PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
NOTA DE CULPA
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS
HORÁRIO DE TRABALHO
DEVER DE OBEDIÊNCIA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
REINTEGRAÇÃO
DEVER DE OCUPAÇÃO EFECTIVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

1- Não é inválido o procedimento disciplinar se a nota de culpa permite autonomizar uma adequada e suficiente descrição de factos devidamente circunstanciados, sem prejuízo da irrelevância da restante parte dela em que assim não suceda.
2- Se a não inquirição das testemunhas arroladas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa no dia designado pelo instrutor é imputável ao mesmo, é manifestamente dilatória a pretensão de que a mesma seja reagendada, sendo certo que, nos termos dos arts. 381.º, 382.º e 389.º, n.º 2 do Código do Trabalho, a situação invocada não seria causa de invalidade do procedimento disciplinar nem de ilicitude do despedimento, mas de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.ºs 1 e 3 do art.º 356.º, se fossem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, conferindo ao trabalhador apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.º 1 do art.º 391.º do mesmo diploma legal.
3 – No âmbito do procedimento disciplinar, o empregador não tem o ónus de fazer prova dos factos imputados ao trabalhador na nota de culpa, sendo facultativa a realização de diligências probatórias que não tenham sido requeridas por este, pelo que é irrelevante do ponto de vista da validade e regularidade do procedimento que as faça ou não e, por maioria de razão, as circunstâncias de tempo, lugar ou modo em que as faça, desde que não ocorra violação dos direitos do trabalhador susceptível de por si mesma acarretar a invalidade ou irregularidade, nomeadamente o de consultar o processo e responder à nota de culpa no prazo de 10 dias úteis a contar do recebimento desta (art.º 355.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
4- Não é exigível que o empregador mantenha um vigilante que se recusa a prestar trabalho no horário devido e pretende continuar a apresentar-se e ausentar-se do serviço nos horários que entende, com a consequência de o posto de trabalho ficar desnecessariamente ocupado por dois vigilantes nalguns turnos e desprovido de qualquer vigilante noutros, com os encargos financeiros e prejuízos inerentes, para além da perturbação na organização do trabalho e dos danos na autoridade e imagem da empregadora, sendo o despedimento a única sanção disciplinar que lhe permite solucionar o incumprimento do contrato de trabalho pelo trabalhador.
5- Estando provado que o atraso de cerca de nove meses na reintegração, na sequência de despedimento anterior declarado ilícito judicialmente, causou no trabalhador sentimentos de revolta, e que durante tal período de tempo o mesmo teve de viver dos rendimentos auferidos pela sua companheira, mostra-se adequado fixar uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da violação do dever de ocupação efectiva em 2.500,00 €.
(sumário da autoria da Relatora)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra XX, S.A., juntando decisão proferida no processo disciplinar contra si instaurado pela ré, onde lhe foi aplicada a sanção de despedimento com justa causa.
A ré apresentou articulado em que alegou os fundamentos da decisão de despedimento, tendo também juntado o processo disciplinar.
O autor contestou, arguindo nulidades do processo disciplinar e impugnando os factos constantes do articulado da ré. Termina, pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento, com as correspondentes consequências legais, tendo ainda deduzido pedido reconvencional.
A ré veio apresentar resposta, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Proferiu-se despacho saneador em que, além do mais, se admitiu o pedido reconvencional.
Procedeu-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto:
a) Julgo a presente acção improcedente por não provada e, consequentemente declaro lícito o despedimento que AA foi alvo por parte da Empregadora XX, S.A.
b) Julgo o pedido reconvencional parcialmente procedente por parcialmente provado e consequentemente condeno a Empregadora XX, S.A., a pagar ao trabalhador a quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais pela violação do dever de ocupação efectiva, acrescida de juros de mora à taxa legal desde o transito em julgado da decisão até efectivo e integral pagamento.
c) Absolvo a XX, S.A. dos demais pedidos contra si deduzidos.»
O Autor veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
(…)
Também a ré interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
(…)
A ré e o autor apresentaram resposta ao recurso da parte contrária, pugnando pela sua improcedência.
Admitidos os recursos, observou-se o disposto no art.º 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência de ambos.
Cumprido o previsto no art.º 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes, por ordem de precedência lógica:
1. Recurso do autor:
- alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- nulidade do procedimento disciplinar;
- justa causa de despedimento;
2. Recurso da ré:
- junção de documentos com o recurso;
- alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- litispendência quanto ao pedido reconvencional;
- indemnização por violação do dever de ocupação efectiva.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1- O autor foi admitido ao serviço da ré no dia 17 de Junho de 2015, mediante a celebração de contrato de trabalho sem termo para, sob as suas ordens e direcção, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de «vigilante».
2- Nos termos do referido contrato, acordaram as partes, na sua cláusula terceira, o seguinte:
1 - O Segundo Outorgante terá um período normal de trabalho de oito horas diárias e quarenta horas semanais.
2 – O Segundo Outorgante desempenhará as suas funções nas instalações dos clientes da Primeira Outorgante. ACORDO + DOC FLD.
3- Mais acordaram, através da Cláusula Nona do referido contrato, que:
“Na integração de lacunas e resolução das dúvidas emergentes do clausulado do presente contrato, aplicar-se-ão as disposições vigentes sobre o regime jurídico do contrato individual de trabalho, bem como no CCT aplicável ao sector.”
4- A ora empregadora é uma sociedade comercial cujo objecto social assenta essencialmente na prestação de serviços de segurança privada, vigilância e controlo de acesso a pessoas e bens aos seus clientes.
5- Para o efeito, os seus trabalhadores são alocados nas instalações e estabelecimentos das entidades com quem contrata, ou seja, os clientes da entidade empregadora.
6- A ré remeteu ao autor a carta registada e datada de 30-11-2017, comunicando-lhe a cessação de contrato de trabalho por abandono, uma vez que o autor se tinha ausentado do seu local de trabalho desde o dia 3 de novembro de 2017, não mais tendo regressado.
7- O autor, em 02 de Maio de 2018, intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum a impugnar tal despedimento, por o considerar ilícito, peticionando a sua reintegração, o pagamento de créditos laborais e das indemnizações correspondentes, acção que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo do Trabalho de Cascais - Juiz 1, com o n.º de processo 1395/18.5T8CSC.
8- Naqueles autos foi proferido Acórdão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que, em 25 de Setembro de 2019, decidiu o seguinte:

9- A reintegração veio a ocorrer em 23 de Setembro de 2022, após decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 15-12-2021, com o seguinte teor:



10- A ré remeteu ao autor uma carta, com data de 20 de Setembro de 2022, para se apresentar nas instalações da WW, Quinta..., pelas 08H00 do dia 23 de Setembro de 2022.
11- No dia 23 de setembro de 2022, o autor apresentou-se no posto de vigilância pelas 11H00, porquanto apenas nesse dia tomou conhecimento do teor da missiva referida em 9), tendo-se ausentado do local de trabalho das 13h30 às 14h10, a fim de comprar alimentos.
12- Nessa data, foi indicado ao trabalhador, não só na carta de reintegração, mas também pelo seu superior hierárquico, BB, que o horário de trabalho a cumprir era o que estava afixado no posto de vigilância, a saber, horário rotativo de turnos, das 8H00 às 16h00 (diurno) e das 16H00 às 23H39 (nocturno).
13- O autor recusou-se a aceitar o horário que lhe tinha sido atribuído, pelo que foi elaborado e apresentado, pelo coordenador CC, um novo horário atribuindo ao autor um horário rotativo de turno das 7H00 às 15H00, das 15h00 às 23h00 e das 23h00 às 7h00.
14- Já com esta alteração, o autor, ainda assim, recusou-se a cumprir os turnos que incluíam as horas nocturnas, dizendo que só aceitava realizar o turno das 7H00 às 15H00 em dias úteis, o que a entidade empregadora não autorizou.
15- Verificou-se nos dias seguintes que o autor se limitou a realizar o turno das 7h00 às 15h00, apesar de estar escalado das 15:00h às 23:00h, o que levou o chefe de equipa BB, em 28 de Setembro, a remeter email, ao respectivo coordenador e superior hierárquico CC, com o seguinte teor:
"(...) como já tinha dito ontem o vigilante AA não está a cumprir a escala enviada pela XX, S.A.:
Na escala ontem 27/09 e hoje 28/09 estaria das 15:00h às 23:00h mas continua a vir apenas de manhã das 07:00 às 15:00."
16- O autor sabia que o horário de trabalho fixado para os dias 27 e 28 de Setembro de 2022 era das 15:00h às 23:00h, contudo esteve no posto de vigilância das 07:00 às 15:00.
17- O autor recusou-se ainda, até à sua suspensão preventiva, a realizar os turnos que lhe estavam atribuídos em períodos nocturnos, em feriados e em fins-de-semana, nomeadamente no dia 5-10-2022 (feriado nacional).
18- O autor recusou os horários que lhe eram atribuídos, porquanto entendeu que deveria manter a mesma carga horária e horário que alegadamente exercia antes do processo judicial supra identificado.
19- O que implicou, por parte da empregadora, proceder à reorganização de toda a equipa de vigilantes alocados ao posto da Quinta... cujo sistema de operação estava previamente delineado a contar com o Autor.
20- Nos autos referidos em 7), ficou provada a seguinte factualidade:
1. O autor foi admitido a 17 de Junho de 2015 mediante a celebração de um contrato sem termo – cuja cópia faz fls. 45 a 47 dos autos e aqui se dá por reproduzida –, visando exercer a sua actividade profissional com a categoria de Vigilante, sob as ordens, fiscalização e direcção efectiva da firma “XX, S.A. ”, aqui ré [artigo 1.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES]
2. O autor assumiu a efectividade das suas funções junto da entidade patronal, ora ré, desde o primeiro dia de laboração, isto é, 17 de Junho de 2015 [artigo 2.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
3. A ré é uma empresa que presta serviços para o sector da vigilância, dedicando-se à actividade de Segurança Privada [artigo 4.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
4. Aplicando-se na relação laboral com os seus trabalhadores, onde se inclui o ora autor, as disposições constantes do Contrato Colectivo de Trabalho do respectivo sector (vigilância privada), celebrado entre a AES-Associação de Empresas de Segurança e a AESIRF-Associação Nacional Empresas de Segurança e o STAD - Sindicato dos trabalhadores de serviços de portaria, vigilância, Limpeza, domésticas e actividades diversas, publicado no BTE n.º 17, de 8/05/2011, com a sua revisão global publicada no BTE n.º 38, 15/10/2017, entrada em vigor a partir de 1 de Outubro de 2017 [artigo 5.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
5. Ao caso em concreto aplicam-se as disposições previstas no contrato colectivo de trabalho celebrado entre a AES e o STAD publicado no BTE n.º 17, de 8/05/2011, por ser este o regime vigente, na data da admissão e durante o vínculo laboral [artigo 6.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
6. Ao abrigo do supracitado contrato de trabalho e durante o vínculo laboral, o autor desempenhou as suas funções laborais, em várias instalações dos clientes da ré, designadamente, nas instalações da VV; na UU; no Centro Comercial TT e por último na Junta de Freguesia YY [artigo 8.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
7. De acordo com o teor da cláusula terceira, n.º 1, do contrato de trabalho supra referido em 1, «O Segundo Outorgante terá um período normal de trabalho de oito horas diárias e quarenta horas semanais» [resposta aos artigos 10.º e 12.º da PETIÇÃO INICIAL].
8. Desde o início do vínculo laboral que foi estipulado ao autor um horário rotativo semanal, de acordo com escalas de serviço elaboradas pela ré e que era composto por dois turnos com alternância entre semanas com dois dias consecutivos de folga (regra: sábado e domingo) e semanas com um dia de folga (regra: Domingo) [artigo 11.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
9. Nos anos de 2015 e 2016, o horário de trabalho do autor era distribuído da seguinte forma alternada:
9.1.- Numa semana prestava trabalho de 2.ª a 6.ª Feira, das 15:30 às 00:15; com intervalo de descanso das 20:00 às 20:45h – sendo concedido dois dias de descanso semanal (Sábado e Domingo) – [turno 2], perfazendo o período normal de trabalho de 8 horas diárias e 40 horas semanais;
9.2.- Na semana seguinte prestava trabalho de 2.ª a 6.ª Feira das 06:45 às 15:30, com intervalo de descanso das 12:00 às 13:00h [turno 1], e Sábados das 08:00h às 18:00h, com intervalo de descanso das 12:00 às 13:00h [turno 3], sendo concedido um dia de descanso semanal (Domingo) [artigo 16.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
10. Por ordem e no interesse da ré, nas semanas que prestava trabalho de 2.ª Feira a Sábado, o autor perfazia 49 horas semanais [artigo 17.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
11. No início de 2017 o autor prestou trabalho nos postos da ré na UU e no Centro Comercial TT [resposta aos artigos 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º e 23.º da PETIÇÃO INICIAL].
12. A partir de Maio de 2017, no posto da Junta de Freguesia YY, o autor prestava trabalho nos dias úteis, de segunda a sexta, das 13h30 às 22h00, descansando aos Sábados, Domingos e Feriados [resposta aos artigos 24.º e 173.º da PETIÇÃO INICIAL].
13. O autor prestou trabalho no dia 8 de Dezembro de 2015, feriado obrigatório [resposta ao artigo 29.º da PETIÇÃO INICIAL].
14. Como contrapartida do seu trabalho, o autor auferia a título de remuneração mensal a quantia de € 651,56, acrescida do valor diário de € 5,77 a título de subsídio de alimentação [artigo 35.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
15. A ré não entregou atempadamente ao autor todos os recibos de vencimento, apesar dos pedidos efectuados por este [resposta aos artigos 47.º, 48.º, 49.º, 40.º e 51.º da PETIÇÃO INICIAL].
16. O autor remeteu à ré, em 05-01-2017, a “Declaração” cuja cópia faz fls. 64 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, manifestando opção expressa do autor no sentido de não lhe ser aplicado o regime de pagamento fraccionado dos subsídios de Natal e de Férias durante 2017 [resposta aos artigos 55.º e 56.º da PETIÇÃO INICIAL].
17. Não obstante, a ré não atendeu a tal pretensão e continuou a proceder ao pagamento fraccionado dos subsídios de férias e de Natal no ano de 2017 [artigos 57.º e 58.º da PETIÇÃO INICIAL e 70.º da CONTESTAÇÃO – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
18. Em Outubro de 2017 a ré comunicou verbalmente ao autor que a partir de 1 de Novembro de 2017 deixaria de prestar a sua actividade nas instalações da Junta de Freguesia YY, em virtude de a ré deixar, a partir dessa data, de prestar serviço à referida cliente [resposta aos artigos 67.º, 68.º e 69.º da PETIÇÃO INICIAL].
19. No dia 31 de Outubro o autor contactou com a ré, na pessoa do seu supervisor, DD, que lhe comunicou para se apresentar no dia 2 de Novembro de 2017 na sede da empresa, a fim de ser informado da designação do novo local de trabalho e das instruções no sentido de reinício de funções [resposta aos artigos 71.º e 72.º da PETIÇÃO INICIAL].
20. O autor dirigiu-se à sede da ré nos dias 2, 3 e 6 de Novembro de 2017 [resposta ao artigo 74.º da PETIÇÃO INICIAL].
21. No dia 3 de Novembro de 2017, a ré, na pessoa do seu director de operações EE, informou o autor que o seu novo posto de trabalho seria junto do cliente da ré “Quinta...”, tendo-lhe sido dada orientação no sentido de se apresentar, naquele mesmo dia, no seu novo posto de trabalho [resposta aos artigos 75.º e 76.º da CONTESTAÇÃO].
22. Contudo, o autor recusou esta colocação, por não desejar trabalhar no turno que lhe foi indicado, de forma que não se apresentou no seu novo posto de trabalho [resposta ao artigo 77.º da CONTESTAÇÃO].
23. No dia 6 de Novembro de 2017, quando o autor se dirigiu à sede da ré, o director de operações EE transmitiu-lhe que a direcção de recursos humanos da ré considerava que o mesmo estava a incorrer em abandono do posto de trabalho em virtude de não se apresentar no posto “Quinta...” desde 3 de Novembro [resposta aos artigos 77.º da PETIÇÃO INICIAL e 80.º da CONTESTAÇÃO].
24. Nesse mesmo dia o autor remeteu à ré a carta registada cuja cópia faz fls. 65v. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos, recebida pela ré em 07-11-2017 [resposta ao artigo 78.º da PETIÇÃO INICIAL].
25. Do final da referida carta consta o seguinte: «Assim, informo que nos próximos dias continuarei a apresentar-me na sede da empresa XX, S.A., acompanhado de duas testemunhas que o atestarão» [resposta ao artigo 80.º da PETIÇÃO INICIAL].
26. No dia 06-11-2017 o autor efectuou junto da ACT o pedido de intervenção cuja cópia faz fls. 78v. e 79 e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos [resposta aos artigos 82.º e 83.º da PETIÇÃO INICIAL].
27. Após 6 de Novembro de 2017 o autor continuou a não se apresentar no posto “Quinta...”, nem na sede da ré [resposta ao artigo 81.º da CONTESTAÇÃO].
28. No dia 30 de Novembro de 2017, o autor compareceu na sede da ré a solicitar o pagamento do vencimento daquele mês de Novembro [artigos 86.º da PETIÇÃO INICIAL e 82.º da CONTESTAÇÃO –ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
29. A ré remeteu ao autor a carta registada e datada de 30/11/2017, cuja cópia faz fls. 66v. e aqui se dá por reproduzida, comunicando-lhe a ”Cessação de contrato de trabalho por abandono”, e da qual consta, para além do mais: «Constatando-se a sua ausência ao serviço desde o dia 03 de Novembro de 2017, e uma vez que, desde então, não regressou ao trabalho e não mais contactou a sua entidade patronal vimos, por este meio, comunicar-lhe que, nos termos do artigo 403.º, do Código de Trabalho, consideramos que ocorreu, nesta data, a cessação do contrato de trabalho celebrado com esta empresa, por abandono do trabalho» [artigo 91.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
30. O autor trocou com os funcionários da ré DD e FF as mensagens escritas e de correio electrónico cujas cópias fazem fls. 67, 67v. e 68 e cujo teor aqui se dá por reproduzido [artigos 128.º da PETIÇÃO INICIAL e 94.º da CONTESTAÇÃO – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES]
21- O que o autor sabe.
22- Desde o primeiro dia de trabalho, após a reintegração, o autor, no seu local e horário de trabalho, comentava de viva-voz, perante os residentes do WW, dos funcionários deste e dos seus colegas, o processo judicial que tinha com a empregadora, na sequência do qual foi ordenada a sua reintegração, bem como a “guerra” que tinha com esta, o que sucedeu em várias ocasiões. (alterado nos termos do ponto 3.3.1.)
23- Ademais, usava o seu telemóvel pessoal, onde, durante o turno, assistia a vídeos com som alto, que mostrava aos colegas, interrompendo o seu trabalho, o que sucedeu em várias ocasiões. (alterado nos termos do ponto 3.3.1.)
24- Situação que levou BB, chefe do grupo, a comunicar à Empregadora, em 06-10-2022, o seguinte:
(…)
25- E, no dia 11 de Outubro, terça-feira, o responsável pela segurança do cliente, Eng. GG, a chamar o autor pessoalmente para falar com ele, dando-lhe indicações para não comparecer no dia seguinte no posto.
26- Bem como a remeter à empregadora, nesse mesmo dia, o seguinte email:
(…)
27- No dia 12-10-2023 deu-se a abertura de processo disciplinar contra o trabalhador AA, pelos factos ocorridos nos dias 23, 27 e 28 de Setembro, todos do ano de 2022, por comunicação expressa de superior hierárquico do referido trabalhador e da cliente da entidade empregadora onde o trabalhador desempenha as suas funções de vigilante.
28- Em 12-10-2023, a administração da Empregadora nomeou instrutora do processo disciplinar movido contra o trabalhador AA a Dra. HH, advogada.
29- Através de missiva datada de 12-10-2022, que o trabalhador recebeu, foi-lhe comunicada a sua suspensão preventiva bem como a instauração de processo disciplinar, nos seguintes termos:


30- Através de missiva datada de 11-11-2022, que o trabalhador recebeu, foi-lhe entregue a nota de culpa e comunicado o seguinte:
(…)
31- Na referida nota de culpa é imputado ao trabalhador, além do mais o seguinte:
“1. A aqui Entidade Empregadora é uma sociedade comercial que presta serviços de segurança privada, vigilância e controlo de acesso a pessoas e bens aos seus clientes.
2. Os seus trabalhadores são alocados nas instalações das entidades com quem contrata, isto é, os clientes da Entidade Empregadora.
3. Com essa finalidade, a Entidade Empregadora contrata trabalhadores para, sob as suas ordens e direção, cumprirem um conjunto de deveres e obrigações, entre eles, prestar o seu trabalho em horário de índole rotativa e por turnos, comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, afim de assegurar a prestação de serviços de vigilância.
4. No âmbito da adjudicação de serviços de segurança privada, incumbe à Entidade Empregadora prestar os seus serviços, assegurando, de forma escrupulosa e diligente, a vigilância diária das instalações da Cliente, alocando, para o efeito, os meios aptos à prestação dos serviços contratados.
Pelo que,
5. Na maioria das situações, com vista a assegurar a vigilância contínua das instalações da sua cliente, a Entidade Empregadora elabora escalas rotativas semanais, nas quais estabelece o horário a ser cumprido pelos trabalhadores contratados para o efeito.
6. O trabalhador, ora Trabalhador Arguido, foi admitido ao serviço da Entidade Empregadora em junho de 2015, mediante a celebração de contrato individual de trabalho, sob as suas ordens e direção, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de “Vigilante”
7. Em virtude das vicissitude inerentes à instauração de anterior processo disciplinar, que culminou no despedimento promovido pela aqui Entidade Empregadora, que veio a ser objeto de impugnação judicial por parte do trabalhador, o aqui Trabalhador Arguido não prestou funções desde a data do despedimento até ao transito em julgado da respetiva decisão.
8. A referida decisão judicial, entre outros, ordenou a reintegração do aqui Trabalhador Arguido, o que, por inerência a vicissitudes distintas, veio a suceder a 23 de setembro de 2022.
9. O Trabalhador Arguido, à data dos factos, foi alocado a prestar funções nas instalações da Cliente da Entidade Empregadora, denominada WW, sitas na Quinta....
10. O Trabalhador Arguido vê-se vinculado ao cumprimento dos deveres previstos no artigo 128.º do Código do Trabalho, dentre eles o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, bem como cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina no trabalho, assim com comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade. promover e executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.
11. O Trabalhador Arguido, em sentido contrário ao propósito inerente à prestação de serviços contratada à Entidade Empregadora, incorreu em diversos comportamentos e condutas que causaram transtorno e comprometeram, de forma séria e grave, a prestação de serviço.
12. Face ao reiterar de comportamentos que a Entidade Empregadora qualifica como nocivos ao bom préstimo do serviço de segurança privada e, bem assim, contrários aos deveres do Trabalhador Arguido, foi movido o presente processo disciplinar com base e fundamento nos factos ocorridos em 23, 27 e 28 de setembro último, e que igualmente motivaram a suspensão preventiva do trabalhador por comunicação realizada em 12 de outubro de 2022.
13. Entre o Trabalhador Arguido e a Entidade Empregadora, como acima se referiu, existiu um diferendo, pelo qual veio a ser ordenada a reintegração do Trabalhador Arguido ao serviço da aqui Entidade Empregadora, o que esta logrou concretizar.
14. No seguimento da referida decisão judicial, por comunicação datada de 20 de setembro, a Entidade Empregadora informou o Trabalhador Arguido que se deveria apresentar no local, aí melhor indicado, no dia 23 de Setembro, às 8:00h, dando-lhe ainda conhecimento de que Horário de Trabalho a observar se encontrava fixado no respetivo posto.
Com efeito,
15. Desde o dia 23 de setembro que o Trabalhador Arguido passou a desempenhar funções nas instalações da Cliente da Entidade Empregadora, denominada WW, mais concretamente na portaria.
No entanto,
16. O Trabalhador Arguido, ao contrário do que seria desejável, desde o primeiro dia em que foi reintegrado, tem demonstrado uma atitude de insubordinação e total oposição quanto à sua reintegração ao serviço da Entidade Empregadora, diga-se, contrária ao propósito inerente à prestação de serviços de vigilância, tendo incorrido em diversos comportamentos e condutas que causaram transtorno e comprometeram, de forma séria e grave, a prestação de serviço.
17. Como adiante se demonstrará, o comportamento perpetrado pelo Trabalhador Arguido não só originou a reclamação e o pedido do seu afastamento por parte da Cliente da Entidade Empregadora mas também foi apto a suscitar comentários e pedido de esclarecimentos, quer por parte dos colegas de trabalho, quer por trabalhadores da própria cliente que presenciaram o sucedido.
18. O trabalhador Arguido tem, reiteradamente, vindo a incumprir o horário de trabalho que lhe é fixado pela Entidade Empregadora, recusando-se a realizar o horário que é mensalmente fixado para o posto de trabalho que ocupa e que, naturalmente, afeta os outros colegas conexos com aquele posto.
Na verdade,
19. O Trabalhador Arguido logo no primeiro dia de trabalho, após a sua reintegração, não cumpriu o horário que lhe tinha sido fixado, pese embora lhe tenha sido comunicado e transmitido previamente, tendo-se apresentado ao serviço pelas 11.00h da manhã e concluído o seu turno às 20:00h.
20. Como acima se referiu, a Entidade Empregadora havia previamente informado o Trabalhador Arguido por carta registada, a qual foi por este rececionada, para se apresentar ao serviço às 8:00h do dia 23 de setembro de 2022,
21. sendo que, não obstante o drástico atraso e ausência de qualquer justificação por parte do Trabalhador Arguido, aquele, em prejuízo da organização do trabalho imposto pela Entidade Empregadora, ainda se assentou do serviço pelas 13h30, retomando somente pelas 14h00.
22. Ao longo de todo o período em que esteve presente no posto de trabalho, o Trabalhador Arguido, em viva-voz e para todos os presentes, exteriorizava verbalmente dizeres de critica contra a Entidade Empregadora junto dos seus pares,
23. audíveis aos técnicos e vários funcionários da Cliente, não se coibindo o Trabalhador Arguido de parar com os comentários nocivos à imagem da Entidade Empregadora na presença daqueles.
Acresce que,
24. Apesar de ter sido advertido para a necessidade de observância do seu horário de trabalho e cumprimento escrupuloso do mesmo, malogradamente, o Trabalhador Arguido voltou a incorrer em incumprimento do determinado pela Entidade Empregadora, nos dias 27 e 28 de setembro de 2022.
25. O Trabalhador Arguido nas aludidas datas estava alocado ao horário compreendido entre as 15:00h e as 23:59h, conforme resulta do aludido mapa de horário de trabalho, porém, aquele, sponte sua, praticou o horário compreendido entre as 7:00h e as 15:00h, conforme resulta do e-mail enviado em 28 de setembro, pelo chefe de equipa BB ao respetivo coordenador e superior hierárquico CC, que se transcreve:
“(...) como já tinha dito ontem o vigilante AA não está a cumprir a escala enviada pela XX, S.A.:
Na escala ontem 27/09 e hoje 28/9 estaria das 15:00h às 23.00h mas continua a vir apenas de manhã das 07:00 às 15:00.”
26. O reiterado inadimplemento traduzido inobservância do horário de trabalho previamente cometido, importaram constrangimentos para a Entidade Empregadora, pois esta, no âmbito do contrato de prestação de serviços de vigilância e segurança humana celebrado, obrigou-se perante a cliente a manter o serviço de vigilância humana, o que se viu comprometido pelos incumprimento de horário do Trabalhador Arguido e ausências súbitas e inesperadas daquele do posto.
Sendo certo que,
27. Face ao constante e injustificado incumprimento do horário de trabalho por parte do Trabalhador Arguido, a aqui Entidade Empregadora viu constrangida a prestação o serviço de vigilância no referido posto no âmbito do previamente estipulado com a Cliente, em virtude do mesmo não ser precedido de qualquer comunicação atempada que permita assegurar a substituição,
28. o que aportava, naturalmente, um esforço desmesurado de toda a equipa alocada ao posto em referência, quer colegas de posto, quer mesmo dos encarregados e supervisores, visto terem que re-articular todo o sistema de operações previamente detalhado por inerência à gestão própria que o Trabalhador Arguido procurou impor.
29. O Trabalhador Arguido manteve, continuadamente, o comportamento grosseiro acima evidenciado, quer de relatos e condutas impróprias no local de trabalho, quer no que tocante ao incumprimento sucessivo do horário fixado, o que conduziu ao diminuir de produtividade da própria equipa.
De facto,
30. A 6 de Outubro de 2022 o Chefe de Grupo denotou que o Trabalhador Arguido “(…) passava o tempo a distrair os colegas com vídeos e conversas que nada tem a ver com o serviço, além de continuar a falar do litígio que tem com a empresa mesmo quando passam funcionários do cliente.”,
31. acrescentando que o comportamento daquele estaria “(…) a prejudicar o estágio e integração dos elementos novos e é por vezes incorreto com o colega que está a dar estágio.”
32. Conforme relatado e apurado pelo Chefe de Grupo, a 4 de outubro de 2022, quando o colega de posto II se encontrava prestar indicações ao colega JJ, que se encontrava em estágio, foi interrompido pelo Trabalhador Arguido que o apelidou e incompetente, afirmando que o serviço em referência (restrição ao recinto masculino de um utente) não tinha que ser praticado pelos vigilantes, o que se revela absolutamente errado.
33. A conduta do Trabalhador Arguido dificultou o estágio prestar ao Colega JJ, visto ter acabado por influenciar o comportamento deste último, acabando pelo comportamento daqueles incomodar e constringir os demais colegas de posto.
34. Ao longo de todo o período desde a sua reintegração, o Trabalhador Arguido pautou-se por um comportamento que afronta o bem-estar do posto, bem como o bom nome da empresa face a terreiros, comportamento que se via coadjuvado pelo total desinteresse na prática das suas funções, que se viam em absoluto descuradas.
Por tal facto,
35. O Chefe de Grupo reportou que “a presença do vigilante AA no WW só tem sido prejudicial para a imagem e profissionalismo da equipa XX, S.A. nesta instituição”, visto o comportamento grosseiro e desinteressado daquele se revelar evidente face a Cliente e desestabilizador da equipa e da prestação de serviços.
Tanto que,
36. A 11 de Outubro de 2022 reportou, expressamente que “não há condições para que o vigilante AA continuar a vir para o WW:
1. O vigilante não está a fazer qualquer serviço necessário ao cliente ou equipa XX, S.A..
2. O vigilante nem sequer a escala enviada pela empresa esta a cumprir, vindo trabalhar os dias que quer no turno que quer.
3. O vigilante foi mal educado com colegas faltando-lhes ao respeito, além de gozar com os colegas e residentes.
4. O vigilante só tem dado má imagem a esta equipa de segurança pois passa o tempo a ver vídeos no telemóvel com o volume muito alto, além de conversas inapropriadas a frente de funcionários WW também em crioulo (sendo propositado).”
37. Nessa mesma data, face a insustentabilidade da situação, o representante GG, do Departamento de Manutenção da Cliente da Entidade Empregadora, denotando o incumprimento e comportamento inadequado do Trabalhador Arguido, transmitiu que iria “deixar indicação ao vigilante para que amanhã já não se apresente no ... para trabalhar”, visando a sua imediata e definitiva substituição.
38. O Trabalhador Arguido pese embora advertido da situação e após lhe ter sido transmitido que não deveria comparecer no dia seguinte, em total descaso do indicado, transmitiu os colegas de posto que viria na data seguinte, pelas 7h, com vista a apresentar-se, não obstante lhe ter sido transmitido, de forma expressa, que a Cliente não queria que o mesmo ingressasse mais nas instalações.
39. A aludida circunstância, coadjuvada com a dificuldade de apuramento dos factos supra relatados face a presença do Trabalhador Arguido, foi decidida a suspensão preventiva do Trabalhador Arguido, cuja comunicação chegou ao seu conhecimento a 14 de outubro de 2022.”
32- Em 30 de Novembro de 2022, o Ilustre Mandatário do trabalhador compareceu no escritório da Empregadora, sito na Praça... e, em representação deste, consultou o processo disciplinar.
33- Em 06-12-2023, o trabalhador apresentou resposta à nota de culpa, tendo, a final, formulado o seguinte requerimento probatório:
“E - REQUERIMENTO PROBATÓRIO:
A)- Requer a junção aos autos Disciplinares dos seguintes Documentos:
1. Registo das avaliações do trabalhador arguido na vigência do contrato, visando demonstrar a sua idoneidade enquanto profissional com mais de vinte anos de carreira,
2. Comprovativo das formações dadas ao trabalhador desde a data da sua admissão até ao presente, das progressões na carreira e salariais desde a sua admissão, na empresa cessante até ao presente;
3. Mapa de férias, com a discriminação das datas das férias gozadas em cada ano pelo trabalhador arguido;
4. Resposta da arguente aos pedidos de reintegração do trabalhador arguido e prova de pagamento das suas remunerações, decorrentes do acórdão e formulados entre 2019 e 2022.
5. Os documentos supra requeridos destinam-se a demonstrar, como a arguente prejudica de forma abusiva e ilegal, o trabalhador arguido nos seus direitos, regalias laborais e na sua saúde; e
6. Requer-se a presença do Trabalhador — Arguido/seu Mandatário no acto de inquirição de testemunhas;
B)- Fundamentação do Pedido:
Os documentos requeridos nos nºs. 1 a 6, visam permitir ao trabalhador arguido comprovar a violação dos seus direitos pela arguente, uma vez que, constituindo documentos essenciais à defesa dos direitos do trabalhador arguido, a respectiva junção além de essencial, permitira de forma objectiva apurar a verdade dos factos alegados seja na nota de culpa, seja na resposta à mesma.
C)- Requer a inquirição das seguintes TESTEMUNHAS todas a apresentar:
1. KK- residente na Rua..., a depor sobre os factos 1 a 35 da resposta a nota de culpa.
2-LL- residente na Rua..., a depor sobre os factos 36 a 65 da resposta a nota de culpa,
3-MM- residente na Rua... Bartolomeu dos Galegos, Lourinhã — a depor sobre os factos 66 a 95 da resposta a nota de culpa
4-NN- residente na Rua...- a depor sobre todo o articulado na resposta à nota de culpa.”
34- Mais requereu, nos pontos 3 e 4, da referida resposta que: “a arguente venha no prazo de cinco dias, juntar aos presentes autos, certidão integral do dito processo disciplinar que culminou com o seu despedimento em 2017 e que deu origem á impugnação judicial, Bem como requer seja notificado ao trabalhador arguido de tudo quanto nele processado e para os legais efeitos.”
35- Sobre o requerimento probatório apresentado pelo trabalhador na resposta à nota de culpa pronunciou-se a empregadora, por escrito a 30-01-2023, que remeteu ao trabalhador, nos seguintes termos:













36- No dia 17-03-2023, a Empregadora procedeu à inquirição, no âmbito do processo disciplinar, da testemunha BB. (alterado nos termos do ponto 3.3.1.)
37- A 14-04-2023, recebeu o trabalhador a decisão final da empregadora, datada de 11-04-2023, acompanhada do relatório final, da qual consta o seguinte:
(…)
38- Não são conhecidos ao trabalhador antecedentes disciplinares.
39- À data do despedimento o trabalhador auferia a quantia ilíquida de € 846,96.
40- O despedimento de que foi alvo, o não pagamento das quantias referidas em 8) e 9) dos factos provados e a reintegração apenas a 23 de Setembro de 2022 causaram no autor sentimentos de revolta. (alterado nos termos do ponto 3.4.2.)
41- Tendo esse estado de espírito se agravado em virtude de ter sido efectivamente despedido.
42- Desde a data referida em 6) até à sua reintegração, e desde o despedimento objecto dos presentes autos, o autor vive dos rendimentos auferidos pela sua companheira. (alterado nos termos do ponto 3.4.2.)
43- O autor tem penhora que incide sobre o seu vencimento.
44- A Empregadora foi associada efectiva da Associação empresarial – AESIRF - Associação Nacional das Empresas de Segurança – desde 01 de Novembro de 2018 a 18 de Fevereiro de 2021.
45- Em 01-04-2022, o ora trabalhador deduziu contra a ora entidade empregadora incidente de liquidação de sentença, que corre termos por apenso ao processo identificado em 7).
46- Por sentença proferida no referido incidente em 30-08-2023, foi proferida a seguinte decisão não transitada em julgado:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provado, o presente incidente e, em conformidade, condeno XX, S.A., a pagar a AA, a quantia de € 22.366,80 (vinte e cinco mil seiscentos e novecentos e dezanove euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação para o presente incidente, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.”
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
De resto, não se logrou provar quaisquer outros factos relevantes, alegados ou não, resultantes da discussão da causa, e/ou que estivessem em oposição com os factos atrás referidos, designadamente que:
a) Atento o reporte do Chefe de Grupo que no dia 4 de Outubro de 2022, resultou provado que quando o colega de posto II se encontrava a prestar indicações ao colega JJ, que se encontrava em estágio, foi interrompido pelo autor que o apelidou de incompetente, afirmando que o serviço em referência (restrição ao recinto masculino de um utente) não tinha que ser praticado pelos vigilantes, o que se revela absolutamente errado;
b) A conduta perpetrada pelo Trabalhador Arguido dificultou o estágio prestado ao colega JJ, visto ter sido apto a influenciar o comportamento deste último, sendo o comportamento daqueles idóneo a incomodar e constringir os demais colegas de posto, nomeadamente, falando crioulo entre eles, sendo perceptível que as suas conversas eram no sentido de estarem desagradados com a entidade empregadora, o que gerava mau ambiente;
c) a f) (eliminados nos termos do ponto 3.3.1.)
g) Tendo conhecimento que o autor ia todos os dias à sua sede clamar pela sua colocação no posto de trabalho devido e pelo pagamento do respectivo salário;
h) Isto, apesar de ter recebido ordens dos seus superiores hierárquicos para aguardar em casa a sua colocação em novo posto de trabalho;
i) A ré pagou ao trabalhador os créditos a que alude o facto provado 8), bem como as retribuições vencidas desde a data do trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa referido em 9);
j) e k) (eliminados nos termos do ponto 3.3.1.)
l) O trabalhador necessita de fazer tratamento de foro psicológico, devido aos dois despedimentos. (alterado nos termos do ponto 3.3.1.)
3.3. Recurso do autor:
3.3.1. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC, com a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
O Apelante formula pretensão de alteração da decisão sobre a matéria de facto no sentido de:
- a constante dos pontos 12, 15 – 2.ª parte, 16 – 1.ª parte, 17, 19, 22, 23, 24, 25 e 26 ser considerada como não provada;
- a constante dos pontos 13, 14, 15 – 1.ª parte, 16 – 2.ª parte, 18 e 36 ser considerada como provada com diferente redacção;
- a constante das alíneas c), d), e), f), g), h), j), k) e l) ser considerada como provada.
Como nota prévia, sublinha-se que a decisão sobre a matéria de facto pressupõe que recaia sobre factos.
Assim, coerentemente, dispunha o n.º 4 do art.º 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito.
Acresce que, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art.º 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.
Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não os conceitos ou efeitos jurídicos ou as conclusões ou juízos de valor a extrair dos factos à luz das normas jurídicas aplicáveis1.
Em conformidade, a solução jurídica das questões a decidir deve resultar da aplicação e interpretação do direito – pelo tribunal – aos factos concretos que as partes aleguem e provem.
Posto isto, vejamos então a pretensão do Apelante.
Relativamente à factualidade atinente ao horário de trabalho, deve ter-se presente que o tribunal recorrido consignou a fundamentação da sua decisão nos seguintes termos:
«Para dar por provada e não provada a factualidade que supra se consignou como tal, baseou o Tribunal a sua convicção no acordo e confissão das partes plasmados nos seus articulados, bem como em sede de audiência de discussão e julgamento, quando conjugado de forma crítica e concatenada com o teor da prova testemunhal produzida nessa mesma sede e com teor dos documentos juntos aos autos, tudo analisado à luz das regras de experiência comum, bom senso e razoabilidade.
Concretizando.
(…)
No que à factualidade provada elencada em 12) a 19) e 21) a 26) concerne, bem como a não provada elencada em a) e b), estribou o Tribunal a sua convicção nos depoimentos conjugados das testemunhas BB, CC, OO, PP e GG quando concatenados com as declarações de parte prestadas pelo Trabalhador, escusando-nos de aqui reproduzir os respectivos depoimentos, por se encontrarem gravados.
Saliente-se desde já que o Trabalhador, nas declarações de parte que prestou em audiência final, admitiu que apenas realizava o horário das 7h às 15h, de segunda a sexta-feira e que o fazia, por entender ser esse o seu horário, não cumprindo o horário rotativo e escalas determinadas.
Os trabalhadores BB e OO reiteraram o admitido por parte do trabalhador no que ao cumprimento do horário de trabalho por parte deste concerne, tendo o trabalhador BB relatado, de forma circunstanciada e sustentada, a sucessão lógica e cronológica da postura do trabalhador desde o dia em que compareceu naquele serviço, como este recebeu a noticia do horário distribuído, a razão pela qual foi o referido horário alterado e por quem, bem como o impacto que a recusa do trabalhador teve no serviço prestado no posto da Quinta... (determinando ou a substituição do trabalhador ou a alocação de menos trabalhadores do que os inicialmente previstos) e que culminou, posteriormente, com o pedido do próprio cliente de não querer mais o ora trabalhador em tal posto.
O referido pela testemunha BB, além de nos ter merecido credibilidade pelo modo espontâneo e singelo como depôs, mostra-se ainda respaldado quer nos depoimentos prestados pelas testemunhas OO e GG, respectivamente trabalhador e responsável pela segurança do cliente os quais, demonstrando conhecimento directo dos factos, corroboraram neste particular o relatado por BB, quer nos emails remetidos à Empregadora por parte de GG por parte de BB, à data dos factos.
Relevou ainda o depoimento prestado por CC, o qual, pelas funções que desempenha na Empregadora, foi várias vezes chamado a solucionar a situação causada pela recusa de cumprimento de horários do Autor.
(…)
O depoimento da testemunha PP relevou para esclarecer o Tribunal o impacto que a conduta do trabalhador teve, quer junto dos colegas, quer junto do cliente.
Esclareça-se, por fim, que o depoimento das referidas testemunhas nos mereceu credibilidade porquanto, não obstante trabalharem por conta da Empregadora, limitaram-se a relatar de forma objectiva os factos de que tiveram conhecimento directo ou por força do exercício das funções que desempenham por conta desta, de modo concordante entre si e na demais prova constante dos autos (mormente nos emails à data trocados quer nas declarações do Autor) sendo certo que, no que à factualidade dada por não provada em a) e b) nenhuma prova cabal foi produzida quanto à mesma.
(…)
Por fim, cabe referir que o depoimento prestado pelas testemunhas KK, LL e MM não relevou para a formação da convicção do Tribunal no que diz respeito à factualidade levada à consignação, por não terem conhecimento directo de tais factos.»
Ora, o Recorrente pretende que os factos 12, 17 e 19 sejam considerados como não provados e os restantes sejam considerados como provados do seguinte modo, dando-se como não provado o mais que deles consta actualmente:
13- O autor recusou-se legitimamente a aceitar o novo horário que lhe tinha sido atribuído, uma vez que tinha antes acordado com a ré um horário idêntico ao anterior despedimento, ou seja, de 8 horas diárias, com descanso aos sábados, domingos e feriados, de modo a conciliar a sua actividade profissional com a vida familiar. Tendo sido elaborado e apresentado, pelo coordenador CC, um novo horário atribuindo ao autor um horário rotativo de turno das 7H00 às 15H00, das 15h00 às 23h00 e da 23h00 às 7h00, contrariamente ao que tinha sido combinado anteriormente com o autor.
14- Perante a alteração de horário em 13), o autor comunicou ao seu superior hierárquico BB que ia cumprir o horário das 7H00 às 15H00 em dias úteis, conforme o seu horário individualmente acordado e atribuído, ou seja, com descanso aos fins de semana e feriados, vide pontos 12 e 18 da factualidade provada relativamente ao anterior processo judicial n.º 1395/18.5T8CSC ponto 20 dos factos provados inserto nesta sentença.
15- Verificou-se nos dias seguintes que o autor cumpriu o horário laboral das 7h00 às 15h00.
16- Nos dias 27 e 28 de Setembro de 2022, o autor esteve no posto de vigilância das 07:00 às 15:00, cumprindo o horário.
18- O autor recusou os horários que lhe eram atribuídos, porquanto, tendo sido reintegrado deveria a ré manter o autor no horário que tinha antes do processo judicial supra identificado.
Verifica-se que o Apelante fundamenta as alterações pretendidas, essencialmente, nas suas próprias declarações de parte, no depoimento da testemunha BB na parte em que corrobora o que o Autor lhe transmitiu acerca de qual era o horário de trabalho que entendia que devia cumprir e ainda na cláusula 3.ª do contrato de trabalho, de modo a que os pontos em apreço deixem de conter a mera descrição dos concretos factos ocorridos e passem a conter a própria solução jurídica no sentido de que o horário de trabalho que o autor estava obrigado a cumprir era o que o mesmo invoca e o autor não desobedeceu ilegitimamente, o que é legalmente inadmissível, nos sobreditos termos, uma vez que devem ter-se por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito.
A prova dos factos impugnados em apreço mostra-se consistentemente alicerçada nos depoimentos consentâneos das testemunhas BB, CC, OO e GG, conjugadamente com os documentos referidos nos mesmos e as declarações de parte do autor, nos termos que constam da fundamentação do tribunal acima transcrita, e é a partir deles e dos restantes pertinentes, nomeadamente os constantes dos pontos 2, 10, 11, 20 e 21 que esta Relação tem de responder às referidas questões à luz do direito aplicável.
Acresce que aqueles depoimentos testemunhais, no que concerne à temática do horário de trabalho, se baseiam em conhecimento directo no exercício de funções profissionais, pelo que são irrelevantes as invocações do Apelante atinentes a conhecimento indirecto de outras testemunhas ou sobre outras situações, bem como as respeitantes ao valor das declarações de parte como meio probatório suficiente por si mesmo, posto que no presente caso não é o único meio de prova disponível e, pelo contrário, também foi produzida prova testemunhal e documental quantitativa e qualitativamente substancial e impressiva, nos termos referidos.
Em face do exposto, improcede a pretensão do Recorrente nesta parte.
Relativamente à factualidade atinente a outros comportamentos do autor com eventual relevância disciplinar, o tribunal recorrido consignou a fundamentação da sua decisão nos seguintes termos:
«Para dar por provada e não provada a factualidade que supra se consignou como tal, baseou o Tribunal a sua convicção no acordo e confissão das partes plasmados nos seus articulados, bem como em sede de audiência de discussão e julgamento, quando conjugado de forma crítica e concatenada com o teor da prova testemunhal produzida nessa mesma sede e com teor dos documentos juntos aos autos, tudo analisado à luz das regras de experiência comum, bom senso e razoabilidade.
Concretizando.
(…)
No que à factualidade provada elencada em 12) a 19) e 21) a 26) concerne, bem como a não provada elencada em a) e b), estribou o Tribunal a sua convicção nos depoimentos conjugados das testemunhas BB, CC, OO, PP e GG quando concatenados com as declarações de parte prestadas pelo Trabalhador, escusando-nos de aqui reproduzir os respectivos depoimentos, por se encontrarem gravados.
(…)
No que diz respeito aos demais comportamentos do Autor dados por provados (utilização do telemóvel e o modo como o Autor falava da empregadora por força do litigio existente entre ambos), atentou-se no depoimento prestado BB e OO os quais, demonstrando conhecimento de tais factos o relataram de forma circunstanciada, sustentada e não empolada, tendo ainda esclarecido perante quem o trabalhador falava do litigio que tem com a empregadora e em que termos, bem como em que contexto usava o seu telemóvel pessoal, mais tendo ambos referido que apenas souberam do litigio por tal lhes ter sido relatado pelo trabalhador quando se apresentou ao serviço.
O depoimento da testemunha PP relevou para esclarecer o Tribunal o impacto que a conduta do trabalhador teve, quer junto dos colegas, quer junto do cliente.
Esclareça-se, por fim, que o depoimento das referidas testemunhas nos mereceu credibilidade porquanto, não obstante trabalharem por conta da Empregadora, limitaram-se a relatar de forma objectiva os factos de que tiveram conhecimento directo ou por força do exercício das funções que desempenham por conta desta, de modo concordante entre si e na demais prova constante dos autos (mormente nos emails à data trocados quer nas declarações do Autor) sendo certo que, no que à factualidade dada por não provada em a) e b) nenhuma prova cabal foi produzida quanto à mesma.
(…)
Por fim, cabe referir que o depoimento prestado pelas testemunhas KK, LL e MM não relevou para a formação da convicção do Tribunal no que diz respeito à factualidade levada à consignação, por não terem conhecimento directo de tais factos.»
O Apelante pretende que os factos 22 e 23 sejam considerados como não provados tendo em conta as suas próprias declarações de parte e os depoimentos das testemunhas KK, LL e MM, o mesmo devendo suceder com os factos 24 a 26 por dependerem dos primeiros.
Todavia, as testemunhas indicadas admitiram que não têm conhecimento directo dos factos em apreço, enquanto as testemunhas BB e OO depuseram de modo firme e congruente no sentido de que os mesmos se verificaram, conforme constataram directamente no exercício das respectivas funções, pelo que, também aqui, as declarações de parte prestadas, como único elemento de prova dissonante, não são de molde a suplantar a prova testemunhal produzida de modo credível, nos termos constantes da fundamentação do tribunal recorrido acima transcrita.
O Recorrente argumenta ainda que os factos 22 e 23 têm natureza conclusiva, sendo certo que os mesmos têm actualmente a seguinte redacção:
22- Desde o primeiro dia de trabalho, após a reintegração, o autor manteve uma postura provocatória e ofensiva contra a Ré, porquanto, no seu local e horário de trabalho comentava e adjectivava, de viva-voz e de forma incessante, perante os residentes do WW, dos funcionários deste e dos seus colegas, o processo judicial que tinha com a empregadora, na sequência do qual foi ordenada a sua reintegração, bem como a “guerra” que tinha com esta.
23- Ademais, usava constantemente o seu telemóvel pessoal, onde, durante o turno, assistia a vídeos com som alto, que mostrava aos colegas, interrompendo o seu trabalho.
Considerando o acima explicitado, entende-se que devem ser eliminadas as expressões «o autor manteve uma postura provocatória e ofensiva contra a Ré», «adjectivava», «de forma incessante» e «constantemente», por manifestamente conclusivas, podendo as últimas ser substituídas pela expressão «o que sucedeu em várias ocasiões», por tal resultar inequivocamente dos depoimentos das testemunhas BB e OO.
Em face do exposto, a pretensão do Recorrente procede apenas nesta medida.
O Apelante pretende ainda que o ponto 36 passe a ter a seguinte redacção: No dia 17.03.2023, a Empregadora procedeu à inquirição, no âmbito do processo disciplinar, da testemunha BB, depois de declarar findas as diligências probatórias e instrutórias no âmbito dos autos disciplinares.
Justifica-se a correcção do lapso material evidenciado quanto à data, mas não o demais, que seria redundante tendo em conta o constante do ponto 35.
Por outro lado, o Apelante pretende que se considerem como provados os seguintes enunciados, por entender que decorrem de factualidade que o tribunal deu como provada:
c) Ao juntar ao processo disciplinar apenas os documentos referidos em 46, pretendeu a Empregadora juntar aos autos disciplinares apenas a documentação por si forjada, que facilita a sua vontade de se vingar do trabalhador arguido, por este ter tido ganho de causa no processo a que alude o ponto 7) da nota de culpa;
d) A Empregadora falsificou factos com o propósito de despedir o trabalhador;
e) A ruptura da relação laboral, em 2017, que deu origem ao processo referido em 7), tinha falsos fundamentos;
f) A ré de absoluta má fé, invocara abusivamente, o abandono do trabalho pelo autor, cuja falsidade não podia desconhecer;
g) Tendo conhecimento que o autor ia todos os dias à sua sede clamar pela sua colocação no posto de trabalho devido e pelo pagamento do respectivo salário;
h) Isto, apesar de ter recebido ordens dos seus superiores hierárquicos para aguardar em casa a sua colocação em novo posto de trabalho;
Ora, a própria argumentação do Recorrente é no sentido de que, sem prejuízo da factualidade provada que invoca, designadamente a constante dos pontos 7, 20, 29, 31 e 46, os enunciados das alíneas c) a f) são meras conclusões destituídas de concretização fáctica, contendo juízos de valor a retirar ou não daquela factualidade provada e doutra que se provasse, nomeadamente a constante das alíneas g) e h).
Assim, tendo presente o acima explicitado, o constante das alíneas c) a f) não deveria ter ficado consignado enquanto factos não provados, impondo-se a sua eliminação, sendo certo que o Apelante não indicou quaisquer meios probatórios que sustentem a alteração dos factos das alíneas g) e h), pelo que, sem prejuízo do provado sob o ponto 20, a pretensão do Recorrente também não pode proceder quanto aos mesmos.
Finalmente, o Apelante reclama que se dêem como provados os seguintes factos:
j) A Empregadora despediu o ora autor com o mero intuito de o prejudicar em termos pessoais e patrimoniais;
k) A penhora referida em 43 teve como causa o seu anterior despedimento e impossibilidade de receber as suas remunerações vencidas e honrar os seus compromissos;
l) O trabalhador necessita de fazer tratamento de foro psicológico, devido aos dois despedimentos, mas não dispõe de meios para suportar os custos.
O Recorrente invoca o depoimento prestado por NN, sua companheira, na parte em que refere que o autor se sentiu mais revoltado com a instauração do processo disciplinar e consequente despedimento, bem como o que se pode concluir da factualidade provada.
Ora, como é bom de ver, aquela referência por si só é manifestamente insuficiente para que se considere como provada a 1.ª parte do enunciado da alínea l), sendo irrelevante para tudo o mais em apreço, que, aliás, não passa de meras conclusões a retirar ou não da factualidade provada e doutra que se provasse para concretizá-las.
Deste modo, atendendo ao acima explicitado, o constante das alíneas j), k) e l) – 2.ª parte não deveria ter ficado consignado enquanto factos não provados, impondo-se a sua eliminação, e a 1.ª parte do enunciado da alínea l) não é passível de alteração por falta de prova bastante.
3.3.2. O Apelante invoca seguidamente a nulidade do processo disciplinar com os seguintes fundamentos: falta de descrição circunstanciada das condutas imputadas ao autor na nota de culpa; falta de inquirição, sem justificação, de testemunhas arroladas pelo autor; inquirição de testemunha da ré depois de dar por finda a instrução e sem a presença do autor ou seu mandatário.
Estabelece o Código do Trabalho, na parte pertinente:
Artigo 353.º
Nota de culpa
1 - No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.
(…)
Artigo 355.º
Resposta à nota de culpa
1 - O trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
(…)
Artigo 356.º
Instrução
1 - O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito.
2 - (Revogado.)
3 - O empregador não é obrigado a proceder à audição de mais de três testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de 10 no total.
4 - O trabalhador deve assegurar a comparência das testemunhas que indicar.
(…)
Artigo 381.º
Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Artigo 382.º
Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respectivo procedimento for inválido.
2 - O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º.
Artigo 389.º
Efeitos da ilicitude de despedimento
1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º
2 - No caso de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 356.º, se forem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.º 1 do artigo 391.º.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.
No que respeita à falta de descrição circunstanciada das condutas imputadas ao autor na nota de culpa, discorreu-se na sentença do seguinte modo:
«Assim e face às normas supra referidas conclui-se que o procedimento disciplinar pode ser declarado inválido se a nota de culpa não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador. E compreende-se que assim seja. Sendo a nota de culpa o documento por via do qual o trabalhador toma conhecimento dos factos que motivam a instauração de um processo disciplinar, que pode culminar com a aplicação de uma sanção disciplinar, e com base no qual tem que exercer o seu direito de defesa, é fundamental que tal documento espelhe, com a maior clareza e especificação possíveis, a factualidade integradora da infracção disciplinar, sob pena de, assim não sendo, ao trabalhador ser impossível defender-se, assim se inviabilizando, pelo menos do ponto de vista material, o seu direito de audição e defesa. Com efeito, o trabalhador apenas se poderá, cabalmente, defender dos factos que lhe são imputados caso dos mesmos possa inferir, em concreto, do que está acusado.
Integrador da concretização dos factos surge o seu circunstancialismo de modo, tempo e lugar. E, concretamente, no que concerne ao elemento temporal, dir-se-á que é este essencial por forma a que o trabalhador possa não só identificar os factos que lhe são imputados e situá-los no tempo mas também para que possa, querendo, invocar a respectiva prescrição, seja em sede de processo disciplinar seja, depois, em acção com vista à impugnação da sanção disciplinar que eventualmente lhe venha a ser aplicada.
Acresce que a nota de culpa recorta o substrato factual da decisão, já que desta não poderão constar factos distintos dos elencados naquela, e consubstancia, ou pode consubstanciar, a final, o substrato da apreciação judicial que, mais tarde, venha a, sobre ela, incidir.
A noção de descrição circunstanciada de factos tem, em cada uma das palavras que compõem a expressão, um comando claro sobre o ónus que impende sobre o Empregador, pois a nota de culpa deve conter:
a) Uma descrição – ou seja, precisa de relatar, caracterizar os comportamentos relevantes e que compõem a conduta putativamente geradora de justa causa;
b) Circunstanciada – tem de explicitar, com tanta aproximação quanto seja possível, as circunstâncias de modo, tempo e lugar do comportamento, para que o trabalhador possa defender-se eficazmente (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/11/2018, Proc. nº 94/17.0T8BCL-A.G1.S1, publicado em www.dgsi.pt);
c) De factos – isto é, a nota de culpa não pode conter, apenas, imputações genéricas, juízos conclusivos, referências jurídicas ou alusões vagas, mas deve, pelo contrário, proceder à narração de factos naturalísticos, susceptíveis de sobre eles recair um juízo de veracidade, uma actividade probatória directa ou uma operação de falsificabilidade, permitindo uma defesa de natureza fáctica e não um debate de meras opiniões sobre circunstâncias não concretamente vertidas na nota de culpa. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/10/2021, Proc.n.º 4163/19.3T8MTSA.P1, publicado em www.dgsi.pt).
Quanto à admissibilidade de um grau de exigência menor quando se verifique que o Trabalhador conseguiu identificar e exercer a sua defesa relativamente à nota de culpa, essa susceptibilidade apenas se estende à circunstanciação, na medida em que a falta de natureza descritiva ou factual da nota de culpa é insuprível.
Mais se refira que, não estando em causa uma total ausência de uma descrição circunstanciada dos factos na nota de culpa, a invalidade do procedimento será somente parcial (não implicando, assim, a ilicitude do despedimento), sendo simplesmente considerados como não escritos (art.º 292º ex vi art.º 295º do Código Civil) os artigos ou partes de artigos que não obedeçam à regra prevista no art.º 353.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Ora, analisada a nota de culpa enviada ao Trabalhador e o articulado motivador, forçoso é concluir que esta apesar de não estar elaborada de forma perfeita ainda assim contém a descrição minimamente circunstanciada dos factos no que se refere ao tempo e lugar, ainda que abundem artigos conclusivos, genéricos e vagos – mormente os elencados nos arts. 22.º, 23.º, 26.º, 27.º, 29.º, 34.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 47.º, - que, de resto, não foram levados à consignação nos termos e com os fundamentos que supra se deixaram expostos.
Face ao exposto, considero, pois, que os factos estão descritos de forma circunstanciada o bastante para que o trabalhador os pudesse ter entendido e se pudesse ter defendido concretamente relativamente a eles, o que aliás fez, sem prejuízo de não serem considerados juízos conclusivos e genéricos, como não foram.
Por outro lado, pese embora exista, de facto, uma desconformidade factual entre a nota de culpa, decisão de despedimento e articulado motivador, com a identificação de factos novos de natureza não atenuativa da responsabilidade do trabalhador, como são os alegados em 19º e 23.º do articulado motivador, a consequência a retirar é a da impossibilidade de considerar esses factos na formulação do juízo da justa causa de despedimento conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 09-10-2019, no Proc. 2123/17.8T8LRA.C1.S1, o que igualmente se fez.»
O Apelante, no seu recurso, limita-se a insistir que da análise do teor da nota de culpa (e do relatório final) resulta que as imputações feitas ao autor não se encontram concreta e especificamente circunstanciadas e constituem apenas e tão só juízos conclusivos, genéricos, vagos e imprecisos, exemplificando com os constantes dos artigos 11.º, 12.º, 16.º, 17.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 29.º, 30.º, 31.º, 34.º, 35.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 47.º, 49.º, 50.º, 51.º e 52.º da nota de culpa, mas não rebate – nem podia, por ser pacificamente aceite – o que na sentença se sublinha no sentido de que a deficiente ou insuficiente descrição de parte dos factos imputados não afecta a validade da nota de culpa relativamente à parte em que se descrevam circunstanciadamente factos praticados pelo trabalhador.
Ora, muitos dos artigos da nota de culpa invocados pelo Recorrente não visam sequer imputar factos disciplinarmente relevantes ao autor mas apenas enquadrar a ocorrência destes nas antecedentes vicissitudes da relação laboral vigente entre as partes, enquanto outros visam apenas extrair juízos de valor da adequada e suficiente descrição de factos devidamente circunstanciados, e outros, ainda, efectivamente, visam imputar ao autor infracções disciplinares que não se mostram devidamente concretizadas do ponto de vista factual.
Todavia, o que importa, à luz das considerações tecidas na sentença, que se acolhem, tanto mais que o Recorrente as não contesta, é que a nota de culpa permite autonomizar uma adequada e suficiente descrição de factos devidamente circunstanciados, nos termos que foram levados à factualidade dada como provada entre os pontos 10 e 26 e à factualidade considerada não provada sob as alíneas a) e b), sem prejuízo da irrelevância de tudo o mais, como também na sentença se observou.
A factualidade carreada da nota de culpa e que ficou dada como provada entre os pontos 10 e 26 mostra-se devidamente situada no espaço – na medida em que inequivocamente se indica como verificada no local de trabalho do autor – e no tempo – uma vez que claramente se refere que ocorreu desde a data da reintegração até à data da suspensão preventiva, estando ainda pormenorizada quanto aos dias no tocante à inobservância do horário de trabalho atribuído –, sendo certo que o modo de proceder do trabalhador em qualquer das condutas que se descrevem também se mostra concretizado, apenas não se logrando determinar o número de vezes que o autor emitiu os comentários ou usou o telemóvel pessoal nos termos constantes dos pontos 22 e 23, com a exclusiva consequência de esse detalhe dever ser valorizado a favor do trabalhador.
Por outro lado, improcede também a invocada nulidade do processo disciplinar baseada na falta de inquirição, sem justificação, de testemunhas arroladas pelo autor.
Com efeito, conforme decorre do provado sob os pontos 31, 33, 34 e 35, a inquirição das testemunhas não se realizou porque foi agendada pela instrutora para o dia 13 de Janeiro de 2023 mas nesta data, aberta a diligência, o mandatário do autor, acompanhado deste, informou que não ia avançar com a inquirição uma vez que considerava facto impeditivo não ter sido junta certidão do alegado processo disciplinar instaurado no ano de 2017 que teria culminado com o despedimento do trabalhador e consequente impugnação judicial, requerendo o reagendamento para data posterior à junção.
Ora, nem esta junção de documento constava do requerimento probatório que o autor autonomizou no final da sua resposta à nota de culpa (em que, inclusivamente, requereu a junção doutros documentos), mas apenas dos artigos 3 e 4 do corpo da mesma, nem o autor mencionou no requerimento probatório que condicionava a inquirição das testemunhas à prévia junção daquele documento, ao contrário de ter expressamente requerido a presença do trabalhador e seu mandatário no acto, nem, por fim, se vislumbra qualquer justificação atendível para tal condicionamento – que o autor não explicitou –, uma vez que a requerida junção de documento e apenas ela era idónea a infirmar o alegado no artigo 7 da nota de culpa (que não se refere a factualidade imputada ao autor mas a mero enquadramento da mesma nas antecedentes vicissitudes da relação laboral), e, ainda que assim não fosse, a 1.ª testemunha estava indicada a depor sobre os artigos 1 a 35, a 2.ª testemunha sobre os artigos 36 a 65, a 3.ª testemunha sobre os artigos 66 a 95 e a 4.ª testemunha sobre todos os artigos, sempre da resposta à nota de culpa, isto é, nem todos os depoimentos abrangiam a (irrelevante) pronúncia sobre a matéria do artigo 7 da nota de culpa, a qual se mostrava inserta nos artigos 1 a 7 da resposta do trabalhador.
Por todo o exposto, só pode concluir-se que a não inquirição das testemunhas arroladas pelo autor no dia designado pela instrutora (13 de Janeiro de 2023) é imputável ao mesmo e que era manifestamente dilatória a pretensão de que a mesma voltasse a ser agendada para data subsequente à aludida junção de documento, sem que tal tivesse sido requerido oportunamente na resposta à nota de culpa e, principalmente, sem que tivessem sido apresentadas razões relevantes, que o tribunal também não alcança minimamente em face das anunciadas finalidades de ambos os meios probatórios e da irrelevância da factualidade do ponto 7 da nota de culpa para efeitos da apreciação da justa causa de despedimento.
Sempre se dirá, ainda, que, nos termos das disposições legais acima transcritas, mormente arts. 381.º, 382.º e 389.º, n.º 2 do Código do Trabalho, a situação invocada não seria causa de invalidade do procedimento disciplinar nem de ilicitude do despedimento, mas de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.ºs 1 e 3 do art.º 356.º, se fossem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, conferindo ao trabalhador apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.º 1 do art.º 391.º do mesmo diploma legal.
Já quanto à inquirição de testemunha da ré depois de esta ter dado por finda a instrução e sem a presença do autor ou seu mandatário, conforme decorre das mesmas disposições legais, não é causa nem de invalidade do procedimento disciplinar e ilicitude do despedimento nem de mera irregularidade ou deficiência de procedimento.
Com efeito, no âmbito do procedimento disciplinar, o empregador não tem o ónus de fazer prova dos factos imputados ao trabalhador na nota de culpa, sendo facultativa a realização de diligências probatórias que não tenham sido requeridas por este, pelo que é irrelevante do ponto de vista da validade e regularidade do procedimento que as faça ou não e, por maioria de razão, as circunstâncias de tempo, lugar ou modo em que as faça, desde que não ocorra violação dos direitos do trabalhador susceptível de por si mesma acarretar a invalidade ou irregularidade, nomeadamente o de consultar o processo e responder à nota de culpa no prazo de 10 dias úteis a contar do recebimento desta (art.º 355.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
Nesta conformidade, entende-se que a sentença recorrida apreciou a questão com acerto, nomeadamente quando concluiu:
«Ou seja, pelos transcritos fundamentos não estava vedado à empregadora ouvir a referida testemunha nos termos em que o fez.
Não podia, no entanto, extrair de tal depoimento factos novos ou concretizar alegação ou juízos conclusivos, conforme fez.
Porém, a única consequência a retirar de tal conduta é a da impossibilidade de considerar esses factos na formulação do juízo da justa causa de despedimento.»
Em face do exposto, improcede totalmente o recurso na parte em que defende a ilicitude do despedimento do autor por invalidade do processo disciplinar.
3.3.3. Cabe, então, apreciar a questão da alegada inexistência de justa causa de despedimento.
Nos termos do art.º 351.º do Código do Trabalho, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constitui justa causa de despedimento (n.º 1).
Acrescenta o n.º 2, a título exemplificativo, alguns comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento.
Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes (n.º 3).
Deste modo, são requisitos de justa causa de despedimento:
- um comportamento culposo e ilícito (activo ou passivo) do trabalhador, necessariamente consubstanciador de violação grave dos seus deveres profissionais;
- a imediata impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral com o empregador;
- e o nexo causal entre aquele comportamento e esta impossibilidade de manutenção do contrato.
Assim, em última análise, o que é preciso saber é se os factos imputados ao trabalhador e que se tenham provado e sejam relevantes são aptos para criar uma situação de inexigibilidade para o empregador, no sentido de não ser aceitável para o concreto incumprimento do contrato por aquele outra consequência jurídica que não seja a resolução pelo empregador. Mais: é preciso que tal inexigibilidade e adequação do despedimento sejam apreciadas objectivamente, isto é, do ponto de vista dum empregador normal com características idênticas a nível do quadro de gestão da empresa, do grau de lesão dos interesses, do carácter das relações com o trabalhador ou entre este e os seus companheiros, etc..
Deste modo, “[c]erta infracção poderá constituir justa causa quando, em concreto, se não possa exigir, segundo as regras da boa fé, que o empregador se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma sanção disciplinar propriamente dita, quer dizer, uma medida punitiva que não afecte, antes viabilize, a permanência do vínculo. Como se vê, este enunciado reproduz a ideia de inexigibilidade que está subjacente ao conceito de justa causa, só que o refere aos instrumentos de defesa da conservação do contrato que são, no terreno disciplinar, as sanções de repreensão, multa e suspensão.”2
Salienta ainda a jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, a noção de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução dos contratos reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais, pelo que, sempre que o comportamento do trabalhador seja susceptível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, existirá justa causa para o despedimento.
Assim, a título exemplificativo, veja-se o Acórdão do STJ de 22-09-20103, em que se refere que “[n]o âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem vindo a ser enfatizado o papel da confiança nas relações de trabalho, salientando-se a sua forte componente fiduciária para se concluir que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.”
Retornando ao caso em apreço, constata-se que se provou, com relevância disciplinar:
A ré remeteu ao autor uma carta, com data de 20 de Setembro de 2022, para se apresentar nas instalações da WW, Quinta..., pelas 08H00 do dia 23 de Setembro de 2022.
No dia 23 de Setembro de 2022, o autor apresentou-se no posto de vigilância pelas 11H00, porquanto apenas nesse dia tomou conhecimento do teor da missiva referida em 9), tendo-se ausentado do local de trabalho das 13h30 às 14h10, a fim de comprar alimentos.
Nessa data, foi indicado ao trabalhador, não só na carta de reintegração, mas também pelo seu superior hierárquico, BB, que o horário de trabalho a cumprir era o que estava afixado no posto de vigilância, a saber, horário rotativo de turnos, das 8H00 às 16h00 (diurno) e das 16H00 às 23H39 (nocturno).
O autor recusou-se a aceitar o horário que lhe tinha sido atribuído, pelo que foi elaborado e apresentado, pelo coordenador CC, um novo horário atribuindo ao autor um horário rotativo de turno das 7H00 às 15H00, das 15h00 às 23h00 e das 23h00 às 7h00.
Já com esta alteração, o autor, ainda assim, recusou-se a cumprir os turnos que incluíam as horas nocturnas, dizendo que só aceitava realizar o turno das 7H00 às 15H00 em dias úteis, o que a entidade empregadora não autorizou.
Verificou-se nos dias seguintes que o autor se limitou a realizar o turno das 7h00 às 15h00, apesar de estar escalado das 15:00h às 23:00h, o que levou o chefe de equipa BB, em 28 de Setembro, a remeter email, ao respectivo coordenador e superior hierárquico CC, com o seguinte teor:
"(...) como já tinha dito ontem o vigilante AA não está a cumprir a escala enviada pela XX, S.A.:
Na escala ontem 27/09 e hoje 28/09 estaria das 15:00h às 23:00h mas continua a vir apenas de manhã das 07:00 às 15:00."
O autor sabia que o horário de trabalho fixado para os dias 27 e 28 de Setembro de 2022 era das 15:00h às 23:00h, contudo esteve no posto de vigilância das 07:00 às 15:00.
O autor recusou-se ainda, até à sua suspensão preventiva, a realizar os turnos que lhe estavam atribuídos em períodos nocturnos, em feriados e em fins-de-semana, nomeadamente no dia 5-10-2022 (feriado nacional).
O autor recusou os horários que lhe eram atribuídos, porquanto entendeu que deveria manter a mesma carga horária e horário que alegadamente exercia antes do processo judicial supra identificado.
O que implicou, por parte da empregadora, proceder à reorganização de toda a equipa de vigilantes alocados ao posto da Quinta... cujo sistema de operação estava previamente delineado a contar com o Autor.
Por outro lado, desde o primeiro dia de trabalho, após a reintegração, o autor, no seu local e horário de trabalho, comentava de viva-voz, perante os residentes do WW, dos funcionários deste e dos seus colegas, o processo judicial que tinha com a empregadora, na sequência do qual foi ordenada a sua reintegração, bem como a “guerra” que tinha com esta, o que sucedeu em várias ocasiões.
Ademais, usava o seu telemóvel pessoal, onde, durante o turno, assistia a vídeos com som alto, que mostrava aos colegas, interrompendo o seu trabalho, o que sucedeu em várias ocasiões.
O que levou BB, chefe do grupo, a reportar à Empregadora, em 06-10-2022, essas situações, nos termos provados sob o ponto 24.
E, no dia 11 de Outubro, terça-feira, o responsável pela segurança do cliente, Eng. GG, a chamar o autor pessoalmente para falar com ele, dando-lhe indicações para não comparecer no dia seguinte no posto.
Bem como a remeter à empregadora, nesse mesmo dia, email a reportar a situação nos termos provados sob o ponto 26.
Conforme se refere na sentença recorrida, acertadamente, «(…) perante este contexto factual, dúvidas não temos que se mostram violados os deveres de obediência, zelo e diligência, sem justificação para o efeito, os quais, têm assento legal no artigo 128.º, do CTrabalho.
De facto, resulta do teor do contrato de trabalho que as partes celebraram, que o trabalhador tinha um período normal de trabalho de oito horas diárias e quarenta horas semanais, mais resultando do disposto no art.º 212.º, n.º1, do Ctrabalho, que compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável.
Ou seja, a determinação do horário de trabalho é uma manifestação do poder de direção do empregador – artigos 212º e 97º, ambos do Código do Trabalho.
Por outro lado, conforme se extrai do facto provado 20), nos postos que o ora trabalhador ocupou anteriormente ao dos presentes autos, não cumpria o horário de trabalho de que se arroga nos presentes autos (de segunda a sexta-feira, 8h diurnas), antes e bem sabendo que, o mesmo foi sofrendo alterações, nos seguintes termos (Factos provados 20) e 21)):
Nos anos de 2015 e 2016, o horário de trabalho do autor era distribuído da seguinte forma alternada:
Numa semana prestava trabalho de 2.ª a 6.ª Feira, das 15:30 às 00:15; com intervalo de descanso das 20:00 às 20:45h – sendo concedido dois dias de descanso semanal (Sábado e Domingo) – [turno 2], perfazendo o período normal de trabalho de 8 horas diárias e 40 horas semanais;
Na semana seguinte prestava trabalho de 2.ª a 6.ª Feira das 06:45 às 15:30, com intervalo de descanso das 12:00 às 13:00h [turno 1], e Sábados das 08:00h às 18:00h, com intervalo de descanso das 12:00 às 13:00h [turno 3], sendo concedido um dia de descanso semanal (Domingo).
Por ordem e no interesse da ré, nas semanas que prestava trabalho de 2.ª Feira a Sábado, o autor perfazia 49 horas semanais.
No início de 2017 o autor prestou trabalho nos postos da ré na UU e no Centro Comercial TT.
A partir de Maio de 2017, no posto da Junta de Freguesia YY, o autor prestava trabalho nos dias úteis, de segunda a sexta, das 13h30 às 22h00, descansando aos Sábados, Domingos e Feriados.
O autor prestou trabalho no dia 8 de Dezembro de 2015, feriado obrigatório.
Ou seja, inexiste fundamento legal, contratual ou fundado nos usos que legitime o ora Trabalhador a exigir da ora Empregadora, que a esta balizasse as horas de início e de termo do período normal do trabalho daquele nos moldes por este exigidos.
Ademais, atendendo ao tempo decorrido entre os factos que determinaram o despedimento do trabalhador (30-11-2017) e a sua reintegração (23-09-2022), ao objecto social da empregadora (prestação de serviços de segurança privada, vigilância e controlo de acesso a pessoas e bens aos seus clientes), no modo e termos como a mesma presta os seus serviços aos clientes (os seus trabalhadores são alocados nas instalações e estabelecimentos das entidades com quem contrata, ou seja, os clientes da entidade empregadora), ainda que o ora trabalhador prestasse anteriormente ao despedimento ocorrido em 30-11-2017 o horário de trabalho que agora pretende ter (o que, como vimos, não corresponde à verdade), ainda assim, não se mostraria a sua conduta legitimada, na medida em que não podia ter a expectativa de manter esse horário.
Desde logo porque não ficou acordado no contrato de trabalho celebrado entre as partes um concreto horário de trabalho, com as horas de início e de termo, mas apenas que O Segundo Outorgante terá um período normal de trabalho de oito horas diárias e quarenta horas semanais.
Por outro lado, conforme se extrai do ponto 8), do facto provado 20), Desde o início do vínculo laboral que foi estipulado ao autor um horário rotativo semanal, de acordo com escalas de serviço elaboradas pela ré e que era composto por dois turnos com alternância entre semanas com dois dias consecutivos de folga (regra: sábado e domingo) e semanas com um dia de folga (regra: Domingo).
Ou seja, em face do horário efectivamente contratado entre as partes, das necessidades da empregadora e de, ao longo do vínculo laboral, ter o horário de trabalho do ora trabalhador sofrido alterações, o que, aliás, é habitual numa empresa que presta serviços de segurança privada, vigilância e controlo de acesso a pessoas e bens aos seus clientes e consentâneo com as funções de vigilante, não podia o trabalhador ter a expectativa de ter o horário de trabalho de que se arroga.
Acresce que, na falta disposição legal ou convencional em contrário, o direito que ao empregador assiste de fixar o horário de trabalho dos seus trabalhadores não se restringe à sua fixação inicial, mas abrange as posteriores alterações do mesmo, salvo se o trabalhador tiver sido contratado especificamente para trabalhar mediante determinado horário, o que, conforme referimos, não é o caso do ora trabalhador.
Pelo exposto, inexiste fundamento legítimo para o Autor se recusar a cumprir o horário de trabalho, não se verificando assim o elemento objectivo contido nas al. a) e b), do art.º 331.º, do CTrabalho.»
Com efeito, como provado sob o n.º 2, as partes limitaram-se a acordar no contrato de trabalho que o autor teria um período normal de trabalho de oito horas diárias e quarenta horas semanais, pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 200.º, 212.º, 217.º e 221.º do Código do Trabalho, bem como das similares constantes do CCT aplicável, competia à ré fixar ou alterar o horário de trabalho do autor, e, necessariamente, mediante organização de turnos de pessoal diferente sempre que o período de funcionamento ultrapassasse os limites máximos do período normal de trabalho, como sucedia com o posto de trabalho atribuído ao autor, tal como sucedera em situações anteriores de acordo o que consta do ponto 20 da factualidade provada.
Assim, como explicitado na sentença, violou o autor os deveres de obediência, pontualidade e assiduidade ao recusar cumprir o horário de trabalho estabelecido pela empregadora, sem justificação atendível, excepto quanto à apresentação tardia e interrupção para compra de alimentos no dia 23 de Setembro, uma vez só nessa data recebeu a carta para se apresentar ao serviço.
Acresce que, desde o primeiro dia de trabalho, após a reintegração, o autor, no seu local e horário de trabalho, comentava de viva-voz, perante os residentes do WW, dos funcionários deste e dos seus colegas, o processo judicial que tinha com a empregadora, na sequência do qual foi ordenada a sua reintegração, bem como a “guerra” que tinha com esta, o que sucedeu em várias ocasiões. Ademais, usava o seu telemóvel pessoal, onde, durante o turno, assistia a vídeos com som alto, que mostrava aos colegas, interrompendo o seu trabalho, o que sucedeu em várias ocasiões.
Ora, estes comportamentos do autor, que se verificaram, pelo menos, mais do que uma vez, violam claramente os deveres de respeito, urbanidade, lealdade, zelo e diligência também nos termos explicitados na sentença, a saber:
«De acordo com o disposto no art.º 128.º, n.º1, al. a), o CTrabalho, resulta que o trabalhador deve respeitar e tratar com urbanidade e probidade não só empregador, mas ainda os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, ou seja, trata-se de um dever de tratamento cordato que abrange não só a linguagem verbal, mas também a linguagem gestual, a higiene, o vestuário e até a conduta fora do local de trabalho.
Aliás trata-se de uma regra básica de convivência social a que qualquer pessoa está adstrita no relacionamento com outrem.
O dever de probidade prende-se com a necessidade de observância de regras de conduta de rigor e honestidade nas relações com o empregador e com as pessoas que se com este se relacionem.
Este dever (de probidade), tal como o dever de lealdade, prendem-se com o dever e principio geral de boa-fé na execução da relação laboral consagrado no art.º 126º, nº 1, do CTrabalho (tal como no art.º e 762º, nº 2, do Cód. Civil), nos termos do qual “ O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações”, do que decorre a necessidade de transparência e de lisura, por parte do trabalhador, nas relações que mantém com o empregador.
Como diz Diogo Vaz de Marecos, in Código do Trabalho Anotado, Wolters Kluwer e Coimbra Editora, pág. 332, “[o] dever de lealdade caracteriza-se assim por constituir um dever geral de lealdade que deve estar presente em toda e qualquer relação de trabalho subordinado, e que impõe ao trabalhador que nas relações com o empregador aja com franqueza e honestidade, de acordo com a boa-fé que deve presidir à execução do contrato, cfr. nº1 do artigo 126º e nº 2 do artigo 762º do Código Civil.”.
De acordo com Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13ª Edição, págs. 236/238, o dever de lealdade comporta duas facetas: uma subjetiva, outra objetiva. A primeira, “decorre da sua estreita relação com a permanência da confiança entre as partes(…)”, sendo necessário “que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, suscetível de destruir ou abalar a confiança, isto é, capaz de criar no espirito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele. (…)”; na segunda, o dever de lealdade reconduz-se “à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações (art.º 762º C. Civil) ( …)”, em consonância com o art.º 126º, nº 1 do CTrabalho do qual “promana, no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional – razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo – da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja no «contrato», isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo de cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte.”
Ana Prata, in Dicionário Jurídico, Volume I, 5ª Edição, pág. 214, diz que “Fundamentalmente, o termo usa-se em duas acepções. A boa fé é, em primeiro lugar, a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade nos comportamentos e, designadamente, na celebração e execução dos negócios jurídicos. (…). É neste sentido que o princípio da boa fé está consagrado, por exemplo, nos artigos 227º e 762º, nº 2, C.C. (…).”.
De acordo com António Menezes Cordeiro, Da Boa fé no Direito Civil, colecção teses, Almedina, pág. 606, “[o]s deveres acessórios de lealdade obrigam as partes a, na pendência contratual, Em suma, o cumprimento dos deveres de probidade e de lealdade traduzem-se na necessidade do trabalhador actuar de boa fé no âmbito da relação de trabalho, de modo a que não ponha em causa a base de confiança do contrato.
Ora, ao agir nos moldes descritos em 22), resulta que o trabalhador violou culposamente o dever de respeito, urbanidade e lealdade para com a sua empregadora.
Praticou, pois, infracções disciplinares.»
Acompanha-se também a sentença na parte em aprecia a gravidade e consequências das condutas do autor e a sua aptidão para tornarem praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho.
Na verdade, relativamente à recusa do autor de cumprir o horário de trabalho que lhe foi atribuído, durante quase três semanas, ou seja, desde 24 de Setembro de 2022 a 12 de Outubro de 2022, logo após ter sido reintegrado, invocando para o efeito fundamentos sem base legal, convencional ou contratual, «[t]al conduta, implicou, por parte da empregadora, proceder à reorganização de toda equipa de vigilantes alocadas ao posto da Quinta... cujo sistema de operação estava previamente delineado a contar com o Autor além de criar desigualdades no tratamento entre os vários trabalhadores alocados a tal serviço, e ser apto de causar desentendimentos e mal-estar entre os trabalhadores e na relação destes com a empregadora.
Mais levou (tal conduta), que o superior hierárquico do trabalhador procedesse às comunicações constantes em 15) e 24), das quais se extrai a intensidade da instabilidade que a reiterada recusa de cumprimento das escalas, além do comportamento do trabalhador aí retratado, causou na equipa alocada ao ..., instabilidade essa que inclusive levou a que o cliente comunicasse à empregadora, que o mesmo não servia os interesses do serviço aí prestado, tendo o próprio cliente comunicado ao trabalhador para não comparecer no dia seguinte no posto, o que é susceptível de afectar a imagem e honra da empregadora, junto de terceiros, em especial o cliente.»
E, no que respeita aos demais comportamentos que foram imputados ao autor na nota de culpa e se provaram, «(…) o trabalhador não cumpria as suas funções com zelo e diligencia, pois, usava constantemente o seu telemóvel pessoal, onde, durante o turno, assistia a vídeos com som alto, que mostrava aos colegas, interrompendo o seu trabalho.
Acresce a tudo quanto se referiu que além das entropias que o trabalhador criou ao normal desenrolar do serviço que a Empregadora se obrigou a prestar no ..., levou para o local de trabalho, o litígio judicial que mantinha com esta, e que fazia questão de divulgar assumindo uma postura insolente e desrespeitosa, inexistindo qualquer justificação para a sua conduta.
Ademais, tendo as condutas do trabalhador sido praticadas à frente dos colegas, funcionários e utentes do ..., mas também levadas ao conhecimento destes, ficaria a impressão nos trabalhadores e clientes da Empregadora que tais condutas eram toleradas, com as inerentes e graves consequências ao nível da organização, honra e bom nome da empresa.»
Pelo que, como se conclui na sentença:
«Lembra Júlio Gomes, em Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, pág. 951, que, no respeitante às consequências da conduta do trabalhador, “estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador”.
Assim, apesar de o ora trabalhador não ter antecedentes disciplinares, impunha-se-lhe outro comportamento, possível e de que era capaz.
Tudo quanto se referiu, evidencia a violação dos aludidos deveres de respeito, probidade e lealdade para com o Empregador, previstos no art.º 128º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Saliente-se ainda que pese embora a circunstância de a Empregadora ter apenas reintegrado o Autor em Setembro de 2022 não obstante ter o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa referido em 9), transitado em julgado em 10-01-2022, o não ter pago ao trabalhador, até ao presente, as quantias referidas em 8) e 9) dos factos provados e, ainda, a pendência do incidente de liquidação referido em 45), possa causar revolta no trabalhador, como causou, as referidas circunstâncias não legitimam, no entanto, por parte do mesmo, as condutas que reiteradamente assumiu, com impacto directo nos seus colegas e cliente da XX, S.A., podendo e devendo ter assumido conduta lícita alternativa, conforme decorre do disposto no art.º 323.º, do CTRabalho.
Não o tendo feito, está o mesmo adstrito às consequências do incumprimento dos seus deveres, como sucedeu in casu.
Sendo que, com tal comportamento, pôs o trabalhador em causa a confiança que tem que existir por parte da entidade empregadora no seu trabalhador, não sendo por isso exigível àquela a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas que se deram por provadas, a permanência do contrato e das relações pessoais que ele implica, representarem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
Razões pelas quais o despedimento se nos afigura como adequado e proporcional em presença da conduta perpetrada.
Pelo que, verificado se encontra o preceituado no art.º 351º, n.º 1, do CTrabalho.
Assim, dúvidas não há que o Trabalhador violou os citados deveres contratuais a que estava adstrito, o que fez de forma culposa e ilícita, assumindo tal conduta uma gravidade ao ponto de impossibilitar a manutenção do contrato de trabalho porquanto a sua permanência representaria uma insuportável e injusta imposição ao empregador.»
A ponderação e enquadramento da factualidade provada, do ponto de vista jurídico, mostra-se correcta e não merece qualquer reparo.
Com efeito, apesar de ter sido instado, por diversas vezes, a cumprir o horário de trabalho, o autor manteve a sua postura de recusa, evidenciando o propósito de a manter até lhe ser atribuído o horário que pretendia, pelo que a situação só cessou porque o trabalhador foi preventivamente suspenso e, depois, foi despedido.
Em face do exposto, não sendo exigível que a ré mantivesse um vigilante que se recusava a prestar trabalho no horário devido e pretendia continuar a apresentar-se e ausentar-se do serviço nos horários que entendesse, com a consequência de o posto de trabalho ficar desnecessariamente ocupado por dois vigilantes nalguns turnos e desprovido de qualquer vigilante noutros, com os encargos financeiros e prejuízos inerentes, para além da perturbação na organização do trabalho e dos danos na autoridade e imagem da empregadora, o despedimento constituía a única sanção disciplinar que permitia à ré solucionar o incumprimento do contrato de trabalho pelo autor, sendo as sanções meramente conservatórias inidóneas para tanto.
Perante tal evidência, é irrelevante que o autor não tivesse antecedentes disciplinares, como se diz na sentença, uma vez que, como se alcança da sua posição à data dos factos e no âmbito do procedimento disciplinar e do presente processo judicial, pretendia continuar em infracção disciplinar no que respeita ao cumprimento dos seus deveres de obediência, pontualidade e assiduidade quanto ao horário de trabalho licitamente estabelecido pela empregadora.
Neste sentido, veja-se também o Parecer do Ministério Público, onde, depois de se apreciarem negativamente as pretensões do Apelante de alteração da decisão sobre a matéria de facto e de declaração da ilicitude do despedimento com fundamento na invalidade do procedimento disciplinar, se conclui pela improcedência de tal declaração com fundamento na inexistência de justa causa, dizendo-se assertivamente, além do mais:
«Para poder aferir da justeza do despedimento haverá ainda de atender-se ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros.
Ora, a conduta do Recorrente, é proporcionalmente adequada para justificar a aplicação de sanção de despedimento.
Com efeito, o Código do Trabalho elenca no artigo 328º as sanções disciplinares legalmente admissíveis, graduadas consoante a própria gravidade da conduta do trabalhador.
E conforme resulta da mencionada norma o despedimento é a sanção mais gravosa não só porque implica uma ruptura da relação laboral como também porque implica graves repercussões na vida do trabalhador a quem é aplicada.
Naturalmente a mesma encontra-se reservada apenas para as situações que revistam maior gravidade e que impliquem a impossibilidade da manutenção da relação laboral.
No caso em análise verifica-se que a Ré não possuía à sua disposição outras sanções disciplinares menos gravosas e adequadas ao comportamento do A.
Já que entendemos que a conduta descrita possui uma censura e uma ilicitude tal que justificam o despedimento do mesmo com invocação de justa causa, sendo que tal sanção é a juridicamente adequada à punição do referido comportamento - O Recorrente não cumpriu o horário de trabalho que lhe foi superiormente determinado, assumiu conduta provocatória e lesiva do bom nome da empregadora e provocou um ambiente desestabilizador no respectivo local de trabalho - factos provados sob os nº 12 a 19 e 22 a 26 - e atenta a quebra total e irreversível de confiança com o trabalhador envolvido.
Na realidade, os comportamentos do A, descritos nos factos provados acarreta, na nossa perspectiva, uma quebra inevitável e irrecuperável de confiança que torna, nessa medida, inexigível para a Ré a manutenção do vínculo laboral em questão não sendo adequada e proporcional a aplicação de uma sanção disciplinar que fosse conservatória do vínculo laboral.»
Improcede, pois, a pretensão de declaração de ilicitude do despedimento do autor, bem como de condenação da ré nas consequências que a pressupunham.
3.4. Recurso da ré:
3.4.1. Levanta-se a questão da admissibilidade de junção pela Apelante de seis documentos com as alegações de recurso, sendo um a sentença de 30-08-2023 mencionada no ponto 46 da factualidade provada e os restantes datados de Junho de 2021 a Agosto de 2022, limitando-se a Recorrente a dizer que a junção é essencial ao descobrimento da verdade e ou se mostra necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Dispõe o art.º 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art.º 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Estabelece, por seu turno, o art.º 425.º do mesmo diploma que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Sobre esta questão, acolhe-se o que escreve Antunes Varela4: “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1.ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz, nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artigos 514.º e 665.º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (arts. 264.º n.º 3, 535.º, 612.º, etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (art.º 664.º-1.ª parte).
A decisão de primeira instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar”.
Ora, no caso em apreço, os documentos juntos pela Apelante referem-se a factos anteriores ao encerramento da discussão na 1.ª instância alegadamente relevantes para a decisão da excepção de litispendência que ela mesma invocou na resposta à reconvenção deduzida pelo trabalhador, sendo certo que datam e estavam na disponibilidade da Recorrente também desde data anterior àquele momento, não sendo, pois, caso de produção de prova que só se tenha tornado necessária em virtude do julgamento, nem de impossibilidade de junção em momento anterior.
A Apelante, aliás, limita-se a invocar as expressões constantes da previsão legal atinente à junção de documentos com as alegações de recurso, sem apresentar qualquer justificação concreta, pelo que não se pode considerar verificado o condicionalismo legal para a admissão dos seis documentos, cujo desentranhamento se ordenará a final.
3.4.2. A Apelante requer a alteração da decisão sobre a matéria de facto provada sob os pontos 40, 41 e 42, no sentido de serem considerados como não provados, sustentando que não é possível extrair os mesmos do depoimento em que o tribunal recorrido se baseou.
Os factos em apreço têm a seguinte redacção:
40- O despedimento de que foi alvo, o não pagamento das quantias referidas em 8) e 9) dos factos provados e a reintegração apenas a 23 de Setembro de 2022 causaram no autor sentimentos de angústia, revolta, intranquilidade, nervosismo e injustiça, ficando na incerteza do seu futuro profissional.
41- Tendo esse estado de espírito se agravado em virtude de ter sido efectivamente despedido.
42- Desde a data referida em 6) até à sua reintegração, e desde o despedimento objecto dos presentes autos, o autor sobrevive à custa da sua companheira.
Diz-se na sentença sub judice, a propósito:
«Para prova dos factos que como tal se consignaram em 40) a 43) atentou-se no depoimento prestado por NN, companheira do ora trabalhador, a qual, demonstrando conhecimento directo dos factos relativos ao impacto que o despedimento teve no trabalhador, relatou ao Tribunal o estado emocional deste, corroborando, neste particular, as declarações de parte prestadas pelo trabalhador.
Atento o modo sincero e não empolado como depôs, sendo ainda certo que o por si referido é concordante com as regras de experiência comum, mereceu-nos o seu depoimento inteira credibilidade.»
Compulsado o depoimento testemunhal em apreço, constata-se que, como a Recorrente alega, aí se refere apenas o sentimento de revolta do autor provocado pelas situações assinaladas no ponto 40. Também não resulta do mesmo que o autor «sobreviva» à custa da companheira, uma vez que esta esclarece que o seu rendimento era suficiente para fazer face às despesas ordinárias e apenas as inesperadas podiam demandar pedido de ajuda a familiares.
Em face do exposto, por falta de prova suficiente da restante parte, entende-se alterar o constante dos mencionados pontos nos seguintes termos:
40- O despedimento de que foi alvo, o não pagamento das quantias referidas em 8) e 9) dos factos provados e a reintegração apenas a 23 de Setembro de 2022 causaram no autor sentimentos de revolta.
42- Desde a data referida em 6) até à sua reintegração, e desde o despedimento objecto dos presentes autos, o autor vive dos rendimentos auferidos pela sua companheira.
No que toca ao ponto 41, a Apelante não questiona a sua veracidade em termos diferentes dos indicados quanto ao ponto 40 e apenas defende que o mesmo está prejudicado pela decisão de considerar o despedimento como lícito, mas esta é uma questão de direito que não pode confundir-se com a consideração daquele facto como provado ou não provado.
Em face do exposto, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto procede apenas parcialmente e na aludida medida.
3.4.3. A Apelante insurge-se depois contra a decisão sobre a excepção de litispendência quanto ao pedido reconvencional de indemnização por danos não patrimoniais por atraso na reintegração ordenada no processo judicial que anteriormente opôs autor e ré.
Ora, na sentença considerou-se que da factualidade provada resulta que o direito à reintegração do trabalhador se efectivou com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 15 de Dezembro de 2021 e que apenas em 23 de Setembro de 2022 a mesma se concretizou, sem que tenha sido alegada e provada pela ré qualquer justificação válida para a dilação de cerca de nove meses.
E acrescentou-se:
«Cabe desde logo referir que não existe litispendência entre o pedido ora formulado e aquele que foi formulado em sede de incidente de liquidação, porquanto aí apenas se peticionaram, além do mais as retribuições que se venceram desde a data da decisão que ordenou a reintegração do trabalhador até à data da propositura do incidente, não sendo aí peticionada indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da violação do direito à ocupação efectiva no hiato de tempo ora em análise.»
Entendemos que não pode deixar de ser de outro modo.
Com efeito, resulta da matéria de facto provada sob os pontos 6 e 7 que a ré, através de carta registada e datada de 30-11-2017, comunicou ao autor a cessação do contrato de trabalho por abandono, tendo o autor intentado acção a impugnar o despedimento, por o considerar ilícito, peticionando a sua reintegração e o pagamento de créditos laborais e indemnizações, a qual correu termos com o n.º 1395/18.5T8CSC. E resulta da factualidade dos pontos 8 e 9 que o despedimento foi declarado ilícito e a ré foi condenada a reintegrar o autor no mesmo estabelecimento e a pagar-lhe as denominadas retribuições intercalares e outras quantias a diversos títulos, aquelas e algumas destas a liquidar em incidente de liquidação. Finalmente, decorre do provado em 45 e 46 que o trabalhador deduziu incidente de liquidação da sentença, no qual foi proferida decisão em 30 de Agosto de 2023 que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 22.366,80, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação para o incidente até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
Estabelece o art.º 609.º, n.º 2 do CPC que, se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida. Por seu turno, dispõe o art.º 704.º do CPC, com a epígrafe «Requisitos da exequibilidade da sentença», no seu n.º 6, que tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida.
Do exposto resulta que uma sentença de condenação genérica é aquela que condena numa obrigação ilíquida, por não haver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, e que, nesse caso, a liquidação da obrigação visa exclusivamente fixar o seu objecto ou quantidade, mormente através do incidente de liquidação previsto nos arts. 358.º a 361.º do CPC.
Ora, como acima dito, a ré foi condenada a reintegrar o autor no mesmo estabelecimento e a pagar-lhe as denominadas retribuições intercalares e outras quantias a diversos títulos, aquelas e algumas destas a liquidar em incidente de liquidação, pelo que este destinava-se exclusivamente a fixar o valor de tais quantias, completando e tornando exequível a sentença na parte em que era de condenação genérica, não podendo conhecer de quaisquer outras obrigações, sob pena de violação do caso julgado material (arts. 619.º, n.º 1 e 625.º, n.º 1 do CPC).
Ademais, como sublinha o Ministério Público no seu Parecer, a sentença objecto do incidente de liquidação «(…) não poderia condenar a empregadora no pagamento de qualquer indemnização pela violação do direito à ocupação efectiva, não só porque tal não foi peticionado como também porque, a essa data, os factos que fundamentam o pedido - a inatividade do trabalhador por facto imputável à empregadora desde a data do trânsito em julgado da sentença que condenou na reintegração e a concretização da mesma - apenas em 23/9/22 - ainda não haviam ocorrido.
Justifica-se assim que tal pedido seja formulado em processo autónomo como veio a ocorrer nos presentes autos, não se verificando, por conseguinte, qualquer situação de litispendência com o incidente de liquidação de sentença naquele outro processo.»
Acresce que não resulta da factualidade provada que o autor, à revelia do regime legal ora explicitado, tenha requerido no mencionado incidente de liquidação a fixação de um determinado valor certo a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da falta de reintegração no momento devido, sem prejuízo de aludir a esta en passant, em jeito de contextualização da liquidação das obrigações reconhecidas na sentença em causa. E para o efeito não bastaria que a ré tivesse suscitado tal questão na oposição ao incidente, obrigando o tribunal a esclarecer que assim não era.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
3.4.4. Finalmente, a Apelante insurge-se contra a sua condenação na quantia de 5.000,00 € a título de indemnização de danos não patrimoniais por violação do dever de ocupação efectiva.
O tribunal recorrido, na apreciação da questão, afirmou, entre o mais, o sequinte:
«O direito à ocupação efectiva do trabalhador encontra-se expressamente consagrado na alínea b), do n.º 1, do artigo 129.º, do Código do que estatui que: “É proibido ao empregador:
b) Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho”.
Por sua vez, o artigo 126.º - Deveres gerais das partes”, estipula que:
“1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.
2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.”.
O dever de ocupação efectiva - assumido pelo trabalhador mais como um direito associado à sua disponibilidade para o trabalho, do que um dever do empregador – apresenta-se como uma figura de criação jurisprudencial, pois que, até à consagração no citado normativo, não constava dos textos legais reportados ao direito do trabalho – cf., por exemplo, o acórdão do STJ, de 29.01.1988, in www.dgsi.pt:
“O trabalhador tem direito a ocupação efectiva do seu posto de trabalho, podendo, quando a entidade patronal violar este direito, pedir em juízo que lhe seja reconhecido.”.
A declaração de reintegração do trabalhador, por decisão judicial, com fundamento na ilicitude do despedimento, tem como consequência a reposição do contrato de trabalho na plenitude dos seus efeitos, cabendo à entidade patronal a iniciativa de dar execução ao que foi judicialmente decidido.
Não o tendo feito, violou a empregadora o direito à ocupação efectiva do trabalhador, bem como o dever geral que sobre a mesma impende de agir de boa-fé.
Agiu, assim, de forma ilícita.
Ora, dispõe o artigo 323º, n.º 1, do CTrabalho que: “A parte que faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à contraparte”.
Os danos não patrimoniais são compensáveis quando, pela sua natureza e gravidade mereçam a tutela do direito.
De acordo com o artigo 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 499, “O Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). (…).”.
São quatro os requisitos para a tutela dos danos não patrimoniais: (i) comportamento ilícito e culposo do agente; (ii) existência de danos; (iii) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (não bastando um mero incómodo); (iv) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja daquele consequência.
Por sua vez, a gravidade deve ser aferida por um padrão objectivo e não por critérios subjectivos, cabendo ao tribunal a sua avaliação.
No cálculo da indemnização, o n.º 3 do artigo 496.º do C. Civil, manda recorrer a critérios de equidade, tendo-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica, bem como a do lesado e às demais circunstâncias que o justifiquem (cf. artigo 494.º, n.º 1 do C. Civil) e seu montante deve ser proporcional à gravidade do dano, fazendo-se uma criteriosa ponderação das realidades da vida e da justa medida das coisas.
No caso dos autos, ficou provado que o despedimento de que o Autor foi alvo, o não pagamento das quantias referidas em 8) e 9) dos factos provados e a reintegração apenas a 23 de setembro de 2022, causaram no Autor sentimentos de angústia, revolta, intranquilidade, nervosismo e injustiça ficando na incerteza do seu futuro profissional, tendo esse estado de espírito se agravado em virtude de ter sido efectivamente despedido. Ficou ainda provado que Desde a data referida em 6) até à sua reintegração, e desde o despedimento objecto dos presentes autos, o Autor sobrevive à custa da sua companheira.
Estão, pois, verificados todos os requisitos para a tutela dos danos não patrimoniais.
E tendo-se a inactividade do autor prolongado pelo período de 9 meses, um período temporal demasiado longo – juridicamente inexplicável - de inactividade ilícita, com todas as descritas consequências para o trabalhador, justifica-se uma indemnização no valor de €5.000,00.
Sobre tal quantia acrescem juros de mora à taxa legal, desde o transito em julgado da decisão até efectivo e integral pagamento.»
A Recorrente alega, por um lado, que o atraso na reintegração é imputável ao autor, e, por outro lado, que não se provaram danos atendíveis para a fixação de indemnização no valor de 5.000,00 €.
Ora, relativamente à justificação da ré para não ter reintegrado o autor em data anterior, por facto imputável ao mesmo, constata-se que nada foi oportunamente alegado e provado.
No que respeita aos danos relevantes, julgamos que assiste alguma razão à Apelante.
Com efeito, mostra-se provado, na parte que interessa:
40- O despedimento de que foi alvo, o não pagamento das quantias referidas em 8) e 9) dos factos provados e a reintegração apenas a 23 de Setembro de 2022 causaram no autor sentimentos de revolta.
41- Tendo esse estado de espírito se agravado em virtude de ter sido efectivamente despedido.
42- Desde a data referida em 6) até à sua reintegração, e desde o despedimento objecto dos presentes autos, o autor vive dos rendimentos auferidos pela sua companheira.
Como é bom de ver, não está aqui em causa qualquer indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo autor com fundamento no primeiro despedimento de que foi alvo, uma vez que sobre as consequências da declaração de ilicitude do mesmo se pronunciou já a decisão proferida no citado processo n.º 1395/18.5T8CSC. Quanto ao não pagamento das quantias referidas em 8) e 9) dos factos provados, sem prejuízo da sua oportuna exigência em sede de execução da mesma decisão proferida no processo n.º 1395/18.5T8CSC, se necessário, não estavam sequer liquidadas por decisão transitada em julgado à data da prolação da sentença recorrida, conforme se alcança dos pontos 45 e 46 da factualidade provada, pelo que a provada revolta do autor não é imputável a facto ilícito e culposo da ré. Finalmente, muito menos releva que a revolta do autor se tenha agravado em virtude de ter sido objecto do despedimento a que respeitam os presentes autos, e que desde a verificação deste viva dos rendimentos auferidos pela sua companheira, uma vez que não foi declarada a ilicitude do mesmo.
Isto é, não obstante a factualidade provada, e como se refere na sentença, o que está aqui em causa é apenas a fixação de indemnização por danos não patrimoniais com fundamento na violação do direito à ocupação efectiva do autor em virtude de, apesar de a condenação da ré na sua reintegração se ter tornado definitiva e eficaz com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 15 de Dezembro de 2021, a mesma apenas se ter concretizado em 23 de Setembro de 2022, sem qualquer justificação válida para o atraso de cerca de nove meses.
Não podiam, pois, ser ponderados outros danos, como parece que, contraditoriamente se fez.
Acresce que, na sequência das sobreditas alterações à factualidade provada, apenas releva para a determinação da indemnização que o dito atraso de cerca de nove meses na reintegração causou no autor sentimentos de revolta e que durante tal período de tempo o autor viveu dos rendimentos auferidos pela sua companheira.
Consequentemente, à luz das considerações jurídicas tecidas na sentença, que não se questionam, entende-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da violação do dever de ocupação efectiva do autor em 2.500,00 €.
Procede, pois, o recurso da ré apenas parcialmente.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em:
- alterar a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima constantes;
- julgar a apelação do autor improcedente e, em consequência, confirmar a sentença na parte respectiva;
- julgar a apelação da ré parcialmente procedente e, em consequência, condená-la a pagar ao autor a quantia de 2.500,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais pela violação do dever de ocupação efectiva, acrescida de juros de mora nos termos decididos na sentença;
- determinar o desentranhamento dos documentos juntos com as alegações da ré e condenar esta na multa de 1 UC.
Custas da apelação do autor pelo mesmo.
Custas da reconvenção e da apelação da ré por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em 4/5 a cargo do trabalhador e 1/5 a cargo da empregadora.

Lisboa, 20 de Novembro de 2024
Alda Martins
Sérgio Almeida
Maria José Costa Pinto
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1. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
2. Monteiro Fernandes, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 16.ª edição, p. 496.
3. Proferido no processo n.º 217/2002.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
4. Na RLJ, Ano 115.º, pág. 95, citado no Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Janeiro de 2012 (in www.dgsi.pt).