ACÇÃO POPULAR
INTERESSES DIFUSOS
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário

Sendo de admitir, face à factualidade alegada na petição, que os interesses que a apelante visa proteger, através do pedido que formulou, sejam comuns aos elementos que integram a indicada comunidade, não poderá considerar-se, nesta fase liminar, que a pretensão deduzida se mostre manifestamente improcedente por não estar em causa a defesa de interesses tuteláveis através de uma ação popular, conforme considerou a 1.ª instância, conclusão que se afigura prematura.

Texto Integral

Processo n.º 1443/24.0T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Central Cível de Portimão


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

(…), na qualidade de representante de classe, intentou a presente ação popular contra (…) – Empreendimentos Turísticos, S.A., formulando o pedido que se transcreve:
(…) deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e ser declarado que:
A. a Cláusula 11 (3) é nula, porque introduz riscos desproporcionais para os interesses económicos dos autores, desrespeita a autodeterminação e as expetativas destes e provoca, ainda, um desequilíbrio contratual significativo dos interesses em jogo traduzido na circunstância de lhe exigir que mantenham o seu Estabelecimento aberto durante 245 dias por ano (incluindo feriados, sábados e domingos – que são, geralmente, em cada ano, 146 dias), sem lhe oferecer uma contraprestação adequada;
B. a Cláusula 15 (1), é nula, nos termos conjugados dos artigos 15.º e 16.º do decreto-lei n.º 446/85, com o artigo 19.º (d) (cláusulas relativamente proibidas), que proíbe cláusulas que impõem ficções de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes e ainda porque resulta que tal Cláusula é contraria à boa fé e contrária à lei, uma vez que as normas sobre a resolução, caducidade e denuncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa (cfr. artigo 1080.º do CC), para além de resultar num enriquecimento sem causa da ré, o que contraria as duas vertentes da boa-fé contratual: a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses; mas caso assim não se entenda, subsidiariamente, a Cláusula 15 (1) deve ser sempre declarada nula, por consubstanciar num negócio celebrado contra disposição legal de carácter imperativo (cfr. artigo 294.º do CC).
C. a Cláusula IX (4), (5) e (6) Regulamento, na parte que prevê a possibilidade de arrombamento do Estabelecimento por parte da ré e sem autorização dos autores populares, é nula, nos termos conjugados dos artigos 15.º e 16.º do decreto-lei 446/85, com o artigo 19.º (d) (cláusulas relativamente proibidas), que proíbe cláusulas que impõem ficções de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes e ainda porque resulta que tal Cláusula é contraria à boa fé e contrária à lei, uma vez que as normas sobre a resolução, caducidade e denuncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa (cfr. artigo 1080.º do CC), para além de resultar num enriquecimento sem causa da ré, o que contraria as duas vertentes da boa-fé contratual: a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses; mas caso assim não se entenda, subsidiariamente, tal Regulamento, no segmento retro referido, deve ser sempre declarado nulo, por consubstanciar num negócio celebrado contra disposição legal de carácter imperativo (cfr. artigo 294.º do CC) e ainda por violar o direito fundamental à propriedade privada protegido pelo artigo 62.º da CRP e sem respeito pelo princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º (2) da retro referida lei fundamental, nas suas três vertentes (subprincípios): necessidade, adequação e racionalidade (proporcionalidade no sentido restrito).
D. a Cláusula 13 (5), é nula, nos termos conjugados dos artigos 15.º e 16.º do decreto-lei n.º 446/85, com o artigo 19.º (d) (cláusulas relativamente proibidas), porque a mesma contraria a vertente da boa-fé contratual na proibição do desequilíbrio significativo de interesses, na medida em que os autores populares não têm qualquer direito equivalente ou recíproco, para além de que viola o artigo 62.º (1) da CRP, porquanto a todos é garantido o direito à transmissão da sua propriedade privada, tanto em vida como em morte.
E. a Cláusula VII (5) do Regulamento, é nula, nos termos conjugados dos artigos 15.º e 16.º do decreto-lei n.º 446/85, com o artigo 19.º (d) (cláusulas relativamente proibidas), porque a mesma contraria a vertente da boa fé contratual na proibição do desequilíbrio significativo de interesses, na medida em que os autores populares não têm qualquer direito equivalente ou recíproco, para além de que viola o artigo 62.º (1) da CRP, porquanto a todos é garantido o direito à transmissão da sua propriedade privada, tanto em vida como em morte.
F. a Cláusula 14 (1), é nula, nos termos conjugados dos artigos 15.º e 16.º do decreto-lei n.º 446/85, com o artigo 19.º (d) (cláusulas relativamente proibidas), porque a mesma contraria a vertente da boa-fé contratual na proibição do desequilíbrio significativo de interesses, na medida em que os autores populares não têm qualquer direito equivalente ou recíproco;
G. que o contrato com as cláusulas de adesão supra referidas provocou danos patrimoniais aos autores, designadamente a diminuição do valor dos direitos adquiridos por esse contrato, e que terão de ser apurados em execução de sentença.
E, em consequência, para o caso de qualquer um dos pedidos supra proceder:
H. deve ser reconhecido a todos os autores populares, o direito a fecharem os seus Estabelecimentos quando entenderem;
I. deve a ré ser condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por no contrato que está imposto aos autores populares constarem qualquer uma das referidas cláusulas, a determinar em execução de sentença.
Subsidiariamente, deve:
J. as cláusulas 13 (5) e 15 e do Contrato e VII (5) do Regulamento devem ser consideradas nulas mediante o instituto do enriquecimento sem causa e os autores populares indemnizados pelos prejuízos causados pelas retro referidas cláusulas.
Em qualquer caso e nos termos do § 4 (c) devem:
K. as cláusulas supra referidas serem consideradas como em abuso de direito e, em consequência, paralisadas e declaradas nulas e os autores populares indemnizados por todos os danos que tais cláusulas lhes causaram;
L. ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a representante da classe teve ou venha ainda a ter com o processo, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480.º (3) do CPC como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexo e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para a autora e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que eventualmente venha obter por via de celebração de um contrato para esse efeito, o qual se encontra de momento a negociar e, assim que se justificar, juntará ao processo para prova de tal custo.
M. requer-se ainda que Vossa Excelência decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 14 infra, apesar de tal decorrer expressamente da lei n.º 83/95, sem necessidade de entrar no pedido.
Alega, para o efeito, em síntese, que a representante da classe é uma das muitas pessoas que aderiram e subscreveram um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial na (…), concessionada pela ré, visando com a presente ação, que afirma intentar em defesa de interesses individuais homogéneos, obter a declaração de nulidade de cláusulas contratuais gerais constantes desse contrato e de cláusulas inseridas em regulamento que vincula os subscritores de tal contrato, bem como indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da existência de tais cláusulas; sustenta que o contrato foi pré-elaborado pela ré e pela mesma imposto a todos os que quiseram instalar uma loja para a sua atividade naquela marina, por via de uma cessão do direito de utilização, tendo a ré igualmente estabelecido o respetivo regulamento, sendo que as cláusulas que elenca, constantes do contrato e do regulamento, são proibidas, pelos motivos que expõe; acrescenta que os autores populares, se tivessem tido tal possibilidade, teriam recusado a inclusão das indicadas cláusulas no contrato que subscreveram, tendo sofrido danos em resultado das mesmas, como tudo melhor consta da petição inicial.
O Ministério Público, ouvido nos termos previstos no artigo 13.º da Lei n.º 83/95, de 31-08, pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da pretensão deduzida.
Notificada, a autora apresentou resposta.
Por despacho de 17-06-2024, foi indeferida liminarmente a petição inicial e condenada a autora nas custas.

Inconformada, a autora interpôs recurso deste despacho, pugnando pela respetiva revogação e terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1. Os autores interpõem recurso de apelação nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627.º, 629.º (1), 631.º, 637.º, 639.º, 644.º (1, a) e 647.º (1), todos do CPC, por terem legitimidade para tal e estarem em tempo de o fazer (cfr. artigo 638.º do CPC), por não se conformarem com a decisão proferida e ora recorrida e com a mesma discordarem.
2. O tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição inicial, ao considerar que o facto de os titulares dos interesses em causa na presente ação, pessoas determináveis, poderem demandar individualmente a ré, se opõe a que a sua legitimidade ativa seja alargada à ação popular.
3. Parece que o tribunal a quo confunde individualização com identificação dos autores populares, forma do processo com legitimidade ativa processual (alargada) e representação, regime opt-out com regime opt-in e direitos individuais homogéneos com interesses difusos.
4. A presente ação popular foi intentada para defesa de interesses difusos e individuais homogéneos, pela representante da classe onde se pretende fazer valer os direitos dos titulares dos interesses em causa, quanto a cláusulas contratuais predefinidas pela ré, uma sociedade comercial, num contrato de adesão. São interesses difusos, porquanto tais cláusulas (ou pelo menos algumas) são contrarias à lei e à boa ordem pública, ao interesses individuais homogéneos porque afetam os aderentes desses contratos (classe) de forma homogénea, atento à génese do interesse violado (as mesmas cláusulas em todos os contratos de adesão).
5. O petitum, tal como articulado na petição inicial, visa a declaração que tais cláusulas no contrato de adesão, comuns a todos os titulares dos interesses em causa, sejam declaradas nulas por proibidas ou relativamente proibidas.
6. Do direito, diga-se que a ação popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no CPC, incluindo ações declarativas de simples apreciação ou de condenação, conforme o artigo 2.º da Lei n.º 83/95.
7. Pelo que não se pode excluir a possibilidade de uma ação declarativa de condenação no cumprimento de uma obrigação legal ou para declaração de cláusulas abusivas num contrato de adesão, com o fundamento de que a violação dessa obrigação ou de tal declaração poderia ser obtida, a título individual, por cada autor popular.
8. Embora os autores populares possam, individualmente, em litisconsórcio voluntário ou em coligação ativa, intentar tal ação, isso não paralisa o direito de ação popular.
9. A interpretação de que um consumidor ou de uma qualquer pessoa mesmo que não consumidor, não poderia pedir a condenação de uma empresa a respeitar tais direitos, seja o direito do consumidor, o direito da concorrência, e outras áreas do direito que conferem direitos aos consumidores e às pessoas, é incorreta, pois esses direitos podem ser defendidos tanto individualmente quanto coletivamente por meio de uma ação popular.
10. A ação popular não é uma forma de processo, mas sim uma ampliação da legitimidade ativa, permitindo que os autores populares solicitem aos tribunais o restabelecimento da legalidade e a declaração de nulidade de cláusulas proibidas em contratos de adesão.
11. A interpretação do artigo 3.º da Lei n.º 83/95 pelo tribunal a quo, que restringe a ação popular apenas a interesses difusos e não a interesses homogêneos, é contrária à lógica do ordenamento jurídico.
12. Desde que conferida legitimidade ativa aos autores populares, eles têm o direito de solicitar aos tribunais a declaração de nulidade de cláusulas proibidas num contrato de adesão, sem estarem limitados a peticionar individualmente esses direitos.
13. O tribunal a quo admitiu que os direitos em questão poderiam ser defendidos numa ação individual, mas indeferiu a ação popular com base nisso, o que é um afastamento da lógica da ação popular e uma violação do direito constitucional – interpretação inconstitucional que se suscita nos termos do § 5.1. supra para onde se remete e aqui se dá como reproduzido por uma questão de proficiência.
14. A legitimidade do representante popular é incontroversa, sendo uma cidadã em pleno uso dos seus direitos, único requisito imposto às pessoas individuais.
15. A homogeneidade dos interesses em causa é evidente, considerando que a ação busca a declaração de nulidade de cláusulas contratuais proibidas em contratos de adesão subscritos por muitas pessoas – homogeneidade que é profundamente tratada no § 5.2. supra para onde se remete.
16. A interpretação restritiva do tribunal a quo esvazia o direito de ação popular, restringindo-o a casos de direitos difusos e ignorando a possibilidade de defesa de direitos homogéneos partilhados por um grupo identificado.
17. Tal interpretação restritiva viola os comandos constitucionais, que vinculam o intérprete-aplicador do direito, conforme o artigo 18.º (1) da CRP, resultando numa flagrante lesão aos direitos garantidos pela CRP, como já supra suscitado.»
Admitido o recurso, foi ordenada a citação da ré, nos termos previstos no artigo 641.º, n.º 7, do Código de Processo Civil.
Citada, a ré apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido e formulando as conclusões seguintes:
«1. A recorrente através da presente acção judicial não prossegue qualquer interesse capaz de configurar interesse individual homogéneo;
2. O interesse subjacente aos pedidos da autora não apresentam qualquer dimensão supra individual, nem apresenta qualquer dimensão de ordem pública capaz de justificar a tutela jurisdicional de posições jurídicas materiais pertencentes a todos os membros de uma certa comunidade e não apropriáveis por nenhum deles em termos individuais,
3. Em suma, na presente acção judicial - atenta a respectiva causa de pedido e o respectivo pedido – apenas se vislumbra o interesse pessoal, individual e particular da autora, não podendo sequer a autora avocar qualquer representatividade relativamente ao grupo dos demais lojistas do centro comercial em causa, cabendo a cada um - de acordo com decisão que só a cada um cabe tomar – tutelar o respectivo interesse individual.
4. Não é admissível à autora vir, através de acção popular, avocar a tutela de interesses individuais heterogéneos de cada um dos demais lojistas do centro comercial ora em causa.
5. Face ao exposto, impõe-se concluir pela inadmissibilidade da acção popular face à ausência de interesses individuais homogéneos capazes de a suportar, devendo assim ser mantido o indeferimento liminar proferido pelo Mmo. Juiz a quo
O M.º Público apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre analisar a natureza dos interesses cuja tutela vem peticionada e aferir da admissibilidade do exercício do direito de ação popular.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Os elementos com relevo para a apreciação da questão suscitada constam do relatório supra.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Encontra-se impugnado na apelação o despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento em manifesta improcedência da pretensão deduzida, por se ter entendido que a tutela dos interesses invocados pela autora não se mostra admissível no âmbito de uma ação popular.
Consta do despacho recorrido, além do mais, o seguinte:
(…)
Não está em causa:
- A consagração constitucional e legal do direito de ação popular – artigo 52.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 1.º da Lei que regula o direito de participação procedimental e de ação popular, aprovada pela Lei n.º 83/95, de 31 de agosto;
- O exercício desse direito por associações, mas também por pessoas individuais;
- Que a finalidade é a de tutelar direitos relativos à saúde pública, dos consumidores, qualidade de vida, preservação do ambiente e do património cultural, interesses que não são apropriáveis por cada um individualmente.
Uma ação popular tem por objeto interesses difusos.
No caso, a autora pretende que venham a ser declaradas nulas as cláusulas de um contrato de cessão de exploração comercial relativos a espaços na (…), com o reconhecimento do direito dos AA. fecharem os seus estabelecimentos e condenação da ré no pagamento de indemnização.
Ainda que possam estar em causa cláusulas contratuais gerais suscetíveis de ser objeto de ação inibitória (artigo 25.º da LCCG, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro), não se discute aqui, a avaliar pela alegação constante da petição inicial, nem interesses difusos em sentido estrito – situações materiais insuscetíveis de uma apropriação individual, com titularidade indivisível e dimensão irredutivelmente supra-individual, nem interesses individuais homogéneos – interesses passíveis de individualização autónoma, mas que surgem em situações de massa e em termos de perfeita identidade de natureza, nem interesses coletivos – interesses de categoriais ou interesses de classe, protegidos por uma associação de categoria ou classe, sem cuja intervenção tais interesses não podem ser defendidos na sua dimensão grupal.
O facto de poderem existir interesses individuais que têm origem numa mesma e única alegada conduta ilícita e que, por essa via, se possa identificar um grupo de pessoas, não basta para que tais interesses possam ser tutelados através da ação popular. Para tanto, é indispensável que, considerados no seu conjunto, esses interesses assumam uma importância de ordem pública que exceda a mera soma ou agregação de um conjunto de interesses individuais pertencentes a uma mesma classe e que, ao mesmo tempo, sejam partilhados de forma homogénea e uniforme pelos membros da classe representada – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Relator Cons. Nuno Ataíde das Neves) de 14 de março de 2024 (…)
Ora, estamos perante situação que poderá afetar um número determinado de pessoas – aquelas que mantenham relação com a ré “(…)” e que com a mesma tenham celebrado contrato como o que a autora refere ter celebrado –, mas neste caso podem vir aos autos demandar a ré.
Assim, em face do exposto, indefiro liminarmente a petição.
Custas a cargo da autora, atenta a manifesta improcedência, não obstante o disposto no artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais – neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Rel. Des. Laurinda Gemas), de 12 de janeiro de 2023 (…) e os artigos 527.º e 529.º do Código de Processo Civil.
(…)
Discordando deste entendimento, a recorrente defende, em síntese, que lhe assiste, na qualidade de representante de classe, o direito de intentar a presente ação popular, para tutela de interesses homogéneos que afetam os autores populares, aderentes, tal como a representante de classe, de contrato com cláusulas previamente elaboradas pela ré; sustenta a apelante que, estando em causa um contrato de adesão que contém cláusulas abusivas pré-definidas pela ré e visando a ação a declaração de nulidade dessas cláusulas, os interesses que pretende defender são comuns a todos os aderentes do contrato, independentemente da eventual existência de particularidades relativas a cada um, encontrando-se preenchidos os requisitos para a admissão da ação popular.
Nas contra-alegações que apresentou, a ré, por seu turno, sustenta que a ação visa tutelar apenas o interesse pessoal, individual e particular da autora, e não interesses individuais homogéneos comuns aos demais lojistas do centro comercial, defendendo a inadmissibilidade da tutela dos interesses da autora através da presente ação popular.
Cumpre apreciar.
O direito de ação popular encontra-se reconhecido na Constituição da República Portuguesa, entre os direitos liberdades e garantias de participação política, no n.º 3 do artigo 52.º, nos termos seguintes: 3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.
Regulando, além do mais, o direito de ação popular, a Lei n.º 83/95, de 31-08, define, como estatuí o n.º 1 do seu artigo 1.º, os casos e termos em que é conferido e pode ser exercido o direito de ação popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição. O n.º 2 do citado artigo 1.º, por seu turno, elenca, a título exemplificativo, interesses protegidos pela lei em causa, dispondo que: Sem prejuízo do disposto no número anterior, são designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público.
O artigo 2.º da citada lei estabelece, além do mais, a titularidade do direito de ação popular, dispondo o seguinte: 1 - São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda. 2 - São igualmente titulares dos direitos referidos no número anterior as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respetiva circunscrição.
Sob a epígrafe Regime especial de representação processual, o artigo 14.º daquela lei dispõe o seguinte: Nos processos de ação popular, o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão previsto no artigo seguinte, com as consequências constantes da presente lei. O artigo 15.º, mencionado naquele preceito, prevê e regula o exercício do direito de exclusão por parte de titulares dos interesses em causa na ação popular.
Definindo regras de legitimidade das partes nas ações para a tutela de interesses difusos, o artigo 31.º do Código de Processo Civil dispõe o seguinte: Têm legitimidade para propor e intervir nas ações e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à proteção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei.
Com relevo para o caso presente, que consiste numa ação popular intentada individualmente por uma pessoa singular, invocando a qualidade de representante de determinada classe, decorre destes preceitos a atribuição de legitimidade a qualquer cidadão, no gozo dos seus direitos civis e políticos, para propor ações destinadas à tutela de interesses difusos, designadamente para defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como proteção do consumo de bens e serviços.
Explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 95) o seguinte: «O artigo 52.º-3 da Constituição da República confere o direito de ação popular a todos, pessoalmente ou através de associação de defesa dos interesses em causa, designadamente para prevenção, cessação e reparação de direitos coletivos e difusos. A título exemplificativo, são indicados alguns domínios abrangidos pelo preceito. Trata-se da atribuição do direito de ação a quem não é titular do direito ou interesse legítimo a que se refere, em consagração do direito à jurisdição em termos clássicos, o artigo 20.º-1 da Constituição».
Em anotação ao artigo 31.º do CPC, afirmam António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 61): «O preceito procura ultrapassar dificuldades que seriam suscitadas pela aplicação do critério definido no artigo 30.º com base no interesse direto. Nas situações a que o preceito se reporta, não existe propriamente um direito subjetivo nem uma relação jurídica de que o autor seja titular. Por isso se concedeu especialmente legitimidade ativa a cidadãos no gozo dos seus direitos cívicos, a autarquias locais, associações e fundações defensoras dos interesses em causa e ao Ministério Público, devendo observar-se o que concretamente emerge dos diplomas reguladores de cada uma das matérias».
Reportando-se à legitimidade popular, João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, volume I, Lisboa, AAFDL Editora, 2022, pág. 67) afirmam o seguinte: «A acção popular pode ser proposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como por qualquer associação ou fundação defensora do respectivo interesse difuso (artigo 2.º, n.º 1, e 3.º LPPAP). O autor popular representa todos os titulares do interesse difuso (artigo 14.º LPPAP), embora a estes seja reconhecido o direito de se auto-excluírem dessa representação (artigo 15.º, n.º 1, LPPAP). Na hipótese de a acção popular ser julgada procedente, o caso julgado da respectiva sentença beneficia todos os titulares do interesse difuso, com excepção daqueles que tenham exercido o direito de auto-exclusão (artigo 19.º, n.º 1, LPPAP)».
Face ao objeto do recurso, impõe-se apreciar se a tutela dos interesses invocados pela autora se mostra admissível no âmbito de uma ação popular e, caso se verifique que é inadmissível, se tal configura fundamento de indeferimento liminar da petição inicial, conforme considerou a 1.ª instância.
A Lei n.º 83/95, de 31-08, no âmbito do exercício da ação popular, prevê, no artigo 13.º, o seguinte regime especial de indeferimento da petição inicial: A petição deve ser indeferida quando o julgador entenda que é manifestamente improvável a procedência do pedido, ouvido o Ministério Público e feitas preliminarmente as averiguações que o julgador tenha por justificadas ou que o autor ou o Ministério Público requeiram.
A aferição da inadmissibilidade da tutela, no âmbito de uma ação popular, dos interesses invocados pela autora e da consequente manifesta improbabilidade da procedência do pedido, nos termos imputados pela 1.ª instância à petição inicial, impõe a análise da fundamentação em que se baseia a pretensão deduzida pela autora na presente ação, à luz da admissibilidade do exercício do direito de ação popular.
Afirma Paulo Otero («A ACÇÃO POPULAR: configuração e valor no actual Direito português», Revista da Ordem dos Advogados, ano 59, n.º 3 (Dez. 1999), p. 872, disponível em: https://portal.oa.pt/upl/%7Bc2d6cd49-2a30-4cd6-9481-2791485902b2%7D.pdf) o seguinte:
«1.1. A acção popular, sendo sempre uma acção judicial e, neste sentido, a expressão do direito fundamental de acesso aos tribunais, distingue-se de todas as demais modalidades de acções pela amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respectiva propositura.
1.2. Mediante a acção popular, pode dizer-se que todos os membros de uma comunidade — ou, pelo menos, um grupo de pessoas não individualizável pela titularidade de qualquer interesse directamente pessoal — estão investidos de um poder de acesso à justiça visando tutelar situações jurídicas materiais que são insusceptíveis de uma apropriação individual.
A acção popular traduz, deste modo, uma forma de tutela jurisdicional de posições jurídicas materiais que, sendo pertença de todos os membros de uma certa comunidade, não são, todavia, apropriáveis por nenhum deles em termos individuais. Deparamos aqui, por isso mesmo, com um conjunto de interesses materiais solidariamente comuns aos membros de uma comunidade e cuja titularidade se mostra indivisível através de um processo de apropriação individual.
Neste sentido, deverá afirmar-se que o actor popular age sempre no interesse geral da colectividade ou da comunidade a que pertence ou se encontra inserido, isto sem que tal meio de tutela judicial envolva a titularidade de qualquer interesse directo e pessoal.».
Sobre os interesses cuja tutela se encontra abrangida no âmbito da ação popular, explica José Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil, 4.ª edição, Coimbra, Gestlegal, 2017, págs. 105-106) o seguinte: «Fala-se de interesses coletivos e difusos para qualificar interesses individuais generalizados, como tais próximos dos interesses públicos, mas de natureza ainda fundamentalmente privatística. Em causa está sempre a fruição de bens de uso pessoal, não suscetíveis de apropriação exclusiva. O interesse coletivo reporta-se a uma comunidade genericamente organizada, cujos membros são como tais identificáveis, mas sem que essa organização se processe em termos de pessoa coletiva. O interesse difuso reporta-se a um grupo inorgânico de pessoas, cuja composição é, em cada momento, ocasional e por isso não permite a identificação prévia dos respetivos titulares. Em ambos os casos, a natureza geral do interesse leva a atribuir o direito de ação a pessoas em que pode não radicar (pessoas singulares) ou não radica nunca (associações e fundações) a titularidade individual do interesse em causa.»
Acrescenta este autor (loc. cit., nota 11A) o seguinte: «A lei de defesa do consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho) e o Código dos Valores Mobiliários (DL n.º 486/99, de 13 de novembro) referem outra categoria de interesses: nos artigos 3.º, 13.º e 20.º da primeira fala-se de interesses coletivos, difusos e individuais homogéneos e nos artigos 31.º-1 e 34.º-2 do segundo de interesses coletivos e individuais homogéneos. Trata-se de direitos subjetivos, ou outras situações jurídicas subjetivas, que têm a particularidade de radicar, idêntica mas divisivelmente, numa multiplicidade de pessoas (assim, o direito à reparação dos danos causados pelo fornecedor de coisa defeituosa distribuída no mercado: cfr. artigo 12.º da Lei n.º 24/96). Eles são a projeção do interesse difuso ou coletivo em esferas jurídicas individualizadas e por isso não correspondem a uma terceira categoria de interesses supraindividuais (…)».
A jurisprudência tem contribuído para a especificação do que são os interesses difusos, para efeitos do exercício do direito de ação popular, conforme amplamente demonstrado nas alegações e nas contra-alegações apresentadas, o que nesta sede se mostra dispensável repetir, indicando-se apenas, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-09-2016 (relator: Oliveira Vasconcelos), proferido no processo n.º 7617/15.7T8PRT.S1 e publicado em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta, além do mais, o seguinte: I - A ação popular tem como objecto a tutela de interesses difusos (o que compreende os interesses difusos stricto sensu, os interesses colectivos e os interesses individuais homogéneos), os quais se caraterizam por possuírem uma dimensão individual e supra individual, pela sua titularidade caber a todos e a cada um dos membros de uma classe ou de um grupo (independentemente da sua vontade) e por recaírem sobre bens que podem ser gozados de forma concorrente e não exclusiva. II - Os interesses individuais homogéneos são definíveis como situações jurídicas genericamente consideradas, correspondendo aos interesses de cada um dos titulares de um interesse difuso ou de um interesse colectivo. III - A tutela do interesse difuso supõe a abstração de particularidades respeitantes a cada um dos titulares, pois o que sobreleva é a proteção do interesse supra individual e a prossecução da finalidade visada com a sua criação na ordem jurídica, o que prescinde da apreciação de qualquer especificidade; porém, quando por intermédio daquela acção se almeje a tutela de um interesse colectivo, releva a proteção de situações individuais dos respectivos titulares, sendo que tal é admissível apenas até ao limite em que seja aceitável uma apreciação indiferenciada das mesmas, sem que, contudo, se dispense a análise individualizada de cada uma. IV - Posto que a ação popular não é admissível quando o demandado possa invocar diferentes defesas contra os vários representados, deve-se atentar na posição por este assumida, assumindo-se assim aquela possibilidade como um critério prático para discutir a sua admissibilidade. V - A legitimidade popular deve ser aferida em função do poder de representação dos titulares do interesse por parte do autor popular e do seu interesse na demanda, sendo que os representados devem todos ter sido atingidos pela violação do mesmo interesse difuso ou estarem em risco de o serem.
Não vem posto em causa na apelação o entendimento, consignado pela 1.ª instância na decisão recorrida e que se encontra estabilizado, de que a ação popular pode ter por objeto, não apenas a tutela de interesses difusos em sentido estrito e de interesses coletivos, mas também de interesses individuais homogéneos, nos termos supra especificados, o que se mostra dispensável reapreciar.
A 1.ª instância considerou que não decorre da petição inicial que a autora pretenda a tutela de interesses difusos em sentido estrito ou de interesses coletivos, nem de interesses individuais homogéneos, o que vem posto em causa na apelação, defendendo a recorrente que a ação visa a tutela de interesses individuais homogéneos de que são titulares os autores populares, na qualidade de aderentes, tal como a representante de classe, de determinado contrato previamente elaborado pela ré, questão que cumpre reapreciar.
Na petição inicial, a autora alega que é uma das muitas pessoas que aderiram e subscreveram um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial na (…), concessionada pela ré, visando com a presente ação obter a declaração de nulidade de cláusulas contratuais gerais constantes desse contrato e de regulamento que vincula os subscritores do contrato, bem como indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da existência de tais cláusulas; sustenta que o contrato foi pré-elaborado pela ré e pela mesma imposto a todos os que quiseram instalar uma loja para a sua atividade naquela marina, por via de uma cessão do direito de utilização, tendo a ré igualmente estabelecido o respetivo regulamento, sendo que as cláusulas que elenca, constantes do contrato e do regulamento, são proibidas, pelos motivos que expõe; acrescenta que os autores populares, se tivessem tido tal possibilidade, teriam recusado a inclusão das indicadas cláusulas no contrato que subscreveram, tendo sofrido danos em resultado das mesmas.
Analisada a factualidade alegada pela autora, verifica-se que é invocado um interesse que se afirma partilhado por um conjunto de pessoas que aderiram e subscreveram um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial na (…), com vista à instalação de uma loja para desenvolveram a respetiva atividade naquela marina; sustenta a autora que o contrato em causa, imposto pela ré a todos os que quiseram instalar uma loja nessa marina, bem como determinado regulamento pela mesma elaborado, contêm cláusulas nulas, pelos motivos que expõe, visando a presente ação obter, a título principal, a declaração de nulidade de tais cláusulas, que afirma suscetíveis de causarem danos aos autores populares.
Face à factualidade alegada pela autora, é de admitir que possa estar em causa a defesa de interesses materiais comuns aos membros de determinada comunidade, constituída pelas pessoas que celebraram com a ré um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial na (…), com vista à exploração de uma loja no local. A alegação constante da petição inicial não permite, por si só e a título liminar, afastar a invocada tutela de interesses individuais homogéneos, comuns aos membros da indicada comunidade, cuja verificação permitirá à apelante representá-los em juízo.
Defende a ré, nas contra-alegações apresentadas, que estão em causa diferentes relações jurídicas, as quais se reportam a situações de facto diversas, não visando a ação a tutela de interesses individuais homogéneos comuns aos demais lojistas do centro comercial, mas apenas do interesse pessoal, individual e particular da autora, o que não se mostra admissível através de uma ação popular.
No entanto, tal não decorre da petição inicial, que não permite aferir da eventual diversidade de interesses entre a autora e os demais autores populares, que pretensamente representa. A factualidade alegada na petição inicial não permite estabelecer diferenciação entre a situação da autora, decorrente da relação jurídica estabelecida com a ré, e a situação dos demais lojistas da marina, dada a invocação de que todos aderiram e subscreveram contrato com o mesmo teor, encontrando-se vinculados ao mesmo regulamento, os quais contêm as cláusulas em apreciação, cuja nulidade pretende seja declarada.
Sendo de admitir, face à factualidade alegada na petição, que os interesses que a apelante visa proteger, através do pedido que formulou, sejam comuns aos elementos que integram a indicada comunidade, não poderá considerar-se, nesta fase liminar, que a pretensão deduzida se mostre manifestamente improcedente por não estar em causa a defesa de interesses tuteláveis através de uma ação popular, conforme considerou a 1.ª instância, conclusão que se afigura prematura.
Porém, tal constatação não impede que venha a considerar-se, em fase posterior da tramitação dos autos, afastada a invocada existência de interesses individuais homogéneos, comuns aos demais lojistas do centro comercial, a tutelar através da pretensão deduzida pela apelante na ação.
Reportando-se ao indeferimento liminar de ação popular, considerou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 10-04-2024 (relator: Jorge Arcanjo), proferido no processo n.º 8086/23.3T8LSB.L1.S1 e publicado em www.dgsi.pt, o seguinte: O indeferimento liminar da petição inicial de uma acção popular cível, ao abrigo do artigo 13.º da Lei n.º 38/95, de 31/8, com fundamento em que é “manifestamente improvável a procedência do pedido”, significa que improcedência da pretensão do autor é manifestamente inviável, ou seja, perante a alegação dos factos e razões de direito expostas na petição e a uma averiguação sumária, incide, desde logo, uma pronúncia valorativa antecipatória sobre o mérito, quanto a saber se a pretensão formulada se apresenta viável, com probabilidade de êxito, ou se está irremediavelmente condenada ao insucesso.
No caso presente, não podendo concluir-se, pelos motivos expostos, que a pretensão formulada se apresente manifestamente inviável, designadamente pelos fundamentos constantes do despacho recorrido, impõe-se revogar tal decisão e determinar o prosseguimento da ação.
Procede, assim, a apelação.

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pela apelada.
Notifique.
Évora, 21-11-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Cristina Dá Mesquita (1.ª Adjunta)
Francisco Matos (2.º Adjunto, em regime de substituição)