenas concluiu os negócios por intermédio da acção do autor em estabelecer laços de confiança, de seriedade, de profissionalismo e de responsabilidade com esses clientes.
18 – Caso o autor não estabelecesse os negócios que estabeleceu, a ré não teria conseguido o volume de vendas que conseguiu e a relação comercial que conseguiu estabelecer com tais Grupos empresariais.
19 – De 19 de setembro de 2017 a 19 de setembro de 2020, a ré vendeu e recebeu do “Grupo B...” mercadorias e/ou serviços no valor total, sem IVA, de € 446.896,44 (quatrocentos e quarenta e seis mil, oitocentos e noventa e seis euros e quarenta e quarto cêntimos).
20 – Desses valores cobrados, o autor deveria receber, nos termos acordados, 5% a título de “comissões” – correspondente a um total de € 22.344,82 (vinte e dois mil novecentos, trezentos e quarenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).
21 – De 4 de maio de 2018 a 4 de maio de 2022, a ré vendeu e recebeu do “Centro C...” mercadorias e/ou serviços no valor total, sem IVA, de € 162.037,52 (cento e sessenta e dois mil, e trinta e sete euros, e cinquenta e dois cêntimos).
22 – Desses valores cobrados, o autor deveria receber, nos termos acordados, 10% a título de “comissões” – correspondente a um total de € 16.203,75 (dezasseis mil, duzentos e três euros, e setenta e cinco cêntimos).
Deste modo, procede parcialmente a pretendida alteração do ponto 23. dos factos provados, nos seguintes termos:
23 – O autor já recebeu da ré a quantia de € 7.466,21 (sete mil, quatrocentos e sessenta e seis euros, e vinte e um cêntimos) por conta do valor das “comissões” antes referidas nos pontos 19 a 22.
Arguição de nulidade da sentença
Sustenta a apelante a verificação da nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC alegando que “existe uma contradição lógica entre a factualidade dada como provada e a decisão proferida pelo Tribunal a quo”, uma vez que se dá como provado que as comissões a pagar correspondem a uma percentagem sobre o valor das avenças mensais (n.os 3. e 6. dos factos provados) mas, de forma contraditória, conclui que o valor das comissões devidas corresponde à percentagem acordada calculada sobre os montantes correspondentes à soma dos valores das avenças e dos valores das compras realizadas “extra” avença, sem ter atentado na diferença expressa no relatório pericial quanto ao valor das avenças pago e ao valor das compras extra avença.
Dispõe a primeira parte da al. c) do n.º 1 art. 615.º do Cód. Proc. Civil que “[é] nula a sentença quando (…) [o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Sobre esta norma, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que “a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” – cfr. o Ac. do STJ de 14-04-2021, proc. n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1. A nulidade em causa decorre, pois, de “um erro de raciocínio lógico, consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” – idem, cfr., ainda, entre muitos outros, os Acs. do STJ de 20-05-2021, proc. n.º 69/11.2TBPPS.C1.S1, de 09-03-2022, proc. n.º 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1, de 26-01-2021, proc. n.º 2350/17.8T8PRT.P1.S2, de 27-04-2023, proc. n.º 374/22.2T8LRA.C1.S1, de 10-01-2023, proc. n.º 508/20.1T8AGH.L1.S1, de 12-01-2021, proc. n.º 1801/19.1T8CSC.L1-B.A.S1, de 22-02-2022, proc. n.º 3282/17.5T8STB.E2.S1 e de 29-04-2021, proc. n.º 704/12.5TVLSB.L3.S1.
Desenvolvendo e subscrevendo este entendimento, podemos assentar que a “oposição” referida na al. c) do n.º 1 art. 615.º do Cód. Proc. Civil é uma falha no silogismo judicial, tal como se encontra enunciado na sentença – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 03-03-2021, proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1. Neste silogismo falhado, o tribunal identifica uma premissa maior, isto é, tipicamente, uma determinada norma legal, compreendendo a sua fatispécie e a sua estatuição. Seguidamente, identifica uma concreta factualidade – ou uma realidade extraprocessual, ou circunstâncias processuais –, que afirma preencher a hipótese legal da premissa maior, constituindo-se ela como a premissa menor. Por último, sem apresentar nenhuma outra etapa no seu raciocínio, conclui com a não aplicação da estatuição ao caso concreto. Por exemplo: todos os culpados são condenados; o réu é culpado; o réu não é condenado.
Trata-se, assim, de um vício intrínseco, independente da validade das premissas, e que qualquer leitor pode constatar – ainda que desconheça a regra afirmada (premissa maior), isto é, o acerto da sua seleção, ou ignore a bondade do acolhimento da premissa menor. Para sua deteção, não é necessário o conhecimento de elementos extrínsecos à decisão, por exemplo, nem da prova produzida, nem da lei aplicável (cuja fatispécie abranja o caso concreto). Sejam, ou não, acertadas as premissas apresentadas (isto é, os fundamentos), a conclusão (isto é, a decisão) não corresponde ao resultado da sua articulação.
Anomalia diferente é a que traduz um erro de julgamento. Neste, o silogismo apresentado na sentença não é formalmente ilógico. Aqui, o tribunal elege, expressa ou implicitamente, uma premissa errada para o seu silogismo. Por exemplo, afirma como aplicável uma determinada norma geral, não atentando na norma especial também prevista na lei (à qual o caso se subsume), ou dando-lhe um sentido indevido. Com base nesta premissa erradamente enunciada, o tribunal, desenvolvendo um raciocínio formalmente lógico, chega a uma conclusão errada, isto é, produz um julgamento de mérito errado.
Assim, quando os factos provados devem conduzir a uma decisão final de mérito diferente da proferida, resultando a que foi tomada de uma errada valoração jurídica dos mesmos – em resultado da errada escolha da norma aplicada, isto é, da não aplicação da norma efetivamente apropriada –, não estamos perante uma nulidade processual, mas sim perante um erro de julgamento – cfr. o Ac. do STJ de 14-04-2021, proc. n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1, bem como a jurisprudência no mesmo citada.
A “decisão” referida al. c) do n.º 1 art. 615.º do Cód. Proc. Civil é tipicamente a decisão referida na parte final do n.º 3 do art. 607.º do Cód. Proc. Civil, ou seja, é o dispositivo da sentença. A típica nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão refere-se ao silogismo que tem por premissa maior o regime legal aplicado ao caso e por premissa menor o facto já julgado provado, sendo o dispositivo a sua conclusão.
No caso dos autos, na fundamentação do julgado o tribunal considerou provado que «19. De 19 de Setembro de 2017 a 19 de Setembro de 2020, a Ré vendeu e recebeu do “Grupo B...” mercadorias e/ou serviços no valor total, sem IVA, de € 446.896,44 (quatrocentos e quarenta e seis mil, oitocentos e noventa e seis euros e quarenta e quarto cêntimos).» e que «20. Desses valores cobrados, o Autor deveria receber, nos termos acordados, 5% a título de “comissões” – correspondente a um total de € 22.344,82 (vinte e dois mil novecentos, trezentos e quarenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos.» - sendo o acordo em causa o descrito no ponto 3. dos factos provados.
E considerou igualmente provado que «21. De 4 de Maio de 2018 a 4 de Maio de 2022, a Ré vendeu e recebeu do “Centro C...” mercadorias e/ou serviços no valor total, sem IVA, de € 162.037,52 (cento e sessenta e dois mil, e trinta e sete euros, e cinquenta e dois cêntimos).» e que «22. Desses valores cobrados, o Autor deveria receber, nos termos acordados, 10% a título de “comissões” – correspondente a um total de € 16.203,75 (dezasseis mil, duzentos e três euros, e setenta e cinco cêntimos).» - sendo o acordo em causa o descrito no ponto 6. dos factos provados.
E nesta sequência, em sede de aplicação do direito aos factos, considerou que os acordos celebrados são contratos válidos que devem ser pontualmente cumpridos e que, sendo o valor das comissões acordadas o referido nos transcritos n.os 20. e 22. dos factos provados, «(…) num total de €38.548,57, a que se deve descontar o valor já pago pela A. ao R. por conta dessas comissões no valor de € 7.466,21 [n.º 23. dos factos provados da sentença], perfazendo o valor das comissões devidas e ainda em falta pela Ré ao Autor o total de €31.082,36 (trinta e um mil, e oitenta e dois euros, e trinta e seis cêntimos).», condenou a ré no pagamento do referido montante de € 31.082,36.
Não há contradição entre tais fundamentos e a decisão.
Questão diferente desta é a do acerto da consideração nos factos provados do valor das comissões acordadas. Se este valor for errado – por, supostamente, o cálculo da percentagem nos termos acordados dever ser feito apenas por referência ao valor das avenças, sendo este distinto dos valores considerados provados na fundamentação de facto (o que se apreciará no momento próprio) –, estamos perante um erro de julgamento, e não perante uma nulidade da sentença.
Em suma, os fundamentos apresentados na sentença não estão em oposição com a decisão, improcedendo a arguida nulidade da sentença.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Através da impugnação da decisão de facto pretende a apelante que sejam aditados aos factos provados três factos – nos moldes que enuncia – e a alteração da decisão de facto quanto aos pontos 5, 7, 8 a 13, 14, 16, 17, 18, 20 e 22 dos factos provados.
1. Aditamento aos factos provados
Pretende a apelante, em primeiro lugar, o aditamento à matéria de facto provada dos seguintes ‘novos factos’:
1.º) A celebração dos acordos nos termos dos Documentos n.º 1 e 2 da Petição Inicial partiu da iniciativa do Autor, sob condição de a Ré perder o negócio que já tinha com os hotéis que incorporaram o Grupo B... e impedir a viabilidade da proposta da Recorrente junto do Centro C....
2.º) No início de 2018, o Grupo B... tentou rescindir o contrato que tinha com a Ré, o que levou à necessidade de renegociação do contrato e a uma redução dos valores das avenças mensais acordadas.
3.º) No final de 2019 a Ré encontrava-se em vias de vender o seu negócio a uma sociedade denominada H....
1.1. Relevância da matéria de facto a aditar
Começaremos por dizer que o aditamento de factos não considerados na decisão recorrida apenas pode ocorrer nos termos e âmbito do disposto no n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, sendo que apenas se pode reportar a factos já alegados pelas partes ou cuja consideração devesse ter sido efetuada pela decisão recorrida, designadamente, no âmbito e termos previstos no n.º 2 do art. 5.º do Cód. Proc. Civil. Por outro lado, apenas se justificará o requerido aditamento se os factos em causa assumirem relevância para a decisão a proferir.
No que concerne à pretensão de aditamento aos factos provados do vertido em 2.º) e 3.º), verificamos, em primeiro lugar, que os factos cujo aditamento a apelante pretende obter não são factos como tal alegados no respetivo articulado (o que a ré, agora apelante, alegou é o que consta dos arts. 30.º a 33.º da contestação) e, em segundo lugar, não são factos que assumam relevância para a decisão a proferir. Efetivamente, como resulta das alegações de recurso, a matéria cuja aditamento a apelante requer é invocada por a mesma considerar que daí resulta a credibilidade/verosimilhança da alegação de que o autor aceitou o “término antecipado dos efeitos” dos acordos datados de 19-09-2017 e de 04-05-2018.
A matéria de facto alegada que assume relevância e que foi alegada nos referidos arts. 30.º a 33.º da contestação é a aceitação verbal pelo réu, em final de 2019, da cessação do recebimento das comissões acordadas, face à comunicação efetuada pela ré ao autor dos atrasos no pagamento das faturas vencidas e da redução do valor das avenças que haviam sido contratadas com o Grupo B... e com o Centro C..., e pelo facto de o autor já não trabalhar para qualquer dessas entidades.
Considerando, deste modo, que o pretendido aditamento nenhuma relevância assumiria para a alteração da decisão recorrida, indefere-se o mesmo no que concerne à factualidade elencada em 2.º) e 3.º).
Quanto à factualidade referida em 1.º), fundamenta a apelante o requerido aditamento invocando o que havia alegado nos arts. 12.º, 13.º e 28.º da contestação e indicando como meios de prova dos quais resulta a prova da factualidade em causa:
– os Docs. 1 a 3 A juntos com a contestação e o Doc. 5 junto com o requerimento por si apresentado em 17 de fevereiro de 2023 (referência Citius 44768177);
– as declarações prestadas pela testemunha BB (indicando as respetivas passagens da gravação dos depoimentos).
Esta factualidade que a apelante pretende ver aditada aos factos provados integra matéria de facto que contende parcialmente com matéria de facto que o tribunal recorrido considerou não provada (a matéria de facto alegada pela ré nos arts. 12.º, 13.º, 28.º, 20.º, 22.º e 28.º da contestação, contemplada ou abrangida nas als. a) a d) dos factos não provados) e matéria de facto que o tribunal recorrido considerou irrelevante para a decisão a proferir, razão pela qual não emitiu qualquer pronúncia sobre a mesma – a saber, a matéria de facto alegada pela ré atinente ao facto de já manter relações comerciais com sociedades que vieram a integrar o Grupo B... (matéria de facto alegada pela ré nos arts. 9.º e 10.º da contestação e em parte do art. 11.º da contestação) no âmbito da impugnação motivada da alegação efetuada pelo autor na petição inicial da matéria de facto que foi considerada nos pontos 16. a 18. dos factos provados da sentença recorrida.
Estamos aqui, claramente, perante matéria que assume relevância para a decisão a proferir, pelo que esta pretensão de aditamento – inclusão – nos factos provados tem que ser apreciada, cumprido que foi pela apelante o ónus imposto no n.º 1 do art. 640.º do Cód. Proc. Civil.
1.2. Apreciação do aditamento da factualidade descrita pela apelante em 1.º)
A ré alegou nos arts. 12.º, 13.º e 28.º da contestação o seguinte:
12.º
O valor da comissão imposto pelo Autor à Ré, sob pena de o contrato com o referido cliente vir a cessar, não tinha, nem nunca teve qualquer contrapartida por parte do Autor e, decorreu, conforme o Autor tem conhecimento, do facto de que a Ré não querer correr o risco de perder o referido cliente porque, a concretizar-se a ameaça, teria um grande impacto nas fazendas da Ré.
13.º
Aliás, nas conversas mantidas a fim de exigir a celebração de acordos com as referidas comissões, de modo a demonstrar a seriedade das suas declarações, o Autor identificou vários outros acordos que tinha com os fornecedores do grupo, justificando que, “para fornecerem tinham que lhe pagar”.
28.º
E, se tais documentos foram assinados pela Ré foi apenas porque a Ré não podia correr o risco de vir a perder as referidas prestações de serviço, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos”.
A matéria alegada nos acima transcritos arts. 12.º, 13.º e 28.º da contestação é o seguimento da factualidade alegada nos arts. 9.º a 11.º da contestação:
9.º
As empresas que integram o Grupo B... eram clientes da Ré desde 2012, sendo que a Ré lhes prestava serviços de forma regular e em regime de avença, desde essa data, conforme cópia dos documentos que ora se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos (Documentos n.º 1 a n.º 3).
10.º
Acontece, porém, que em 2017, o Autor passou a exercer funções de responsável nas compras do referido grupo, tendo informado a Ré que, caso pretendesse continuar a prestar serviços ao referido Grupo, teria que lhe pagar 5% do valor das avenças mensais, sob pena do Autor “convencer” a sua entidade patronal a não continuar com a avença.
11.º
Ou seja, ao contrário do que o Autor faz crer na sua petição inicial, não foi o Autor quem angariou o cliente da Ré “Grupo B...” - uma vez que, insista-se, a Ré já aí prestava serviços 5 anos antes de o Autor aí ter iniciado funções –, nem é verdade que o Autor tenha, de alguma forma, promovido o negócio ou aumentado o volume de encomendas.
Defende a apelante que dos meios de prova por si indicados resulta que:
– em data anterior à celebração do acordo de 19-09-2017 já existia uma relação comercial consolidada entre a Recorrente e as unidades hoteleiras que passaram a fazer parte do Grupo B..., como resulta do doc. 3 - A da contestação, que corresponde a dois contratos de prestação de serviços, um celebrado por referência à unidade hoteleira E... View Beach Club – E... e outro à unidade hoteleira E..., ambos com data de 17 de janeiro de 2012, resultando do doc. 5 do requerimento apresentado pela Recorrente em 17 de fevereiro de 2023, com a referência Citius 44768177, que apesar dessas unidades hoteleiras terem passado a ser geridas por entidades distintas daquela com quem os contratos foram celebrados, a relação contratual manteve-se com as novas sociedades – D..., Lda., E... Company e F... Company –, como resulta dos documentos de faturação a tais sociedades juntos como doc. 1 a 3 com a contestação;
– que a recorrente tinha um contrato com a G..., que se encontrava obrigada a cumprir, e que o cumprimento desse contrato estava dependente da manutenção do contrato com o Grupo B..., o que tornava essencial para a recorrente a manutenção desse contrato, tendo sido por tal motivo que foi aceite o pagamento da comissão exigida pelo autor, como condição para a apreciação da proposta apresentada pela ré, tendo igualmente o autor pedido o pagamento de comissão de 10% para a realização do contrato de fornecimento com o Centro C..., conforme resulta do depoimento prestado pela testemunha BB e da informação prestada pelo Centro C... ao tribunal em 12 de novembro de 2021, com referência Citius 30492608, de que o autor não podia receber comissões no âmbito das suas funções ao serviço do referido Centro C....
Da apreciação conjugada dos doc. 1 a 3 e 3-A apresentados com a contestação e do doc. 5 junto com o requerimento apresentado pela ré em 16-02-2023 (Ref. Citius 34793013; requerimento REFª: 44749956) [1] com o depoimento prestado pela testemunha BB resulta que a apelante já prestava serviços para as unidades hoteleiras (hotéis) E... View Beach Club, E... e Club E..., à data geridos pela Sociedade de K..., L.da., desde 2012 (contratos de prestação de serviços juntos como doc. 3-A com a contestação), tendo em 2016 tais unidades hoteleiras passado a ser geridas pelas empresas E... Company, L.da. (quanto à unidade hoteleira E... Praia), F...- Management Company, L.da. (quanto à unidade hoteleira E... View Beach Club) e D..., L.da. (quanto à unidade hoteleira Clube Praia ...).
O depoimento prestado pela referida testemunha obtém clara corroboração no teor do e-mail datado de 22 de fevereiro de 2016 (doc. 5 junto com o requerimento de 16-02-2023), enviado por CC (que era a interlocutora da ré, como foi referido pela testemunha BB, e também pelo legal representante da ré, no depoimento prestado, tendo o próprio autor, no seu depoimento, quando questionado se chegou a conhecer tal pessoa, dito que foi substitui-la, não tendo chegado a conhecê-la) ao comercial da ré/apelante DD, no qual a referida CC (que o subscreve como ‘Purchising Supervisor’ do Grupo B...), comunica que «(…) A partir de 1 de Março as unidades abaixo passarão a ser geridas pelas empresas indicadas, pelo que agradecemos passe a facturação a ser feita em nome das entidades indicadas ou, se for caso disso, sejam alterados os respectivos contratos. (…)», e no teor dos Extratos de Conta de Conferência referentes às sociedades D..., L.da., E... Company, L.da. e F... Company, L.da., juntos como docs. 1 a 3 com a contestação.
Esta testemunha BB – que à data era administrador da G..., sociedade que mantinha ligação comercial e contratual com a ré (a G... era uma empresa de serviço de higiene, que fazia o investimento em equipamento e prestava o serviço de assistência e venda de produtos de higiene, sendo a ré A... um intermediário, uma empresa que vendia os serviços da G..., celebrando com a ré um contrato que espelhava o contrato celebrado pela ré com o cliente, mas com um valor diferente), deu conta das circunstâncias em que, juntamente com o legal representante da ré, ocorreu o primeiro contato com o autor: em início de 2017 foram chamados para uma reunião com uma empresa consultora do Grupo B..., que lhes deu conhecimento de que, pretendendo o referido Grupo centralizar os serviços, a continuação da relação contratual existente passaria pela apresentação de uma proposta integral para o grupo todo. Nessa reunião o autor encontrava-se presente, embora não tinha tido qualquer intervenção.
Quando foram apresentar tal proposta já só se encontrava o autor que “já estava dentro do Grupo B...” e lhes disse que “a nossa proposta ia para o lado ou nem seria sequer equacionada se não houvesse uma retribuição”.
Esta testemunha, relativamente ao acordo de pagamento de 10% sobre as avenças pagas pelo Centro C..., referiu que o pedido de comissão foi feito pelo autor à sua frente.
As declarações do legal representante da ré foram similares às desta testemunha – «(…) Apresentamos as propostas e o Sr. AA disse logo: O EE, aqui é assim, aqui toda a gente paga. Ou me pagas uma comissão de 5% ou isto vai já para debaixo da gaveta como vão todos os outros. Como vai o homem do peixe, o homem da carne, o homem das águas, toda a gente tem que pagar. E eu fiquei numa situação complicada, como é óbvio. (…)».
Já o autor, no seu depoimento, disse que nada pediu, que foi o legal representante da ré que lhe ofereceu a(s) comissão(ões) referidas nos dois acordos escritos com base nos quais intentou a ação. Retira-se do seu depoimento que o pagamento e recebimento de 5% referido no documento de 19-09-2017 constitui uma contrapartida paga pela ré ao autor e aceite por este para que o mesmo, atentas as funções exercidas ao serviço do Grupo B..., ‘ajudasse’ na aceitação pelo Grupo B... da proposta apresentada pela ré, sendo também a finalidade do pagamento de 10% a contrapartida para que, atento o cargo/posição que o autor tinha no Centro C..., viesse a ser aceite pela direção a proposta de fornecimento apresentada pela ré. Vejam-se os seguintes excertos de tal depoimento do autor:
P (mandatário autor) – Sim, e então a parceria desenvolveu-se aí?
R (autor) – Queriam entrar nas 5 empresas do Grupo B.... Já estávamos a ser servidos pela L... e M..., a L... é a nível de cozinhas, a M... a nível de limpezas … estivemos a conversar … eu disse que ia ver… eram dezenas de fornecedores, estamos a falar de um grupo que fatura milhões, são 5 hotéis. Eu disse: Sim senhor, deixe ficar aí, depois eu vou analisar isto tudo.
(…)
P (mandatário autor) – Então a parceria foi-se desenvolvendo.
R (autor) – Na altura forneci um hotel ali em ... que era o N... e foram-me visitar outra vez… nós vamos fazer-te aqui, vai ficar mais económico …não sei quê, não sei que mais … a gente dá-te 5% das comissões de venda.
P (mandatário autor) – Isso foi proposto pelo Sr. EE?
R (autor) – Sim, sim, isso foi proposto por eles, e então, prontos. A 1.ª fase para eles entrar lá até foi com papel higiénico que eles entraram, eles disseram, vamos começar com o papel, foi instalado nos 5 hotéis em todos os quartos. Fizeram essa proposta, até apresentaram estudos da relação preço do papel deles para justificar. Depois posteriormente foi dos químicos, a seguir foi os filtros das cozinhas. Todos esses processos … Tinha que apresentar ao diretor financeiro, Sr. FF … depois ao CEO, que era espanhol.
P (mandatário autor) – Mas quem fazia a seleção dessas propostas dos fornecedores era o Sr. AA?
R (autor) – (inteligível) … absolutamente reunião nenhuma … apenas uma reunião com o diretor financeiro, nunca tiveram reunião com (…)
P (mandatário autor) – O Sr. AA tinha autonomia para decidir quem era…
R (autor) – Sim, sim, e era eu que apresentava aos diretores dos hotéis, ao diretor financeiro, ao CEO e depois ao Chairman. A empresa, o porquê de estarmos a gastar, de adquirimos a esta empresa e não a outra.
(…)
P (mandatário autor) – Esclareça-nos aqui o que é que são avenças? É que no documento elaborado pela A... diz-se aqui 5% do valor das avenças mensais. O que é isto?
R (autor) – É assim, na altura, como deve imaginar, para um grupo e principalmente para o patrão que é indiano, não é, eu não podia chegar lá e dizer vamos passar a adquirir produtos desta empresa sem saber quanto é que íamos gastar. Nenhuma empresa do grupo (ininteligível) tem que levar números, para dizer nós vamos ter um custo mensal mais ou menos de X com esta empresa. (…)
Porque eu tinha que chegar as reuniões com o diretor financeiro e com o Chairman da empresa, o Sr. FF, e tinha que dizer vamos ter um custo mensal de X …nós estamos a prever que este custo aqui será para uma ocupação de por exemplo 5.000 pessoas, mas se tivermos 10.000 pessoas, tudo é faturado à parte.
P (mandatário autor) – Mas a comissão estava então proposta e negociada era de tudo o que a A... recebesse?
R (autor) – Sim, tudo o que eles vendesse para lá e a prova disso é que eles primeiro começaram com papel e pagaram as comissões e depois mudei os químicos, como disse das cozinhas que era tudo fornecido pela M... que tinha já sistemas e doseadores, retirei tudo e meteram eles dos deles, e depois também para a O..., para limpeza de apartamentos para as empregadas, anti-gorduras, lava chãos, ambientadores, tudo isso foram eles (…) também era tudo da M... e entraram também eles. Isto foi um processo.
P (mandatário autor) – E o valor da comissão era também sobre o que vendessem ou recebessem
R (autor) – Tudo o que vendesse para aquelas 5 empresas, eu tinha comissão. Foi isso que ficou acordado. Agora, pronto na altura nós até tivemos em equação. Vamos chamar contrato, vamos chamar (ininteligível). Tínhamos era que ter uma coisa fixa para dizer que pelo menos aquele montante eles tinham que nos pagar …eh ... tinham que pagar a eles, mas do qual eu também recebia, não é.
Então para apresentar esse valor para as reuniões, que eles nunca estiveram presentes, fui eu que apresentei, não é, eles elaboraram, chegamos ali a um consenso, pôr ali uma média, e tudo o que viesse por fora, quando tivesse, imagine que a ocupação dos hotéis fosse de 90% ou 100% faturava-se por fora. Assim nós sabíamos que pelo menos aquela renda mensal, que tínhamos aquilo.
(…)
P (mandatário autor) – Entretanto o Sr. AA saiu desse grupo.
R (autor) – Sai desse grupo e fui trabalhar para outro grupo.
P (mandatário autor) – Mas antes de ir para outro grupo, diz-se aqui, a A... diz que combinou consigo que o grupo B... que quis renegociar os contratos e que quis pagar menos e quis baixar os preços e que acordou com o Sr. AA e o Sr. AA prescindiu das comissões. Eu aceito deixar de receber. Isso alguma vez se falou?
R (autor) – Não. Estou a falar por mim mas alguém que está a receber uma comissão vai abdicar de receber uma comissão? Ninguém faz isso, não é. A prova disso é que quando sai da B..., nós como mantínhamos contactos e ele ia lá muitas vezes que ele ia lá visitar (…) íamos almoçar várias vezes, ele ia lá de férias com a família e a gente encontrava-se para tomar café, eu comuniquei: vou sair desta empresa e vou para tal. Eh pá, vê la se nos metes lá, não sei quê. Depois eu fui à frente, arranjei tudo, e mais uma vez coloquei-os noutra empresa nova. E aí até me ofereceram mais comissão, para entrar nessa empresa. E entraram, não é. Cheguei lá mudei tudo, os fornecedores todos.
(…)
P (mandatária ré) – Quando saiu exatamente do Grupo B...?
R (autor) – Talvez final de 2017, início de 2018. Sei que sai dali e fui trabalhar para Centro C....
P (mandatária ré) – E que intervenção teve exatamente para a relação entre a A... e o C...?
R (autor) – Já tinha dito, encontrávamo-nos para tomar café, ia muitas vezes lá baixo, ligava, e eu disse vou sair da B... e em princípio vou para o Centro C.... E foi quando o EE disse: Vê lá se nos pões também lá. E eu disse: Vou ver, aquilo é uma IPSS.
Não, vai lá e foi quando ele me disse que em vez de 5 me dava 10% (…) 10 ainda era melhor. Não ia eu estar a exigir. Eles disseram-me isso e mais uma vez tive que (ininteligível) fornecedores, dizer o que era rentável (…)
P (mandatária ré) – Em que data é que saiu do Grupo C...?
R (autor) – Acho que foi um contrato de um ano. Estive lá um ano.
[Realce e sublinhado nossos].
Ou seja, não obstante a divergência destes meios de prova quanto a saber se a iniciativa partiu do autor (exigindo o pagamento de 5% com a ‘ameaça’ de preterir a apresentação dessa proposta aos seus superiores) ou do legal representante da ré (oferecendo ao autor os 5% para que este usasse as suas funções para valorizar/beneficiar a proposta da ré na sua apresentação aos seus superiores), dos mesmos resulta que tal pagamento de 5% foi acordado entre autor e ré apenas porque o autor, por causa das funções por si desempenhadas como funcionário do Grupo B... – chefe de compras, tendo ido substituir a CC, que tinha o cargo de “Purchasing Supervisor” –, podia beneficiar ou prejudicar a aceitação pelos seus superiores da proposta apresentada pela ré. E, de igual modo, não obstante a divergência quanto à ‘origem’ da proposta de pagamento/recebimento de 10% sobre as avenças pagas pelo Centro C..., retira-se dos meios de prova que tal acordo apenas existiu porque o autor, atentas as funções exercidas no Centro C... (chefe de compras – veja-se o depoimento prestado pela testemunha GG, que foi substituir o autor nessas funções no Centro C...), estava em posição de poder interferir na aprovação da proposta apresentada pela ré à direção da referida IPSS. Veja-se que é o próprio autor que, no seu depoimento – como resulta da transcrição supra efetuada –, define o seu poder decorrente dessas funções, embora a competência e poder para decidir que empresa contratar e os termos do contrato pertencesse a terceiros.
Ora, não obstante o depoimento da testemunha BB quanto aos termos em que o autor propôs o pagamento das referidas comissões, também resultou do seu depoimento, quando questionado como é que a A... chegou ao Centro C..., que «Foi o Sr. AA que ligou ao EE.». E deste mesmo depoimento resultou a relevância para a ré da aceitação pelo Grupo B... da sua proposta de prestação de serviços no âmbito da estratégia de centralização que estava a ser implementada pelo referido grupo: tendo a ré contratos de prestação de serviços apenas com 3 das empresas do Grupo, a não aceitação da sua proposta ‘global’ implicaria a perda desses 3 clientes; já a aceitação da proposta acarretaria um incremento dos fornecimentos e serviços prestados, abrangendo as 5 empresas do Grupo B....
Acresce que o legal representante da ré, no seu depoimento, quando questionado pela mandatária da ré sobre qual a intervenção que o autor teve relativamente à relação estabelecida entre a ré e o Centro C..., referiu:
R – Só mesmo apresentar ao responsável … que era o HH e até fazermos a proposta e o contrato não teve mais nenhuma intervenção, porque ele nem sequer conhecia as instalações. Andei com esse HH a ver as instalações. A apresentação da proposta foi feita à administração e ele não estava.
P – Todas as negociações foram com a administração?
R – Ele só abriu a porta, digamos assim. (…)
Daqui resulta, a nosso ver, mais plausível o interesse mútuo das partes – autor e ré – na obtenção da colaboração do autor, a troco de dinheiro (as comissões de 5% e de 10% sobre as avenças pagas pelas entidades empregadoras do autor à ré – sendo que a existência das avenças pressupunha a celebração dos contratos entre a ré e as entidades empregadoras do autor), e menos plausível a posição de mera sujeição da ré à alegada ‘exigência’ do autor.
A versão de pura ‘ameaça’ do autor apresenta-se, de resto, pouco coerente com a afirmação do legal representante da ré, prestada no decurso do seu depoimento, a instâncias da mandatária da ré sobre a razão pela qual o mesmo não comunicou ao Centro C... que o autor exigiu o pagamento da comissão: «(…) Não sabia o que ia fazer … se estivesse tudo normal até teria pago tudo até final. Foram as circunstâncias que determinaram que cessasse (…)» [os pagamentos da comissão acordada].
Resulta também do conjunto da prova produzida que os acordos invocados pelo autor como fundamento da invocada obrigação de pagamento pela ré das percentagens de 5% e de 10% referidas nos documentos descritos nos pontos 3 e 6 dos factos provados foram feitos às escondidas das entidades empregadoras para as quais o autor trabalhou, respetivamente, nas ocasiões em que os referidos acordos foram efetuados, depreendendo-se sem quaisquer dificuldades, que o acordo quanto aos aludidos pagamentos de 5% e 10% sobre as avenças recebidas pela ré por contratos celebrados com as sucessivas entidades empregadoras do autor entra em conflito com o exercício probo, isento e imparcial pelo autor das funções que lhe cabia exercer ao serviço dessas suas entidades empregadoras.
Tal emerge de forma quase chocante dos seguintes excertos do depoimento prestado pelo autor:
P (mandatário autor) – Durante esse período, nós sabemos que as empresas informaram o processo que continuaram a pagar à A.... Mas a A..., há aqui duas situações que merecem ser esclarecidas. A A... juntou aqui até um extrato de pagamentos que tinha consigo e junta aqui como pagamentos ao AA, além de uma série de recibos de pagamentos que diz que são honorários, honorários, honorários, não sei, depois juntam aqui umas faturas, umas faturas, por exemplo, de uns carros, não sei, de um carro que dizem que lhe pagaram, que esta fatura foi em nome deles mas que lhe pagaram estas faturas. O Senhor o que é que sabe? Isto tem uma data de… é de janeiro de 2019.
R (autor) – (…) naquele período como eles me pagavam por, vamos chamar, por um saco azul … então o que eles metiam …
P (mandatário autor) – Mas era por saco azul? Então não eram transferências bancárias?
R (autor) – Eram transferências bancárias mas não havia, prontos, não podia, como é que hei-de dizer … para a empresa não entrar na minha contabilidade era através de outra conta (…).
(…)
P (mandatária ré) – E tem comprovativo do que foi pago antes. Como é que foi pago antes?
R (autor) – Sim, transferências. Aliás, eu acho que também tem junto ao processo, tem mensagens de Whatsapp entre nós. O código era: Já choveu? Ainda não Choveu? Vai chover. E ele mandava mensagem quando me pagava: já choveu.
(…)
P (mandatária ré) – E a sua entidade empregadora sabia que recebia comissão?
R (autor) – Não.
[Realce e sublinhado nossos].
Sendo aqui de realçar o absolutamente eloquente total silêncio do autor quando lhe foi perguntado, pela mandatária da ré, porque é que nunca tinha comunicado à sua entidade patronal que recebia comissões pagas pela ré.
Acresce ainda o teor da comunicação enviada pelo Centro C... ao processo em 12-11-2021 (Ref.ª 30492608), com o seguinte teor: «(…) O C... celebrou contrato de trabalho a termo certo com AA conforme doc. que se junta. O trabalhador auferia o seu salário a que acrescia subsídio de alimentação. O trabalhador não tinha autorização e consequentemente não podia receber comissões dos fornecedores de mercadorias, porque lhe estava vedado fazer esse tipo de “negociatas” paralelas por forma a receber além do seu salário. O trabalhador tinha que desempenhar com zelo as suas funções, negociar e comprar as mercadorias ao melhor preço favorecendo a sua entidade empregadora, nada mais.(…)».
De todos estes meios de prova emerge, de forma clarividente, a incompatibilidade entre as funções desempenhadas pelo autor e o recebimento das comissões acordadas com a ré – dada a finalidade e objetivo de tais pagamentos.
Assiste assim razão à apelante na parte em que pretende o aditamento aos factos provados da existência de anteriores relações contratuais da ré com o Grupo B..., bem como das circunstâncias subjacentes ao surgimento do acordo das partes quanto ao pagamento/recebimento das comissões referidas nos documentos escritos dos pontos 3. e 6. dos factos provados, embora se considere – atenta a análise já acima efetuada – que os meios de prova produzidos não permitem a afirmação dos factos nos precisos termos pretendidos pela ré (sendo adiante determinados os moldes do aditamento aos factos provados, em conformidade com os meios de prova acima analisados).
1.3. Consideração oficiosa da matéria de facto alegada
Além da factualidade cujo aditamento a ré pretende obter, existe diversa outra factualidade oportunamente alegada e relevante para a decisão a proferir que, pura e simplesmente, não foi considerada na decisão recorrida.
Não só a alegação factual, inserta no art. 10.º da contestação, de que «(…) em 2017, o Autor passou a exercer funções de responsável nas compras do referido grupo (…)», como ainda a matéria de facto constante dos seguintes artigos da contestação:
17.º
Aliás, no que respeita ao Grupo “B...”, o Autor cessou funções pouco tempo depois.
18.º
Na verdade, em data em que a Ré já não consegue apurar, mas que terá ocorrido entre finais de 2017 e princípios de 2018, o Autor deixou de colaborar no referido Grupo B....
19.º
E, em inícios de 2018, iniciou o exercício de funções no Centro C..., precisamente, no departamento de compras.
20.º
Nessa data, o Autor informou a Ré que, caso pretendesse apresentar uma proposta para prestação de serviços à referida entidade, tal implicaria uma comissão sobre o valor da avença, no valor de 10%.
(…)
22.º
Insista-se que a única intervenção do Autor foi informar a Ré que trabalhava no Centro C..., e que, por essa razão, a Ré poderia aí apresentar uma proposta de prestação de serviços, desde que, novamente, lhe pagasse uma comissão.
23.º
O Autor deixou de exercer funções no Centro C... em janeiro de 2019, conforme documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido (Documento n.º 4),
Ora, o tribunal a quo considerou irrelevante para a decisão a proferir a matéria de facto incluída nos arts. 9.º, 10.º e parte do art. 11.º da contestação, e nos arts. 17.º a 19.º e 23.º da contestação, acima transcritos, razão pela qual tal matéria não foi integrada na decisão recorrida (não consta nem do elenco dos factos provados, nem do elenco dos factos não provados), como resulta do excerto da motivação da decisão recorrida em que o tribunal a quo afirmou que «(…) Inexistem outros factos provados ou não provados, essenciais ou instrumentais, que tenham sido alegados pelas partes e com relevo para a decisão da causa, considerando as várias soluções plausíveis de direito. Com efeito, o demais alegado pelas partes nos seus articulados encerra matéria puramente conclusiva, repetida e/ou de direito, razão pela qual o Tribunal não se pronuncia sobre a mesma (em sede de resposta à matéria de facto supra – factos provados e factos não provados). (…)».
Assim não o entendemos, uma vez que a factualidade alegada pela ré quanto ao facto de o autor ser, à data da celebração do acordo de 19-09-2017, funcionário do Grupo B... com o cargo/posição alegada e, à data da celebração do acordo de 04-05-2018, funcionário do Centro C... com o cargo/posição alegada, constitui matéria de facto absolutamente relevante na compreensão da causa e finalidade subjacente à celebração dos acordos e é matéria de facto essencial para o enquadramento jurídico dos referidos acordos.
Sobre tal matéria de facto, oportunamente alegada no articulado da contestação, foi produzida prova, com observância do contraditório, pelo que, atento o disposto no n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil e o disposto na al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil (interpretado a contrario), se impõe a este tribunal ad quem, quer ao abrigo da norma enunciada no n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, quer por força do disposto na al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil (interpretado a contrario), alterar a decisão de facto, de modo a incluir a parte dessa factualidade oportunamente alegada que resultou provada, bem como a factualidade instrumental e concretizadora emergente da instrução – sobre a admissibilidade da alteração oficiosa, cfr. o Ac. do STJ de 17-10-2019 (3901/15.8T8AVR.P1.S1), bem como António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 357 e 358.
Importa aqui referir que, para que a parte tenha a possibilidade de se pronunciar sobre os factos que sejam complemento ou concretização dos que tenham sido alegados, e resultem da instrução da causa (art. 5.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil), não é necessário que o juiz despache no sentido de, especial e expressamente, lhe ser dada a palavra para o efeito. Também não é forçoso que, para assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, tenha de proferir despacho sinalizando às partes a relevância de tais factos e a sua possível aquisição processual.
No caso, está-se perante matéria de facto sobre a qual se nos afigura indubitável que, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, e face aos termos da defesa da ré, deveria ter havido pronúncia, sendo que está em causa matéria sobre a qual as partes oportunamente se pronunciaram e que consideraram relevante, não só pela alegação e contraditório exercidos nos articulados, mas também pela produção de meios de prova, em sede de instrução, sobre tal matéria, assim resultando incontrovertido o reconhecimento pelas partes da sua relevância e aquisição processual.
Ora, do conjunto dos meios de prova resultou que o autor era funcionário do Grupo B... quando foi subscrito o documento datado de 19-09-2017 e era funcionário do Centro C... quando foi subscrito o documento com data de 04-05-2018.
Do doc. 4 junto com a contestação, conjugado com as declarações prestadas pelo próprio autor, resulta ainda que o autor deixou de trabalhar para o Centro C... em janeiro de 2019.
1.4. Factos a aditar – conclusão
Extraindo as necessárias consequências da análise da prova produzida (efetuada nos moldes supra explicitados) quanto ao pretendido aditamento aos factos provados da matéria indicada pela apelante [A celebração dos acordos nos termos dos Documentos n.º 1 e 2 da Petição Inicial partiu da iniciativa do Autor, sob condição de a Ré perder o negócio que já tinha com os hotéis que incorporaram o Grupo B... e impedir a viabilidade da proposta da Recorrente junto do Centro C....] e quanto à necessidade de aditamento de factos pertinentes, que foram alegados e sobres os quais foi produzida prova, mas que foram considerados irrelevantes pelo tribunal a quo [arts. 10.º, 17.º a 19.º, 22.º e 23.º da contestação], determina-se o aditamento aos factos provados da seguinte matéria de facto:
[5–B] – Em 2017 o autor passou a exercer funções de responsável de compras do referido grupo B..., visando o recebimento e pagamento de 5% referido no n.º 3. a colaboração do autor para, atentas as suas funções ao serviço do referido Grupo B..., atuar no sentido da viabilização da aprovação de proposta apresentada pela ré para prestação de serviços a todas as empresas do Grupo B..., o que permitiria à ré a manutenção das empresas que já eram suas clientes e o aumento da prestação de serviços às demais empresas do Grupo.
[5–C] – Em dezembro de 2017 o autor deixou de trabalhar para o referido Grupo B....
5–A] – Das empresas que integram o Grupo B..., a sociedade D... e as sociedades E... View Beach Club (F...) e E... (E...) eram clientes da ré desde 2016, por terem assumido a posição contratual da anterior Sociedade de K..., L.da., em contratos celebrados com a ré em 2012, prestando-lhes a ré serviços de forma regular e em regime de avença
[5- D] – Em inícios de 2018, o autor foi trabalhar para Centro C..., exercendo funções como responsável no departamento de compras.
[7–A] – Quando o autor foi trabalhar para o Centro C... informou a ré desse facto e para esta apresentar uma proposta para prestação de serviços à referida entidade, visando o recebimento e pagamento de 10% referido no n.º 6 a colaboração do autor para, no âmbito das funções exercidas ao serviço dessa sua entidade patronal, atuar no sentido da viabilização da aprovação da proposta da ré junto do Centro C....
[7–B] - O autor deixou de exercer funções no Centro C... em janeiro de 2019.
2. Alteração dos pontos 8 a 13, 14, 17 e 18 dos factos provados para não provados
Defende a apelante que não há prova produzida que suporte a factualidade considerada provada sob os pontos 8. [Nos termos dos dois referidos acordos celebrados entre A. e R., o primeiro assumiu o compromisso de promover/realizar negócios com um mercado determinado e delineado, obtendo uma contrapartida por parte da Ré.], 9. [O Autor realizou trabalhos de prospecção de angariação de clientes e encomendas para a R..], 10. [O Autor empenhou-se na promoção e angariação de vendas.], 11. [Na sequência dos acordos realizados entre A. e R., …], 12. [… A R. passou a fornecer todas as empresas (hotéis) do Grupo B... e, bem assim, o Centro C..., fornecendo-lhe equipamentos, bens e produtos de higiene,], 13. [… E cobrando-se das avenças mensais e produtos fornecidos.], 17. [A Ré apenas concluiu os negócios por intermédio da acção do Autor em estabelecer laços de confiança, de seriedade, de profissionalismo e de responsabilidade com esses clientes.] e 18. [Caso o Autor não estabelecesse os negócios que estabeleceu, a Ré não teria conseguido o volume de vendas que conseguiu e a relação comercial que conseguiu estabelecer com tais Grupos empresariais.], antes apontando os meios de prova que considera serem de sentido oposto, considerando designadamente:
– que os meios de prova dos quais resulta a existência de uma relação comercial entre a ré e as empresas que integram o Grupo B... muito anterior ao início da relação laboral entre o autor e o Grupo B... são incompatíveis com o juízo efetuado pelo tribunal recorrido de ter sido por intermédio do autor que a ré passou a fornecer os seus serviços e produtos ao referido Grupo B...;
– que, quanto ao Centro C..., dos meios de prova produzidos – e considerando a informação prestada por esta entidade ao processo através do Requerimento de 12 de novembro de 2021 e o depoimento da testemunha GG quanto à ‘proibição’ de realização de “negociatas” paralelas às funções exercidas para o recebimento de comissões’ – resulta não se poder afirmar ter havido uma verdadeira promoção e angariação de vendas pelo autor, por a sua atuação se ter limitado à informação à ré de que se encontrava a trabalhar no referido Centro e que se pretendesse apresentar uma proposta para a prestação de serviços a tal entidade, tal implicaria o pagamento de uma comissão sobre o valor da avença de 10%.
O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção quanto ao ponto 8. dos factos na «(…) prova documental coligida nos autos, sobretudo os documentos escritos datados de 19 de Setembro de 2017 e de 4 de Maio de 2018, através dos quais o Autor acordou com a R. que esta lhe pagaria as comissões de 5% e de 10% por conta das avenças acordadas entre a Ré e, respectivamente, o grupo de empresas (hotéis) do “Grupo B...” e o grupo “Centro C...”. Ou seja, os escritos que corporizam os dois contratos celebrados entre A. e R. por via dos quais esta última se obriga a pagar comissões ao primeiro e nos quais este assenta o pedido que formula nestes autos contra a segunda (isto é, os escritos em que o A. assenta a causa de pedir)».
Dos referidos documentos apenas resulta o que foi feito constar dos pontos 3. e 6. dos factos provados, deles não emergindo a assunção pelo autor do «(…) compromisso de promover/realizar negócios com um mercado determinado e delineado, obtendo uma contrapartida por parte da Ré.», que é o que foi considerado provado no ponto 8. dos factos provados, pelo que a motivação indicada pelo tribunal recorrido não suporta a prova da matéria de facto aí considerada provada.
Quanto à matéria vertida nos pontos 9. a 13. e 17. e 18. dos factos provados, o tribunal recorrido fundamentou esta sua decisão nos seguintes termos:
«(…) No que respeita à demonstração da matéria factual levada aos pontos n.ºs 9 a 13 e 16 a 18, atinente à realização do trabalho de angariação de clientes e encomendas para a R., ao empenho que o mesmo emprestou para a angariação de vendas para a Ré, na sequência dos acordos estabelecidos, e de que resultou ter a R. passado a fornecer todas as empresas (hotéis) do Grupo B... e, bem assim, o Centro C..., fornecendo-lhe equipamentos, bens e produtos de higiene, e, por isso, se cobrando das avenças mensais e produtos fornecidos, interessaram os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas na audiência final, concretamente - II, conhecido do A. que trabalhava no Grupo B... como chefe de compras; GG, chefe de manutenção e das compras do Centro C..., desde 2012; e BB, ex-administrador da empresa “G...” – em conjugação e análise crítica com o declarado pelas próprias partes, em declarações de parte, e, sobretudo, com o teor do email de 5 de Fevereiro de 2018, junto aos autos com o requerimento de 17-2-2023, confirmado (o seu teor) pelo representante legal da R. dado ser da sua elaboração, e com o qual foi a última das identificadas testemunhas confrontada, assentindo esta (a testemunha BB) ter ajudado a preparação deste email.
O mesmo refere-se expressamente, entre o mais, ao “Acordo que negociamos com o Sr. FF e Sr. AA em reunião em 5 de Abril de 2017. Na negociação em geral participaram inúmeras pessoas do grupo, com que fomos debatendo diferentes assuntos: Mr. FF; Mr AA; (...).”. Consta ainda expressamente declarado no email vindo de acompanhar que “Ficaram de nos enviar (Sr. AA) dados dos consumes das diferentes unidades (2016 e 2017) para que mais facilmente nos fosse possível fazer as estimativas de gasto. (...)”.
Assim, de todos os elencados elementos probatórios, analisados em recíproco cotejo concetanado e com apela às regras da experiência comum e normal suceder, resultou que a Ré apenas logrou concluiu os negócios por intermédio da acção do Autor, e, caso o Autor não estabelecesse os negócios que estabeleceu, a Ré não teria conseguido o volume de vendas que conseguiu, nem a relação comercial que conseguiu estabelecer com tais Grupos empresariais.
Por tal ordem de razões foi dada uma resposta positiva aos factos levados à indicada matéria de facto provada (9 a 13 e 16 a 18). (…)».
Vejamos.
Do depoimento da testemunha II resultou que o mesmo começou a trabalhar para o Grupo B... (B...) em 2017, tendo o mesmo dito que “trabalhava na logística, requisições, distribuía os produtos pelos 5 hotéis do grupo” e, quando questionado sobre o que o autor fazia, respondeu que o autor “era o chefe de compras”. Por conseguinte, esta testemunha não era “um conhecido do A. que trabalhava no Grupo B... como chefe de compras” – como foi referido pelo tribunal recorrido na motivação da decisão de facto –, mas sim um colega de trabalho do autor que exercia funções na logística, requisições, distribuindo os produtos pelos 5 hotéis (esta testemunha, no seu depoimento, referiu que, no início, o papel higiénico e os produtos químicos eram da P... e que depois de autor e ré se conhecerem deixou de trazer papel da P..., tendo passado a ré a fornecer), quando o autor exerceu o cargo de chefe de compras no Grupo B....
O depoimento desta testemunha foi consentâneo e corroborou a convicção deste tribunal ad quem formada nos termos da análise dos meios de prova acima efetuada no âmbito da decisão de aditamento aos factos provados (ver supra 1.2. a 1.4.), ou seja, de que as comissões foram acordadas, pagas e recebidas pelo autor apenas por causa do cargo e funções exercidas pelo mesmo como chefe de compra, primeiro, ao serviço do Grupo B..., e depois no Centro C..., dada a possibilidade/poder do mesmo, decorrente dessas suas funções, para influenciar/intervir na decisão referente à aprovação das propostas apresentadas pela ré para a prestação de serviços às referidas entidades empregadoras do autor.
Veja-se o seguinte excerto do depoimento prestado por esta testemunha:
P – Nas suas funções deve ter-se apercebido que o Sr. AA tinha capacidade, o poder para escolher fornecedores e decidir quais eram as melhores propostas ou não?
R – Sim, sim. O sr. AA (ininteligível) mostrar propostas aos patrões, havia lá umas reuniões
P – Naturalmente que não decidia sozinha.
R – Sim. (…) Muito à frente já conseguiu introduzi-los a nível desses produtos químicos e papel higiénico. (…)
P – Sabe de algum acordo que o Sr. AA terá feito com esta empresa sobre comissões?
R – (…) Consegui aqui uma comissão de. 5% (…) Conseguiste metê-los cá dentro. (…)
P – Sabe como é que isto evoluiu?
R – Em fevereiro até meados de junho de 2017 recebi uma proposta de um hotel com melhores condições, optei e fui-me embora. Mas mantive a amizade com o Sr. AA. Muitas vezes íamos beber café. Foi aí que tive conhecimento mais tarde dos negócios que ele tinha feito.
(…)
P – Depois do trabalhar para o Grupo B... foi trabalhar para outra empresa?
R – Ele disse que ia para lá. Depois disse-me – vou ver se os consigo meter lá. E parece que conseguiu. (…)».
Quanto à testemunha GG, o tribunal recorrido refere na motivação da decisão que o mesmo era o “chefe de manutenção e das compras do Centro C..., desde 2012”. Não é assim. Esta testemunha – como resultou do seu depoimento – só ocupou tal cargo de chefe de manutenção e das compras do Centro C... após a saída do autor, tendo ido substituí-lo. E do seu depoimento, mais uma vez, resulta a corroboração da convicção formada por este coletivo nos moldes supra referidos.
Por fim, o tribunal recorrido indica como elemento fundamental na formação da sua convicção “o teor do email de 5 de Fevereiro de 2018”. A análise probatória do texto deste e-mail efetuada pelo tribunal recorrido desconsidera totalmente que a intervenção do autor nas negociações a que o e-mail faz referência ocorreu na qualidade de funcionário do Grupo B..., atendendo ao seu cargo de Chefe de Compras no referido Grupo, e não como intermediário entre a ré e o referido Grupo B..., como parece pressupor o tribunal recorrido (veja-se que o tribunal recorrido considerou – erradamente – que o chefe de compras do Grupo B... era a testemunha II, conhecido do autor) para poder concluir pela atuação do autor como intermediário na concretização dos negócios estabelecidos entre a ré e o Grupo B....
Nem o próprio autor, nas suas declarações, trouxe qualquer aporte probatório à matéria que o tribunal recorrido considerou provada nestes pontos 8. a 10. e 17. e 18., como – além das suas já acima referidas confrangedoras declarações sobre a forma de pagamento das comissões – se retira da sua resposta à seguinte questão, efetuada pela mandatária da ré:
P (mandatária ré) – E entretanto foi celebrado um acordo entre si e a A... (…) A que título é que foi exatamente esse acordo celebrado?
R (autor) – Esse título foi acordo para começando a trabalhar começar a pagar comissões e depois como eles queriam vender mais produtos, o Sr. EE disse ….
Existe, pois, erro no julgamento do tribunal recorrido quanto à inclusão nos factos provados da matéria vertida nos referidos pontos 8. a 10. e 17. e 18..
As comissões acordadas tiveram a finalidade e objetivo já referidos no aditamento aos factos provados determinado nos acima referidos pontos [5–B] [Em 2017 o autor passou a exercer funções de responsável de compras do referido grupo B..., visando o recebimento e pagamento de 5% referido no n.º 3. a colaboração do autor para, atentas as suas funções ao serviço do referido Grupo B..., atuar no sentido da viabilização da aprovação de proposta apresentada pela ré para prestação de serviços a todas as empresas do Grupo B..., o que permitiria à ré a manutenção das empresas que já eram suas clientes e o aumento da prestação de serviços às demais empresas do Grupo.] e [7–A] [Quando o autor foi trabalhar para o Centro C... informou a ré desse facto e para esta apresentar uma proposta para prestação de serviços à referida entidade, visando o recebimento e pagamento de 10% referido no n.º 6 a colaboração do autor para, no âmbito das funções exercidas ao serviço dessa sua entidade patronal, atuar no sentido da viabilização da aprovação da proposta da ré junto do Centro C....].
Já quanto aos pontos 11. a 13. dos factos provados resultou do conjunto dos meios de prova que, efetuados os referidos acordos com o autor, com os objetivos e finalidades referidos nos transcritos factos aditados, a ré logrou celebrar com o Grupo B... contrato para o fornecimento de bens e serviços para todos os hotéis (atenta a aprovação da proposta por si apresentada) e também (atenta igualmente a aprovação da proposta apresentada a esta entidade) celebrou contratos de fornecimento de bens e serviços com o Centro C....
Assim, os meios de prova produzidos suportam a aludida matéria de facto, embora devendo ser precisada a causalidade entre os acordos celebrados e a relação comercial/contratual estabelecida entre a ré e as entidades empregadoras do autor, nos seguintes moldes:
11. Na sequência dos acordos referidos em 3. e 5-B e em 6. e 7-A.,
12. … A R. logrou obter a aprovação das propostas apresentadas, respetivamente, ao Grupo B... e ao Centro C..., passando a fornecer todas as empresas (hotéis) do Grupo B... e, bem assim, o Centro C..., fornecendo-lhe equipamentos, bens e produtos de higiene,
13. … E cobrando-se das avenças mensais e produtos fornecidos.
Procede parcialmente a impugnação, devendo ser eliminados dos factos provados os referidos pontos 8. a 10. e 17. e 18., por total falta de prova da referida matéria (da prova produzida o que resulta é a matéria de facto aditada acima referida), e alterando-se os pontos 11. e 12. nos termos referidos.
3. Alteração dos pontos 5, 7 e 16 dos factos provados.
Pretende a apelante a alteração:
- do ponto 5. dos factos provados [O acordo perdurou por três anos, isto é, até 19 de setembro de 2020.] para “5. O acordo perdurou até ao final de março de 2018”;
- do ponto 7. dos factos provados [Este acordo manteve-se em vigor (pelo prazo de 4 anos) até 4 de maio de 2022.] para “7. O acordo perdurou até ao final de dezembro de 2019”.
Para sustentar tal alteração defende a apelante que dos depoimentos prestados pelo legal representante da ré e pela testemunha BB resulta que o autor, verbalmente, aceitou a cessação do pagamento das comissões referidas no documento de 19-09-2017 a partir de março de 2018 e das comissões referidas no documento de 04-05-2018 a partir de dezembro de 2019.
Alega ainda que a factualidade envolvente – a diminuição da avença mensal dos contratos celebrados com o Grupo B..., na sequência da comunicação efetuada em fevereiro de 2018 por este Grupo, após a saída do autor ocorrida em dezembro de 2017, para colocar termo aos mesmos; a ulterior celebração do acordo de 5 de maio de 2018, sendo os 10% aí referidos para compensar a cessação do pagamento de 5% do acordo de 19 de setembro de 2017; o facto de, no final de 2019, a A... encontrar-se a negociar a venda da sua carteira de clientes à sociedade H... (que já havia adquirido a sociedade G... em 2018), o que tornou necessária a cessação do referido acordo – torna verosímil tal aceitação pelo autor da cessação dos pagamentos.
Invoca jurisprudência para suportar a admissibilidade da prova testemunhal quanto ao invocado acordo verbal de cessação dos acordos de pagamento de comissão nas datas indicadas, face às restrições decorrentes do regime previsto no art. 395.º do Cód. Civil.
Os documentos referidos em 3. e 6. constituem documentos escritos particulares subscritos pela ré (arts. 362.º, 363.º, n.º 1 e 373.º e 374.º, todos do Cód. Civil) que possuem a força probatória decorrente do disposto no art. 376.º do Cód. Civil.
Assim, do documento datado de 19-09-2017 resulta que a ré se obrigou a pagar ao autor a 5% do valor das avenças mensais que cobra ao “Grupo B...” enquanto o autor prestar serviços para esse mesmo Grupo, ou no limite pelo prazo de 3 anos, se o autor se for embora, resultando do documento datado de 04-05-2018 a assunção pela ré da obrigação de pagar ao autor 10% do valor das avenças mensais que cobra ao referido grupo e enquanto o autor prestar serviços para esse mesmo grupo ou no limite pelo prazo de 4 anos, se este se for embora.
O que o tribunal recorrido considerou provado nos pontos 5. e 7. é o prazo de duração da obrigação declarada nos referidos documentos, referentes ao limite de 3 anos e de 4 anos aí previstos para as hipóteses – verificadas – da cessação do trabalho prestado pelo autor (para o Grupo B... em dezembro de 2017 e para Centro C... em Janeiro de 2019 – como resulta dos aditamentos à matéria de facto) – inserindo na factualidade provada que os contratos duraram pelo período acordado.
As alterações pretendidas pela apelante integram uma conclusão a retirar da seguinte factualidade, que a mesma defende emergir da prova produzida: o autor aceitou verbalmente a cessação do pagamento pela ré da comissões referidas no documento de 19-09-2027 a partir do final do mês de março de 2018 e do pagamento das comissões referidas no documentos de 04-05-2018 a partir do final de dezembro de 2019.
Atenta a forma escrita dos documentos em causa, para a prova da factualidade alegada – acordo verbal de cessação da obrigação de pagamento assumida/declarada pela ré nos referidos documentos escritos – não é admissível a prova testemunhal do alegado ulterior acordo verbal de cessação dos referidos pagamentos das comissões, por força do regime previsto no art. 394.º, n.º 1, do Cód. Civil, uma vez que, no caso, não existe qualquer indício de prova documental desse acordo posterior de cessação antecipada dos pagamentos acordados. Com efeito, a jurisprudência prevalecente da interpretação restritiva do disposto no art. 394.º, n.º 1, do Cód. Civil, quanto à admissibilidade de prova testemunhal, pressupõe a existência de um princípio de prova documental, admitindo-se nesse caso, como meio complementar desse início de prova documental, a produção de prova testemunhal e por presunções judiciais – cfr. Ac. do STJ de 10-04-2024, proc. n.º 3176/19.0T8GMR.G2.S1. Conforme é referido no Ac. do TRC de 21-11-2023, proc. 229/20.5T8SPS.C1, «(…) A prova da existência (…) [de] acordo verbal [de alteração de contrato que as partes reduziram a escrito], só poderá ser efetuada mediante o recurso à prova testemunhal, nos casos em que é permitida a prova testemunhal para a prova das convenções contrárias ou adicionais às estipuladas num contrato ou seja, quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita; e, em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova.».
Não se verificando, no caso, qualquer destas situações, não é admissível a prova testemunhal emergente do depoimento prestado pela testemunha BB neste âmbito.
Restam as declarações do legal representante da ré, divergentes das declarações prestadas pelo autor.
Concluímos, deste modo, pelo indeferimento da pretendida alteração dos pontos 5. e 7. dos factos provados.
Pretende ainda apelante a alteração do ponto 16. dos factos provados [A ré não detinha conhecimentos comerciais com o “Grupo B...”, nem com o “Centro C...”.] para “16. A Ré não detinha conhecimentos comerciais com o “Centro C...”.», indicando como meios de prova os documentos 1. a 3-A juntos com a contestação, conjugados com o depoimento prestado pelo legal representante da ré, de onde resulta que o Grupo B... já era cliente da ré desde 2012.
Já acima se analisaram e referiram os meios de prova produzidos de onde resulta a matéria de facto aditada sob o ponto 5-A, impondo tais meios de prova o deferimento – em coerência e consonância com tal matéria de facto – da alteração pretendida pela apelante nos moldes requeridos.
4. Pontos 20 e 22 dos factos provados – eliminação ou, subsidiariamente, alteração
Defende a apelante a eliminação dos pontos 20. [Desses valores cobrados, o autor deveria receber, nos termos acordados, 5% a título de “comissões” – correspondente a um total de € 22.344,82 (vinte e dois mil novecentos, trezentos e quarenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).] e 22. [Desses valores cobrados, o autor deveria receber, nos termos acordados, 10% a título de “comissões” – correspondente a um total de € 16.203,75 (dezasseis mil, duzentos e três euros, e setenta e cinco cêntimos).] dos factos provados por ser matéria conclusiva; subsidiariamente, defende a sua alteração nos seguintes termos:
20. Desses valores cobrados, o Autor deveria receber, nos termos acordados, 5% a título de “comissões” – correspondente a um total de EUR 2.838,06
22. Desses valores cobrados, o Autor deveria receber, nos termos acordados, 10% a título de “comissões” – correspondente a um total de EUR 3.717,18.
Atento o disposto no art. 607.º, n.º 4 e n.º 5, do Cód. Proc. Civil, na sentença o juiz declara os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
Factos são «(…) acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, não obstando, por conseguinte, que se considere, como realidades suscetíveis de averiguação e demonstração, as ocorrências virtuais ou factos hipotéticos quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio (…)»[2]”.
O desaparecimento no atual Cód. Proc. Civil do art. 646.º, n.º 4, do anterior Cód. Proc. Civil de 95/96 – que dispunha que “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” – deveu-se unicamente à expressa consagração, na reforma de 2013, do fim do tribunal de estrutura coletiva nos julgamentos em sede de primeira instância (que já praticamente não operava, desde a alteração legislativa do DL n.º 183/2000, de 10 de agosto); dessa eliminação não se retira qualquer alteração quanto ao que pode e deve integrar a decisão de facto, nem quanto à inadmissibilidade de inclusão na decisão da matéria de facto da sentença de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
Assim, mantém-se no atual Código de Processo Civil a inadmissibilidade de inclusão na decisão de facto de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito, quando “(…) um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado. (…)” [3].
É precisamente este o caso dos pontos 20. e 22. dos factos provados.
O valor ‘devido’ nos termos dos acordos celebrados é uma conclusão a extrair de factos; os factos é que têm que constar da factualidade apurada; o que foi integrado nos referidos pontos 20. e 22. dos factos provados foi o juízo a extrair da análise dos factos, integrando o vertido nos referidos pontos 20. e 22. afirmações conclusivas que, inclusive, pressupõem a prévia fixação do sentido e alcance do texto constante dos documentos referidos nos pontos 3. e 6. dos factos provados, o que implica o recurso às regras de interpretação da declaração negocial (arts. 236.º a 238.º do Cód. Civil), pelo que se está claramente no âmbito de uma conclusão que pressupõe a prévia subsunção jurídica dos factos ao direito.
Procede, pois, a impugnação da apelante, determinando-se a eliminação dos referidos pontos 20. e 22. dos factos provados.
A matéria de facto que foi incluída na decisão de facto com relevância para a retirada da conclusão sobre o valor que o autor tem direito a receber – que foi o que o tribunal recorrido integrou nos pontos 20. e 22. dos factos provados – é a que consta dos pontos 19. e 21. dos factos provados.
Tal matéria de facto é, no entanto, insuficiente considerando quer as posições assumidas pelas partes, quer os termos e resultado da instrução da causa quanto à factualidade controvertida que foi sujeita a prova.
Com efeito, a matéria de facto relevante e que foi objeto de prova em sede de instrução – designadamente, da prova pericial realizada – é a matéria referente aos valores pagos pelo Grupo B... e pelo Centro C... à ré, referente às avenças estipuladas como contrapartida da prestação de serviços e fornecimentos de bens efetuados pela ré a tais entidades, e o valor das vendas extra avença, considerando os períodos alegados pelas partes nos respetivos articulados relativamente aos períodos de duração/vigência dos acordos invocados pelo autor como fundamento do pedido deduzido na ação.
Tal resulta claramente das posições assumidas pelas partes nos articulados e da subsequente tramitação do processo: tanto assim que foi determinada, em sede de instrução, a realização de perícia para «(…) apurar, por referência a toda a documentação - extratos remetidos aos autos pelas empresas pertencentes ao Grupo B... (…) e, bem assim, do Centro C..., e por referência aos períodos de faturação indicados nos autos (19/09/2017 a 19/09/2020 relativamente ao Grupo B... e 04/05/2018 a 04/05/2022 relativamente ao Centro C...), o valor da faturação e pagamentos efetuados pelas aludidas firmas por fornecimentos da Ré A... (…); / apurar (i) Qual o valor total das avenças pagas por cada uma das sociedades do Grupo B... sem IVA no período compreendido entre 19 de setembro de 2017 e 19 de setembro de 2020?; (ii) Qual o valor total dos extras pagos por cada uma das sociedades do Grupo B... sem IVA no período compreendido entre 19 de setembro de 2017 e 19 de setembro de 2020?; (iii) Qual o valor total das avenças pagas por cada uma das sociedades do Grupo B... sem IVA no período compreendido entre 19 de Setembro de 2017 e final de Dezembro de 2019?; (iv) Qual o valor total dos extras pagos por cada uma das sociedades do Grupo B... sem IVA no período compreendido entre 19 de Setembro de 2017 e final de Dezembro de 2019? (v) Qual o valor total das avenças pagas pelo Centro C..., sem IVA, no período compreendido entre 04 de Maio de 2018 e 04 de Maio de 2022?; (vi) Qual o valor total dos extras pagos pelo Centro C..., sem IVA, no período compreendido entre 04 de Maio de 2018 e 04 de Maio de 2022?; (vii) Qual o valor total das avenças pagas pelo Centro C..., sem IVA, no período compreendido entre 04 de maio de 2018 e final de Dezembro de 2019?; e (viii) Qual o valor total dos extras pagos pelo Centro C..., sem IVA, no período compreendido entre 04 de Maio de 2018 e final de Dezembro de 2019? (…)» – despacho de fixação (final) do objeto da perícia proferido em 30-06-2023, ref. 449774770.
A factualidade relevante e que foi sujeita a produção de prova é a que integra o objeto da perícia determinada – que, como o Sr. Perito referiu nos esclarecimentos solicitados e prestados em audiência de discussão e julgamento, foi realizada com base na documentação apresentada e analisada, pelo que tal meio de prova prevalece sobre as meras comunicações/informações dos valores pagos enviadas ao processo pelo Grupo B... e pelo Centro C....
De tal prova pericial, com o referido objeto, que foi realizada – relatório pericial datado de 26/10/2023, junto aos autos em 27/10/2023, ref. 37093529 –, resulta provada a seguinte matéria de facto relevante para a determinação do valor das comissões previstas/decorrentes do estipulado nos documentos datado de 19-09-2017 e de 04-05-2018:
– De 19 de setembro de 2017 a 19 de setembro de 2020:
a) foram faturadas pela ré ao Grupo B... avenças, sem IVA, num total de € 385 242,53;
b) foram pagas pelo Grupo B... à ré avenças, sem IVA, num total de € 369 818,86;
c) foram faturadas pela ré ao Grupo B... vendas de mercadorias extras num total de € 61 653,91;
d) foram pagas pelo Grupo B... à ré vendas de mercadorias extra, sem IVA, num total de € 56 439,77.
– No período compreendido entre 19 de setembro de 2017 e final de dezembro de 2019, os valores acima referidos foram os seguintes:
a) avenças, sem IVA, faturadas pela ré ao Grupo B...: € 341 747,38;
b) avenças, sem IVA, pagas pelo Grupo B... à ré: € 337 518,70;
c) extras, sem IVA, faturadas pela ré ao Grupo B...: € 56 201,26;
d) extras, sem IVA, pagos pelo Grupo B... à ré: € 53 944,71.
– De 4 de maio de 2018 a 4 de maio de 2022:
a) foram faturadas pela ré ao Centro C... avenças, sem IVA, no valor de € 148.106,78;
b) foram pagas pelo Centro C... à ré avenças, sem IVA, num total de € 148.106,78;
c) foram faturadas pela ré ao Centro C... vendas de mercadorias extras num total de € 4.321,28;
d) foram pagas pelo Centro C... à ré vendas de mercadorias extra, sem IVA, num total de € 4.321,28.
– No período compreendido entre 4 de maio de 2018 e final de dezembro de 2019, os valores acima referidos foram os seguintes:
a) avenças, sem IVA, faturadas pela ré ao Centro C...: € 69.674,39;
b) avenças, sem IVA, pagas pelo Centro C... à ré: € 61.441,42;
c) extras, sem IVA, faturadas pela ré ao Centro C...: € 3.717,18;
d) extras, sem IVA, pagos pelo Centro C... à ré: € 3.717,18.
Impõe-se, asssim, a alteração oficiosa – ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil (e al. c) do n.º 2 do art. 662.º do CPC, a contrario) – dos pontos 19. e 21. dos factos provados, nos seguintes termos:
19. De 19 de setembro de 2017 a 19 de setembro de 2020:
a) foram faturadas pela ré ao Grupo B... avenças, sem IVA, num total de € 385 242,53;
b) foram pagas pelo Grupo B... à ré avenças, sem IVA, num total de € 369 818,86;
c) foram faturadas pela ré ao Grupo B... vendas de mercadorias extras num total de € 61 653,91;
d) foram pagas pelo Grupo B... à ré vendas de mercadorias extra, sem IVA, num total de € 56 439,77.
19 – A. No período compreendido entre 19 de setembro de 2017 e final de dezembro de 2019, os valores acima referidos foram os seguintes:
a) avenças, sem IVA, faturadas pela ré ao Grupo B...: € 341 747,38;
b) avenças, sem IVA, pagas pelo Grupo B... à ré: € 337 518,70;
c) extras, sem IVA, faturadas pela ré ao Grupo B...: € 56 201,26;
d) extras, sem IVA, pagos pelo Grupo B... à ré: € 53 944,71.
21. De 4 de maio de 2018 a 4 de maio de 2022:
a) foram faturadas pela ré ao Centro C... avenças, sem IVA, no valor de € 148.106,78;
b) foram pagas pelo Centro C... à ré avenças, sem IVA, num total de € 148.106,78;
c) foram faturadas pela ré ao Centro C... vendas de mercadorias extras num total de € 4.321,28;
d) foram pagas pelo Centro C... à ré vendas de mercadorias extra, sem IVA, num total de € 4.321,28.
21 – A. No período compreendido entre 4 de maio de 2018 e final de dezembro de 2019, os valores acima referidos foram os seguintes:
a) avenças, sem IVA, faturadas pela ré ao Centro C...: € 69.674,39;
b) avenças, sem IVA, pagas pelo Centro C... à ré: € 61.441,42;
c) extras, sem IVA, faturadas pela ré ao Centro C...: € 3.717,18;
d) extras, sem IVA, pagos pelo Centro C... à ré: € 3.717,18.
5. Alteração do ponto 23. dos factos provados
Pretende ainda a apelante a alteração do ponto 23. dos factos provados [O A. já recebeu da R. a quantia de € 7.466,21 (sete mil, quatrocentos e sessenta e seis euros, e vinte e um cêntimos) por conta do valor das “comissões” antes referidas nos pontos 19 a 22.] para “23. A Ré pagou, a título de comissões, o montante total de EUR 11.069,30”.
Indica como meios de prova que impõem tal alteração os documentos 5A a 5C juntos com a Contestação e os Documentos n.º 1 a 4 juntos com o Requerimento de 16 de fevereiro de 2023 (referência Citius 44749956) que, no seu entender, comprovam pagamentos feitos por parte da Recorrente ao Recorrido – no valor de € 9.393,14 – e os pagamentos de determinados serviços utilizados pelo Recorrido, ascendendo tais despesas suportadas pela ré € 1.463,99.
O autor defendeu na petição inicial que o valor das comissões que, por força dos documentos datados de 19-09-2017 e de 04-04-2018, a ré se encontrava obrigada a pagar, face aos valores que alegou terem sido pagos à ré pelo Grupo B... e pelo Centro C..., ascendia a € 45.643,98, e que, tendo a ré na data da propositura da ação efetuado o pagamento de € 4.624,61, permanecia em dívida o montante de € 41.019,37 (arts. 20.º a 27.º da petição inicial).
A ré, no art. 40.º da contestação, impugnou que apenas tivesse pago ao autor tal quantia, alegando que “pagou, no total, ao Autor a quantia de € 11.069,16, conforme resulta” do doc. 5 que juntou com a contestação.
Na resposta apresentada pelo autor à contestação em 28-06-2021, alegou este, no que aqui releva, o seguinte:
“31º
Considerando os pagamentos feitos no ano de 2018 (3.349,39), que o A. não tinha considerado aquando da apresentação da PI, e os pagamentos feitos em 2019 e 2020, o A. recebeu um total de € 8.743,85, sendo certo que (tal como consta dos docs. juntos pela R.) os valores de € 491,83 e € 1036,66 se referem exclusivamente a IVA que não estava contemplado no acordo.
Assim,
32º
O total recebido a título de comissões foi de € 7.315,36 e não o referido na PI.
33º
O A. não aceita que o valor da factura emitida pela Q... emitida a favor da R. no valor de € 161,00, seja considerada como um pagamento ao A.
34º
O A. também não pode aceitar que o valor do telemóvel que lhe foi oferecido pela R. e que, alegadamente, foi adquirido pela R. a coberto da factura junta com a contestação, no valor de € 1.049,99, possa ser considerado como um pagamento de comissão ou comparticipação nas vendas. (…)”.
Ulteriormente a ré, por requerimento de 16-02-2023 (ref. 34793013), alegando que se apercebeu, na preparação do julgamento, que “além dos pagamentos efetuados ao Autor e já juntos aos autos, procedeu a mesma a ainda mais pagamentos” – despesas com aluguer de uma viatura pelo autor que ascendem a € 253,00 –, requereu a junção aos autos dos documentos 1 a 4 (faturas-recibos e comprovativos de pagamento), tendo o autor, para o que aqui releva, impugnado tais documentos (requerimento de 28-02-2023, ref. 34894280).
Na pendência do julgamento o autor, no âmbito de requerimento de ampliação (e concretização do pedido), alegou – no que aqui releva – que “reconheceu que já recebeu a quantia de € 7.466,21.”, reiterando a ré a anterior alegação de que o autor já recebeu € 11.069,30 – ata de julgamento de 14 de março 2024, ref. 458117827.
O tribunal recorrido fundamentou a decisão quanto ao ponto 23. dos factos provados «(…) no reconhecimento do A. - de ter recebido da R. a quantia de € 7.466,21 (sete mil, quatrocentos e sessenta e seis euros, e vinte e um cêntimos) por conta do valor das “comissões” reclamadas nestes auto.».
Dos documentos 5 (Doc. 5-A, 5-B e 5-C) juntos com a contestação resulta o seguinte:
1.º) – O Doc. 5-A integra documentos comprovativos de transferências bancárias de conta da ré para conta titulada pelo autor realizadas entre 31-01-2018 e 31-12-2018 que perfazem o total de € 3.349,39 – sendo que o autor expressamente aceitou tais pagamentos no art. 31.º da sua resposta à contestação.
Da análise do Extrato de Conta de Conferência da A... – identificando esse documento a conta em causa como sendo conta do autor – consta o registo dessas transferências (num total de € 3.349,39 identificados como ‘Pagamento’ e ‘Transferência bancária’) sob a coluna “Débito”. E desse mesmo Extrato consta o registo dos valores de € 161,00 (correspondente à fatura- recibo n.º ...80, junta igualmente pela ré, referente ao alegado pagamento de despesas do autor com aluguer de viatura) e de € 1.049,99 (correspondente à fatura n.º ... de 12-11-2018 respeitante à aquisição de um telemóvel, igualmente junta) sob a coluna “Crédito” (como despesas), sendo o saldo desse extrato de € 2.138,40.
A primeira folha do Doc. 5-A junta pela ré é uma fatura – Ato Isolado – emitida pelo autor a favor da ré com data de emissão de 08/01/2019, da qual consta como Data da Transmissão ou da Prestação de Serviços “31/12/2018” e como valor-base precisamente o montante de €2.138,40 (acrescido de IVA de € 491,83, num total de € 2.630,23).
Estes documentos afastam a tese da autora de consideração do valor das ‘despesas’ de €161,00 (aluguer de automóvel) e de €1.049,99 como constituindo valores a somar ao valor de € 3.349,39.
Dos referidos documentos o que resulta é que este valor de €3.349,39, que foi transferido para o autor – como este expressamente aceitou – engloba o montante de € 2.138,40 (que atenta a emissão pelo autor da Fatura – Ato Isolado de 08-01-2019 constitui rendimento declarado como recebido pelo autor e pago pela ré, sujeito a IVA) e ainda o pagamento pela ré das aludidas despesas de € 161,00 e de €1.049,99 (€ 2.138,40 + € 161,00 + € 1.049,99 = € 3.349,39).
2.º) – O Doc. 5-B integra comprovativos de 9 transferências bancárias (da ré para o autor) realizadas em 2019 e descritas como ‘honorários’ – que perfazem um total de € 4.624,61 – e de uma transferência bancária, igualmente realizada pela ré para o autor, realizada em 21-01-2019, no valor de € 491,83, constando da Descrição: “Fat.AtoIsolado – IVA”.
3.º) – O Doc. 5-C integra 2 comprovativos de transferências bancárias realizadas em 2020: uma transferência datada de 01-10-2020, no valor de € 1.063,66, constando do descritivo “IVA – AA”, e uma transferência datada 3 de fevereiro de 2020, no montante de € 329,32, constando do descritivo “Honorários”.
Desta prova documental junta aos autos e face às posições das partes, há prova documental inequívoca – consistente nos comprovativos das transferências bancárias com a descrição ‘Honorários’ juntos como partes integrantes dos Doc. 5-A, 5-B e 5-C – de que a ré efetuou transferências bancárias para o autor, para pagamento das ‘comissões’ acordadas (honorários) que perfazem o valor de € 8.303,32 (€ 3.349,39 + 4.624,61 + € 329,32).
E tão só.
A demais prova documental invocada pela apelante é claramente insuficiente para se poder considerar documentalmente provados outros pagamentos ao autor destinados ao cumprimento dos pagamentos referidos nos documentos datados de 19-09-2017 e de 04-05-2018.
23. O autor já recebeu da ré a quantia de € 8.303,32 por conta do valor das “comissões” a que é feita referência nos documentos referidos em 3. e 6. dos factos provados.
6. Conclusão sobre a impugnação da decisão de facto e de conhecimento oficioso
Cumpre agora extrair as necessárias consequências da prova analisada, tendo por referência os factos relativamente aos quais a impugnação foi julgada procedente e as alterações oficiosas aos factos provados necessárias a garantir a coerência global do julgamento respeitante à matéria de facto controvertida.
Para o efeito, voltamos a enunciar os fundamentos de facto da causa, agora já integrados pelas alterações emergentes da procedência parcial da impugnação de facto e das alterações oficiosas, sendo a seguinte a factualidade a considerar para efeitos da subsequente subsunção jurídica dos factos:
Fundamentação de facto – factos provados
1. As partes
1 – O autor desde há vários anos que desempenha funções comerciais e gestão de compras, nomeadamente na indústria hoteleira.
2 – A ré é uma empresa que comercializa produtos de higienização.
2. Grupo B...
3 – A ré, através de documento escrito datado de 19 de setembro de 2017, acordou com o autor que lhe pagaria o montante correspondente a 5% do valor das avenças mensais que cobraria ao grupo de empresas denominado “Grupo B...”, enquanto o autor prestasse serviços para esse mesmo Grupo empresarial, ou no limite pelo prazo de 3 anos, se o autor se fosse embora.
4 – Por “Grupo B...” queriam autor e ré referir-se às seguintes cinco empresas (sociedades): “I...”, “J...”, E... View Beach Club (“F...”), “D...” e “E...” (“E...”).
5 – O acordo perdurou por três anos, isto é, até 19 de setembro de 2020.
6 – Das empresas que integram o Grupo B..., a sociedade D... e as sociedades E... View Beach Club (F...) e E... (E...) eram clientes da ré desde 2016, por terem assumido a posição contratual da anterior Sociedade de K..., L.da., em contratos celebrados com a ré em 2012, prestando-lhes a ré serviços de forma regular e em regime de avença.
7 – Em 2017 o autor passou a exercer funções de responsável de compras do referido grupo B..., visando o recebimento e pagamento de 5% referido no n.º 3. a colaboração do autor para, atentas as suas funções ao serviço do referido Grupo B..., atuar no sentido da viabilização da aprovação de proposta apresentada pela ré para prestação de serviços a todas as empresas do Grupo B..., o que permitiria à ré a manutenção das empresas que já eram suas clientes e o aumento da prestação de serviços às demais empresas do Grupo.
8 – Em dezembro de 2017 o autor deixou de trabalhar para o referido Grupo B....
3. Centro C...
9 – Em inícios de 2018, o autor foi trabalhar para Centro C..., exercendo funções como responsável do departamento de compras.
10 – Por acordo escrito com data de 4 de Maio de 2018, autor e ré estabeleceram outro acordo, onde aquela se comprometeu a pagar ao autor o montante correspondente a 10% do valor das avenças mensais que cobraria ao “Centro C...”, enquanto o autor prestasse serviços para o Grupo ou, no limite, pelo prazo de 4 anos, se o Autor se fosse embora.
11 – Este acordo manteve-se em vigor (pelo prazo de 4 anos) até 4 de maio de 2022.
12 – Quando o autor foi trabalhar para o Centro C... informou a ré desse facto e para esta apresentar uma proposta para prestação de serviços à referida entidade, visando o recebimento e pagamento de 10% referido no n.º 10. a colaboração do autor para, no âmbito das funções exercidas ao serviço dessa sua entidade patronal, atuar no sentido da viabilização da aprovação da proposta da ré junto do Centro C....
13 – O autor deixou de exercer funções no Centro C... em janeiro de 2019.
4. Relações contratuais estabelecidas pela ré
14 – Na sequência dos acordos referidos em 3. e 7. e em 10. e 12.,
15 – … a ré logrou obter a aprovação das propostas apresentadas, respetivamente, ao Grupo B... e ao Centro C..., passando a fornecer todas as empresas (hotéis) do Grupo B... e, bem assim, o Centro C..., fornecendo-lhe equipamentos, bens e produtos de higiene,
16 – … e cobrando-se das avenças mensais e produtos fornecidos.
5. Outros factos
17 – Porém, a ré não pagou ao autor as percentagens acordadas, após o recebimento.
18 – Apesar das interpelações para o cumprimento integral do acordado, a ré não se mostrou disponível para tanto.
19 – A ré não detinha conhecimentos comerciais com o “Centro C...”.
6. Relacionamento comercial entre a ré e o Grupo B...
20 – De 19 de setembro de 2017 a 19 de setembro de 2020:
a) foram faturadas pela ré ao Grupo B... avenças, sem IVA, num total de € 385 242,53;
b) foram pagas pelo Grupo B... à ré avenças, sem IVA, num total de € 369 818,86;
c) foram faturadas pela ré ao Grupo B... vendas de mercadorias extras num total de € 61 653,91;
d) foram pagas pelo Grupo B... à ré vendas de mercadorias extra, sem IVA, num total de € 56 439,77.
21 – No período compreendido entre 19 de setembro de 2017 e final de dezembro de 2019, os valores acima referidos foram os seguintes:
a) avenças, sem IVA, faturadas pela ré ao Grupo B...: € 341 747,38;
b) avenças, sem IVA, pagas pelo Grupo B... à ré: € 337 518,70;
c) extras, sem IVA, faturadas pela ré ao Grupo B...: € 56 201,26;
d) extras, sem IVA, pagos pelo Grupo B... à ré: € 53 944,71.
7. Relacionamento comercial entre a ré e o Centro C...
22 – De 4 de maio de 2018 a 4 de maio de 2022:
a) foram faturadas pela ré ao Centro C... avenças, sem IVA, no valor de € 148.106,78;
b) foram pagas pelo Centro C... à ré avenças, sem IVA, num total de € 148.106,78;
c) foram faturadas pela ré ao Centro C... vendas de mercadorias extras num total de € 4.321,28;
d) foram pagas pelo Centro C... à ré vendas de mercadorias extra, sem IVA, num total de € 4.321,28.
23 – No período compreendido entre 4 de maio de 2018 e final de dezembro de 2019, os valores acima referidos foram os seguintes:
a) avenças, sem IVA, faturadas pela ré ao Centro C...: € 69.674,39;
b) avenças, sem IVA, pagas pelo Centro C... à ré: € 61.441,42;
c) extras, sem IVA, faturadas pela ré ao Centro C...: € 3.717,18;
d) extras, sem IVA, pagos pelo Centro C... à ré: € 3.717,18.
8. Pagamentos efetuados pela ré ao autor
24 – O autor já recebeu da ré a quantia de € 8.303,32 por conta do valor das “comissões” a que é feita referência nos documentos referidos em 3. e 10. dos factos provados.
Análise dos factos e aplicação da lei
São as seguintes as questões de direito a abordar:
1. Coação moral
2. Qualificação da relação contratual estabelecida entre autor e ré
3. Responsabilidade pelas custas
1. Coação moral
Defende a apelante que dos factos provados – designadamente na sequência da impugnação da decisão de facto por si apresentada – resulta que o acordo de pagamento pela ré ao autor das comissões foi celebrado sob coação moral, uma vez que apenas os celebrou porque o autor ocupava “uma posição estratégica e influente no Grupo B...”, tendo-a informado que “para continuar a prestar serviços ao dito Grupo, teria que lhe pagar uma comissão de 5% do valor das avenças mensais”, tendo igualmente o autor, “em 2018, quando começou a trabalhar no Centro C...” informado “a Recorrente que, para apresentar uma proposta de prestação de serviços a essa entidade, seria necessário pagar-lhe uma comissão de 10% sobre o valor das avenças mensais, até para compensar o valor que tinha deixado de receber em resultado da revogação do acordo relativo ao Grupo B...”.
Daqui conclui estar suficientemente demonstrada, face à jurisprudência dos tribunais portugueses, os requisitos de coação moral relevante para conduzir à anulação do negócio: (i) ameaça de um mal, (ii) ilicitude da ameaça; (iii) intencionalidade da ameaça e (iv) dupla causalidade, pelo que se verifica a anulabilidade dos acordos, devendo a decisão recorrida ser revogada.
A coação moral, prevista no art. 255.º do Cód. Civil, constitui um vício da vontade, em que existe uma ameaça, ilícita, que provoca no declarante o receio que o leva a proferir a declaração que, de outro modo, não proferiria. Esta coação tem uma natureza meramente compulsiva, ou seja, o declarante pode optar entre emitir a declaração ou sujeitar-se ao mal cominado. «Só há vício da vontade quando a liberdade do coacto não foi totalmente excluída, quando lhe foram deixadas possibilidades de escolha, embora a submissão à ameaça fosse a única escolha normal.» - cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3 .ª Edição Atualizada, Coimbra Editora, p. 525.
A factualidade apurada, em consequência da procedência parcial do recurso quanto à decisão de facto, não integra os requisitos da invocada existência de coação moral.
Com efeito, o que resulta dos factos provados é que:
a) o pagamento pela ré ao autor de 5% do valor das avenças mensais que a ré cobraria ao “Grupo B...” tinha por finalidade a colaboração do autor no sentido de, atentas as suas funções ao serviço do referido Grupo B..., atuar por forma a permitir que a proposta a apresentar pela ré para a celebração de contrato para prestação de serviços a todas as empresas do Grupo B... fosse aprovada, o que permitiria à ré a manutenção das empresas que já eram suas clientes e o aumento da prestação de serviços às demais empresas do Grupo.
b) o pagamento pela ré ao autor de 10% do valor das avenças mensais que a ré cobraria ao “Centro C...” tinha por finalidade a colaboração do autor para, no âmbito das funções exercidas ao serviço dessa sua entidade patronal como responsável do departamento de compras, atuar no sentido da viabilização da aprovação da proposta da ré junto do Centro C....
Tal factualidade é insuscetível de integrar a existência de uma cominação de um mal de realização futura geradora no legal representante da ré de um receio ou temor que o tenha levado a proferir as declarações constantes dos documentos referidos nos pontos 3. e 10. dos factos provados.
Não se verifica, por conseguinte, a pretendida coação moral.
2. Qualificação da relação contratual estabelecida entre autor e ré
Na decisão recorrida indicou-se como questão a decidir “(…) aferir a responsabilidade contratual da Ré quanto ao peticionado pagamento ao Autor do valor das comissões acordadas entre ambas as partes”, importando apreciar:
- o acordo entre o Autor e a Ré segundo o qual aquele receberia desta o montante correspondente a 5% do valor das avenças mensais que cobraria ao “Grupo B...” (…), enquanto o Autor prestasse serviços para esse Grupo, ou no limite pelo prazo de 3 anos, se o Autor se fosse embora, aqui incluindo averiguar se ocorreu qualquer situação juridicamente enquadrável na figura (invocada pela Ré) da “coacção moral” prevista no art. 255.º do Código Civil;
- o acordo entre o Autor e a Ré segundo o qual aquele receberia desta o montante correspondente a 10% do valor das avenças mensais que cobraria ao “Centro C...”, enquanto o Autor prestasse serviços para o Grupo ou, no limite, pelo prazo de 4 anos, se o Autor se fosse embora, aqui também incluindo averiguar se ocorreu qualquer situação juridicamente enquadrável na figura (invocada pela Ré) da “coacção moral” prevista no art. 255.º do Código Civil;”.
Tendo o tribunal recorrido afastado a verificação da coação moral suscitada pela ré como fundamento da arguida anulabilidade dos acordos de pagamento das referidas percentagens de 5% e de 10% sobre as avenças cobradas pela ré, respetivamente, ao Grupu B... e ao Centro C..., enquadrou tais acordos como contratos celebrados pelo autor e ré ao abrigo do princípio da liberdade contratual, nos termos previstos no art. 405.º do Cód. Civil, referindo que tais contratos têm “(…) natureza sinalagmática, isto é, do qual resultam obrigações para ambas as partes, nomeadamente as constantes do respectivo clausulado (…)”.
Com respaldo na invocação do princípio do cumprimento pontual dos contratos, previsto no art. 406.º do Cód. Civil, afirmou ainda que “(…) Da matéria de facto tida por demonstrada resulta o incumprimento pela Ré da obrigação de pagamento do valor das comissões que se obrigou a pagar ao Autor, a incidir sobre o valor das avenças acordadas entre a Ré e as empresas do “Grupo B...” e do “Centro C...”. (…)”, concluindo pela condenação da ré no pagamento ao autor de comissões no valor de € 31.082,36.
Como foi referido pelo tribunal recorrido, dispõe o art. 405.º do Cód. Civil, que estabelece o princípio da liberdade contratual, nos seguintes termos:
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
Este princípio da liberdade contratual significa, desde logo, a liberdade de celebração ou conclusão de contratos (as partes têm a faculdade ) e a liberdade de fixação do conteúdo do contrato, seja celebrando contratos típicos (contratos regulados na lei), seja neles incluindo as cláusulas que entenderem, seja celebrando contratos mistos (conjugando dois ou mais contratos típicos), seja celebrando contratos atípicos, não regulados na lei. Há ainda que considerar a liberdade de modificar ou extinguir o contrato, por acordo das partes (art. 406.º, n.º 1, do Cód. Civil). – Cfr. Heinrich Ewald Horster e Eva Sónia Moreira da Silva, «A Parte Geral do Código Civil Português», 2.ª Edição, Almedina, p. 64 e 65.
Mas tal liberdade contratual não é absoluta, como resulta claramente da parte inicial do n.º 1 do art. 405.º do Cód. Civil: “Dentro dos limites da lei (…)».
Estes limites dizem respeito quer à liberdade de celebração (sendo exemplos da proibição de celebração os arts. 261.º, 579.º, 877.º, todos do Cód. Civil, entre outros), quer à liberdade de fixação do conteúdo do contrato (de que são exemplos os arts. 280.º, 282.º a 284.º e 334.º do Cód. Civil), quer à liberdade de modificação ou extinção de um contrato (ver, por exemplo, o disposto nos arts. 1105.º e 1106.º e art. 1793.º, do Cód. Civil). – Cfr. Ewald Horster e Moreira da Silva, «A Parte Geral», p. 67 a 69.
No caso em apreciação, o tribunal recorrido não procedeu a qualquer qualificação dos contratos celebrados entre autor e ré, mas afirmou que dos referidos contratos – de natureza sinalagmática – resultavam “obrigações para ambas as partes, nomeadamente as constantes do respectivo clausulado”. Não indicou, no entanto, que clausulado era esse que estabelecia ou previa obrigações a cargo do réu.
E não o fez porque inexiste clausulado escrito de onde resulte a assunção de qualquer obrigação pelo autor.
Dos documentos escritos referidos nos pontos 3. e 10. dos factos provados apenas constam obrigações assumidas pela ré; não há qualquer clausulado a estabelecer quais eram as obrigações assumidas pelo autor como contrapartida dos referidos pagamentos de 5% e de 10%.
O que resulta dos factos provados é que os pagamentos ao autor, pela ré, referidos nos pontos 3. e 10. dos factos provados foram efetuados considerando a “posição estratégica e influente” – na expressão da apelante utilizada nas alegações de recurso – do autor, na qualidade de funcionário, primeiro, do Grupo B..., e depois, do Centro C..., passível de ser usada, designadamente, para a obtenção da aprovação das propostas de prestação de serviços e fornecimento de bens apresentadas pela ré, respetivamente, ao Grupo B... e ao Centro C....
Resulta dos factos provados que os referidos acordos de pagamento foram celebrados quando e porque o autor era funcionário de cada uma das entidades (Grupo B...; Centro C... – ver pontos 7. e 8., 9. e 12. dos factos provados) com quem a ré pretendia estabelecer determinadas relações contratuais de prestação de serviços e fornecimento de bens, considerando precisamente a possível influência do autor, como funcionário das referidas entidades, na aprovação das propostas apesentada pela ré.
Os acordos efetuados implicam o recebimento pelo autor de uma vantagem patrimonial (as percentagens acordadas sobre as avenças cobradas pela ré), enquanto o mesmo está ao serviço e obrigado a zelar pelos interesses das suas entidades empregadoras, para usar essas suas funções no interesse ou em benefício da ré (no sentido da obtenção pela ré da sua contratação para a prestação de serviços e fornecimento de bens aos empregadores do autor). Tal acarreta um claro conflito de interesses inerente a esta dupla atuação do autor, sendo apta a integrar uma atuação desleal do autor perante as suas entidades empregadoras e a causar distorções concorrenciais (designadamente, na medida em que a pretendida atuação do autor – finalidade desejada com os pagamentos acordados – possa favorecer a aprovação pelas suas entidades empregadoras das propostas apresentadas pela ré, em detrimento de outras propostas de outros fornecedores).
O art. 280.º do Cód. Civil dispõe sobre os requisitos do objeto negocial nos seguintes termos:
1. É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.
Concretiza este artigo o conteúdo de negócios jurídicos desaprovados pela ordem jurídica. «O objeto do negócio jurídico compreende os efeitos a que o negócio tende, bem como aquilo sobre que aqueles efeitos incidem.» – Cfr. Ewald Horster e Moreira da Silva, «A Parte Geral», p. 578.
Deste n.º 2 do art. 280.º do Cód. Civil resulta a exigência da conformidade do objeto do negócio jurídico à ordem pública.
Está-se aqui perante um conceito jurídico indeterminado, entendido aqui como “o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas.” – Cfr. Mota Pinto, «Teoria Geral», p. 551.
A ordem pública impõe-se como “realidade distinta das normas legais imperativas” – cfr. Manuel Carneiro da Frada, «A Ordem Pública no Direito dos Contratos», in Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2019, p. 93. Ou seja, “o apelo à ordem pública não requer a mediação de uma norma jurídica que regule especificadamente determinada situação, assim como a contrariedade à lei pode não envolver qualquer ofensa a um princípio de ordem pública” – cfr. Carneiro da Frada, «A Ordem», cit., p. 95. Pode esta realidade ser reconduzida aos “valores e princípios injuntivos do ordenamento, base da coexistência social geral e garantes de um bem público”, sendo aqueles absolutamente indisponíveis – cfr. Carneiro da Frada, «A Ordem», cit., p. 93.
Esta dimensão da ordem pública, assim definida, é ofendida pela validação pelo direito de um acordo com os contornos dos aqui em causa, em que a contrapartida da vantagem patrimonial que a ré se obrigou a pagar ao autor é a utilização pelo autor da sua posição de funcionário da entidade com quem a ré pretende contratar para favorecer a celebração de contratos entre a ré e as referidas entidades empregadoras (sem que tais entidades empregadoras tenham qualquer conhecimento desses acordos/pagamentos).
Ora, considerando que «a compreensão da noção de ordem pública variará com o tempo.» e que «Um subsídio importante para o preenchimento das suas exigências encontra-se (…) na ordem pública internacional» – cfr. Carneiro da Frada, «A Ordem», cit., p. 95 –, encontramos na criminalização da corrupção no sector privado operada pela Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, dando cumprimento à Decisão Quadro n.º 2003/568/JAI, do Conselho, de 22 de Julho, e alterada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril, dando cumprimento à Decisão Quadro n.º 2003/568/JAI, do Conselho, de 22 de julho, um argumento densificador deste juízo quanto à violação da ordem pública.
A tutela da autonomia privada conhece como limite a proibição de desfiguração do seu próprio sentido – cfr. Carneiro da Frada, «A Ordem», cit., p. 103 –, ou seja, a autonomia privada é tutelada para que seja exercida no amplo espaço de liberdade individual, e não para ser utilizada na construção de mecanismos contratuais de invasão das áreas reservadas à tutela de valores e princípios garantes da coexistência social e do bem público, como aqui sucede.
Nem se argumente que se trata de uma situação ‘normal’ no âmbito das relações comerciais, não sendo, por conseguinte, contrária à ordem pública. É que, nestes casos, “a lei deve reter o poder de lutar contra as conceções dominantes do comércio jurídico (ética ou moral positiva), não aceitando pautar-se ou reger-se por ela” − cf. João de Castro Mendes, «Teoria Geral do Direito Civil», vol. II, Lisboa, AAFDL, 1985, p. 112.
Concluímos, deste modo, que os contratos invocados pelo autor como fundamento do pedido de condenação da ré são contrários à ordem púbica – o que é de conhecimento oficioso.
A violação da ordem pública tem o efeito previsto no n.º 2 do art. 280.º do Cód. Civil: “é nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”. Ou seja, os contratos que servem de causa de pedir à ação são totalmente desprovidos dos efeitos visados (art. 289.º do Cód. Civil), pelo que é de julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida.
Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas (determinação do valor da comissão acordada face aos termos do acordo efetuado; exceção de pagamento).
3. Responsabilidade pelas custas
A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Custas Processuais).
A responsabilidade pelas custas (da ação e do recurso) cabe ao autor/apelado, por ter ficado vencido (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
IV. Dispositivo
Pelo exposto, na procedência da apelação, acorda-se em revogar a decisão recorrida, absolvendo-se a ré A..., L.da. do pedido.
Custas a cargo do autor/apelado (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
Porto, 21-11-2024
(data constante da assinatura eletrónica)
Ana Luísa Loureiro
Isabel Rebelo Ferreira
Maria Manuela Barroco Esteves Machado
______________________________
[1] Existe lapso da apelante na identificação do requerimento com o qual foi junto o doc. 5.
[2] Assim, Ac. do STJ de 18-10-2018, processo n.º 3499/11.6TJVNF.G1.S2, acessível na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/
[3] Assim, Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2018, processo n.º 170/16.6T8MMN.E1 - http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/.