I - A fundamentação de facto de uma decisão antecipada do mérito não tem a mesma abrangência que tem no caso de uma decisão final proferida após produção de provas pessoais e ou periciais.
II - Na decisão antecipada de mérito, o julgador deve conhecer de fundo desde que à luz das diversas soluções plausíveis das diversas questões de direito estejam assentes os factos relevantes para o efeito.
III - Por se tratar de uma decisão proferida antes do início da instrução propriamente dita, com a produção das provas constituendas, só em casos raros o julgador estará habilitado a proferir um juízo de não provado.
IV - No caso de expropriação amigável, o acordo que tenha sido obtido carece de ser reduzido a escrito.
V - No auto ou na escritura que titula a expropriação amigável consta, além do mais, a indemnização acordada e a forma de pagamento.
VI - A indemnização pode ser atribuída a cada um dos interessados ou fixada globalmente.
VII - A indemnização global a que o nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações se refere respeita ao valor acordado para ressarcir a expropriação de um direito de que são titulares uma pluralidade de sujeitos.
VIII - Diferente deste desacordo na partilha da indemnização global ajustada entre os outorgantes do auto ou escritura de expropriação amigável é o que possa existir relativamente à ressarcibilidade de certa situação jurídica ou quanto à determinação dos diversos sujeitos contitulares de um direito objeto de expropriação.
IX - Antes da celebração do auto ou da escritura de expropriação amigável, a entidade beneficiária da expropriação não tem a faculdade de recorrer à consignação em depósito prevista no nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações.
XX - A partilha da indemnização nos termos do nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações processa-se nos próprios autos de consignação em depósito, observando-se os termos previstos no processo de inventário para tal efeito, ou seja, o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 1110º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a), do atual Código de Processo Civil.
Sumário do acórdão proferido no processo nº 5646/23.6T8PRT.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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1. Relatório
Em 22 de março de 2023, com referência no formulário[1] ao Juízo Central Cível do Porto, Comarca do Porto, Infraestruturas de Portugal, S.A. instaurou ação especial de consignação em depósito contra AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH requerendo a consignação em depósito da indemnização acordada pela expropriação da parcela nº 10 no âmbito da expropriação necessária à requalificação da ... – ... 3.3 – .../... – Passagem inferior rodoviária ao ..., ... e pedindo que se proceda à partilha da indemnização acordada pela expropriação da parcela nº 10 com a área de 1936 m2 a destacar do prédio rústico denominado “Quinta ... ou do ...” e “Quinta 2...”, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ...47, da freguesia ... e inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo ...5 da referida freguesia, no valor global de € 143.117,76, já consignada em depósito entre todos os Expropriados/Interessados a fim de ser possível à Entidade Beneficiária da Expropriação dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artigo 37º do Código das Expropriações, requerendo ainda a citação dos Expropriados/Interessados nos termos do disposto no artigo 917º do Código de Processo Civil.
Para fundamentar as suas pretensões, a autora alegou, em síntese, que o Sr. Secretário das Infraestruturas mediante o Despacho nº 9967/2020 de 01 de outubro de 2020, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 201 de 15 de outubro de 2020, declarou a utilidade pública urgente da expropriação dos terrenos necessários à realização da obra de requalificação da ... – ... 3.3 – .../... – Passagem inferior rodoviária ao ..., ...; entre os imóveis a expropriar inclui-se a parcela n.º 10, com a área de 1936 m2 a destacar do prédio rústico denominado “Quinta ... ou do ...” e “Quinta 2...”, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ...47, da freguesia ... e inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo ...5 da referida freguesia; como consta da Declaração de Utilidade Pública, a Beneficiária da Expropriação foi autorizada a tomar posse administrativa da parcela expropriada, tendo sido lavrado o respetivo auto, após o cumprimento das formalidades legais previstas; o prédio onde se integra a parcela expropriada, à data da Declaração de Utilidade Pública, tinha a nua-propriedade registada a favor dos Expropriados AA e dos seus dois filhos menores BB e CC, em comum e sem determinação de parte ou direito, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária por óbito de II que também usava o nome de II e o usufruto estava registado a favor de JJ que também usava o nome de JJ e que teve a sua última residência na Rua ..., ..., ..., ... Porto; em sede de processo administrativo a Beneficiária da Expropriação obteve acordo com todos os titulares inscritos quanto ao valor da indemnização global devida pela expropriação da parcela supra identificada nos termos seguintes: atribuição aos nus- proprietários do valor de €128.805,98 e atribuição ao usufrutuário do valor de €14.311,77; uma vez que os nus-proprietários BB e CC eram menores, houve a necessidade de obter a respetiva autorização judicial para a alienação da parcela expropriada e aceitação do preço, o que veio a ser determinado nos autos de Autorização Judicial que correram termos com o nº ... pelo Juízo de Família e Menores do Porto – Juiz 1 com sentença já transitada em julgado; em ../../2022, faleceu o usufrutuário JJ que deixou como herdeiros os Expropriados/Interessados BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH; o referido óbito veio a determinar a inexistência de acordo entre os Expropriados/Interessados para a partilha da indemnização acordada.
Em 23 de março de 2023 foi declarada a incompetência do Juízo Central Cível do Porto em razão da forma processual e determinou-se a remessa dos autos ao Juízo Local Cível do Porto.
Remetidos os autos aos Juízos Locais Cíveis do Porto, em 05 de maio de 2023, foi proferido despacho convidando a autora a tomar posição sobre a questão de os Juízos Locais Cíveis do Porto não serem o juízo do lugar do domicílio da entidade expropriante, nem do lugar da situação dos bens.
Em 09 de maio de 2023, a autora veio requerer a remessa dos autos ao tribunal da situação do prédio.
Em 19 de junho de 2023 proferiu-se decisão declarando a incompetência em razão do território do Juízo Local Cível do Porto, ordenando-se a remessa dos autos aos Juízos Locais Cíveis de ....
Remetidos e distribuídos os autos aos Juízos Locais Cíveis de ..., em 15 de setembro de 2023 ordenou-se a citação dos demandados para os efeitos do nº 1 do artigo 917º do Código de Processo Civil com exceção dos demandados BB e CC e relativamente aos quais se determinou a instrução dos autos com certidão dos assentos de nascimento dos mesmos.
Em 21 de setembro de 2023, a entidade beneficiária da expropriação requereu a junção aos autos das certidões de nascimento de CC e de BB, ambos nascidos em ../../2007, sendo estes citados na pessoa da progenitora de ambos.
Em 26 de outubro de 2023, AA, por si, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido II e na qualidade de representante legal de seus filhos menores, CC e de BB contestou circunstanciando os contactos mantidos com a autora, alegando que esta nunca marcou a escritura para celebração da compra e venda da parcela expropriada, alegadamente, por dificuldades suscitadas pelo usufrutuário, tendo os contestantes insistido junto da autora pela realização da escritura de venda da raiz, respondendo um técnico da autora que esta só faria a escritura da venda da raiz e do usufruto em simultâneo; após o óbito do usufrutuário JJ, a contestante AA levantou o problema de que não havendo acordo, a herança do seu falecido marido teria direito à totalidade do valor acordado, uma vez que o usufruto se havia extinto, entendimento contrariado pelos serviços jurídicos da autora; perante a posição da autora, o escasso valor do usufruto e para não atrasar mais o recebimento da indemnização, em 30 de maio de 2022, os contestantes comunicaram ao técnico da autora, Sr. KK, que desistiam de discutir o problema de saber a quem pertencia o valor correspondente ao usufruto e pediram para ser marcada a escritura de compra e venda da raiz para a qual tinham autorização judicial, posição que foi reiterada telefonicamente e por escrito, nomeadamente em 03 de novembro de 2022; em 20 de janeiro de 2023 foi comunicado ao Sr. KK, que não obstante o valor do usufruto pertencer aos contestantes, tinham abdicado dessa discussão no pressuposto de que o preço iria ser pago de imediato, o que não se verificou, manifestando a vontade de que a escritura da venda da raiz se realizasse a curto prazo, sob pena de requererem a expropriação litigiosa; a expropriação litigiosa só não foi requerida porque o Sr. KK, assegurou, por telefone, que as “Infraestruturas de Portugal” o iriam fazer; suscitam a litigância de má-fé da autora, a falta de correção jurídica do pedido formulado pela autora e de discriminação em depósitos distintos da indemnização devida aos titulares da raiz da que se destinava ao falecido usufrutuário, afirmando ainda que face ao que antes descreveram, a ação de consignação em depósito só poderia e deveria ter sido instaurada contra os herdeiros do usufrutuário JJ; a recusa das “Infraestruturas de Portugal” em outorgar a escritura de venda da raiz ou nua propriedade em virtude de não poder, em simultâneo, resolver o problema do usufruto está a prejudicar, dado o lapso de tempo decorrido, a herança aberta por óbito do falecido marido da contestante AA em virtude do não recebimento do valor da indemnização há muito ajustado; por isso, ao valor acordado da indemnização devida aos contestantes deve acrescer o montante correspondente à atualização de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, prevista no artigo 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações, ou, se assim não se entender, sobre o mesmo valor deverão incidir juros de mora, à taxa do artigo 559.º do Código Civil, qualquer um deles (atualização e juros) calculados desde a data em que foi obtida a autorização judicial para aceitar o valor proposto pela demandante e foi comunicado ao Sr. KK, a disponibilidade para outorgar o título de transmissão (16 de janeiro de 2022) até à data do efetivo e integral pagamento da quantia devida aos contestantes; concluem os contestante que deve ser declarado e autorizado que têm direito a levantar a quantia de €128.805,98 (cento e vinte e oito mil oitocentos e cinco euros e noventa e oito cents) relativa ao valor da raiz atualizada de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor nos termos antes indicados ou, em alternativa, acrescida de juros de mora nos termos também antes indicados, em ambos os casos, desde 16 de janeiro de 2022, até efetivo e integral pagamento.
Em 27 de outubro de 2023, DD contestou admitindo alguns dos factos alegados pela autora e impugnando outros, referindo que a autora tomou posse administrativa da parcela expropriada em 04 de dezembro de 2020, sendo nessa data vivo o usufrutuário vitalício da parcela expropriada, marido da contestante e que viria a falecer em ../../2022; após a morte do seu marido, por carta recebida pela autora em 16 de fevereiro de 2023, a contestante informou a autora do óbito de seu marido, enviando-lhe cópia da habilitação de herdeiros e solicitou o pagamento da indemnização devida ao usufrutuário, por entender que o crédito correspondente não se extinguiu com o óbito, não tendo obtido qualquer resposta da autora; em 25 de julho de 2023, a contestante requereu a Notificação Judicial da autora, reclamando novamente o pagamento da indemnização correspondente à expropriação do direito de usufruto de que o seu marido era titular, não tendo notícia da sua concretização; os proprietários da raiz, tal como o usufrutuário, concordaram com a repartição da indemnização entre eles e o usufrutuário na proporção de 90% para os primeiros e 10% para o segundo, atenta a idade do usufrutuário à data da posse administrativa, desconhecendo a contestante a oposição de quem quer que seja a tal repartição, oposição que, a existir, nunca lhe foi comunicada; conclui a contestante pela inexistência de fundamento para a consignação em depósito; alega ainda que à contestante foi deixado o usufruto vitalício de todos os bens que integram a herança do usufrutuário expropriado, tendo sido instituídos diversos legados, sendo instituídos herdeiros do remanescente os interessados EE, FF, GG e HH; conclui a contestante pela não verificação dos pressupostos para a consignação em depósito, por inexatidão dos motivos invocados pela requerente e pedindo a condenação da autora ao pagamento aos nus-proprietários do valor de €128.805,98 e ao usufrutuário do valor de €14.311,77, sendo as custas do processo da responsabilidade da autora.
A autora convidada a, querendo, pronunciar-se sobre o pedido de condenação como litigante de má-fé contra si dirigido por AA, por si, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido II e na qualidade de representante legal de seus filhos menores, CC e de BB, pronunciou-se no sentido da inverificação dos pressupostos de aplicação desse instituto.
Em 11 de dezembro de 2023, as partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre o conhecimento antecipado do mérito da causa e apenas AA, por si, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido II e na qualidade de representante legal de seus filhos menores, CC e de BB se pronunciou no sentido de se poder conhecer do mérito da causa desde que se julgassem provados os factos que enunciou e que na eventualidade de não se poderem julgar provados tais factos, deveriam os autos prosseguir os seus termos com produção de prova.
Em 05 de fevereiro de 2024 foi proferida sentença[2] que terminou com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto:
1. Julgo a presente acção procedente e, em consequência:
a. Declaro extinta a obrigação da autora por via do depósito efectuado pela autora;
b. O montante consignado em depósito apenas poderá ser levantado após e nos termos de decisão que venha a ser proferida em acção que venha a ser intentada para a respectiva partilha;
c. Condeno os réus no pagamento das custas processuais, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
2. Julgo não verificada a litigância de má fé da autora.
Fixo à presente causa o valor de € 143.117,76, em conformidade com o disposto nos artigos 296.º, 297.º e 306.º do Código de Processo Civil.”
Em 26 de fevereiro de 2024, inconformada com a sentença cujo dispositivo precede, DD interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[3]:
“A. A Requerente fundamentou a utilização do processo especial de consignação em depósito no “desacordo dos expropriados sobre a partilha da indemnização global acordada”, invocando ainda os artigos 37.º, n.º 4, do Código das Expropriações (doravante, CE) e 916.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
B. O art.º 37.º, n.º 4, do CE dispõe sobre o conteúdo da escritura de partilha ou do auto de expropriação amigável, prevendo que, “[n]ão havendo acordo entre os interessados sobre a partilha da indemnização global que tiver sido acordada, é esta entregue àquele que por todos for designado ou consignada em depósito no lugar do domicílio da entidade expropriante, à ordem do juiz de direito da comarca do lugar da situação dos bens ou da maior extensão deles, efectuando-se a partilha nos termos do Código de Processo Civil.”
C. A referida disposição pressupõe que haja acordo quanto ao valor global da indemnização, mas não haja acordo quanto ao valor devido a cada um dos interessados.
D. Nos presentes autos não foi acordada uma indemnização global, mas antes duas indemnizações separadas, correspondentes aos dois direitos reais de gozo distintos que incidiam sobre a parcela expropriada, conforme resulta do art.º 7 da petição: “7.1 A atribuição aos nus – proprietários do valor de EUR 128.805,98” e “7.2. A atribuição ao usufrutuário do valor de EUR 14.311,77”.
E. Encontrava-se, por isso, há muito definida, por acordo, a partilha entre os titulares inscritos das indemnizações devidas.
F. O titular do direito de usufruto sobre a parcela expropriada faleceu, já depois da vistoria ad perpetuam rei memoriam e da posse administrativa, facto que a ora Recorrente oportunamente levou ao conhecimento da Requerente.
G. Tal facto em nada altera a certeza da identidade dos credores dos direitos às indemnizações devidas pela expropriação, já que o direito à indemnização devida ao usufrutuário se consolidou antes do óbito, transmitindo-se por sucessão mortis causa nos termos gerais.
H. A própria Requerente reconhece que existia tal acordo entre os interessados, sustentando, porém, que tal acordo passou a ser “inexistente” em virtude de posição tomada ulteriormente pelos primeiro a terceiro Requeridos.
I. Ainda que tal alegação correspondesse à verdade – o que não se concebe – sempre a mesma deveria ter sido transmitida à Recorrente antes da propositura do presente processo especial, o que a Requerente não fez.
J. Saber se o direito à indemnização acordada com o usufrutuário se extingue caso este venha a falecer após a posse administrativa da não é um problema de partilha da indemnização, sendo antes uma questão jurídica distinta.
K. O entendimento jurídico diverso das partes sobre a resposta a tal questão (caso existisse) não corresponde a um desacordo sobre a partilha da indemnização, mas antes sobre a titularidade do direito à indemnização (e não, como na partilha, do quantitativo devido a cada um dos credores).
L. Assim, mesmo que fosse verdade o que a Requerente alega sobre as distintas posições jurídicas dos titulares da nua propriedade e dos sucessores do usufrutuário, não estariam preenchidos os pressupostos do art.º 37.º, n.º 4, do CE nem do n.º 1 do art.º 916 do CPC,
M. Já que a existência de dúvidas sobre a identidade do credor não constitui fundamento para a consignação em depósito nos termos do art.º 37.º, n.º 4 do CE.
N. Porém, conforme resulta dos articulados, não há dúvidas sobre a identidade dos credores:
O. Os serviços jurídicos da Requerente entendem que a morte do usufrutuário, após a posse administrativa e a vistoria ad perpetuam rei memoriam não faz extinguir o direito à indemnização correspondente, direito que se transmite, nos termos gerais, aos sucessores do usufrutuário (cf. doc. n.º 9, junto com a contestação dos primeiro a terceiro requeridos)
P. Igual entendimento tem a Recorrente, expressamente manifestado à Requerente (cf. documentos n.ºs 2 e 4, juntos com a contestação da Recorrente);
Q. E o mesmo entendimento têm os primeiro a terceiro Requeridos (cf. art.º 50 e 60. da respectiva contestação, bem como o pedido formulado a final).
R. Encontra-se demonstrado, por documento autêntico – escritura de habilitação de herdeiros – junta ao processo administrativo quem são os herdeiros do titular do usufruto bem como, pelo mesmo documento, que a ora Recorrente foi instituída usufrutuária de todos os bens que integram a herança do referido usufrutuário.
S. Porém, na sentença recorrida, depois de se transcrever na íntegra a factualidade alegada pelas partes, concluiu-se o seguinte:
“Assim, dúvidas inexistem de que os expropriados não se encontram de acordo quanto ao modo como deverá ser partilhada a indemnização, pressuposto necessário à admissibilidade da consignação em depósito, não se apresentando procedentes as impugnações deduzidas ao depósito.”
T. A conclusão transcrita – que constitui o fundamento racional da decisão - é manifestamente contraditória com a posição assumida pelas partes nos articulados.
U. Com efeito, ainda que fosse verdade, como se afirma na sentença, que “[os primeiros expropriados contestantes] na sua comunicação à entidade expropriante de 20 de Janeiro de 2023, já parece reafirmar a posição inicial no sentido da extinção do direito a uma indemnização com o óbito do usufrutuário”, tal posição mostra-se refutada no articulado (posterior a tal comunicação) dos referidos contestantes.
V. Estando as partes, manifestamente, de acordo quanto ao entendimento de continuarem a ser devidas duas indemnizações distintas, oportunamente acordadas e quantificadas, pelo direito de propriedade, por um lado, e pelo direito de usufruto, por outro; estando o destino dos bens do usufrutuário, incluindo, portanto, o segundo crédito indemnizatório indicado, determinado em documento autêntico junto aos autos (habilitação de herdeiros e testamento); e tendo a ora Recorrente sido instituída usufrutuária vitalícia de tal crédito, não existe qualquer desacordo “entre os interessados sobre a partilha da indemnização global que tiver sido acordada”.
W. Assim, ao decidir-se na sentença recorrida que, “dúvidas inexistem de que os expropriados não se encontram de acordo quanto ao modo como deverá ser partilhada a indemnização”, é manifesta a contradição entre a decisão e a fundamentação, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, nulidade que para todos os efeitos se invoca.
X. De todo o modo, ao decidir-se, como se decidiu, pela procedência da acção, por se entender mostrarem-se preenchidos os pressupostos do n.º 4 do art.º 37.º do CE, o tribunal recorrido incorreu em erro de direito, interpretando erradamente a referida disposição legal e aplicando-a incorrectamente ao caso.
Y. Não existindo qualquer desacordo entre os interessados quanto às indemnizações devidas por cada um dos direitos expropriados, não estão preenchidos os pressupostos para a consignação em depósito, pelo que a acção deveria ter sido julgada improcedente, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art.º 920.º do CPC, isto é, da condenação da Requerente no pagamento como se o depósito não existisse, autorizando-se os Requeridos a levantarem o depósito efectuado, na proporção correspondente à nua propriedade (pelos primeiro a terceiro Requeridos) e correspondente ao direito de ora Recorrente, na qualidade de usufrutuária daquele montante).
Sem prescindir,
Z. Na parte decisória da sentença, sem qualquer fundamento legal, determinou-se que “[o] montante consignado em depósito apenas poderá ser levantado após e nos termos de decisão que venha a ser proferida em acção que venha a ser intentada para a respectiva partilha;”
AA. Ainda que se entendesse que existe desacordo entre os Requeridos quanto aos direitos de cada um, por ser duvidoso o que a cada um pertence – o que se entende não ocorrer – sempre a decisão recorrida deveria ser revogada, na parte em que não só remete como obriga os Requeridos a resolverem tal pretenso desacordo em acção judicial.
BB. Ao condicionar o levantamento do depósito a decisão a proferir noutra acção judicial, o tribunal recorrido tomou conhecimento de questão que não podia apreciar, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do CPC.
CC. O artigo 922.º do CPC prevê que, sendo duvidoso o direito do credor, compete ao tribunal decidir, de acordo com os critérios previstos naquele artigo, pensado precisamente para situações em que existe controvérsia sobre o âmbito do direito do credor, questionando-se designadamente se o mesmo é titular único ou se é contitular do direito e, neste caso, em que proporção.
DD. O processo especial de consignação em depósito é o processo próprio para dirimir os litígios entre os credores, havendo vários, não podendo, por isso, o Tribunal remeter os credores para outro processo, já que lhe competia apreciar e decidir tal litígio.
EE. Assim, ainda que tal litígio existisse – o que por mera hipótese e dever de patrocínio se concebe – sempre a sentença seria nula, por violação do disposto na alínea d) do art.º 615.º, n.º 1, primeira parte, do CPC.
Por último,
FF. A ora Recorrente nunca pôs em causa que fosse devida aos primeiro a terceiro Requeridos a indemnização correspondente à nua propriedade (nem estes o fizeram) pelo que, esta indemnização, correspondente a 90% do valor do depósito e a 90% do valor da causa, não é nem nunca foi objecto de qualquer litígio, nem sequer aparente.
GG. O interesse da Recorrente nos presentes autos é limitado ao valor da indemnização correspondente ao direito de usufruto (corresponde a 10% do valor do depósito).
HH. Ao juntar no mesmo processo duas indemnizações, uma relativamente à qual não se verifica qualquer litígio (mesmo na configuração que dele fez a Requerente) e outra quanto à qual apenas existiria litígio na versão da Requerente (contrariada pelos Requeridos e pela prova documental junta aos autos), é manifesto que a condenação dos Réus na totalidade das custas viola o disposto no art.º 527.º do CPC, já que os Requeridos não deram causa à acção, pelo menos na parte respeitante à indemnização correspondente à nua propriedade.
II. Pelo que sempre deveria a Autora ser condenada nas custas na parte correspondente.
Sem prescindir,
JJ. Tendo sido acordadas duas indemnizações distintas, a junção das duas no mesmo processo, por iniciativa da Requerente, sempre deveria determinar a aplicação (ainda que se entendesse serem as custas da responsabilidade dos Requeridos), das regras previstas no art.º 528.º, n.º 4, do CPC.
KK. Do que resultaria a fixação separada das custas a cargo dos primeiros a terceiro Requeridos e das custas a cargo da Recorrente, na proporção do interesse de cada um na causa.
LL. Assim, a decisão recorrida, em matéria de custas, viola o disposto nos art.ºs 527.º e 528.º do CPC, pelo que deverá a mesma ser revogada.”
Em 27 de fevereiro de 2024, inconformados com a sentença proferida em 05 de fevereiro de 2024, AA, por si, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido II e na qualidade de representante legal de seus filhos menores, CC e de BB interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[4]:
“3.1. Em relação à partilha/divisão da indemnização não existe, nem nunca existiu, qualquer querela, conforme, de resto, todos os recorrentes estão de acordo: ambos aceitam que os donos da raiz têm direito a receber 90% da indemnização, ou seja, €128.805,98 (cento e vinte e oito mil, oitocentos e cinco euros e noventa e oito cêntimos) e 10 % os herdeiros do usufrutuário, isto é, €14.311,77 (catorze mil, cento e onze euros e setenta e sete cêntimos).
3.2. Não houve falta de acordo quanto à partilha da indemnização: aquilo que dividiu os ora recorrentes da demandada e também recorrente DD foi apenas o destino a dar à indemnização (e não à divisão do seu montante) que caberia ao usufrutuário que, entretanto, faleceu – ver documento n.º 6 (habilitação de herdeiros de JJ) junto com a contestação da recorrente DD.
3.3. A decisão incorre em erro quando concluiu que não existia acordo quanto à partilha da indemnização global acordada que constituiu, aliás, o pressuposto falso que também a autora invocou para instaurar a presente ação.
3.4. Pressuposto que se encontra em manifesta contradição com o que a autora sempre transmitiu aos ora recorrentes, conforme foi alegado na contestação.
3.5. E o que foi transmitido foi singelamente o seguinte: a entidade expropriante só outorgaria a escritura e pagaria o preço aos ora recorrentes em simultâneo com o pagamento que efetuaria aos herdeiros do usufrutuário e, para tanto, estes teriam de ter uma autorização judicial para celebrarem o acordo dado que entre os herdeiros se contavam menores.
3.6. A exemplo, de resto, do que tinha sucedido com os ora recorrentes.
3.7. Todos os factos alegados na contestação e reproduzidos em 1.3. supra deverão ser dados como provados (atento o facto de não terem sido impugnados e à posição que o Tribunal tomou em relação ao que foi sustentado no requerimento aludido em 1.6. supra, uma vez que proferiu a decisão sem se referir ao mesmo, o que pressupõe que considerou que os factos alegados se encontravam provados).
3.8. A não ser assim entendido e conforme foi sustentado no requerimento aludido em 1.6. supra, o Tribunal deverá ordenar a produção de prova testemunhal e em particular a inquirição do técnico da autora KK.
3.9. Do alegado nos n.ºs 16 a 19, 22, 29, 30, 32, 35, 36, 37, 38, 40, 43, 48, 60 e 61 da contestação, que não foram impugnados, ficou inteiramente claro que os ora recorrentes pretendiam apenas levantar e receber a quantia de € 128.805,98 (cento e vinte e oito mil oitocentos e cinco euros e noventa e oito cêntimos), sem prejuízo de o processo ir com vista ao Ministério Público, a fim de serem fixadas as condições do depósito da indemnização pertencente à herança do usufrutuário (€ 14.311,77), em virtude de existirem menores que eram herdeiros, conforme a própria autora reconheceu no requerimento de resposta ao pedido de condenação como litigante de má-fé.
3.10. Também do pedido formulado na contestação, que se passa a reproduzir, resulta inequivocamente que não existia qualquer divergência quanto ao montante a receber pelos herdeiros do usufrutuário:
Transcrição do pedido formulado na contestação dos ora recorrentes
“Termos em que deve ser declarado e autorizado que os ora contestantes têm direito a levantar a quantia de €128.805,98 (cento e vinte e oito mil oitocentos e cinco euros e noventa e oito cêntimos) relativa ao valor da raiz atualizada de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor nos termos indicados no n.º 68 desta contestação ou, em alternativa, acrescida de juros de mora nos termos também indicados no mesmo artigo deste articulado, em ambos os casos, desde 16 de janeiro de 2022, até efetivo e integral pagamento.
Mais se requer que os presentes autos vão com vista ao Ministério Público para os fins julgados convenientes – cfr. n.ºs 33, 34 e 69 desta contestação”.
3.11. Igual conclusão se extrai do teor do email de 30 de maio de 2022 que constitui o documento n.º 10 junto com a contestação e bem ainda do que foi alegado nos n.ºs 29, 30, 32 e 35 do referido articulado.
3.12. É inequívoco, deste modo, que o Tribunal fez uma errada, inexplicável e injustificada interpretação do teor do documento n.º 13 junto com a contestação dos ora recorrentes, que se passa a reproduzir, já que descontextualizou e ignorou as passagens que se assinalam a negrito e que infirmam as conclusões a que chegou:
Sr. KK,
1. Anexo a sentença que autorizou a Dra. AA, por si e na qualidade de legal representante dos filhos menores, BB e CC a alienar a raiz às Estradas de Portugal.
2. Anexo também a escritura de habilitação de herdeiros do sogro (usufrutuário) que, como se vê, deixou vários netos menores, entre os quais o BB e o CC, melhor identificados na escritura.
Os restantes herdeiros estão devidamente identificados na escritura.
O testamento do sogro vai ser objeto de impugnação judicial por ser, na nossa perspetiva, nulo.
Em todo o caso, existindo menores, sem uma autorização judicial, não estou a ver como é que o usufruto poderá ser vendido.
3. Por último, não percebo também o entendimento de que não pode ser alienada a raiz e pago o preço, sem a venda do usufruto, tanto mais que o mesmo caducou por morte do usufrutuário.
Digo e repito que as Infraestruturas de Portugal vão cometer uma ilegalidade ao entenderem que o valor do usufruto não pertenceria aos meus clientes pelas razões que expus.
Como disse, eles abdicaram de discutir o assunto na pressuposição de que o preço iria ser pago de imediato. Decorreram meses e é o que se vê.
Passo a reproduzir as razões pelas quais entendo que é uma ilegalidade não pagarem à herança o valor que caberia ao usufruto:
“As razões pelas quais a herança que represento e que era dona da raiz do prédio se opõe a que os herdeiros do usufruto recebam os 10% da proposta feita ao abrigo do artigo 35.º do Código das Expropriações, são as seguintes:
A propriedade não se transferiu para as Infraestruturas de Portugal, já que a mesma não foi transmitida nem por via da aquisição de direito privado (escritura de compra e venda ou auto de venda), nem por adjudicação judicial (ver artigos 4.º, n.º3, 19.º, n.º3 e do 51.º, n.ºs 5 e 6, todos do Código das Expropriações).
Assim sendo, não tendo sido transferida a propriedade, a nua propriedade “descomprimiu-se”, “ipso facto”, pela morte do usufrutuário.
A nua propriedade convolou-se, deste modo, automaticamente em propriedade plena.
Assim, a herança do usufrutuário não tem direito a receber qualquer indemnização “.
Apesar disso, a minha cliente mantém a posição, mas a paciência está, como compreenderá, a esgotar-se.
4. Como lhe disse, já colocámos ao Ministério Público a questão da inexistência de autorização judicial e de não se descobrir sequer se foi fits a participação do óbito à Autoridade Tributária e relacionados os bens.
Espero que a escritura de venda da raiz se realize a curto prazo porque, se assim não for, iremos requerer a expropriação litigiosa: o que se está a passar é inaceitável e ilegal. Recordo apenas a atualização pela inflação – artigo 23.º n.º 1 do Código Expropriações.
Cumprimentos.
3.13. Infirmação que também é confirmada por tudo quanto se referiu nas conclusões 3.1. a 3.11. supra.
3.14. A comunicação contida no email enviado em 20 de janeiro de 2023, ao contrário do que o
Tribunal sustenta, nada tem de equívoca, é clara e não suscita quaisquer dúvidas interpretativas.
3.15. As reservas que se colocaram no referido email quanto às condições para o depósito da indemnização devida aos herdeiros do falecido usufrutuário (€14.311,77) foram, de resto, reconhecidos pela própria demandante no requerimento de resposta ao pedido de condenação da autora como litigante de má-fé, onde a mesma mencionou expressamente que “quanto à questão da indemnização devida aos herdeiros do usufrutuário a que acresce o facto de, tendo-lhe sucedido herdeiros menores, ser necessário obter prévia autorização judicial para a venda o que tudo veio a impedir a concretização do auto/escritura de expropriação sendo que, até à presente data e não obstante as solicitações efetuadas pela Requerente, não tem esta conhecimento da existência da referida decisão de autorização judicial de venda”!!! – cfr. articulado de resposta (síntese conclusiva), com a referência citius n.º 47165137, junto ao processo em 17 de novembro de 2023.
3.16. E eram inteiramente justificáveis e nada têm a ver com a falta de acordo quanto à repartição da indemnização, que nunca esteve em causa.
3.17. Sendo o dissenso circunscrito apenas quanto ao facto dos ora recorrentes sustentarem que a indemnização devida aos herdeiros do usufrutuário ter de ser depositado e só levantado nas condições que o tribunal competente viesse a definir em virtude de alguns deles serem menores, conforme resulta da conclusão 3.9. supra.
3.18. Ao interpretar erroneamente o email de 20 de janeiro de 2023, como interpretou, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 236.º do Código Civil.
3.19. O despacho saneador/sentença é nulo, por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, porque não especificou com clareza os fundamentos de facto que justificaram a decisão da matéria de facto, ao não fazer a ponderação de todos os elementos probatórios existentes no processo, o que constitui uma consequência de ter inobservado a regra consagrada no n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil – ver supra 2.1. das presentes alegações.
3.20. A decisão proferida também padece de ambiguidade e de obscuridade, porquanto fez uma interpretação inaceitável do teor do documento n.º 13 junto com a contestação dos ora recorrentes, uma vez que a letra, o teor global, incluindo as passagens que a sentença ignorou, e o contexto do mesmo nunca poderiam permitir a interpretação que o Tribunal fez, atento o disposto no artigo 236.º do Código Civil e ainda as razões e os motivos indicados em 1.8. supra das presentes alegações e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3.21. Ao proferir a decisão que proferiu, uma vez que o documento não pode oferecer qualquer dúvida interpretativa, a decisão recorrida padece de uma obscuridade inexplicável que a torna nula - alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
3.22. Pelas razões indicadas em 2.4. das presentes alegações, os ora recorrentes não estavam em mora.
3.23. Antes pelo contrário, a mora era da autora (ver n.º 68 da contestação dos ora recorrentes, reproduzido na secção n.º 1.3. supra), pelo que não se verificavam os pressupostos para que a ação de consignação em depósito pudesse ter sido instaurada em relação aos ora recorrentes – alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 841.º do Código Civil.
3.24. Também pelos mesmos motivos e ainda por não ter sido lavrada a escritura ou o auto a que alude o artigo 37.º do Código das Expropriações, o n.º 4 deste preceito, que a autora e o Tribunal Recorrido invocam, é inaplicável à hipótese “sub judice”.
3.25. E isto tanto mais quanto é certo que jamais poderia ter sido feito um único depósito – ver
n.º 1.8. supra das presentes alegações.
3.26. Por ser deveras esclarecedor da razão que assiste aos ora recorrentes, chama-se a atenção do recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de julho de 2023 (Processo n.º 266/14.9T8AMT-C.P1), em que foi relator o Juiz Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida, disponível em www.dgsi.pt, que, em relação a uma hipótese análoga e com um paralelismo absoluto com esta, fixou uma orientação aplicável à posição sustentada, desde sempre, pelos ora recorrentes.
3.27. Decidindo, como decidiu, o despacho saneador/sentença violou todas as normas indicadas nas presentes alegações.”
Infraestruturas de Portugal, S.A. não respondeu aos recursos.
Em 04 de abril de 2024, ambos os recursos foram admitidos como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre apreciar e decidir de seguida.
2. Questões a decidir tendo em conta os objetos dos recursos delimitados pelas recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil)[5], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da apelação interposta por DD
2.1.1 Da nulidade da sentença recorrida por contradição dos fundamentos com a decisão;
2.1.2 Da nulidade da sentença recorrida por excesso e omissão de pronúncia;
2.1.3 Da ausência de desacordo dos expropriados sobre a partilha da indemnização global acordada;
2.1.4 Do destino da indemnização acordada;
2.1.5 Da ilegalidade da condenação tributária da recorrente.
2.2. Da apelação interposta por AA, por si, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido II e na qualidade de representante legal de seus filhos menores, CC e de BB
2.2.1 Da ausência de desacordo dos expropriados sobre a partilha da indemnização global acordada;
2.2.2 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto;
2.2.3 Da nulidade da sentença recorrida por ambiguidade ou obscuridade;
2.2.4 Da inexistência de mora dos três primeiros réus e da não reunião dos pressupostos de aplicação do nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações.
3. Fundamentos
3.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto (questão da recorrente AA e outros)
A recorrente AA, por si e em representação da herança aberta por óbito de seu falecido marido e bem assim de seus dois filhos menores imputa à sentença recorrida a nulidade decorrente de falta de fundamentação de facto, já que não discrimina quais os factos que julgou provados e não provados.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis[6], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.
No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório[7].
A nosso ver, a fundamentação de facto de uma decisão antecipada do mérito não tem a mesma abrangência que tem no caso de uma decisão final proferida após produção de provas pessoais e ou periciais.
Na decisão antecipada de mérito, o julgador deve conhecer de fundo desde que à luz das diversas soluções plausíveis das diversas questões de direito estejam assentes os factos relevantes para o efeito. Por se tratar de uma decisão proferida antes do início da instrução propriamente dita, com a produção das provas constituendas, só em casos raros o julgador estará habilitado a proferir um juízo de não provado[8]. Por isso, nesta situação, a decisão da matéria de facto bastar-se-á, em regra, com a enunciação dos factos provados de acordo com o critério antes referido.
Na hipótese em apreço, a sentença recorrida depois de um extenso relatório que mais não é do que uma acrítica reprodução dos articulados das partes, o tribunal recorrido não teve o cuidado de discriminar quais os factos que podia desde já julgar provados e muito menos de motivar o juízo probatório emitido.
Na fundamentação de direito, o tribunal recorrido limita-se a dar conta daquilo que, na esteira da recorrida, denomina ser o desacordo entre os demandados quanto à partilha da indemnização, justificativo da consignação em depósito acionada pela recorrida, não curando de concretizar os dados de facto que suportam essa conclusão.
Assim, na nossa perspetiva, a sentença recorrida é efetivamente nula por falta de especificação dos fundamentos de facto, patologia que em fase ulterior deste acórdão se suprirá visto o disposto no nº 1, do artigo 665º do Código de Processo Civil.
Procede assim esta primeira questão recursória.
3.2 Da nulidade da sentença recorrida por contradição dos fundamentos com a decisão (questão da recorrente DD)
A recorrente DD suscita a nulidade da sentença recorrida por contradição dos fundamentos com a decisão pois por um lado descreve factualidade que permite concluir pela inverificação dos fundamentos da consignação em depósito e, depois, conclui pela sua verificação, julgando procedente a ação[9].
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O vício previsto na primeira parte da alínea em análise verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.
Ao contrário do que afirma a recorrente DD, a sentença recorrida não descreve factualidade que permita concluir pela não verificação dos fundamentos da consignação em depósito. Ao invés, limita-se a transcrever o que foi alegado pelas partes nos seus articulados que, no que respeita esta questão, são contraditórios entre si. Como se viu antes, a sentença recorrida não tem fundamentos de facto pois a Sra. Juíza a quo não emitiu qualquer juízo fundamentado de provado ou não provado relativamente à matéria alegada pelas partes.
Diferente seria se o tribunal recorrido tivesse julgado provados factos concretos dos quais decorresse a inexistência de desacordo entre os demandados sobre a partilha da indemnização e, depois, em sede de decisório, concluísse pela existência desse desacordo.
Assim, face ao exposto, improcede esta arguição de nulidade suscitada pela recorrente DD.
3.3 Da nulidade da sentença recorrida por ambiguidade ou obscuridade (questão da recorrente AA e outros)
A recorrente AA, por si e em representação da herança aberta por óbito de seu falecido marido e bem assim de seus dois filhos menores imputa à sentença recorrida a nulidade decorrente de ambiguidade ou obscuridade na interpretação do documento nº 13 oferecido com a sua contestação.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O vício previsto na segunda parte da alínea em análise, decorrente da eliminação do fundamento de esclarecimento da sentença previsto anteriormente na alínea a), do nº 1, do artigo 669º do Código de Processo Civil, na redação que vigorava antes da vigência do atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade, torne a decisão ininteligível. Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.
Não cremos que a patologia denunciada pela recorrente AA integre nulidade da sentença.
A nosso ver, do que se trata é de um erro de julgamento decorrente de uma errada interpretação de um documento porque não houve o cuidado de proceder à fixação dos factos provados e, no que respeita este documento, verter nos fundamentos de facto a integralidade do seu conteúdo.
A sentença é clara na afirmação, ainda que em tom dubitativo, de que parece resultar da comunicação de 20 de janeiro de 2023 remetida à beneficiária da expropriação a negação de qualquer indemnização ao usufrutuário. Se o tribunal recorrido tivesse atentado na totalidade do documento, certamente a sua conclusão seria diversa.
Pelo exposto, improcede esta questão recursória.
3.4 Da nulidade da sentença recorrida por excesso e omissão de pronúncia (questão da recorrente DD)
A recorrente DD suscita a nulidade da decisão recorrida por excesso e omissão de pronúncia.
O excesso de pronúncia resultaria de o tribunal recorrido ter condicionado o levantamento do depósito a decisão a proferir noutra ação judicial, tomando assim conhecimento de questão que não podia apreciar.
Já a omissão de pronúncia resultaria de o processo especial de consignação em depósito ser o processo próprio para dirimir os litígios entre os credores, havendo vários,
não podendo, por isso, o Tribunal remeter os credores para outro processo, já que lhe competia apreciar e decidir tal litígio.
Cumpre apreciar e decidir
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[10]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas, enquanto os argumentos são as razões ou fundamentos aduzidos para sustentar uma certa resposta a uma questão jurídica.
Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.
No que respeita à alegada nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, afigura-se-nos que não se verifica esta patologia, mas antes, eventualmente, um erro na interpretação do alcance da última parte do nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações[11].
Vejamos agora a omissão de pronúncia suscitada pela recorrente DD.
A nosso ver, também esta nulidade da sentença recorrida não se preenche.
De facto, o tribunal a quo ao remeter os demandados para outro processo para partilha da indemnização não se absteve ou omitiu o conhecimento desta problemática, mas, debruçando-se sobre a mesma, entendeu, porventura erroneamente, que competia a outro tribunal, noutro processo, apreciar essa questão.
Neste circunstancialismo, não ocorre omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo, mas sim pronúncia sobre questão que devia apreciar com eventual erro de direito por errada interpretação de certo preceito legal.
Pelo exposto, improcedem também estas questões recursórias.
3.2 Fundamentos de facto resultantes do acordo das partes e bem assim da prova documental junta aos autos que não foi impugnada por qualquer das partes
3.2.1. Factos provados
- a nua-propriedade estava e está registada a favor dos expropriados AA e dos seus dois filhos menores BB e CC, em comum e sem determinação de parte ou direito, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária por óbito de II que também usava o nome de II;
- o usufruto estava registado a favor de JJ que também usava o nome de JJ e teve a sua última residência na Rua ..., ..., ..., ... Porto.
- a atribuição aos nus-proprietários do valor de €128.805,98;
- a atribuição ao usufrutuário do valor de €14.311,77.
“Exmos senhores, Bom dia, Atentas as conversações havidas e no seguimento do processo de assinatura de acordo, para ocupação antecipada da parcela n.º10, junto se envia, para conhecimento e devidos efeitos, os documentos da declaração de interesse Municipal na construção da PIR - Passagem Inferior Rodoviária ao ..., ... emitida pela C.M. ..., bem como o documento da autorização da utilização de recursos hídricos- Construção do restabelecimento da PIR emitida pela APA- Agência Portuguesa do Ambiente . Realça-se que, a IP, em face das autorizações emitidas pelas entidades competentes, irá muito em breve solicitar a Declaração de Utilidade Pública das parcelas abrangidas pela obra da PIR, entre as quais se encontra a parcela n.º 10. Trata-se de obra a desenvolver em área natural - área ribeirinha, que acompanha a linha de água existente, em área de reserva ecológica nacional, pelo que se entende que nenhum prejuízo será causado à propriedade dos clientes de V.Exas, bem pelo contrário, constituirá ação beneficiadora das condições da propriedade e de acesso viário a todos os potenciais utilizadores do restabelecimento, já que permitirá suprimir as passagens de nível, que apresentam graves problemas de sinistralidade, tal como é reconhecido pela C.M. ..., na declaração de interesse municipal remetida. Considerada a premência na construção da obra nomeadamente no desvio provisório da linha de água, trabalhos a efetuar naturalmente dentro dos limites da parcela e que se pretendem efetuar antes da época de Inverno, vimos de novo solicitar a máxima urgência na disponibilização da parcela, sem prejuízo do processo de expropriação e do correspondente pagamento da indemnização.”
“Bom dia Sr. Dr. NN, Acusamos a receção do e-mail de V. Exa, cujo conteúdo mereceu cuidada e imediata atenção. Após análise e conforme o já transmitido, o usufrutuário deve ser considerado interessado nos termos do C. Expropriações. Quanto ao usufruto, dispõe o artigo 1480.º do C.C. que, se estiver constituído usufruto sobre o bem expropriado, este passa a incidir sobre a indemnização devida pela expropriação. Deve-se, portanto, aplicar o regime previsto no C.C. para o usufruto de capitais .Ou seja, o usufrutuário não tem direito a uma indemnização autónoma. Tem, isso sim, direito a usufruir do montante indemnizatório que seja atribuído a final. Não vemos pois como podemos satisfazer as pretensões de V .Exa no sentido de considerar o pagamento de uma indemnização adicional de 10% para o usufrutuário. Assim, vimos renovar a proposta de indemnização apresentada no montante global de 143.117,76 €, para a expropriação amigável, com pagamento a efetuar mediante a celebração de auto de expropriação amigável (artigos33º e 36 º do CE), onde terão de estar presentes ou representados os interessados nesta expropriação.”
“Sr. KK, O processo de autorização judicial está a demorar mais do que o previsível. Assim, penso que deverá ser feito um contrato de promessa de celebração de auto de expropriação amigável celebrado à condição suspensiva de vir a ser obtida a autorização judicial que se encontra pendente. Aguardo uma resposta urgente.”
“Sr. KK, O processo de autorização judicial já terminou. Foi proferida sentença, em 18 de novembro de 2021, que autorizou a Dra. AA a aceitar, em nome dos filhos menores, o valor de indemnização proposto. Anexo cópia da sentença. Todavia, houve necessidade de requerer uma retificação da sentença (por força de um lapso manifesto do Tribunal que nada tem a ver com a autorização concedida), pelo que anexo também a decisão de retificação, proferida em 7 de dezembro de 2021, que faz parte integrante da mesma (sentença). A sentença acaba de transitar em julgado. Em face do exposto, julgo que estamos em condições de avançar com a celebração do contrato com o consequente pagamento da indemnização. Fico a aguardar uma resposta do Sr. KK e que elementos são necessários para a outorga.”
“Sr. KK, Agradeço que transmita o teor deste email ao Gabinete Jurídico onde explico e fundamento, sumariamente, as razões pelas quais a herança que represento e que era dona da raiz do prédio se opõe a que os herdeiros do usufruto recebam os 10% da proposta feita ao abrigo do artigo 35.º do Código das Expropriações. As razões são as seguintes: • A propriedade não se transferiu para as Infraestruturas de Portugal, já que a mesma não foi transmitida nem por via da aquisição de direito privado (escritura de compra e venda ou auto de venda), nem por adjudicação judicial (ver artigos 4.º, n.º3, 19.º, n.º3 e do 51.º, n.ºs 5 e 6, todos do Código das Expropriações). • Assim sendo, não tendo sido transferida a propriedade, a nua propriedade “descomprimiu-se”, “ipso facto”, pela morte do usufrutuário. • A nua propriedade convolou-se, deste modo, automaticamente em propriedade plena. Assim, a herança do usufrutuário não tem direito a receber qualquer indemnização. A herança que represento foi, ao longo de anos, lesada por atos do usufrutuário, pelo que não abdica desta posição: não propriamente pelo montante que está em causa, mas por uma questão de princípio. Cumprimentos.”
“Bom dia Sr. Dr. NN, Espero que já se encontre melhor. Informo que depois de ser consultado o nosso gabinete jurídico, informo que o mesmo é de opinião que assiste razão ao advogado do usufrutuário. Nesse sentido ficamos a aguardar uma resposta da sua cliente, a fim de se prosseguir com o processo pela via amigável, logo que para o efeito nos seja apresentada a certidão de habilitação de herdeiros de JJ.”
“Sr. KK, A cliente decidiu outorgar a escritura. Agradeço que me informe que documentação necessita. Recordo que a venda do usufruto à herança do Eng. JJ tem vários herdeiros menores, dois dos quais filhos da cliente. Por isso, o Gabinete Jurídico tem de ter isso em atenção. Não estou a ver como é que a venda poderá ser feita sem uma autorização judicial. Mas, não vou “meter foice em seara alheira”.”
“Sr. KK, Na sequência da nossa conversa telefónica de há dias, agradeço me informe quando procederão ao pagamento. Cumprimentos.”
“Sr. KK, 1. Anexo a sentença que autorizou a Dra. AA, por si e na qualidade de legal representante dos filhos menores, BB e CC a alienar a raiz às Estradas de Portugal. 2. Anexo também a escritura de habilitação de herdeiros do sogro (usufrutuário) que, como se vê, deixou vários netos menores, entre os quais o BB e o CC, melhor identificados na escritura. Os restantes herdeiros estão devidamente identificados na escritura. O testamento do sogro vai ser objeto de impugnação judicial por ser, na nossa perspetiva, nulo. Em todo o caso, existindo menores, sem uma autorização judicial, não estou a ver como é que o usufruto poderá ser vendido. 3. Por último, não percebo também o entendimento de que não pode ser alienada a raiz e pago o preço, sem a venda do usufruto, tanto mais que o mesmo caducou por morte do usufrutuário. Digo e repito que as Infraestruturas de Portugal vão cometer uma ilegalidade ao entenderem que o valor do usufruto não pertenceria aos meus clientes pelas razões que expus. Como disse, eles abdicaram de discutir o assunto na pressuposição de que o preço iria ser pago de imediato. Decorreram meses e é o que se vê. Passo a reproduzir as razões pelas quais entendo que é uma ilegalidade não pagarem à herança o valor que caberia ao usufruto: “As razões pelas quais a herança que represento e que era dona da raiz do prédio se opõe a que os herdeiros do usufruto recebam os 10% da proposta feita ao abrigo do artigo 35.º do Código das Expropriações, são as seguintes: • A propriedade não se transferiu para as Infraestruturas de Portugal, já que a mesma não foi transmitida nem por via da aquisição de direito privado (escritura de compra e venda ou auto de venda), nem por adjudicação judicial (ver artigos 4.º, n.º3, 19.º, n.º3 e do 51.º, n.ºs 5 e 6, todos do Código das Expropriações). • Assim sendo, não tendo sido transferida a propriedade, a nua propriedade “descomprimiu-se”, “ipso facto”, pela morte do usufrutuário. • A nua propriedade convolou-se, deste modo, automaticamente em propriedade plena. Assim, a herança do usufrutuário não tem direito a receber qualquer indemnização “. Apesar disso, a minha cliente mantém a posição, mas a paciência está, como compreenderá, a esgotar-se. 4. Com lhe disse, já colocámos ao Ministério Público a questão da inexistência de autorização judicial e de não se descobrir sequer se foi fits a participação do óbito à Autoridade Tributária e relacionados os bens. Espero que a escritura de venda da raiz se realize a curto prazo porque, se assim não for, iremos requerer a expropriação litigiosa: o que se está a passar é inaceitável e ilegal. Recordo apenas a atualização pela inflação – artigo 23.º n.º 1 do Código Expropriações.”
“Ex.mo Sr., Na qualidade de Advogado da Ex.ma Sr.a DD, viúva do Sr. Eng.º JJ, venho notificar a Infraestruturas de Portugal, S.A., na pessoa de V. Ex.a, do seguinte: a) Nos termos do artigo 24.º do Código das Expropriações, o direito à indemnização por expropriação tem por referência a data da declaração de utilidade pública. Em todo o caso, o direito à indemnização consolida-se na esfera jurídica dos interessados na data da posse administrativa já que, a partir da referida data, os interessados deixam de ter a disponibilidade do bem expropriado, passando antes a ter um direito de crédito sobre a entidade expropriante. b) No caso do direito de usufruto, a morte do usufrutuário (que determina, em regra, a extinção do usufruto), em data ulterior à da posse administrativa, em nada afecta o direito à indemnização decorrente da expropriação, direito esse que se transmite, nos termos gerais, para os sucessores de titular de tal direito (no caso, os herdeiros do usufrutuário); c) Assim, conforme já comunicado anteriormente à Infraestruturas de Portugal, em Março de 2022, o interessado JJ faleceu no dia ../../2022. A posse administrativa da parcela expropriada, identificada em epígrafe, ocorreu no dia quatro de Dezembro de 2020, data em que se consolidou, na esfera jurídica do referido JJ o direito à indemnização. d) Assim sendo, a indemnização correspondente ao direito de usufruto deverá ser entregue aos herdeiros do referido JJ, os quais se encontram já devidamente habilitados, por corresponder a um direito próprio do autor da herança, que por isso integra a referida herança, e não ao proprietário da parcela. e) Envio em anexo cópia da escritura de habilitação de herdeiros. f) Conforme resulta da referida habilitação, são herdeiros o filho, EE (NIF:...80) e os netos menores FF (NIF ...98), GG (NIF ...19) e HH (NIF: ...78), os quais são representados pelo pai, VV. Estando em causa o recebimento de um crédito, o titular das responsabilidades parentais não carece de autorização judicial para o efeito, ao contrário do que foi transmitido telefonicamente ao signatário pelo Sr. Eng.º KK. g) A minha constituinte, supra identificada, por sua vez, é usufrutuária de todos os bens da herança incluindo o direito à indemnização. Em face do que antecede, agradeço a V. Ex.a o favor de me informar quando pretende a Infraestruturas de Portugal, S.A., proceder ao pagamento da indemnização devida há mais de dois anos. Cabendo à cabeça de casal — no caso, a minha constituinte — o encargo de cobrança dos créditos da herança indivisa, a mesma utilizará todos os meios legais, designadamente os judiciais, para a cobrança da referida indemnização, caso não nos seja dada resposta satisfatória no prazo de 15 dias.”
“a) A Requerida deverá proceder ao pagamento da indemnização devida à herança indivisa aberta por óbito de JJ, correspondente ao valor do direito de usufruto sobre a parcela n.º 10 do ... 3.3 – .../... – ... – ... ao ..., ... da ..., no prazo de 30 dias a contar da presente notificação;
b) Caso a Requerida não proceda ao pagamento do valor devido até à data indicada, a Requerente dará início aos procedimentos judiciais adequados à respectiva cobrança.”
4. Fundamentos de direito
4.1 Da ausência de desacordo dos expropriados sobre a partilha da indemnização global acordada (questão comum a todos os recorrentes)
Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão recorrida porque assentou no pressuposto da existência de desacordo dos demandados sobre a partilha da indemnização global arbitrada, que não corresponde à realidade dos factos, formulando pedidos que se adequam ao previsto na segunda parte do nº 2 do artigo 920º do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
A consignação em depósito é uma das causas de extinção das obrigações além do cumprimento, sendo admissível o seu uso pelo devedor nos casos em que sem culpa sua não puder efetuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor[12] (alínea a) do nº 1 do artigo 841º do Código Civil) e ainda quando o credor estiver em mora (alínea b) do nº 1 do artigo 841º do Código Civil).
No caso de expropriação amigável, o acordo que tenha sido obtido carece de ser reduzido a escrito (artigo 36º, nº 1, do Código das Expropriações), escrito aliás necessário para titular a desanexação da parcela expropriada (artigo 36º, nº 3, do Código das Expropriações)[13].
No auto ou na escritura que titula a expropriação amigável consta, além do mais, a indemnização acordada e a forma de pagamento (artigo 37º, nº 2, alínea a) do Código das Expropriações).
A indemnização pode ser atribuída a cada um dos interessados[14] ou fixada globalmente (artigo 37º, nº 3, do Código das Expropriações).
De acordo com o disposto no artigo 32º do Código das Expropriações, na expropriação de direitos diversos da propriedade plena, a indemnização é determinada de harmonia com os critérios fixados para aquela propriedade, na parte em que forem aplicáveis.
Por outro lado, em sede de extinção do usufruto, o nº 1 do artigo 1480º do Código Civil, dispõe que “[s]e a coisa ou direito usufruído de perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o proprietário tiver direito a ser indemnizado, o usufruto passa a incidir sobre a indemnização.
Por força do nº 2 do artigo que se acaba de reproduzir, o disposto no número antecedente é aplicável à indemnização resultante de expropriação ou requisição da coisa ou direito, à indemnização devida por extinção do direito de superfície, ao preço da remição do foro e a outros casos análogos.
O regime jurídico da indemnização por expropriação do direito do usufruto previsto no Código das Expropriações (artigos 19º e 32º do referido código), não parece harmonizar-se com o que vem a esse propósito previsto no já citado nº 2 do artigo 1480º do Código Civil, na medida em que confere ao usufrutuário uma posição jurídica própria e distinta da do nu-proprietário e bem assim legitimidade para intervir no processo expropriativo, enquanto o Código Civil parece apontar no sentido da tutela do usufrutuário ser reflexa, no sentido de que beneficia da indemnização que for atribuída ao proprietário[15].
Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações, “[n]ão havendo acordo entre os interessados sobre a partilha da indemnização global que tiver sido acordada, é esta entregue àquele que por todos for designado ou consignada em depósito no lugar do domicílio da entidade expropriante[[16]], à ordem do juiz de direito da comarca do lugar da situação dos bens ou da maior extensão deles, efetuando-se a partilha nos termos do Código de Processo Civil.”
No caso dos autos, atendendo ao que consta no ponto 3.2.1.7 dos factos provados, a entidade beneficiária da expropriação chegou a acordo quer com os nus-proprietários, quer com o então usufrutuário, no valor da indemnização no montante de € 128 805,98, para os nus-proprietários e de € 14 311,77 para o então usufrutuário, acordo que não formalizou como previsto no artigo 36º do Código das Expropriações.
Salvo melhor opinião, a indemnização global a que o nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações se refere respeita ao valor acordado para ressarcir a expropriação de um direito de que são titulares uma pluralidade de sujeitos. Só numa tal situação haverá lugar à partilha do montante acordado entre os diversos sujeitos contitulares do direito expropriado.
Na eventualidade de serem expropriados direitos diversos e atribuídas indemnizações próprias a cada um desses direitos, como sucede no caso dos autos, em que além da expropriação do direito de propriedade do nu-proprietário foi também expropriado o direito de usufruto (ver ponto 3.2.1.7 dos factos provados), o desacordo dos interessados relativamente à partilha da indemnização global acordada afere-se relativamente a cada grupo de contitulares de cada direito expropriado. Dito de outo modo: desacordo na partilha da indemnização global acordada para os efeitos do nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriação no caso dos autos só pode existir entre os diversos titulares da raiz expropriada ou entre os diversos titulares do usufruto expropriado.
Diferente deste desacordo na partilha da indemnização global ajustada entre os outorgantes do auto ou escritura de expropriação amigável é o que possa existir relativamente à ressarcibilidade de certa situação jurídica ou quanto à determinação dos diversos sujeitos contitulares de um direito objeto de expropriação.
Nestes casos, não se trata já de uma divisão ou partilha de um certo crédito indemnizatório entre diversos sujeitos, mas sim da determinação da transmissão desse crédito e da titularidade desse mesmo crédito.
No caso dos autos, foram acordadas indemnizações distintas para a nua-propriedade e para o direito de usufruto, respetivamente, € 128 805,98 e € 14 311,77.
A indemnização acordada pela expropriação da nua-propriedade é da titularidade de três pessoas e não resulta que exista qualquer desacordo entre elas sobre a partilha desse crédito, tendo sido proferida sentença de autorização judicial a definir os termos em que na parte referente aos titulares menores se deveria processar o pagamento da indemnização acordada.
A indemnização devida pela expropriação do direito do usufruto suscitou dúvidas quanto à sua transmissão por morte, na medida em que a recorrente AA sustentou em dado momento que tendo ocorrido o óbito do usufrutuário depois da declaração de utilidade pública e de obtido o acordo sobre a indemnização devida mas sem que tenha sido celebrado o auto ou a escritura de expropriação amigável, ter-se-ia extinto o direito de usufruto, tornando-se a nua-propriedade propriedade plena (veja-se o artigo 23º da contestação oferecida pela recorrente AA e seus representados).
Além disso, relativamente à titularidade da indemnização pela expropriação do direito de usufruto, enquanto a recorrida sustenta que esse crédito é agora da titularidade de todos os demandados com exclusão da ré AA (veja-se artigo 9º da petição inicial), entendimento que parece ser secundado pela recorrente AA (veja-se o artigo 29º da contestação oferecida por esta recorrente e o ponto 3.2.1.21 dos factos provados), depois de ter admitido a subsistência da indemnização do direito do usufruto após a morte do primitivo usufrutuário.
Porém, a recorrente DD já tem entendimento diverso quanto aos titulares do crédito indemnizatório derivado da expropriação do usufruto pois alega que cabe aos demandados EE, FF, GG e HH (artigo 20 da contestação oferecida por esta recorrente e ponto 3.2.1.24 dos factos provados), cabendo à referida recorrente o usufruto desse capital (artigo 21º da mesma contestação e ponto 3.2.1.24 dos factos provados)[17].
O que precede permite-nos concluir que inexiste qualquer desacordo entre os interessados sobre a partilha da indemnização global, como foi alegado pela recorrida para justificar a instauração destes autos.
O que existe é uma controvérsia entre diversas pessoas sobre a titularidade ou não de uma certa posição jurídica ativa e isso apenas no que respeita à indemnização devida pela expropriação do direito real de usufruto (vejam-se os artigos 32º do Código das Expropriações e o nº 2 do artigo 1480º do Código Civil).
No que respeita à nua-propriedade, não existe qualquer desacordo entre os diversos contitulares da indemnização acordada.
A consignação em depósito prevista no nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações surge na sequência da celebração de acordo de expropriação amigável com a intervenção de todos os titulares da indemnização acordada com a entidade beneficiária da expropriação e devida em consequência da expropriação[18].
É neste quadro que a entidade beneficiária da expropriação tem o dever de proceder ao pagamento da indemnização acordada nessa expropriação amigável[19] e, sendo necessário, recorrer à consignação em depósito prevista no nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações.
Por isso, antes da celebração do auto ou da escritura de expropriação amigável, a entidade beneficiária da expropriação não tem a faculdade de recorrer à consignação em depósito prevista no nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações.
De facto, só com a celebração do auto ou da escritura de expropriação amigável, com a intervenção de todos os titulares da indemnização acordada com a entidade beneficiária da expropriação e devida em consequência da expropriação, esta entidade, além de assegurar a aquisição do direito expropriado, define o leque dos sujeitos contitulares do direito à indemnização e entre os quais podem surgir divergências na partilha do valor acordado.
Não sendo viável a celebração do auto ou da escritura de expropriação amigável, restará à entidade beneficiária da expropriação o recurso à via judicial.
O pagamento da indemnização devida pela expropriação e a cargo da beneficiária da expropriação implica a existência de um título que opere a aquisição do direito expropriado a favor desta, título que inexiste no caso dos autos.
Assim, neste enquadramento normativo que julgamos correto, a ação devia ter sido julgada improcedente, por não estarem reunidos os pressupostos de aplicação do nº 4 do artigo 37º do Código das Expropriações e sem possibilidade de aplicação do disposto na segunda parte do nº 2 do artigo 920º do Código de Processo Civil em virtude da entidade beneficiária da expropriação ainda não se poder considerar contratualmente obrigada ao pagamento da indemnização devida pela expropriação.
Porém, atento o teor da decisão recorrida, a decisão de total improcedência da ação, nesta fase processual, não é legalmente admissível, porque isso envolveria uma proibida reformatio in pejus (artigo 635º, nº 5, do Código de Processo Civil), já que se reconheceu aos demandados a possibilidade de virem a ser pagos pelas forças do depósito feito pela recorrida, possibilidade que não é impugnada por nenhum dos recorrentes.
Assim, além da declaração de ineficácia do depósito no montante global de € 143 117,76 como meio de extinção das obrigações de pagamento das indemnizações acordadas, deve a Infraestruturas de Portugal, S.A. ser condenada a pagar a quantia de € 128 805,98 a AA, BB, CC e a quantia de € 14 311,77 aos sucessores do falecido usufrutuário JJ.
Importa agora apreciar a decisão do tribunal recorrido no sentido de o montante consignado em depósito apenas poder ser levantado após e nos termos da decisão que venha a ser proferida em ação adrede intentada para a respetiva partilha.
Na senda do defendido por Osvaldo Gomes[20], no domínio do anterior Código das Expropriações relativamente ao preceito similar ao nº 4 do artigo 37º do atual Código das Expropriações e do Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa[21], no domínio do Código das Expropriações atualmente vigente, afigura-se-nos que a partilha da indemnização se processa nos próprios autos de consignação em depósito, observando-se os termos previstos no processo de inventário para tal efeito, ou seja, o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 1110º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a), do atual Código de Processo Civil.
A partilha da indemnização da nua-propriedade é matéria pacífica entre todas as partes e foi inclusivamente objeto de autorização judicial no pressuposto da concomitante aquisição do direito de propriedade pela entidade beneficiária da expropriação com o pagamento da indemnização acordada (vejam-se os factos provados nos pontos 3.2.1.14 a 3.2.1.16).
Não obstante, porque nestes autos é que se processa a partilha da indemnização acordada entre os três interessados e porque há necessidade de proceder a arredondamentos, não tendo o critério adotado na decisão de autorização judicial de ser obrigatoriamente seguido neste processo[22], deverá o tribunal recorrido ouvir os interessados e o Ministério Público proferindo depois decisão a partilhar a indemnização que compete a estes interessados no montante global de € 128 805,98.
A recorrente AA pediu além da autorização do levantamento da indemnização devida pela expropriação da nua-propriedade que a mesma seja “atualizada de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, prevista no artigo 24.º, n.º 1, do código das expropriações, ou, se assim não se entender, sobre o mesmo valor deverão incidir juros de mora, à taxa do artigo 559.º do código civil, qualquer um deles (atualização e juros) calculados desde a data em que foi obtida a autorização judicial até efetivo e integral pagamento, quantia esta que a autora deverá ser condenada a pagar aos recorrentes.”
Que dizer?
A atualização da indemnização nos termos previstos no nº 1 do artigo 24º do Código das Expropriações não nos parece ter viabilidade legal pois é um critério aplicável nos casos em que a indemnização é fixada por decisão judicial, acautelando as demoras inerentes ao processo judicial, não sendo aplicável por analogia à expropriação amigável dado que as partes têm o controlo do procedimento em causa.
Na expropriação amigável os interessados podem reagir contra o atraso da beneficiária da expropriação na conclusão do procedimento interpelando-a admonitoriamente.
No caso dos autos, parte do atraso é imputável aos expropriados e decorreu da instauração de processo para obtenção de autorização judicial (3.2.1.12 a 3.2.1.16 dos factos provados). Depois de obtida essa autorização, o Sr. Advogado da recorrente AA foi interpelando a beneficiária da expropriação para que se concluísse o procedimento (vejam-se os factos provados em 3.2.1.21, 22 e 23) mas sem nunca fixar um prazo certo para que fosse celebrado o auto ou a escritura de expropriação amigável, assim contemporizando com a demora que se ia registando.
Deste modo, afigura-se-nos que a pretensão destes recorrentes no sentido de a recorrida ser condenada ao pagamento de juros de mora não tem base legal por não se achar a autora constituída em mora.
Improcedem assim estas pretensões dos recorrentes AA e representados.
A questão da “partilha” da indemnização acordada com o falecido usufrutuário é mais delicada porque existe divergência entre as partes nestes autos quanto à pessoa dos sucessores daquele.
Assim, enquanto a recorrente AA e representados sustentam que são sucessores do falecido usufrutuário todos os demandados nestes autos, com exceção de si própria, já a recorrente DD defende que o referido capital lhe cabe, em termos de direito de usufruto, competindo a raiz do referido capital a seu filho EE e aos filhos de sua falecida filha UU, os menores FF, GG e HH (vejam-se os artigos 1464º e 1465º, ambos do Código Civil).
Os autos estão instruídos com habilitação de herdeiros do falecido usufrutuário (ponto 3.2.1.19 dos factos provados), aí se fazendo referência detalhada a testamento do falecido que suporta a pretensão da recorrente DD, testamento que também está junto aos autos.
A recorrente DD sustenta a desnecessidade de qualquer autorização judicial para o recebimento da indemnização acordada em expropriação amigável na carta que remeteu à recorrida em 13 de fevereiro de 2023 (veja-se o ponto de facto 3.2.1.24).
A nosso ver, nestes autos está em causa a partilha de uma indemnização, uma partilha parcial, afigurando-se-nos que sendo a partilha realizada no âmbito de um processo judicial, com intervenção do Ministério Público, não se pode considerar preenchida a previsão da alínea l) do nº 1 do artigo 1889º do Código Civil, pois não está em causa uma partilha extrajudicial e, além disso, a intervenção do Ministério Público e de um juiz asseguram a proteção dos interesses dos menores visada por aquela previsão legal.
Assim, à semelhança do que se decidiu relativamente aos titulares da indemnização pela expropriação da nua-propriedade, quanto à indemnização devida pela extinção do usufruto, deverá o tribunal recorrido ouvir os interessados e o Ministério Público proferindo depois decisão a partilhar a indemnização.
Pelo exposto, o recurso interposto pela recorrente AA e representados procede, com exceção das pretensões de atualização da indemnização ou de condenação da recorrida ao pagamento de juros de mora, procedendo integralmente o recurso interposto pela interessada DD.
As custas da ação são da responsabilidade da recorrida pois que improcedeu (artigos 527º, nºs 1 e 2 e 920º, nº 2, primeira parte, ambos do Código de Processo Civil).
As custas do recurso interposto por AA, BB, CC são da responsabilidade da recorrida e dos recorrentes, na exata proporção do decaimento, sendo este restrito às pretensões de atualização da indemnização ou de pagamento de juros de mora à taxa supletiva legal para os créditos civis desde a data de obtenção da autorização judicial até efetivo e integral pagamento.
As custas do recurso interposto por DD são da responsabilidade da recorrida em virtude de ter ficado vencida (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Atendendo ao que antes se decidiu fica consumido e prejudicado o conhecimento das questões que haviam sido enunciadas para ser conhecidas seguidamente.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA, BB, C e procedente o recurso de apelação interposto por DD e, consequentemente, decide-se o seguinte:
a) revogar a sentença recorrida proferida em 05 de fevereiro de 2024, nos segmentos impugnados e, em consequência, julga-se a ação improcedente e ineficaz o depósito feito por Infraestruturas de Portugal, S.A. no montante de € 143 117,76 (cento e quarenta e três mil cento e dezassete euros e setenta e seis cents) como meio de extinção da obrigação de pagamento de indemnização por expropriação amigável em que os primitivos interessados eram como nus-proprietários AA, BB, CC e como usufrutuário JJ;
b) condena-se Infraestruturas de Portugal, S.A. a pagar a quantia de € 128 805,98 (cento e vinte e oito mil oitocentos e cinco euros e noventa e oito cents) a AA, BB e CC, absolvendo-se Infraestruturas de Portugal, S.A. do pedido de atualização da referida quantia de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, prevista no artigo 24º, n.º 1, do Código das Expropriações e bem assim do pedido de condenação ao pagamento de juros de mora contados sobre essa quantia, à taxa supletiva legal para os créditos civis, qualquer um deles (atualização e juros) calculados desde a data em que foi obtida a autorização judicial até efetivo e integral pagamento;
c) condena-se Infraestruturas de Portugal, S.A. a pagar a quantia de € 14 311,77 (catorze mil trezentos e onze euros e setenta e sete cents) aos sucessores do falecido usufrutuário JJ;
c) determina-se que o tribunal recorrido tribunal recorrido ouça os interessados AA, BB e CC e o Ministério Público sobre a forma de partilhar a quantia de € 128 805,98 (cento e vinte e oito mil oitocentos e cinco euros e noventa e oito cents), proferindo depois decisão a partilhar essa importância;
d) determina-se que o tribunal recorrido tribunal recorrido ouça os sucessores do falecido usufrutuário JJ sobre a forma de partilhar a quantia de € 14 311,77 (catorze mil trezentos e onze euros e setenta e sete cents), proferindo depois decisão a partilhar essa importância;
e) As custas da ação são da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal, S.A. pois que improcedeu (artigos 527º, nºs 1 e 2 e 920º, nº 2, primeira parte, ambos do Código de Processo Civil);
f) as custas do recurso interposto por AA, BB, CCsão da responsabilidade da recorrida e dos recorrentes, na exata proporção do decaimento, sendo este restrito às pretensões de atualização da indemnização ou de pagamento de juros de mora à taxa supletiva legal para os créditos civis desde a data de obtenção da autorização judicial até efetivo e integral pagamento;
g) as custas do recurso interposto por DD são da responsabilidade da recorrida em virtude desta ter ficado vencida (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
(Carlos Gil)
(Teresa Fonseca)
(António Mendes Coelho)