I - O prazo para a Ré apresentar contestação constitui um prazo perentório (artigo 139º, nº3) mas foi precedido de um prazo dilatório. Quando assim é, o prazo dilatório e o prazo perentório contam-se como um só, de acordo com o preceito do artigo 142º do CPC.
II - A dilação visa garantir a possibilidade de defesa efectiva e plena em tempo útil e no caso da citação edital, justifica-se pela presunção de um conhecimento efectivo que pode não ser imediato. A circunstância de o Réu tomar conhecimento da pendência da acção durante o decurso do prazo da dilação não tem como consequência a eliminação do restante prazo. A lei não faz depender o decurso integral do prazo dilatório da circunstância de o Réu não ter tomado conhecimento efectivo da pendência da acção, ao longo desses 30 dias.
III - A junção de procuração outorgada pela Ré a Advogado configura um acto de intervenção no processo, o qual pressupõe que aquela tem conhecimento da existência dos autos. Porém, a mera junção da procuração não permite concluir, sem mais, que a Ré prescindiu do prazo para contestar.
IV - Proferido despacho a considerar confessados os factos por confissão, antes do termo do prazo que a Ré dispunha para contestar, o Tribunal a quo violou o direito ao exercício pleno do contraditório, pelo que se impõe a sua revogação, com a consequente anulação dos actos subsequentes, nomeadamente a sentença proferida, conferindo-se àquela parte o prazo de trinta dias para contestar, a contar do início do trânsito da presente decisão.
Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Anabela Mendes Morais
Primeiro Adjunto: Desembargador Manuel Fernandes
Segunda Adjunta: Desembargadora Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha
I_ Relatório
AA e BB instauraram a presente acção declarativa comum contra CC, pedindo que:
a) seja declarada a resolução do contrato de arrendamento outorgado entre ambos;
b) seja condenada a ré a despejar e entregar, de imediato, o locado, livre de pessoas e bens;
c) seja condenada a ré no pagamento das rendas vencidas e não pagas, no montante de €34,20 (trinta e quatro euros e vinte cêntimos), e das rendas vincendas até concretização do despejo, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a data dos respectivos vencimento e calculados, até 01/09/2023, no montante de €50,55 (cinquenta e cinco cêntimos).
Alegaram, em síntese, que:
_ São proprietários da fracção autónoma designada por letra “B”, correspondente a uma habitação T2+1, primeiro andar, entrada pelo n.º ..., a qual faz parte do prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o n.º ... da União das Freguesias ... e ....
_ Por contrato escrito celebrado em 01 de Setembro de 1975, os anteriores proprietários, DD e EE, deram de arrendamento, pelo prazo de um ano, renovável, a FF, para a habitação deste, o primeiro andar do mencionado prédio.
_ Na cláusula 2.ª do contrato de arrendamento, as partes estipularam a obrigação de pagamento de renda no valor de Esc. 3.500,00 (três mil e quinhentos escudos), a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior ao que disser respeito.
_ Por decisão de 11 de Novembro de 2005, o referido arrendamento transmitiu-se para a ex-cônjuge do primitivo arrendatário, a Ré CC, porquanto o direito ao arrendamento lhe foi adjudicado nos autos de divórcio que correram termos na 1.ª Conservatória do Registo Civil de Vila Nova de Gaia.
_ Desde então, aquele 1.º andar foi sempre utilizado pela Ré mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de, presentemente, € 193,80 (cento e noventa e três euros e oitenta cêntimos).
_ A Ré/Arrendatária CC, entre o ano de 2021 e meados de Janeiro de 2022, deixou o locado não mais tendo regressado.
_ A Ré tem procedido ao pagamento da renda como se esta não tivesse sido actualizada, encontrando-se em falta com o valor integral das rendas que se venceram no período compreendido entre Dezembro de 2022 (relativa ao mês de Janeiro de 2023) e a data da entrada da petição (vencida em Agosto de 2023 e relativa a Setembro de 2023), isto é referente a 9 (nove) meses.
_ Encontra-se em dívida, na presente data, o valor de €34,20 (trinta e quatro euros e vinte cêntimos) correspondente ao valor mensal em falta de €3,80 (três euros e oitenta cêntimos), resultante da diferença entre a renda paga e a renda que deveria ser paga (€ 3,80 x 9 meses).
I.1_ No cabeçalho da petição inicial, os Autores indicaram como domicilio da Ré CC, “até meados de 2021”, a Rua ..., ..., 1.ºandar, ..., Vila Nova de Gaia, acrescentando que “actualmente residirá noutra morada cuja designação e localização se desconhece”, requerendo, no final desse articulado, “nos termos dos artigos 432.º e 436.º do C.P.C., se oficie:
a) O Instituto da Segurança Social e da Autoridade Tributária Aduaneira para virem informar que morada da Ré se encontra registada nas suas bases de dados;
b) A Caixa Geral de Aposentações para vir informar se a Ré é sua beneficiária; na hipótese afirmativa se tem conhecimento da morada de residência permanente da mesma;...”.
I.2_ Em 6/9/2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Diligencie pelas pesquisas a que alude o artigo 236.º do C.P.C.”.
I.3_ Feita a pesquisa nas bases de dados da Segurança Social, da Autoridade Tributária e da DGSI,
foi obtida a informação que a Ré tem domicílio na Rua ..., ..., 1.ºandar, ..., Vila Nova de Gaia.
I.4_ Expedida carta registada com aviso de recepção para a única morada obtida nas bases de dados consultadas, foi a mesma devolvida com a menção “não atendeu”.
I.5_Frustrada a citação por via postal, em 26/9/2023, foram encetadas diligências com vista à citação por Agente de Execução, tendo sido junta aos autos a certidão negativa, datada de 27/9/2023 e da qual consta:
“Hoje, dia 27 de Setembro, pela 14h, deslocou-se a signatária ao local: Rua ..., nº ..., 1º andar, em frente ao centro de Saúde, União das Freguesias ... e ... e tocou à campainha do 1º andar e ninguém respondeu. Entretanto, tocou na campainha do 3º andar e a moradora desceu, tendo informado que a Ré já não habita no local há mais de um ano, encontrando-se tudo fechado e sem movimento.
Anexo ainda fotos do imóvel.
Pelo exposto, lavro a presente CERTIDÃO NEGATIVA.”
I.6_ Notificadas da certidão negativa, os Autores apresentaram requerimento, em 9/10/2023, com o seguinte teor: “notificadas da certidão negativa da Sra. Agente de Execução, da não citação da R. CC, com a indicação de esta já não habita no local em causa há mais de um ano, encontrando-se tudo fechado e sem movimento, vem requerer a citação edital, nos termos do artº 236º do C.P.C.”.
I.7_ Sobre esse requerimento foi proferido despacho, em 12/10/2023, determinando:
“Cite a ré editalmente.
I.8_ Em 18-10-2023, foi afixado o edital com a referência 452745610, na última morada conhecida da Ré [Rua ..., nº... - 1º Andar, ... e ..., ... Vila Nova de Gaia], dando conhecimento da propositura da presente acção e “para, no prazo de 30 dias, decorrida que seja a dilação de 30 dias, contada da publicação do anúncio, contestar, querendo, a ação, com a cominação de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es)”.
I.9_ O anúncio relativo à citação edital da Ré foi publicado em 23 de Outubro de 2023, constando do mesmo “…para, no prazo de 30 dias, decorrida que seja a dilação de 30 dias, contada da publicação do anúncio, contestar, querendo, a acção, com a cominação de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es) …”.
I.10_ Por requerimento de 24/10/2023, a Ré juntou aos autos procuração – datada de 10/9/2017 -, constando mesmo:
“CC, R. no processo à margem identificado, vem juntar procuração forense emitida ao sr. Dr. GG, Advogado, com a cédula profissional n.º ......”.
I.11_Em 5/12/2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Determinada a citação edital da ré, veio a mesma juntar procuração forense, conforme requerimento de 24/10/2023 – referência 37056230.
Desde então e até ao presente, nada disse, nem requereu.
A ré considera-se regularmente citada e não deduziu contestação.
Como assim, estão confessados os factos articulados pelos autores, nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Cumpra-se o disposto no n.º 2, do artigo 567.º do mesmo diploma legal.”.
I.12_ O anterior despacho foi notificado às partes, nos termos do artigo 567º do CPC, através da plataforma Citius, por expediente enviado em 06/12/2023, tendo os Autores apresentado alegações, em 7/12/2023, reiterando o conteúdo da petição.
I.13_ Em 28/12/2023, foi proferida sentença, constando do dispositivo:
“Pelo exposto, o Tribunal julga a acção totalmente procedente, por provada, e em consequência:
● Declara resolvido o contrato de arrendamento e decreta o imediato despejo do prédio locado e identificado no ponto 1) dos factos provados;
● Condena a ré a pagar aos autores a quantia global de 34.20€ (trinta e quatro euros e vinte cêntimos), a título de rendas vencidas e não pagas;
● As rendas vencidas e vincendas desde a instauração da acção e até ao trânsito em julgado da presente decisão;
● A indemnização, prevista e calculada nos termos do artigo 1045.º, n.º 1 do C.C., à razão mensal de 193,80€, devida pela ocupação do imóvel nos meses subsequentes ao término do contrato e até entrega efectiva do locado.
● Constituindo-se em mora, o valor da indemnização elevar-se-á para o dobro – artigo 1045.º, n.º 2 do C.P.C.
● Os juros de mora como peticionado.
Custas pela ré, atento o total vencimento da acção (artigos 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, assim como artigo 6.º, n.º 1 e Tabela I–A do Regulamento das Custas Processuais).
Registe e notifique.”.
I.14_ Notificada do despacho datado de 5 de Dezembro de 2023, e não se conformando com o mesmo, por requerimento de 8/1/2024 – referência 47588650 -, a Ré interpôs recurso, invocando os artigos 644º, nº 2), 645º, nº2, e 647º do CPC, formulando as seguintes conclusões:
“Está em causa o término antecipado do prazo de dilação, considerando o Tribunal A Quo que com a junção da procuração, iniciou-se prazo de contestação, sendo dado despacho a entender que não houve Contestação, considerando por confessados os factos alegados pela Autora na sua Petição Inicial.
Ora, com tal fundamentação não se pode concordar, porquanto:
I – DA OMISSÃO DE ACTOS E A NULIDADE DA CITAÇÃO
a) Pela consulta dos autos, verifica-se que a Agente de Execução incumpriu o previsto no número 4 do Artigo 232º do Código de Processo Civil, ao não ter deixado aviso confirmado por duas testemunhas;
Acresce,
b) As diligências levadas a cabo pela Agente de Execução na tentativa de apurar com certeza se a Demandante ali efetivamente residia ou para equacionar o seu real paradeiro foram insuficientes.
c) Não existindo a certeza acerca do paradeiro da Demandante, o tribunal A Quo, não poderia, como o fez, decidir pela citação edital, sem previamente realizar outras diligências, mormente, a obtenção de informação junto da base de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributaria e aduaneira e do Instituto da mobilidade e dos transportes terrestres e, em último recurso, obter informação junto das autoridades policiais, nos termos do disposto no art.º 236º do CPC.
d) O que implica que não esgotaram todos os atos e foi empregada indevidamente a citação edital, nos termos n.º 1 do Artigo 191º e da alínea c) do n.º 1 do art.º 188º, ambos do Código de Processo Civil, sendo tal uma falta de citação;
e) O que constitui uma nulidade por violação dos n.º 1º in fine e 4º do Artigo 232º e n.º 1 do art.º 236º do Código de Processo Civil; que, para todos os devidos e legais efeitos, ora se alega;
f) Pois estamos perante uma situação em que é praticado um acto proibido (ou um acto obrigatório é omitido) e depois é proferida uma decisão: tal constitui uma nulidade processual;
II – DO FACTO DA JUNÇÃO DA PROCURAÇÃO NÃO SER UM MEIO IDÓNEO PARA TOMAR CONHECIMENTO DO PROCESSO
g) É defendido que: “não é legítima a conclusão que a simples apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema electrónico e constitui pressuposto de qualquer actuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a hipótese de suscitar a competente nulidade”
h) Tendo especial relevância para a boa decisão da causa decisões em que: Desta forma, entendendo que a junção da referida procuração não é suficiente para pôr termo à revelia absoluta, nem meio idóneo de tomar conhecimento do processo, de modo a presumir-se que logo aí o réu prescindiu, conscientemente, de arguir a falta de citação, é de concluir que não ficou então sanada a eventual nulidade da citação.”
i) Pois inexiste uma certeza quando ao efectivo – e apenas presumido – conhecimento dos Autos por parte da Ré, o que salvo respeito por melhor opinião, não é o bastante para terminar sem mais o prazo de dilação;
j) Concluindo-se pela procedência da Nulidade alegada nesses autos e que nos presentes igualmente se alega: Destarte, está demonstrada a ocorrência da nulidade por falta de citação e, por consequência, a nulidade da sentença que veio a ser proferida na sequência e no pressuposto da regularidade de validade da citação. Impõe-se, como tal, anular todo o processado e consequentemente, a sentença proferida nos autos, determinando que os autos baixem à 1ª instância para que aí seja concedido ao réu/recorrente o prazo de que dispõe para contestar, prosseguindo depois o processo a tramitação processual subsequente que se imponha.
k) Note-se que esta é a primeira intervenção da Citada no processo, nos termos do número 2 do Artigo 191º do Código de Processo Civil e, por se tratar de Citação Edital, plenamente tempestiva;
l) Ao não ser meio idóneo para tomar conhecimento do processo ou de se abster de arguir nulidades, não poderá servir para antecipar o término do prazo de dilação, encontrando-se a Ré ainda em prazo de contestação, aquando do Despacho de que ora se recorre;
III - DA FALTA DE ACTO DA SECRETARIA
m) O Artigo 567º, nº 1 do C.P.C diz expressamente que só consideram confessados os factos alegados pelo Autor se “Se o réu não contestar, tendo (1) sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo (2) juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação;
n) Ora, a Ré não foi citada na sua própria pessoa e a procuração com poderes gerais não foi junta no prazo de Contestação mas sim da dilação - Artigo 569º, nº 1 do C.P.C
o) Se o prazo tinha sido reduzido – por algum motivo legal para o qual inexiste fundamento: nem do Despacho recorrido, totalmente omisso para justificar a redução do prazo, nem de algum normativo legal expresso no que ao Processo Civil diz respeito;
p) Tal deveria tal ter sido comunicado à Ré, nos termos do artigo 233º, C.P.C. a contrario, pois ao não ter sido efectuada a advertência, especialmente quando a comunicação era expressa indicando um prazo de 30 dias de dilação mais 30 dias de Contestação, foi coartado – caso se entenda como correcta a apreciação do Tribunal ad quo – a possibilidade de defesa, sendo violado o Princípio do Contraditório;
q) Ora, tal irregularidade é suscetível de prejudicar a defesa da Demandante, nos termos previstos pelo art.º 191º, n.º 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força da equiparação da notificação pessoal à citação.
r) Tratando-se de citação edital a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo – é o que decorre do art.º 191º, n.º 2 do mesmo diploma.
IV. DA PREVISIBILIDADE DE ATUAÇÃO, DE ACORDO COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO, NAS VERTENTES DOS SUBPRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
s) Inexiste nos autos prova efectiva de que a Ré tomou efectivo conhecimento do processo;
t) Logo, sem essa prova, não pode o Tribunal a quo terminar antecipadamente o prazo de dilação em curso, por uma questão de violação do Princípio Constitucional do Estado de Direito Democrático, com os subprincípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança dos Cidadãos;
u) Ao não receber qualquer indicação do Tribunal ou do Agente de Execução de que o prazo de dilação se tinha extinto, a Ré não teve conhecimento de que se iniciou o prazo de Contestação, o que contraria o teor do edital fixado;
v) Esquecendo-se o Tribunal a quo que, salvo respeito por melhor opinião, tal comunicação deveria ter sido feita à Ré e ao seu mandatário;
w) Especialmente considerando que a mera junção de procuração não é o bastante para se conhecer o processo;
x) Ao proferir o despacho de que se recorre, o Tribunal a quo violou o Princípio do Contraditório, bem como o Princípio Constitucional do Estado de Direito Democrático, com os subprincípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança dos Cidadãos;
y) Verificando-se que a possibilidade de oferecimento da Contestação estava em prazo, até ao Despacho ora recorrido, e “o articulado de contestação em prazo compatível com aquele quadro informativo veiculado no ato da citação, em que o citado acreditou, tem de considerar-se tempestiva a contestação, sob pena de violação daqueles princípios. “
PEDIDO
Nestes termos e nos mais de direito que V.Ex.ª doutamente suprirão, deverá ser revogado o despacho de que se recorre.
Decidindo dessa forma, o tribunal a quo violou os números 1 in fine e 4 do Artigo 232º; numero 1 do artigo 236º, número 2 do Artigo 191º; 567º, nº 1; Artigo 569º, nº 1; 233º, C.P.C. a contrario e os Princípios do Contraditório, bem como Principio Constitucional do Estado de Direito Democrático, com os subprincípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança dos Cidadãos, pelo que requer que o despacho proferido pelo tribunal a quo nos termos do qual foi decidido considerar a Demandante revel, seja revogado e, por via disso seja determinada a possibilidade de apresentação de Contestação legal e tempestiva, concedendo-se à Ré prazo para o poder fazer, com as legais consequências.”.
I.15_ Em 29/1/2024 – referência 47802570 -, os Autores/Recorridos apresentaram resposta, tendo suscitado, como questão prévia, a “extemporaneidade do recurso por prematuridade”, com os seguintes fundamentos:
_ O recurso interposto pela Recorrente tem como pretensão a revogação do despacho do Tribunal a quo de 5 de Dezembro de 2023 - Ref.ª 454693443.
_ Com vista à revogação dessa decisão e, por essa via, seja concedido novo prazo para contestar a acção, a Ré invoca, ao referido despacho, os seguintes vícios: (i) nulidade de citação/falta da citação (ii) falta de acto da secretaria (iii) violação do Princípio do Contraditório e do Princípio Constitucional do Estado de Direito Democrático (nas vertentes dos subprincípios da Segurança Jurídica e da Protecção da Confiança).
_ Das alegações e conclusões do recurso apresentado, nos termos dos artigos 644.º, n.º 2 e 645.º, n.º 2 do CPC, a apelante nenhuma referência faz à sentença que pôs termo à causa, limitando-se a afirmar que o recurso é interposto de decisão interlocutória.
_ O despacho proferido em 5 de Dezembro de 2023, não cabe na previsão de qualquer uma das alíneas do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, nem mesmo na alínea h), pois a eventual retenção do mesmo não teria um resultado irreversível, de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil.
_ O recurso autónomo daquela decisão não é admissível, por a mesma estar sujeita a apelação diferida, por força do disposto no n.º 3 do artigo 644.º do CPC.
_ Assim, o despacho ora em crise apenas poderia ser impugnado em sede de “recurso da decisão final”, isto é, mediante recurso interposto da sentença proferida em 28 de Dezembro de 2023, citando em apoio da posição por si defendida BB[1] .
_ Não se verificando a dedução de recurso da decisão final, não cabe recurso da decisão interlocutória proferida em 05 de Dezembro de 2023.
Concluíram que o recurso é extemporâneo por prematuridade, devendo ser indeferido pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, al. a) primeiro terço do CPC, ou, se este (mal) o admita, o seu objecto não seja conhecido pelos Ilustres Desembargadores Relatores, ao abrigo dos artigos 652.º, n.º 1, al. b) e 655.º, n.º 1 do CPC.
Caso assim não se entenda, os Recorridos pugnaram pela improcedência do recurso.
I.16_ Por requerimento de 6/2/2024, a Ré interpôs recurso da sentença proferida em 28/12/2023 e do despacho datado de 5 de Dezembro de 2023 - referência 454693443 -, formando as seguintes conclusões:
“DA SENTENÇA:
A Apelante não se conformando com a decisão final dela vem interpor recurso.
A sorte da decisão final proferida nos autos depende da eficácia da impugnação do despacho interlocutório.
O presente recurso tem como principal intento a revogação da decisão final cujos vícios advêm da decisão interlocutória.
A decisão final que não poderá subsistir caso proceda o recurso que versa o despacho interlocutório.
DO DESPACHO INTERLOCUTÓRIO:
Está em causa o término antecipado do prazo de dilação, considerando o Tribunal a quo que com a junção da procuração, iniciou-se prazo de contestação, sendo dado despacho a entender que não houve Contestação, considerando por confessados os factos alegados pela Autora na sua Petição Inicial.
Ora, com tal fundamentação não se pode concordar, porquanto:
I – DA OMISSÃO DE ACTOS E A NULIDADE DA CITAÇÃO
a) Pela consulta dos autos, verifica-se que a Agente de Execução incumpriu o previsto no número 4 do Artigo 232º do Código de Processo Civil, ao não ter deixado aviso confirmado por duas testemunhas;
Acresce,
b) As diligências levadas a cabo pela Agente de Execução na tentativa de apurar com certeza se a Demandante ali efetivamente residia ou para equacionar o seu real paradeiro foram insuficientes.
c) Não existindo a certeza acerca do paradeiro da Demandante, o tribunal A Quo, não poderia, como o fez, decidir pela citação edital, sem previamente realizar outras diligências, mormente, a obtenção de informação junto da base de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributaria e aduaneira e do Instituto da mobilidade e dos transportes terrestres e, em último recurso, obter informação junto das autoridades policiais, nos termos do disposto no art.º 236º do CPC.
d) O que implica que não esgotaram todos os atos e foi empregada indevidamente a citação edital, nos termos n.º 1 do Artigo 191º e da alínea c) do n.º 1 do art.º 188º, ambos do Código de Processo Civil, sendo tal uma falta de citação;
e) O que constitui uma nulidade por violação dos n.º 1º in fine e 4º do Artigo 232º e n.º 1 do art.º 236º do Código de Processo Civil; que, para todos os devidos e legais efeitos, ora se alega;
f) Pois estamos perante uma situação em que é praticado um acto proibido (ou um acto obrigatório é omitido) e depois é proferida uma decisão: tal constitui uma nulidade processual;
II – DO FACTO DA JUNÇÃO DA PROCURAÇÃO NÃO SER UM MEIO IDÓNEO PARA TOMAR CONHECIMENTO DO PROCESSO
g) É defendido que: “não é legítima a conclusão que a simples apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema electrónico e constitui pressuposto de qualquer actuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a hipótese de suscitar a competente nulidade”
h) Tendo especial relevância para a boa decisão da causa decisões em que: Desta forma, entendendo que a junção da referida procuração não é suficiente para pôr termo à revelia absoluta, nem meio idóneo de tomar conhecimento do processo, de modo a presumir-se que logo aí o réu prescindiu, conscientemente, de arguir a falta de citação, é de concluir que não ficou então sanada a eventual nulidade da citação.”
i) Pois inexiste uma certeza quando ao efectivo – e apenas presumido – conhecimento dos Autos por parte da Ré, o que salvo respeito por melhor opinião, não é o bastante para terminar sem mais o prazo de dilação;
j) Concluindo-se pela procedência da Nulidade alegada nesses autos e que nos presentes igualmente se alega: destarte, está demonstrada a ocorrência da nulidade por falta de citação e, por consequência, a nulidade da sentença que veio a ser proferida na sequência e no pressuposto da regularidade de validade da citação. Impõe-se, como tal, anular todo o processado e consequentemente, a sentença proferida nos autos, determinando que os autos baixem à 1ª instância para que aí seja concedido ao réu/recorrente o prazo de que dispõe para contestar, prosseguindo depois o processo a tramitação processual subsequente que se imponha.
k) Note-se que esta é a primeira intervenção da Citada no processo, nos termos do número 2 do Artigo 191º do Código de Processo Civil e, por se tratar de Citação Edital, plenamente tempestiva;
l) Ao não ser meio idóneo para tomar conhecimento do processo ou de se abster de arguir nulidades, não poderá servir para antecipar o término do prazo de dilação, encontrando-se a Ré ainda em prazo de contestação, aquando do Despacho de que ora se recorre;
III - DA FALTA DE ACTO DA SECRETARIA
m) O Artigo 567º, nº 1, do C.P.C diz expressamente que só consideram confessados os factos alegados pelo Autor se “Se o réu não contestar, tendo (1) sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo (2) juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação;
n) Ora, a Ré não foi citada na sua própria pessoa e a procuração com poderes gerais não foi junta no prazo de Contestação mas sim da dilação - Artigo 569º, nº 1 do C.P.C.;
o) Se o prazo tinha sido reduzido – por algum motivo legal para o qual inexiste fundamento: nem do Despacho recorrido, totalmente omisso para justificar a redução do prazo, nem de algum normativo legal expresso no que ao Processo Civil diz respeito;
p) Tal deveria tal ter sido comunicado à Ré, nos termos do artigo 233º, C.P.C. a contrario, pois ao não ter sido efectuada a advertência, especialmente quando a comunicação era expressa indicando um prazo de 30 dias de dilação mais 30 dias de Contestação, foi coartado – caso se entenda como correcta a apreciação do Tribunal ad quo – a possibilidade de defesa, sendo violado o Princípio do Contraditório;
q) Ora, tal irregularidade é suscetível de prejudicar a defesa da Demandante, nos termos previstos pelo art.º 191º, n.º 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força da equiparação da notificação pessoal à citação;
r) Tratando-se de citação edital a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo – é o que decorre do art.º 191º, n.º 2 do mesmo diploma.
IV. DA PREVISIBILIDADE DE ATUAÇÃO, DE ACORDO COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO, NAS VERTENTES DOS SUBPRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
s) Inexiste nos autos prova efectiva de que a Ré tomou efectivo conhecimento do processo;
t) Logo, sem essa prova, não pode o Tribunal a quo terminar antecipadamente o prazo de dilação em curso, por uma questão de violação do Princípio Constitucional do Estado de Direito Democrático, com os subprincípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança dos Cidadãos;
u) Ao não receber qualquer indicação do Tribunal ou do Agente de Execução de que o prazo de dilação se tinha extinto, a Ré não teve conhecimento de que se iniciou o prazo de Contestação, o que contraria o teor do edital fixado;
v) Esquecendo-se o Tribunal a quo que, salvo respeito por melhor opinião, tal comunicação deveria ter sido feita à Ré e ao seu mandatário;
w) Especialmente considerando que a mera junção de procuração não é o bastante para se conhecer o processo;
x) Ao proferir o despacho de que se recorre, o Tribunal a quo violou o Princípio do Contraditório, bem como o Princípio Constitucional do Estado de Direito Democrático, com os subprincípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança dos Cidadãos;
y) Verificando-se que a possibilidade de oferecimento da Contestação estava em prazo, até ao Despacho ora recorrido, e: “o articulado de contestação em prazo compatível com aquele quadro informativo veiculado no ato da citação, em que o citado acreditou, tem de considerar-se tempestiva a contestação, sob pena de violação daqueles princípios.
PEDIDO
Nestes termos e nos mais de direito que V.Ex.ª doutamente suprirão, deverá ser revogada a Sentença e o Despacho interlocutório de que se recorre o que implica a inutilização e a repetição de todos os atos que sejam afetados por estas procedências, entre eles a sentença final proferida.
Decidindo dessa forma, o tribunal a quo violou os números 1 in fine e 4 do Artigo 232º; numero 1 do artigo 236º, número 2 do Artigo 191º; 567º, nº 1; Artigo 569º, nº 1; 233º, C.P.C. a contrario e os Princípios do Contraditório, bem como Principio Constitucional do Estado de Direito Democrático, com os subprincípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança dos Cidadãos, pelo que requer que o despacho proferido pelo tribunal a quo nos termos do qual foi decidido considerar a Demandante revel, seja revogado e, por via disso seja determinada a possibilidade de apresentação de Contestação legal e tempestiva, concedendo-se à Ré prazo para o poder fazer, com as legais consequências.”
I.17_ Notificados, os Autores/Recorridos apresentaram resposta, alegando, em síntese, que:
No requerimento de interposição do Recurso, a Apelante, que não imputa qualquer vício, ou erro de julgamento, de facto ou de direito à decisão final, dirige o seu inconformismo contra à mesma, e como pressuposto daquele, com fundamento na nulidade do despacho interlocutório anterior que julgou confessados os factos alegados pelos Autores, aduzindo as seguintes razões/vícios:
(i) omissão de actos e nulidade da citação;
(ii) falta de acto da secretaria
(iii) violação do Princípio do Contraditório e do Princípio Constitucional do Estado de Direito Democrático (nas vertentes dos subprincípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança).
Sucede o despacho que a Recorrente pretende atingir por esta via, obtendo a sua revogação e, por consequência, seja retomada a contagem do prazo para apresentação de contestação, está de acordo com as consequências processuais a retirar da tramitação ocorrida até ao momento e em conformidade com as normas aplicáveis, não havendo no mesmo a preterição de quaisquer formalidades essenciais.
A alegação da Recorrente é desprovida de fundamento, pois foram verificados, oficiosamente pelo tribunal a quo, os requisitos para a prolação do despacho a considerar confessados os factos alegados pelos Autores por ausência de contestação.
Mais entendem as Recorridas que nas nulidades processuais, a sua verificação deve ser objecto de arguição, pelo que a reacção da Recorrente devia ter passado por suscitar eventuais nulidades perante o tribunal em que as mesmas foram cometidas (tribunal a quo), e caso não se conformasse com a decisão proferida sobre o requerimento de arguição de nulidades, desta caberia recurso, nos termos gerais. Mas não foi essa a posição assumida pela Recorrente na presente acção.
Pugnam pela improcedência do recurso.
I.18_ Por despacho de 2/4/2024 [2], foram admitidos os recursos interpostos em 8/1/2024 e em 6/2/2024.
I.19_ Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Assim, há que apreciar as seguintes questões:
1_ Da admissibilidade de apelação autónoma do despacho proferido em 5/12/2005, interposto por requerimento - referência 37759668 - apresentado em 8/1/2024.
2_ Da pretensão da Recorrente de revogação do despacho de 5/12/2023 por ter sido proferido em momento anterior ao termo da dilação e do prazo para contestar e, por via da sua procedência, ser-lhe concedida a possibilidade de apresentar contestação.
3_ Da falta de citação, com fundamento no artigo 188º, nº1, alínea c), do CPC.
III_ Fundamentação de facto
Os factos a ter em conta são os referidos no relatório que antecede e, ainda, os factos considerados provados na sentença recorrida:
1) Os autores são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente a uma habitação T2+1, primeiro andar, entrada pelo n.º ..., descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...... e inscrita na matriz urbana sob o n.º ...... da União das Freguesias ... e ..., Vila Nova de Gaia;
2) A aquisição, por compra, da propriedade sobre a fracção “B” a favor dos autores, encontra-se inscrita no registo predial pela apresentação 929, desde 26/03/2018;
3) Por contrato escrito de 01/09/1975, pelo prazo de um ano, renovável nos termos legais, os anteriores proprietários da fracção identificada, DD e EE, deram de arrendamento a FF, para a habitação deste, o primeiro andar do mencionado prédio;
4) Na cláusula 2.ª do contrato de arrendamento celebrado, as partes estipularam a obrigação de pagamento de renda no valor de 3.500$00 (três mil e quinhentos escudos), a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior ao que dissesse respeito;
5) Por decisão de 11/11/2005 pela 1.ª Conservatória do Registo Civil de Vila Nova de Gaia, o referido arrendamento transmitiu-se para a ré, ex-cônjuge do primitivo arrendatário, porquanto o direito ao arrendamento lhe foi adjudicado nos autos de divórcio que correram termos na dita Conservatória;
6) Desde então, que aquele 1.º andar foi sempre utilizado pela ré mediante o pagamento de uma renda mensal aos anteriores senhorios, e mais tarde, desde 24/03/2018, aos autores, cujo valor se cifra em 193,80€;
7) Os autores enviaram carta, datada de 04/11/2022, registada com aviso de recepção para a morada do locado, devolvida por não reclamada a 16/11/2022, através da qual comunicaram a actualização da renda para o valor de 193,80€;
8) Os autores enviaram carta, datada de 24/11/2022, registada com aviso de recepção para a morada do locado, devolvida por não reclamada a 05/12/2022, através da qual comunicaram a actualização da renda para o valor de 193,80€;
9) A ré não se encontra a viver na fracção em apreço e não voltará a habitar no locado;
10) Em data não concretamente apurada, mas entre o ano de 2021 e meados de Janeiro de 2022, a ré deixou o locado não mais tendo regressado depois disso;
11) Diante da impossibilidade de os autores estabelecerem contacto com a ré, o autor BB deslocou-se ao imóvel em apreço para tentar entregar à sua inquilina as cartas que haviam sido devolvidas, por não reclamadas;
12) Aí chegado, e não obstante a insistência, não logrou falar com a ré, a qual não abriu a porta da habitação arrendada, por nela não se encontrar;
13) Face ao cenário descrito e atenta a necessidade de os autores falarem pessoalmente com a ré, sucederam-se, desde então, visitas assíduas dos mesmos à fracção em apreço;
14) Nessas visitas, foi-lhes sendo transmitido pela vizinhança da sua inquilina que a mesma deixou de ser vista no prédio, de pernoitar no locado, de aí tomar as suas refeições, receber familiares, amigos ou quaisquer visitas, pelo menos desde 2021;
15) Os autores constaram que a casa arrendada se encontra permanentemente fechada, abandonada e vazia de pessoas de dia e de noite, sem sinais de qualquer ocupação ou manutenção, por não se encontrarem luzes acesas durante a noite, não existir movimento ou barulho, encontrando-se as janela e os estores sempre fechados;
16) Verifica-se a existência de diversa correspondência por recolher na caixa de correio por vários meses;
17) Os autores conseguiram apurar, telefonicamente, junto da entidade “A..., EM. S.A.” que os consumos de água são quase inexistentes e incompatíveis com o uso regular, habitual e normal de uma casa;
18) Os autores, no inicio do ano, nas diversas deslocações que fizeram ao locado, nunca conseguiram falar com a sua inquilina, a qual nunca abriu a porta, nem foi vista no prédio, tendo sido devolvidas todas as missivas que lhe foram endereçadas, inclusive já no corrente ano, a insistir na actualização de renda, nomeadamente em 02/02/2023;
19) A ré tem procedido ao pagamento da renda como se esta não tivesse sido actualizada, encontrando-se em falta com o valor integral das rendas que se venceram no período compreendido entre Dezembro de 2022, relativa ao mês de Janeiro de 2023, e a vencida em Agosto de 2023, relativa a Setembro de 2023;
20) Encontrando-se em dívida, na presente data, no valor de 34,20€ correspondente ao valor mensal em falta de 3,80€, resultante da diferença entre a renda paga e a renda que deveria ter sido paga;
21) A citação pessoal da ré frustrou-se com a menção de “objecto não reclamado”;
22) Frustrada a citação pessoal da ré, foi tentada a citação através de Agente de Execução, citação não conseguida, conforme certidão negativa junta aos autos e que se reproduz “Hoje, dia 27 de Setembro, pela 14h, deslocou-se a signatária ao local: Rua ..., nº ..., 1º andar, em frente ao centro de Saúde, União das Freguesias ... e ... e tocou à campainha do 1º andar e ninguém respondeu. Entretanto, tocou na campainha do 3º andar e a moradora desceu, tendo informado que a Ré já não habita no local há mais de um ano, encontrando-se tudo fechado e sem movimento. Anexo ainda fotos do imóvel”;
23) Frustrada a citação pessoal da ré, foi a mesma citada editalmente, por se desconhecer o seu paradeiro, após o que juntou procuração nos autos não contestando.
Factos não provados: inexistem.”.
IV_ Fundamentação de direito
1ª Questão
A Ré interpôs recurso [por requerimento de 8/01/2024 - referência 48086093] do despacho proferido em 5/12/2023[3], com fundamento no artigo 644º, nº2, (sem indicação da alínea), com subida imediata, em separado e efeito devolutivo, invocando que a retenção do recurso torna-o inútil.
Nesse recurso, a Recorrente pretende a revogação do despacho proferido em 5/12/2023 e, por via da procedência dessa sua pretensão, lhe seja conferida a possibilidade de apresentação de contestação, concedendo-lhe prazo para o efeito.
Pelos Recorridas foi invocada inadmissibilidade de recurso de apelação autónoma do despacho de 5/12/2023.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 644º do Código de Processo Civil limita-se a distinguir as decisões sujeitas a recurso imediato e as decisões cuja impugnação é relegada para momento ulterior.
Analisado o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 644º do CPC, verifica-se que a situação em causa apenas poderia ser susceptível de recurso nos termos dispostos na alínea h) do nº2 referido preceito legal, pois que não cabe em qualquer outra das previsões.
Nos termos da alínea h) do nº2 do artigo 644º do CPC, “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: h) [d]as decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”.
Recurso cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil é apenas aquele cujo resultado, seja ele qual for, devido à impugnação apenas com o recurso da decisão final, já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas não aquele cujo provimento possibilite a anulação de alguns actos, por ser esse o risco próprio ou normal dos recursos diferidos.
Ensinam António Abrantes Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[4], em anotação ao artigo 644º do CPC, “A lei abre ainda a possibilidade de interposição de recursos intercalares quando a sujeição à regra geral importe a inutilidade absoluta de uma eventual decisão posterior favorável (al. h), previsão que, contudo, não deve confundir-se com outros casos em que se verifica simplesmente o risco de inutilização ou de repetição de uma parte do processado. Esta interpretação não sofre dúvida na jurisprudência, que sempre estabeleceu uma divisão entre a inutilidade absoluta de uma decisão favorável e a eventual anulação ou repetição de uma determinada atividade processual”.
Escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[5], “são escassos os casos em que se possa dizer que ocorre absoluta inutilidade do recurso se não se admitir a impugnação imediata. São deles exemplo o recurso do despacho que indefere o pedido de dispensa de audição do requerido em procedimento cautelar”.
No mesmo sentido, em anotação à alínea h) do artigo 644º do CPC, escreve António Santos Abrantes Geraldes[6] que “O advérbio (“absolutamente”) assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que se previa no artigo 734º, nº1, alínea c) do CPC de 1961, para efeitos de determinar, ou não, a subida imediata do agravo”.
Sobre a questão, decidiu este Tribunal, no Acórdão de 17/4/2023, proferido no processo n.º 11103/20.5T8PRT-A.P1, acessível em www.dgsi.pt:
“O art. 644º/2/h) CPC prevê o recurso das decisões interlocutórias cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
Para preencher os requisitos da norma, tem-se entendido que a inutilidade há de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização dos atos processuais para justificar a subida imediata do recurso.
O facto de a lei prever que a retenção tornaria absolutamente inútil o recurso reporta-se ao próprio resultado do recurso, o que não se confunde com a mera possibilidade de anulação ou de inutilização de um certo processado”.
Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 7/3/2023, proferido no processo nº 995/20.8T8PNF.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt: “Na realidade as últimas reformas ao processo civil, em concreto no que concerne aos recursos, não preveem esse mecanismo de imediata manifestação das partes quanto às decisões interlocutórias de que não cabe apelação imediata e de que discordam e que pretenderão impugnar. Não o prevendo a lei, não poderemos nós aplicá-lo, pese embora se considere que poderia contribuir para uma maior clarificação do processado e transparência das partes quanto ao normal desenrolar da causa, sabendo-se desde logo quais os pontos e decisões que poderiam vir a ser questionados a final. Certo é que não foi essa a opção do legislador.”.
Voltando aos presentes autos, a impugnação do despacho de 5/12/2023, com o recurso da decisão final não importa a absoluta inutilidade de uma decisão favorável para a Recorrente que eventualmente venha a ser obtida. Não existe qualquer efeito irreversível que o eventual provimento de recurso proposto da decisão final, não remova.
O tribunal de recurso não está vinculado ao despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal de 1ª instância (art. 641º, nº5, do CPC).
Pelo exposto, não sendo a decisão susceptível de recurso de apelação autónoma, decide-se não conhecer deste recurso.
2ª Questão
Invoca a Recorrente a falta de citação, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 188º e do n.º 1 do artigo 191º, ambos do Código de Processo Civil, sustentando que:
a) Pela Agente de Execução não foi dado cumprimento ao disposto no número 4 do artigo 232º do Código de Processo Civil, por não ter deixado aviso confirmado por duas testemunhas.
b) Mostraram-se insuficientes as diligências levadas a cabo pela Agente de Execução na tentativa de apurar se a Ré efectivamente residia na morada indicada ou para equacionar o seu real paradeiro.
c) Não foram esgotados todos os actos, tendo sido empregada indevidamente a citação edital, violando o disposto no n.º 1, in fine, e no nº4 do artigo 232º e no n.º 1 do artigo 236º do Código de Processo Civil.
d) Não existindo a certeza sobre o paradeiro da Ré, o tribunal a quo não poderia, como o fez, decidir pela citação edital, sem previamente realizar outras diligências, mormente, a obtenção de informação junto da base de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributaria e Aduaneira e do Instituto da mobilidade e dos transportes terrestres e, em último recurso, obter informação junto das autoridades policiais, nos termos do disposto no art.º 236º do CPC.
Por último, sustenta que a junção da procuração não constitui um meio idóneo para tomar conhecimento do processo de modo a presumir-se que logo aí o réu prescindiu, conscientemente, de arguir a falta de citação, é de concluir que não ficou então sanada a eventual nulidade da citação.”
Advogam os Recorridos que a Recorrente devia ter arguido as nulidades processuais perante o tribunal em que as mesmas foram cometidas (tribunal a quo) e caso não se conformasse com a decisão então proferida, desta caberia recurso, nos termos gerais.
Cumpre apreciar e decidir.
Como ensinava José Alberto dos Reis,[7] “a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial”. Se a infracção cometida foi efeito do despacho, então, “estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei de processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ... Se em vez de recorrer do despacho, se reclamasse contra a nulidade, ir-se-ia pedir ao juiz que alterasse ou revogasse o seu próprio despacho, o que é contrário ao princípio de que, proferida decisão, fica esgotado o poder jurisdicional de quem decidiu (artigo 66º)”.
No mesmo sentido, refere Anselmo de Castro[8],“Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por um qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso.”
No caso dos autos, o Tribunal a quo ordenou a citação edital da Ré e decidiu, por despacho de 5 de Dezembro de 2023, que “A ré considera-se regularmente citada e não deduziu contestação. Como assim, estão confessados os factos articulados pelos autores, nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.”.
Assim, a falta de citação, com fundamento no artigo 188º, nº1, alínea c), do CPC, deixa de ter o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro de julgamento, considerando que a alegada nulidade está coberta por decisão judicial (despacho) que ordenou e sancionou o acto, pelo que o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas a impugnação da decisão mediante recurso, não assistindo razão aos Recorridos.
Vejamos, então, se se verifica a falta de citação, como alega a Recorrente.
Nos termos do nº1 do artigo 225º do Código de Processo Civil, a citação de pessoas singulares é pessoal ou edital, dispondo o nº2 que a citação pessoal é feita mediante:
Via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º;
b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo;
c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando.
De harmonia com o disposto no nº 6 do citado artigo 225º do Código de Processo Civil, a citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta, nos termos dos artigos 236.º e 240.º ou, quando sejam incertas as pessoas a citar, ao abrigo do artigo 243.º.
Sobre a citação por via postal, dispõe o nº1 do artigo 228º do Código de Processo Civil que “faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior…”, podendo a carta ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.”.
Nos termos do nº 5 do artigo 228º do Código de Processo Civil, “não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado.”.
Não sendo possível a entrega da carta por ausência do citando em parte incerta, devolvido o expediente, a secretaria dá cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 236.º e, se for apurado novo endereço, repete a citação, enviando nova carta registada com aviso de receção para tal endereço.
Frustrada a citação por via postal, dispõe o artigo 231º do CPC que a citação é efectuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando.
Sobre a citação por Agente de execução, dispõe o artigo 232º do Código de Processo Civil que:
“1 - No caso referido no artigo anterior, se o agente de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado, não podendo proceder à citação por não o encontrar, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respetivo aviso no local mais indicado.
2 - No dia e hora designados:
a) O agente de execução ou o funcionário faz a citação na pessoa do citando, se o encontrar;
b) Não o encontrando, a citação é feita na pessoa capaz que esteja em melhores condições de a transmitir ao citando, incumbindo-a o agente de execução ou o funcionário de transmitir o ato ao destinatário e sendo a certidão assinada por quem recebeu a citação.
…
4 - Não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 227.º, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial.”
Dispõe o nº1 do artigo 235º do Código de Processo Civil que “Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.
A lei distingue dois tipos de invalidade da citação:
I.a falta de citação, regulada no artigo 188º do CPC, integrando o conceito de falta de citação várias situações entre as quais quando se tenha “empregado indevidamente a citação edital” [cfr. alínea c) do nº1). Sendo a citação edital um meio de interpelação judicial menos garantístico do que a citação pessoal, o legislador procura reduzir o mais possível a sua utilização o que se compreende pela elevada probabilidade de o réu não vir a ter conhecimento da citação ou, pelo menos, não ter dela conhecimento em tempo útil, acabando por não intervir na causa.
II.A nulidade da citação, nos casos previstos no artigo 191º do CPC.
Revertendo ao caso dos autos, todas as formalidades mostram-se cumpridas. A citação da Ré foi precedida da pesquisa, em três bases de dados, por determinação do Tribunal a quo (despacho de 6/9/2023), nos termos do artigo 236.º do C.P.C. Feita a pesquisa nas bases de dados da Segurança Social, da Autoridade Tributária e da DGSI, foi obtida a informação que a Ré tem domicílio na Rua ..., ..., 1.ºandar, ..., Vila Nova de Gaia. Expedida carta registada com aviso de recepção para a única morada obtida nas bases de dados consultadas, foi a mesma devolvida com a menção “não atendeu”. Frustrada a citação por via postal, em 26/9/2023, foram encetadas diligências com vista à citação por Agente de Execução, tendo sido junta aos autos a certidão negativa, datada de 27/9/2023 e da qual consta: “Hoje, dia 27 de Setembro, pela 14h, deslocou-se a signatária ao local: Rua ..., nº ..., 1º andar, em frente ao centro de Saúde, União das Freguesias ... e ... e tocou à campainha do 1º andar e ninguém respondeu. Entretanto, tocou na campainha do 3º andar e a moradora desceu, tendo informado que a Ré já não habita no local há mais de um ano, encontrando-se tudo fechado e sem movimento.”.
Face às informações colhidas no local, não há lugar à citação com hora certa, nos termos do artigo 232º do CPC, nomeadamente no nº 4 do citado artigo, “mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 227.º, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial.”.
Por último, tendo já sido efectuada a pesquisa nos termos do artigo 236º do CPC, não existe fundamento lugar para, com o intervalo de um mês, repetir tais diligências.
Notificados da certidão negativa, os Autores, em 9/10/2023, requereram a citação edital da Ré, o que foi deferido, por despacho de 12/10/2023.
Justificada a partir dos elementos recolhidos, não pode considerar-se que tenha sido indevidamente determinada a citação edital quando os autores tenham prestado todas as informações por si detidas e quando o tribunal tenha cumprido todas as formalidades exigíveis perante o circunstancialismo concreto.
Improcede, assim, a pretensão recursória quanto à alegada falta de citação.
Ainda que assim não se entende-se, encontrava-se sanada a falta da citação.
Dispõe o artigo 188º CPC, “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
Escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[9], “Na verdade, não faria sentido que o réu (...) interviesse no processo sem arguir a falta de citação e esta mantivesse o efeito de nulidade. Ao intervir, o réu (...) tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir juris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se”.
A solução consagrada neste normativo radica no entendimento de que se, não obstante o vício, quem deveria ter sido citado está no processo, o intuito informativo típico da citação está, afinal, assegurado[10].
Importa, porém, definir ou concretizar o que se entende por “intervir no processo” para efeitos da citada norma.
Dispõe o nº1 do artigo 567º do Código de Processo Civil, “Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”.
A junção de procuração outorgada pela Ré a Advogado configura um acto de intervenção no processo, o qual pressupõe que aquela tem conhecimento da existência dos autos.
Não é unívoca, na doutrina e na jurisprudência, a resposta à questão da relevância a atribuir à junção da procuração, desacompanhada da invocação da falta da sua citação ou da nulidade da citação, existindo duas concepções antagónicas.
Defende uma orientação que a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação[11].
Uma segunda orientação defende que a forma de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito, no caso das acções tramitadas electronicamente, é fazer uma interpretação actualista quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense, de modo a evitar que a simples junção de instrumento de mandato forense não implique directa e necessariamente, a preclusão da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação[12].
Observa o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 14-03-2024[13], «Dada a função da citação e a gravidade da cominação decorrente do art. 189º consideramos que a expressão “intervir no processo” pressupõe a prática de qualquer ato por parte do réu do qual se possa concluir com segurança que o mesmo tomou pleno conhecimento de todo o processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa, ou, dito de outro modo, que teve conhecimento, ou possibilidade de conhecimento, do processo idêntico àquele que lhe seria dado pela citação.
Como referido pelo Tribunal Constitucional (acórdão nº 678/98, de 2.12.1998, in www.tribunalconstitucional.pt) “mister é que da intervenção posterior do réu nos autos resulte que, de harmonia com um juízo de razoabilidade, o mesmo, não obstante o vício da falta de citação, fique ciente, nos seus precisos termos, das razões de facto e de direito que são avançadas pelo autor para fundarem a pretensão contra ele deduzida.
Só assim, na verdade, se pode perspectivar que o princípio do contraditório foi observado e que ao réu foi, na prática, dada a possibilidade de uma actuação na lide em condições idênticas às do autor, princípio e possibilidades essas que, como se viu, defluem dos aludidos normativos constitucionais”.
Refere esta Relação, no Acórdão proferido no processo nº2087/17.8T8OAZ-A.P1, acessível em www.dgsi.pt:
“I - Numa interpretação actualista e devido aos condicionalismos de acesso ao processo eletrónico a expressão “logo” do art. 189º, do CPC deve ser interpretada como sendo após, um prazo razoável, e não de forma simultânea com a junção da procuração.
II - A junção aos autos de uma procuração constituiu um acto com relevância processual que implica, após esse prazo, o conhecimento de todos os elementos relevantes da lide e permite o integral exercício do seu direito de defesa.”
Observa-se nesse Acórdão que “a intervenção relevante para efeitos de sanação da falta de citação, terá de passar a ser algum período posterior ao acesso ao processo, por forma a permitir a este a consulta do mesmo e o conhecimento da causa de nulidade em todos os seus contornos” e que “esse prazo terá de ser o ordinatório geral de dez dias, pois, será esse o dever de diligência mínimo de qualquer mandatário.”
Dentro desta segunda orientação, existe, ainda, uma posição que defende que “a junção de procuração outorgada a Advogado não implica, de forma automática, que possa ser considerada intervenção relevante para efeitos do art.º 189º do CPC, havendo que ponderar qual o sentido e/ou objetivo com que foi junta a procuração e as circunstâncias em concreto”.[14]
Ainda que se defenda que a simples junção autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, o conceito de intervenção no processo e que se mostra necessário efectuar uma leitura actualista, pelo menos do prazo de arguição e que esse prazo de invocação deve ser interpretado como, pelo menos, 10 dias após a junção da procuração, a nulidade invocada pela Ré, prevista na alínea c) do nº1 do artigo 188º do CPC, encontrar-se-ia sanada pois, decorridos dez dias sobre a junção da procuração aos autos, nada foi dito.
Improcede, assim a nulidade por falta de citação.
3ª Questão
Insurge-se a Recorrente com o despacho proferido em 5/12/2023, invocando ter ocorrido o termo antecipado do prazo de dilação, tendo o Tribunal a quo considerado que “com a junção da procuração, iniciou-se prazo de contestação”, violando “o princípio constitucional do Estado de Direito democrático, nas vertentes dos subprincípios da segurança jurídica e da proteção da confiança”.
Advoga não ter recebido “qualquer indicação do Tribunal ou do Agente de Execução de que o prazo de dilação se tinha extinto; “não teve conhecimento de que se iniciou o prazo de contestação, o que contraria o teor do edital fixado, esquecendo-se o Tribunal a quo que (…) tal comunicação deveria ter sido feita à Ré e ao seu mandatário”.
Pese embora tenha invocado a falta de citação, concluiu a Recorrente que até ao despacho de 5/2/2023, verificava-se a possibilidade de oferecer a Contestação “em prazo compatível com aquele quadro informativo veiculado no ato da citação, em que o citado acreditou, [pelo que] tem de considerar-se tempestiva a contestação, sob pena de violação daqueles princípios”.
Pede a revogação do despacho de 5/12/2023, com a consequente inutilização de todos os actos que sejam afectados pela procedência da sua pretensão, nomeadamente a sentença proferida nos autos.
Advogam os Recorridos que o artigo 142.º do CPC, ao determinar que, quando a um prazo peremptório se segue um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como se fossem um só, visa apenas esclarecer que ao termo de um prazo segue-se, de imediato, (sem interrupção) a contagem do outro, não significando, de todo, que os dois prazos se convertam num só.
A “dilação/suspensão de 30 (trinta) dias, corresponde ao período de tempo que antecede o prazo perentório relativo ao prazo de contestação e justifica-se pelo facto da Ré se encontrar em parte incerta, visando assegurar que a citação chegava ao conhecimento da mesma, o que, dúvidas não há, chegou (…). Assim a Ré, aquando da sua intervenção nos autos a 24 de outubro de 2023, ficou por fim, habilitada a exercer os seus direitos de defesa nas mesmas condições em que estaria se a citação tivesse sido realiza diretamente na sua pessoa.”. Concluem que o prazo em curso daí em diante era o prazo peremptório (de trinta dias) para a contestação, acrescido do prazo suplementar de 3 (três) dias úteis subsequentes ao termo do mesmo, ficando a sua validade dependente do pagamento de multa (artigo 139.º n.º 5 do CPC). Assim, citada editalmente em 23 de Outubro de 2023 (data da publicação do anúncio) e intervindo nos autos, em 24 de Outubro, inutilizou o prazo de dilação em curso, começando a correr o prazo previsto no artigo 569.º, n.º 1 do CPC.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 219º, nº 1, do Código de Processo Civil define a citação como o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender.
Escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[15], a citação “[e]ncerra assim o duplo sentido de transmissão de conhecimento e de convite para defesa. Constituindo o direito de defesa uma vertente fundamental do direito à jurisdição (art. 3-1), a citação tem por função possibilitar o seu exercício efetivo, pelo que através dela têm de ser transmitidos ao réu os elementos reputados essenciais para o efeito (art. 227), sob pena de nulidade (art. 191-1)”.
Determinada a citação edital da Ré/Recorrente, em 18-10-2023, foi afixado o edital com a referência 452745610, na última morada conhecida da Ré [Rua ..., nº... - 1º Andar, ... e ..., ... Vila Nova de Gaia], dando conhecimento da propositura da presente acção e “para, no prazo de 30 dias, decorrida que seja a dilação de 30 dias, contada da publicação do anúncio, contestar, querendo, a ação, com a cominação de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelos autores”.
O anúncio relativo à citação edital da Ré foi publicado em 23 de Outubro de 2023, constando do mesmo “…para, no prazo de 30 dias, decorrida que seja a dilação de 30 dias, contada da publicação do anúncio, contestar, querendo, a acção, com a cominação de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados …”.
O prazo para a contestação constitui um prazo perentório (artigo 139º, nº3) mas é precedido de um prazo dilatório. Quando assim é, o prazo dilatório e o prazo perentório contam-se como um só, de acordo com o preceito do artigo 142º do CPC. A dilação visa garantir a possibilidade de defesa efectiva e plena em tempo útil e no caso da citação edital, justifica-se pela presunção de um conhecimento efectivo que pode não ser imediato. A circunstância de o Réu tomar conhecimento da pendência da acção durante o decurso do prazo da dilação não tem como consequência a eliminação do restante prazo. A lei não faz depender o decurso integral do prazo dilatório da circunstância de o Réu não ter tomado conhecimento efectivo da pendência da acção, ao longo desses 30 dias.
Revertendo aos presentes autos, iniciado o prazo dilatório em 23 de Outubro de 2023, o prazo para contestar terminaria em 4 de Janeiro de 2024.
Em 24 de Outubro de 2023, a Ré/Recorrente juntou aos autos a procuração.
A junção de procuração outorgada pela Ré a Advogado configura um acto de intervenção no processo, o qual pressupõe que aquela tem conhecimento da existência dos autos. Porém, a mera junção da procuração não permite concluir, sem mais, que a Ré prescindiu do prazo para contestar.
Por despacho de 5 de Dezembro de 2023, ou seja, antes de decorrido o prazo para a Ré contestar, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Determinada a citação edital da ré, veio a mesma juntar procuração forense, conforme requerimento de 24/10/2023 – referência 37056230.
Desde então e até ao presente, nada disse, nem requereu.
A ré considera-se regularmente citada e não deduziu contestação.
Como assim, estão confessados os factos articulados pelos autores, nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Cumpra-se o disposto no n.º 2, do artigo 567.º do mesmo diploma legal.”
Significa que o despacho que considerou confessados os factos por confissão foi proferido antes do termo do prazo que a Ré dispunha para contestar.
Em 24 de Outubro de 2023, a Ré/Recorrente juntou aos autos a procuração.
Tendo ocorrido o encurtamento do prazo para a Ré apresentar a contestação, o despacho de 5/12/2023 violou o direito ao exercício pleno do contraditório, pelo que se impõe a sua revogação[16], com a consequente anulação dos actos subsequentes, nomeadamente a sentença proferida em 28/12/2023, conferindo-se àquela parte o prazo de trinta dias para contestar, a contar do início do trânsito da presente decisão.
Procede, assim, o recurso, nesta parte.
Custas
As custas são da responsabilidade dos Recorridos, face à procedência do recurso.
Pelos fundamentos acima expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência revoga-se o despacho proferido em 5/12/2023, anulando-se os actos subsequentes, e confere-se à Ré a faculdade de, querendo, contestar no prazo de trinta dias a contar do trânsito da presente decisão.
Custas do recurso pelos Recorridos (artº 527 do C.P.C.).
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