I. A dupla conformidade decisória afere-se pelos segmentos decisórios e não em função das questões jurídicas apreciadas para alcançar a decisão.
II. A revista, nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC, visa o teor do acórdão da Relação e não aquilo que foi decidido na 1.ª instância, daí que as nulidades da sentença, bem como outras irregularidades ou erros de julgamento alegadamente cometidos pela 1.ª instância, não são cognoscíveis pelo Supremo Tribunal de Justiça.
III. O consumidor, no caso de desconformidade do bem, tem direito à reparação ou substituição do bem, à adequada redução do preço ou à resolução do contrato, podendo exercer estes direitos sem qualquer ordem sequencial, desde que tal não constitua abuso de direito ou se mostre impossível.
IV. Basta ao comprador consumidor alegar e provar as faltas de conformidade de que entenda que o bem padece, beneficiando das presunções legais previstas no DL 62/2003, cabendo ao vendedor o ónus da prova, segundo as regras gerais, de ter cumprido a obrigação de garantia de conformidade.
V. Havendo dúvidas sobre o fim que o cliente perseguiu na altura da contratação, o ónus da prova de que nesse momento o adquirente não destinava o objecto predominantemente a uso privado deve incidir sobre o profissional alienante, por ser este o espírito que preside às leis de defesa do consumidor, e assim se procurando “compensar” o facto de ser ele (quase sempre) a parte que se encontra em posição de inferioridade contratual.
VI. O facto de o prédio adquirido ser um imóvel em segunda mão ou inacabado, sem condições de habitabilidade, não afasta a aplicação do DL DL 67/2003 (vigente à data do contrato dos autos), desde que se mostrem preenchidos os conceitos de consumidor e de vendedor (ut artº 2º da Lei de Defesa do Consumidor).
VII. Assim também, o facto de a unidade predial adquirida pelo Autor constar na CRP como um prédio misto (com inscrição na matriz predial com um artigo rústico e um artigo urbano) não permite desconsiderar a relação contratual como uma relação de consumo desde que a parte qualificada matricialmente como rústica esteja funcionalmente adstrita à moradia e, portanto, funcionalmente adstrita à parte qualificada como urbana.
VIII. Para efeitos de redução do preço a pagar pelo adquirente/consumidor, não se tendo apurado o valor dos defeitos ou desconformidades do imóvel vendido, o apuramento desse valor determina-se através de liquidação, nos termos do art. 609.º do CPC, devendo seguir-se o método em que a redução será determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa com defeito.
AA instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra RUSTIÂNCORA – CONSTRUÇÕES RÚSTICAS, LDA., BB, CC e DD, peticionando:
1. Ser declarado válido e eficaz o exercício do direito à redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º-A, n.º 1, 1.º-B, 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º, n.ºs 1 e 2, e 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 8 de Abril, assim se declarando a redução do mesmo na quantia já líquida de € 120.841,44 e na que vier ainda a ser liquidada nos termos referidos nas alíneas infra; a. Em consequência da procedência do pedido precedente, devem os 1.º a 3.º Réus ser condenados a pagar a quantia já líquida de € 28.841,44 (vinte e oito mil oitocentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos) ao autor, uma vez que o autor já pagou a quantia total de € 179.000,00 por conta do preço de venda do imóvel, que ascende a € 271.000,00 (€ 271.000,00 – € 120.841,44 = € 150.158,56; € 179.000,00 - € 150.158,56 = € 28.841,44), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos quanto a essa quantia de capital já líquida, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje em € 4.739,17 (quatro mil setecentos e trinta e nove euros e dezassete cêntimos) – devendo os 2.º e 3.º réus, quanto ao pagamento da quantia de € 28.841,44 (que excede a parte do preço do imóvel paga) e respectivos juros, ser condenados a título de indemnização por danos patrimoniais;
Ou, sem prescindir,
2. Caso assim não se entenda, devem os réus ser condenados a pagar ao autor a quantia já líquida e a que vier ainda a ser liquidada nos termos referidos nas alíneas infra necessárias para a reparação do imóvel, cifrando-se a já líquida em € 120.841,44 (cento e vinte mil euros oitocentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais causados pela venda de um bem defeituoso, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (quanto ao 1.º, 2.º e 3.º réus) e 1225.º, n.º 1 do Código Civil (quanto ao 4.º réu), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19/11/2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje relativos à quantia já líquida em € 19.856,40 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos);
Ou, sem prescindir,
3. Caso assim não se entenda, deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito do autor à reparação dos defeitos, desconformidades e vícios ocultos do dito imóvel, ao abrigo do disposto nos artigos 1º-A, n.º 1, 1º-B, 2.º, nºs. 1 e 2, 3.º, nºs. 1 e 2, e 4.º, nº 1 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril e nos artigos 1221º e 1225º, nº 1, do Código Civil, e, em consequência, devem os Réus ser condenados a realizar tal reparação, necessariamente através da contratação de uma entidade terceira com profissionais devidamente habilitados para o efeito, nomeadamente dispondo do alvará de empreiteiro concretamente necessário face às obras que se afiguram necessárias realizar, bem como a pagar ao autor os juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor e sobre o valor de tal reparação, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje relativos ao valor já liquidado da reparação (€ 120.841,44) em € 19.856,40 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos);
Ou, sem prescindir,
4. Caso assim não se entenda, deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito à redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor, ao abrigo do disposto nos artigos 913.º e 911.º do Código Civil, assim se declarando a redução do mesmo na quantia já líquida de € 120.841,44 e na que vier ainda a ser liquidada nos termos referidos nas alíneas infra; a. Em consequência da procedência do pedido precedente, devem os 1.º a 3.º réus ser condenados a pagar a quantia de € 28.841,44 (vinte e oito mil oitocentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos) ao autor, uma vez que o autor já pagou a quantia total de € 179.000,00 por conta do preço de venda do imóvel, que ascende a € 271.000,00 (€ 271.000,00 – € 120.841,44 = € 150.158,56; € 179.000,00 - € 150.158,56 = € 28.841,44), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos quanto a essa quantia de capital já líquida, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje em € 4.739,17 (quatro mil setecentos e trinta e nove euros e dezassete cêntimos) – devendo os 2.º e 3.º réus, quanto ao pagamento da quantia de € 28.841,44 (que excede a parte do preço do imóvel paga) e respectivos juros, ser condenados a título de indemnização por danos patrimoniais;
Ou, sem prescindir,
5. Caso assim não se entenda, devem os réus ser condenados a pagar ao autores a quantia já líquida e a que vier ainda a ser liquidada nos termos referidos nas alíneas infra, necessárias para a reparação do imóvel, cifrando-se a já líquida em € 120.841,44 (cento e vinte mil euros oitocentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais causados pela venda de um bem defeituoso que provocou danos no património do autor, ao abrigo do disposto nos artigos 483.º e seguintes, 798.º e seguintes, e 1225.º, n.º 1 do Código Civil, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje em € 19.856,40 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos);
Ou, sem prescindir,
6. Caso assim não se entenda, deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito do autor à reparação dos defeitos, desconformidades e vícios ocultos do imóvel acima referidos, ao abrigo do disposto nos artigos 913º, 914º, 1221º e 1225º, n.º 1 do Código Civil, e, em consequência, devem os réus ser condenados a realizar tal reparação, necessariamente através da contratação de uma entidade terceira com profissionais devidamente habilitados para o efeito, nomeadamente dispondo do alvará de empreiteiro concretamente necessário face às obras que se afiguram necessárias realizar, bem como a pagar ao autor os juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor e sobre o valor de tal reparação, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje relativos ao valor já liquidado da reparação (€ 120.841,44) em € 19.856,40 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos);
7. Deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito à redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor relativo às consequências danosas dos defeitos indicados nos pontos (iii) a (viii) do artigo 111.º, da petição inicial e à desvalorização que venha a ser provocada por outros danos que, durante a tramitação da presente acção judicial, todos os defeitos, desconformidades e vícios ocultos acima referidos venham a provocar no imóvel, e, em consequência, devem os 1.º a 3.º réus ser condenados a pagar a quantia pecuniária (ainda ilíquida, neste momento) equivalente a tal desvalorização, ou, caso assim não se entenda e sem prescindir, devem todos os réus ser condenados a pagar ao autor a quantia total necessária para custear a reparação de tais danos, a título de danos patrimoniais (com base nas normas já referidas a este respeito nas alíneas antecedentes), em qualquer caso, a quantia devida a título de capital deverá ser acrescida dos respectivos juros de mora vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, até efectivo e integral pagamento, ao abrigo dos disposto nos artigos 556º, n.º 1, al. b), 1.ª parte do CPC, e nos artigos 569º do Código Civil e 556º, n.º 1, al. b), 2.ª parte do CPC;
Ou, sem prescindir,
8. Caso assim não se entenda, deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito do autor à reparação dos defeitos indicados nos pontos (iii) a (viii) do artigo 111º e de outros danos que, durante a tramitação da presente acção judicial, todos os defeitos, desconformidades e vícios ocultos acima referidos venham a provocar no imóvel, ao qual acrescerão os respectivos juros de mora vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor e sobre o valor de tal reparação, até efectivo e integral pagamento, ao abrigo do disposto nos artigos 556º, n.º 1, al. b), 1.ª parte do CPC, e nos artigos 569º do Código Civil e 556º, n.º 1, al. b), 2.ª parte do CPC;
9. Independentemente de qualquer um dos pedidos acima referidos – e em cumulação com os mesmos, devem ainda os réus, em qualquer caso, ser condenados a pagar ao autor, em virtude de outros danos por este sofridos em consequência dos defeitos, desconformidades e vícios ocultos do imóvel supra referidos, uma quantia nunca inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais, e a quantia de 7.389,47 (sete mil trezentos e oitenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos) a título de danos patrimoniais já liquidados, acrescidas dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tais créditos indemnizatórios, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje em € 3.286,36 (três mil duzentos e oitenta e seis euros e trinta e seis cêntimos) quanto à indemnização por danos não patrimoniais, e em € 1.214,23 (mil duzentos e catorze euros e vinte e três cêntimos) quanto à indemnização por danos patrimoniais já liquidada, bem como a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) por cada mês que o autor esteja privado do uso da casa em consequência da futura e necessária reparação da moradia acima referida, acrescida dos respectivos juros de mora vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, até efectivo e integral pagamento, ao abrigo do disposto nos artigos 556.º, n.º 1, al. b), 1.ª parte do CPC, e nos artigos 569º do Código Civil e 556º, n.º 1, al. b), 2.ª parte do Código de Processo Civil.
Alegou, para o efeito e em síntese, que celebrou com a 1ª Ré um contrato de compra e venda de um imóvel acabado, pelo preço de € 271.000,00, a pagar em prestações apesar de ter sido declarado o valor de € 150.000,00 a solicitação da Ré, que procedeu ao pagamento do valor total de € 179.000,00 por conta do preço; que o imóvel apresenta diversas anomalias e desconformidades, ocultos à data da venda; que reclamou das anomalias junto dos Réus e que incorreu e incorrerá em prejuízos e danos morais em consequência do aludido cumprimento defeituoso nos valores acima computados e a computar, sendo eventualmente responsáveis pelos aludidos defeitos os 2º e 3ºs réus, caso se venha a comprovar terem celebrado com a 1ª Ré um contrato de cessão de créditos conforme alegam na acção ora apensa e o 4º Réu, caso se venha a comprovar ter reconstruído o imóvel a solicitação da 2ª Ré.
Citados, os 1º a 3ºs. Réus apresentaram-se a contestar, e, para além de terem invocado as excepções dilatórias de nulidade de todo o processo com fundamento na ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade dos 2ºs. a 4º Réus, impugnaram de forma motivada os factos alegados pelo Autor, dizendo que apenas lhe foi vendido um imóvel inacabado e em ruínas, não sendo da sua responsabilidade os danos invocados e que o autor apenas procedeu ao pagamento da quantia de €150.000,00, tendo alegado ainda a caducidade do direito invocado pelo autor. Terminaram pedindo a procedência das excepções e a improcedência da acção e a 1ª Ré deduziu reconvenção pedindo a condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de € 130.812,16, acrescida de juros vincendos a contar sobre o capital de € 121.000,00 e até efectivo pagamento (cfr. fls. 608 a 646).
Requereram, ainda, a intervenção acessória de EE e M..., Lda.
No requerimento probatório requereram, entre o mais, a realização de “inspeção judicial ao local no dia da audiência de discussão e julgamento”.
O Réu DD também apresentou contestação onde, para além de invocar as excepções já referidas, impugnou na generalidade os factos invocados pelo Autor, invocando igualmente a excepção de caducidade.
A Ré Rustiâncora veio impugnar a factualidade alegada e pediu que o articulado superveniente fosse julgado improcedente.
Por despacho constante de fls. 1013 a 1015 foram admitidos o articulado superveniente e a ampliação do pedido.
Em 6 de março de 2019, o Tribunal “a quo” proferiu despacho, através do qual, entre o mais, apreciou os requerimentos probatórios apresentados pelas partes, tendo deferido a inspeção ao imóvel requerida pelos RR., determinando que a mesma se realizaria “no início da audiência final”.
Nessa acção, BB e mulher, CC, proposta contra AA, peticionaram que este último fosse condenado a pagar-lhes a quantia de € 121.000,00, acrescida de juros de mora vencidos contados à taxa legal de 4% ao ano desde 12 de Novembro de 2015 até à respectiva propositura, no valor de € 3.816,96, e vincendos desde a data da propositura até efectivo e integral pagamento.
Invocaram primordialmente, e em síntese, uma confissão de dívida e posteriormente uma cessão de créditos relativa ao valor em dívida no contrato de compra e venda celebrado entre o Autor, nesta acção Réu, e a Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda..
Citado, contestou o ali Réu, e aqui Autor, defendendo-se por impugnação motivada e por excepção (peremptória, de direito material).
“Aquando da prolação do despacho saneador admitiu-se a realização de uma inspecção judicial ao local dos factos, a saber, à casa que faz parte do objecto dos presentes autos.
No entanto, e após tal momento foi produzida a prova pericial e documental, incluindo-se aqui reproduções fotográficas. Acresce, que as questões que emergem ou que poderão emergir da observação da referida casa são questões eminentemente técnicas relativamente às quais o Juiz não dispõe de conhecimentos especiais para as interpretar convenientemente, tendo, por isso, sido produzida a prova pericial. Por fim, deve registar-se o lapso de tempo que mediou entre a construção da casa e o surgimento dos defeitos, por um lado, e a data actual, por outro lado, ou seja, o que o Juiz poderia observar hoje não é a realidade de há, pelo menos, cinco anos atrás.
Pelo exposto, e considerando que a admitida inspecção judicial ao local se tornou supervenientemente inútil, dou a mesma sem efeito. Consequentemente, considero prejudicado o conhecimento da pretensão processual consubstanciada no requerimento de fls. 1295”.
«Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA contra Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., BB e CC, em que são Intervenientes Acessórios EE e M..., Lda, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno a Ré Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda. a ver reduzido o valor sobrante do preço devido, de € 121.000,00, pela celebração do contrato mencionado na alínea a), do ponto II.1., em quantia a liquidar em execução de sentença, ao abrigo do disposto no artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que resultar a) da possibilidade de reparação, b) do custo da respectiva reparação e c) da eventual desvalorização do imóvel em face das seguintes patologias: (i) resistência do betão das vigas inferior à prevista no projecto (apenas 35,5%) atingindo a carbonatação 6,3 centímetros (quando o limite está fixado em 2 centímetros ao fim de 50 anos), apresentando as respectivas armaduras corrosão; (ii) uma resistência do betão da sapata inferior à prevista no projecto (90,5%); (iii) valores de resistência, rigidez de flexão, deformação de longo prazo, da laje instalada na sala inferiores aos previstos no projecto, conforme alíneas qq) e rr), do ponto II.1.; (iv) os pórticos 5 e 6 da laje do alpendre não têm resistência para suportar esta laje, uma vez que os pilares têm dimensões e estrutura diferentes das previstas no projecto e a disposição da laje foi modificada; (v) os pilares do alpendre estão previstos com a secção quadrada de 40x40 centímetros e foram construídos circularmente com o diâmetro de 20 centímetros, sendo a sua resistência inferior à prevista no projecto; (vi) a laje inclinada de cobertura tem uma espessura de 13 centímetros quando devia ter, de acordo com o projecto, uma espessura de 20 centímetros; (vi) ausência de elementos de ligação ente a viga do alpendre e a laje do alpendre, ao contrário do previsto no projecto; (vii) ausência de sapata para o pilar P6; (viii) execução deficiente e em violação do projecto da drenagem da fundação C2 (colocação do dreno 1 metro acima da cota do pavimento, impossibilitando a drenagem e colocando a parede em contacto com a humidade do solo); (ix) deficiente impermeabilização das paredes exteriores, não impedindo a entrada de água e humidade para o interior da casa; e (x) o pavimento da casa das máquinas executado com pendente contrária à grelha de drenagem, provocando a acumulação de água no seu interior.; acrescido de juros contados à taxa legal de 4% desde 04.10.2016 até integral e efectivo pagamento.
Condeno a Ré, Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., a pagar ao Autor a quantia líquida de € 7.500,00, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados a partir da data da presente decisão até integral e efectivo pagamento.
Absolvo a Ré do demais peticionado.
Absolvo os Réus BB e CC dos pedidos contra si deduzidos.
Julgo a reconvenção deduzida pela Ré sociedade parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, condeno o Autor a pagar à Ré reconvinte a quantia de € 121.000,00, deduzida do valor que se apurar em liquidação de sentença e que corresponder à redução do preço nos termos supra decididos, acrescida de juros à taxa legal de 4% contados da data da notificação da reconvenção ao Autor até integral e efectivo pagamento.
Custas da acção e reconvenção em partes iguais.
Mais julgo a acção proposta por BB e CC contra AA improcedente, por não provada, e, consequentemente absolvo este do pedido contra si deduzido por aqueles.
Custas pelos Autores. (…)».
O Autor AA apresentou também recurso subordinado relativo à parte dispositiva da sentença que lhe foi desfavorável e bem assim, na resposta à apelação da ré, apresentou, subsidiariamente, ampliação do âmbito do recurso.
«i) rejeitar a junção do documento apresentado pela Ré/recorrente com as alegações de recurso;
ii) condenar a Ré/recorrente numa multa equivalente a 1 (uma) UC – art. 443º, n.º 1, do CPC e art. 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais;
iii) - Julgar improcedente o recurso de apelação independente interposto pela ré;
iv) - Julgar parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pelo Autor e, em consequência, revogando parcialmente a sentença recorrida, decidem:
a) Julgar a acção proposta por AA contra Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., BB e CC, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condena-se a Ré Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda a ver reduzido o preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor, em quantia a liquidar em incidente póstumo à sentença, ao abrigo do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que resultar do custo da respectiva reparação e da eventual desvalorização do imóvel em face das patologias elencadas nos factos provados sob as als. ll) a www) e als. eeee) a llll) da sentença recorrida, acrescido de juros contados à taxa legal de 4% desde 04.10.2016 até integral e efectivo pagamento152.
b) Julgar parcialmente procedente a parte final do pedido n.º 9 formulado na petição inicial e, em consequência, condena-se a R./Recorrida Rustiâncora a pagar ao A./Recorrente, por cada mês que o A./Recorrente esteja privado do uso do imóvel de que é proprietário e durante o período em que durar a reparação dos defeitos de que o mesmo padece, uma quantia a liquidar em incidente subsequente à sentença, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 609.º do CPC.
c) Julgar improcedente o pedido de condenação como litigantes de má-fé dos AA. do processo apenso n.º 638/16.4...;
v) - Quanto ao mais, confirmar a sentença recorrida».
Por acórdão de 21-09-2023, em conferência, foram indeferidas as nulidades invocadas quer pelo autor quer pela ré.
Por novo acórdão do Tribunal da Relação de 02-11-2023, na sequência de requerimento do autor, foi indeferido pedido de rectificação de erros materiais por lapso manifesto do acórdão de 21-09-2023.
Por despacho datado de 10-09-2023, o relator no Tribunal da Relação:
- admitiu o recurso de revista interposto pelo autor;
- admitiu o recurso de revista interposto pela ré no tocante aos itens A), C), D) e E) e F (excluindo as conclusões 3.ª a 10ª da revista), através do requerimento apresentado em 9/06/2023;
- rejeitou o recurso de revista interposto pela ré relativamente ao item B) “Quan[t]o a nulidade processual e/ou nulidade da sentença por falta de realização da def[e]rida inspeção judicial ao local”, por legalmente inadmissível.
Neste STJ, por acórdão proferido em 25-01-2024, foi determinada a anulação do acórdão recorrido e determinada a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, ser apreciada a impugnação da matéria de facto, na parte que foi rejeitada, com a subsequente apreciação da decisão de direito.
Em 21-03-2024, no Tribunal da Relação de Guimarães, em cumprimento deste acórdão do STJ, foi decidido:
i. - Julgar improcedente o recurso de apelação independente interposto pela ré;
i. - Julgar parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pelo Autor e, em consequência, revogando parcialmente a sentença recorrida, decidem:
a. Julgar a acção proposta por AA contra Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., BB e CC, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condena-se a Ré Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda a ver reduzido o preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor, em quantia a liquidar em incidente póstumo à sentença, ao abrigo do disposto no artigo 609º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e que resultar do custo da respectiva reparação e da eventual desvalorização do imóvel em face das patologias elencadas nos factos provados sob as als. ll) a www) e als. eeee) a llll) da sentença recorrida, acrescido de juros contados à taxa legal de 4% desde 04.10.2016 até integral e efectivo pagamento1.
b. Julgar parcialmente procedente a parte final do pedido n.º 9 formulado na petição inicial e, em consequência, condena-se a R./Recorrida Rustiâncora a pagar ao A./Recorrente, por cada mês que este esteja privado do uso do imóvel de que é proprietário e durante o período em que durar a reparação dos defeitos de que o mesmo padece, uma quantia a liquidar em incidente subsequente à sentença, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 609.º do CPC.
c. Julgar improcedente o pedido de condenação como litigantes de má-fé dos AA. do processo apenso n.º 638/16.4...;
i. - Quanto ao mais, confirmar a sentença recorrida.
Rematou as alegações com as seguintes
CONCLUSÕES
1ª.- Salvo o devido respeito, a Lei de Defesa do Consumidor, não se aplica, nem pode aplicar de forma linear ao caso sub iudice, uma vez que esta foi pensada para prédios/bens imóveis ou fracções autónomas totalmente acabados, ou dito de outra forma, para bens imóveis prontos ou aptos a consumir, no caso concreto habitar.
2ª- Não pode ser aplicada, forma automática, ao caso dos autos, porque estamos perante um prédio INACABADO, conforme alíneas o) a jj dos factos provados
3ª- Não pode, o vendedor de um prédio inacabado, ser responsável, como se fosse um prédio acabado.
4ª- Não é possível dar garantia legal, de um bem móvel ou imóvel, que se encontra inacabado, uma vez que existindo intervenção de uma terceira pessoa no bem em causa, e no caso concreto foram vários os intervenientes, como o próprio A./Recorrido confirmou em sede de depoimento e declarações de parte que se encontram gravadas no sistema Habilus Meia Studio das 15h:18:54 as 16.45.47.
5ª-O A./Recorrido executou obras de monta, das várias especialidades que o imóvel ainda carecia à data da celebração da compra e venda, as quais de resto eram do seu conhecimento.
6ª-Introduzindo-lhe depois, o A/Recorrido no imóvel que lhe foi vendido múltiplas e variadas alterações/modificações.
7ª-É consabido que existindo introdução de modificações e/ou alterações no bem (no caso concreto imóvel), por parte de terceiros que não o obrigado pela prestação da garantia, esta perde-se.
8ª-Uma vez que não estamos jamais, perante o mesmo bem que foi vendido, mas sim perante um bem alterado, modificado, um bem objectiva e substancialmente diferente daquele que foi transacionado entre as partes.
9ª-O que obsta aplicação, de forma cega e automática, da Lei de Defesa do Consumidor e do Regime Jurídico da Venda de Bens de Consumo, não é tanto a qualificação do A./Recorrido, como consumidor, ou Ré/Recorrente como um vendedor.
10ª - Mas sobretudo por estarmos perante a compra e venda de um bem inacabado, conforme o supra exposto, e sobre esta questão o Tribunal da 1ª Instância nem sequer a aflorou
11ª-De resto, e neste particular o venerando Tribunal da Relação, como que fugiu a questão, ao apenas escrever de forma sumária e resumida, e sem qualquer fundamentação válida, que “Tão pouco colhe o facto de se tratar de um prédio inacabado, posto que essa circunstância não obsta a aplicação do regime legal da Defesa do Consumidor”
12ª Existindo também uma omissão de pronúncia e erro de julgamento, quer pela Tribunal de 1º Instância, quer do Tribunal da Relação, o que se deixa aqui alegado para os devidos e legais efeitos.
13ª- Os vários meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa pelos arts. 913.º e seguintes do Código Civil não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária e/ou ao seu livre arbítrio, os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada.
14ª-Nesse sentido, entende a R./Recorrente que o A./Recorrido, e o Tribunal de 1ª. Instância e da Relação, desconsiderou a tramitação a observar no tocante à materialização do seu alegado direito, isto porque, pretendeu desde logo de forma arbitrária, e aleatória, a redução (inadequada) do preço, sendo que, os meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa (arts. 913.º e seguintes do Código Civil) não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária, já que os mesmos se encontram estruturado de forma sequencia e escalonada
15ª- Perfilha-se neste particular, o entendimento de que existe uma hierarquia nos direitos e de que o A/Recorrido deveria exercer primeiro o direito à reposição da conformidade.
16ª-Quanto a esta matéria, defende, Calvão da Silva (sendo também nosso entendimento), que embora a lei (Art. 5º do D.L. nº 67/2003) não hierarquize os direitos conferidos ao consumidor, numa interpretação conforme a Directiva (Directiva nº1999/44/CE, de 25/05), há prevalência da “reparação/substituição” sobre o par “redução/resolução”, pois a concorrência electiva dos diversos direitos do consumidor não é absoluta, por não prescindir de uma “eticização da escolha” através do princípio da boa fé, sendo que o art. 4º nº 5 do diploma citado recorre à cláusula do abuso de direito.
17ª- Assim, relativamente à aparente alternativa de direitos como refere Calvão da Silva “o consumidor tem o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via da reposição da conformidade devida (pela reparação ou substituição da coisa) sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente, o caminho da redução do preço ou resolução do contrato”.
18ª- No entanto, o exercício dos direitos conferidos ao adquirente de coisa defeituosa que seja consumidor, ainda que não hierarquizados, deve sempre obedecer aos ditames da boa fé, não podendo constituir um exercício abusivo do direito, conforme dispõe o artº 4 nº7 do D.L. 67/2003.
19ª-E assim sendo, não se tendo demonstrado que a reparação é impossível ou demasiado onerosa, está o vendedor adstrito a eliminar o defeito da coisa, pois que, apenas não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, é que poderia recorrer a adequada redução do preço, e isto mesmo decorre da Directiva nº 1999/44/CE, de 25/05;
20ª- Ao não respeitar o supra exposto, o A./Recorrido, fez um exercício abusivo do direito, o que se deixa aqui invocado, para os devidos e legais efeitos.
21ª- O Tribunal da Relação, considerou aplicável o regime revisto na Lei da Defesa do Consumidor, e nessa conformidade, atendeu à escolha da arbitrária da redução do preço, olvidando-se contudo de aflorar a questão do abuso do direito, alegada pela Ré./Recorrente.
22ª- Acresce que em bom rigor ambas instâncias, incorreram em erro de julgamento, e aplicaram mal o direito, porque se lhes impunha, de qualquer forma, condicionar a redução adequada do preço, o que não foi feito.
23ª - Porquanto, o art. 4º, nº 1 do DL 67/2003, confere ainda ao consumidor o direito à redução adequada do preço, e tal ressalva não foi efectuada pelo Tribunal da Relação.
24ª-Ao não ser ressalvada, no douto Acórdão da Relação, a redução adequada do preço, incorreu em erro de julgamento, deve nesse sentido deve mesmo ser revogado em conformidade, para que futuramente, não dê azo a interpretações dúbias, nomeadamente em sede de incidente de liquidação.
25ª- Parece-nos que de forma cristalina, o Tribunal de 1º Instância e o Tribunal da Relação, tinham que conhecer da questão do abuso do direito.
26ª-Salvo o devido, respeito por melhor opinião, tudo o que ficou supra evidenciado, no que respeita, a tratar-se de um imóvel inacabado, e o A/Recorrido, pretender o tratamento igual como tivesse adquirido um produto acabado e apto a consumir, são argumentos por si só suficientes para o Tribunal oficiosamente, conhecer dessa questão.
27ª. Na interpretação do Tribunal da Relação, o facto de o A/Recorrido, sem qualquer hierarquia, opte por o direito à redução do preço, sem que essa opção lhe pareça um exercício abusivo do direito.
28ª- É efectivamente um exercício abusivo do direito, porquanto o A/Recorrido adquiriu o imóvel, no estado de inacabado, por um valor muito inferior aos seu valor real.
29ª-E não exerceu o direito à resolução do negócio porquê? Uma vez que desde inicio a R/Recorrente, lhe retomava o imóvel, sem qualquer problema.
30ª- É simples, o A./Recorrido tem perfeito conhecimento que o valor real do imóvel, é mais do dobro pelo qual o adquiriu (271.000 €) e que de resto não pagou na totalidade, faltando pagar 121.000,00 €.
31ª- O que significa que o A/Recorrido até à presente data procedeu apenas ao pagamento de 55,35% do preço, e não obstante, se encontra a gozar da totalidade do imóvel, desde finais do ano de 2015.
32ª- Sucede que este segundo se consta, prepara-se, para como pessoa singular, não profissional, proceder a venda do imóvel em causa, pelo triplo do valor que o adquiriu.
33ª-Temos por mais acertado, que se o Tribunal da Relação, não conheceu da invocada questão do abuso do direito, como podia e devia, incorreu na nulidade do acórdão, para além do mais por omissão de pronúncia.
34ª- Quanto à reconvenção, o Tribunal de 1ª Instância, entendeu que não devia condicionar o pagamento da quantia de 121.000,00 €, ao valor apurar em liquidação de sentença e que corresponder à redução do preço.
35ª-Uma vez que conforme o supra exposto, não deve ser aceite, de forma discricionária e arbitrária a redução do preço.
36ª- Quanto à questão da nulidade de julgamento da sentença por condicionar a determinação da redução do preço à possibilidade de reparação dos defeitos.
37ª- Entende neste particular o Tribunal da Relação, que a redução deve ser equivalente à desvalorização do bem, ou sua menor rentabilidade, provocada pelo vício ou desconformidade existente.
38ª- Concluindo que a sentença de Primeira Instância, padece de erro de julgamento impondo-se em consequência a sua revogação e substituição por outra que não condicione a redução do preço à possibilidade de reparação dos defeitos do imóvel, sem contudo concluir- Vide pág. 117 do douto Acórdão.
39ª-Entende porém, a R/Recorrente que o Tribunal da Relação, neste particular andou mal, porquanto a decisão do Tribunal de 1ª. Instância, foi acertada, e não carece de fundamento legal, inexistindo erro de julgamento.
40ª- Deve pois manter-se a este respeito a Decisão proferida em 1ª. Instância, com a qual se concorda.
41ª- Decidindo, como decidiu, o douto acórdão da Relação, fez errada apreciação da prova e violou, designadamente, o disposto nos artigos 566º, nº1, nº 3,, 799º, 801º, 804º, 805º, 806º, 913º, 916º 917º e 1225º todos do Código Civil, e assim como o disposto nos Artigos 6º, 7º, 195º nº 1 in fine, 411º, 417º, 490º e seguintes, 607º Nº 4, 608º, 615º alínea d), 662º nº 2 e 3 do Código de Processo Civil e dos artigos 60º e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, assim como os Artigos 2º, 4º e 5º e seguintes da Lei Defesa do Consumido e do Regime Jurídico da Venda de Bens de Consumo. e ainda da Directiva nº1999/44/CE, de 25/05.
- Pelo que o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, deverá ser revogado e substituído por outro Acórdão que julgue a acção improcedente, e procedente a reconvenção.
O autor apresentou resposta à revista, na qual sustenta a inadmissibilidade da revista, pelo menos parcialmente, por existir dupla conforme relativamente aos fundamentos A a D do recurso de revista da ré. Quanto ao mais, pugna pela improcedência da revista.
Por despacho, o relator considerou o recurso de revista da ré admissível e determinou a ida dos autos à conferência.
Em 11-07-2024, o Tribunal da Relação reuniu em conferência, e deliberou indeferir a arguição de nulidades do acórdão recorrido invocadas pela apelante/ré Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda..
Considerando que apenas a ré deduziu recurso de revista e que o acórdão recorrido proferido em 21-03-2024, no que se refere ao dispositivo e fundamentação de direito é idêntico, importa analisar a revista apresentada, os segmentos decisórios constantes das decisões das instâncias e bem assim as considerações já tecidas no antecedente acórdão do STJ de 25-01-2024 acerca da admissibilidade da revista.
Do confronto da sentença com o acórdão recorrido, verificamos que o recurso de apelação da ré Rustiâncora foi totalmente improcedente, ocorrendo dupla conformidade decisória na fundamentação jurídica nestes dois arestos.
Ocorre, porém, divergência na fundamentação jurídica na parte do recurso (apelação) subordinado do autor e que determinou a revogação de parte do segmento decisório, uma vez que na sentença foi determinado que «a quantia a liquidar em execução de sentença», para efeitos de redução do preço do imóvel, deverá ter por referência certas e determinadas patologias que especificamente enunciou.
Mas, entendeu o acórdão recorrido que uma vez que as patologias elencadas no da sentença não correspondem, na sua totalidade, aos defeitos, vícios e desconformidades incluídos no elenco dos factos dado como provados e, para além disto, em face da procedência da impugnação da matéria de facto por banda do autor, resultaram provados outros defeitos, vícios e desconformidades, os quais deverão ser tidos em consideração para efeitos de redução do preço do imóvel a liquidar em execução de sentença.
E, mais considerou o acórdão recorrido, dando provimento à apelação do autor, que a redução do valor não ficaria condicionada à possibilidade de reparação dos defeitos, pois tal não havia sido peticionado por qualquer partes, sendo de acolher o entendimento maioritário que defende a inexistência de hierarquia entre os vários direitos de que o consumidor dispõe em caso de desconformidade (sem prejuízo da limitação pela impossibilidade ou pelo abuso de direito).
Aqui chegados, impõe-se concluir que dos dois segmentos decisórios constantes da sentença, houve um que se manteve intocável, o segmento respeitante aos danos não patrimoniais, e cuja fundamentação é essencialmente idêntica entre as instâncias.
Todavia, o segmento decisório respeitante à redução do preço é distinto na sentença e no acórdão, sendo a sua fundamentação igualmente distinta, conforme supra explanámos, porquanto ocorreu uma revogação deste segmente decisório.
O autor pugna pela inadmissibilidade do recurso da ré, em virtude de existir dupla conformidade decisória nas instâncias, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, relativamente às nulidades e questões de direito atinentes à qualificação do contrato celebrado entre a R./Recorrente e o A./Recorrido e do regime jurídico aplicável; à caducidade do exercício dos direitos do A./Recorrido; ao abuso do direito; e ao valor dos danos não patrimoniais.
Importa, assim, antes de mais, esclarecer que, de acordo com a jurisprudência dominante e mais avisada deste STJ que a dupla conformidade decisória não se afere perante as questões jurídicas decididas, mas antes pelos segmentos decisórios2.
Desta forma, analisando em confronto a motivação de recurso de revista da ré com as conclusões, concluímos que o recurso de revista da ré não é admissível relativamente ao segmento decisório dos danos não patrimoniais, por existir dupla conformidade decisória.
O acórdão recorrido manteve a decisão de direito relativamente ao abuso do direito e à caducidade. Quanto a estas matérias, já o acórdão do STJ de 25-01-2024, proferido nestes autos, se pronunciou, nos seguintes termos: Impõe-se, ainda, realçar que relativamente às questões atinentes à caducidade do direito do autor e do abuso do direito, por se tratar de excepções peremptórias que, apesar de não constarem do dispositivo, poderiam ter sido aí consideradas e, como tal, integram um segmento decisório autónomo e cindível, verificando-se existir dupla conformidade decisória nas instâncias, não pode o recurso de revista da ré ser admissível quanto a estes dois segmentos: caducidade do direito do autor e abuso do direito.
Temos, assim, que se formou caso julgado formal relativamente a esta parte, não sendo admissível recurso de revista no que se refere a estas duas excepções peremptórias, cfr. art. 620.º, n.º 1, do CPC.
Relativamente ao demais, ou seja, quanto ao segmento decisório da redução do preço, à impugnação da matéria de facto, e nulidades invocadas, é o recurso de revista da ré admissível.
Nos autos foram considerados provados os seguintes factos (consta a itálico o que foi alterado e aditado pelo acórdão recorrido):
a) Por acordo redigido a escrito em 19 de Novembro de 2014, e autenticado por termo, a sociedade Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., representada pela sócia-gerente CC, declarou vender, e AA declarou comprar, pelo preço de 150.000,00, o prédio misto, composto por casa de rés-do-chão, com dependência, coberto aberto, rossio, espigueiro, eira e terreno de pastagem, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número .97-..., registado a favor da parte vendedora, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 73º, da freguesia de ..., e na matriz predial rústica sob o artigo ..59º, da mesma freguesia, conforme se retira da cópia junta aos autos de fls. 53v a 57 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
b) BB e CC, como primeiros outorgantes, e AA, como segundo outorgante, celebraram, por escrito, em 19 de Novembro de 2014, o acordo que apelidaram de contrato de confissão de dívida, nos termos do qual este se confessou devedor àqueles da quantia de € 121.000,00, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 58v a 59 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) Em 09.12.2015, o Autor recebeu a missiva, enviada pelos Réus BB e CC, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 9v a 12 do apenso A e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido
d) Em 04.10.2016, a Ré Rustiâncora, Lda. recebeu a missiva, enviada pelo Autor, AA, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 212v a 215 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
e) Em 04.10.2016, os Réus BB e CC receberam a missiva, enviada pelo Autor, AA, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 216 a 219 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
e-A) A Ré Rustiâncora, Lda respondeu à missiva aludida na al. d) através da carta datada de 14/10/2016, cuja cópia consta de fls. 228 v.º a 230.
f) Os Réus BB e CC são sócios da sociedade Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., dedicando-se esta à actividade de compra, reconstrução e venda de bens imobiliários, conforme se retira da cópia da certidão permanente junta aos autos de fls. 46v a 47 e da informação com a referência nº 40887626, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
g) Apesar de terem declarado no título referido em a) que o preço a pagar pela venda do imóvel aí descrito seria de € 150.000,00, as partes contratantes – AA e Rustiâncora - acordaram que o preço a pagar seria de € 271.000,00;
h) E, por isso, celebraram e assinaram o acordo descrito em b);
i) Não tendo os Réus BB e CC entregado ao Autor a quantia que surge mencionada no título descrito em b);
j) Pretendendo as partes, com tal acordo, descrito em b), acordar quanto ao valor do preço que faltava pagar, a forma e o tempo de pagamento, tendo por referência o valor global acordado de compra e venda do imóvel descrito em a) de € 271.000,00;
k) E, declarando o que declararam no título descrito em a), evitar o pagamento de imposto devido à Fazenda Nacional, sobre a parcela do valor acordado para lá do declarado;
l) O Autor AA pretendeu e utiliza o imóvel descrito em a) como sua residência;
m) A negociação entre as partes e que antecedeu a celebração dos acordos descritos em a) e b) durou cerca de um ano;
n) Tendo o Autor AA visitado o imóvel várias vezes;
o) O prédio foi vendido com a casa no estado em que se encontrava, sem condições de habitabilidade, com paredes, telhado, estrutura de betão construída pela Ré, Rustiâncora, e outros elementos que infra se aludirão, tendo o preço acordado reflectido essa circunstância, ou seja, a necessidade de o comprador de terminar a sua construção;
p) Quando foi celebrado o acordo descrito em a), a casa de habitação existente no prédio aí descrito, não tinha janelas, portas, isolamento térmico e sistema de aquecimento de águas de banho;
q) Faltava colocar as caleiras e o rufo em volta da chaminé;
r) Faltava impermeabilizar pelo interior as paredes exteriores (por serem de pedra seca);
s) Faltava colocar toda a caixilharia exterior, nomeadamente, aros, portas e janelas;
t) Faltava colocar os dois portões de entrada exteriores;
u) Faltava executar a carpintaria interior e exterior, nomeadamente, aros guarnições, portas, contras em madeira, apainelados, roupeiros, soalho e rodapés;
v) Faltava colocar os móveis de cozinha e os móveis das casas de banho;
w) Faltava acabar e revestir as escadas a madeira;
x) Faltava executar partes de pichelaria, nomeadamente, o esgoto no interior dos wc e faltava instalar as redes de água quente, rede de água fria, aplicação de louças e torneiras;
y) Faltava instalar as máquinas terminais do aquecimento central;
z) Faltava revestir o piso e as paredes das casas-de-banho;
aa) Faltava revestir o piso da cozinha, sendo que as paredes estavam rebocadas com cal e cimento;
bb) As restantes paredes da casa estavam rebocadas com cal e cimento;
cc) Faltava fazer todos os tectos;
dd) Quanto à parte eléctrica já estavam instalados os tubos onde posteriormente seriam colocados os cabos eléctricos, sendo que estes não estavam instalados;
ee) No pavimento do rés-do-chão faltava o revestimento final pois só tinha a caixa e a betonilha;
ff) As escadas encontravam-se em betão;
gg) O pavimento do primeiro andar encontrava-se em cimento;
hh) Encontrava-se construída/escavada uma cavidade destinada a piscina em betão;
ii) Faltava a pintura interior;
jj) Faltava executar a calçada exterior em cubo;
kk) Na data referida em a), a estrutura em betão da casa existente no prédio aí mencionado já estava construída;
ll) A resistência do betão das vigas é de 35,5% da prevista no projecto;
mm) A resistência do betão da sapata é de 90,5% da prevista no projecto;
nn) Para a presente estrutura, o betão deve ter uma classificação de classe de exposição ambiental no mínimo de XC1 (Quadro 1 da norma NP EN 206-1), e esta classificação obriga e um recobrimento mínimo de 2 cm (recobrimento é a distância da armadura à superfície de betão), sendo que este recobrimento é a profundidade máxima aceitável que a carbonatação deve atingir ao fim dos 50 anos previsto na norma;
oo) No caso do betão utilizado na construção em causa, a carbonatação atinge a profundidade de 6,3 centímetros (o limite é de 2 centímetros);
pp) E as armaduras apresentam corrosão devido à carbonatação do betão, corrosão que não deveria acontecer até aos 50 anos previstos na norma supra-referida;
qq) A laje existente e instalada na sala apresenta os seguintes valores quando comparados com os valores previstos no projecto:
Previsto no projecto Instalada em obra Unidades
Resistência aos momentos flectores (Msd) 83,15 45,8 KN.m
Resistência ao esforço transverso (Vsd) 47,62 44,4 KN
Momento de formação de fendas (Mfctk) 60,70 25,7 KN.m
Rigidez de flexão (EI) 26971 13635 KN.m2
Deformação de longo prazo 2,6 4,5 Cm
Número de ferros inferiores da vigota 6 4
rr) Em face destes valores, a laje não cumpre os coeficientes de segurança exigidos pelas normas aplicáveis;
ss) A direcção da vigota na laje do alpendre não corresponde à prevista no projecto, uma vez que no projecto a laje do alpendre apoia-se no pórtico 3 e na parede de pedra da casa, enquanto que a laje existente em obra foi rodada, passando a apoiar-se nos pórticos 5 e 6, conforme imagem 3 da página 9, do relatório pericial junto aos autos de fls. 1214 a 1253 (referência nº 3317933);
tt) Os pórticos 5 e 6 não têm resistência para suportar esta laje, uma vez que não foram dimensionados para uma função de suporte, mas para travamento da laje;
uu) A chaminé existente no meio da sala está prevista no projecto de arquitectura, mas não está prevista no projecto de estruturas, pelo que em projecto não foi considerada como elemento de suporte da laje do tecto da sala;
vv) Como a chaminé está construída até à laje do tecto da sala e a deformação a longo prazo da laje construída é de cerca de 4, 5 cm, a chaminé vai acabar por dar apoio à laje, porque esta não está livre de se deformar;
ww) No entanto, como a chaminé não possui fundação (cimentação) para transmitir a carga ao solo, deveria ser um mero elemento decorativo, e não estrutural, porque em projecto não foi considerada como elemento de suporte da laje do tecto da sala;
xx) No projecto, a laje inclinada de cobertura tem uma espessura de 20 cm e em obra tem uma espessura de 13 cm;
yy) No projecto os pilares do alpendre estão previstos com a secção quadrada de 40x40cm, e em obra um dos pilares (P6) é circular com o diâmetro de 20 cm;
zz) A resistência do betão do pilar P6 é de 7,1 MPa, sendo este um valor de resistência inferior ao valor de resistência prevista no projecto que é de 20 MPa;
aaa) No projecto a viga do alpendre tem dimensões 20x45, correspondendo a 20cm de largura e 45cm de altura, sendo que em obra a viga tem a dimensão de 20x40cm, tendo a viga, portanto, menos 5 cm de altura em obra do que o previsto no projecto;
bbb) A viga e a laje foram fundidas em alturas distintas e pelas fissuras inclinadas na junta (fissuras de esforço de corte) verifica-se que não existem elementos de ligação entre a viga e a laje, originando a fissura entre os dois elementos, verificando-se, igualmente, que não foi executada conforme o projecto, uma vez que estava prevista a sua execução monolítica;
ccc) A carbonatação nas vigas do alpendre atinge a profundidade máxima de 6,3 cm, sendo que o recobrimento para esta estrutura não devia ir para além de 2 cm;
ddd) A viga “V+1” (pórtico 5 do projecto) tem uma armadura inferior com dois ferros de 10 mm;
eee) No entanto, como no projecto o pórtico 5 foi dimensionado sem a função de suporte da laje e neste momento está a suportar a laje, as armaduras são insuficientes para a nova função (deveriam ter sido objecto de redimensionamento, necessitando de, pelo menos, dois ferros de 16mm e de um de 12mm), não cumprindo as exigências de segurança;
fff) O projecto prevê para o pilar P6 uma sapata com 0.6mx1,3m e 60 cm de altura, para o pilar P5 uma sapata com 0.95x0.95 com 60 cm de altura, e uma viga de fundação entre as sapatas dos pilares P5 e P6, sendo que no projecto, estes elementos têm armaduras;
ggg) Em obra, apenas se observa um bolbo de betão com cerca de 1,1m, a fundação do pilar não existe conforme previsto no projecto e não tem armaduras, sendo que a resistência do betão utilizada ascende a 18,1 MPa, enquanto que no projecto se prevê uma resistência de 20 MPa;
hhh) Relativamente à fundação C2, no projecto a drenagem está prevista abaixo da cota do piso de rés-do-chão, de modo a recolher as águas que surjam do solo, prevendo-se, igualmente, uma caixa de brita envolvida em geotêxtil de modo a encaminhar as águas do solo rapidamente para o dreno para que a água nunca fique numa cota superior à cota do dreno, mantendo a parede sem humidade;
iii) Em obra, o dreno foi instalado a cerca de 1 metro acima da cota do pavimento, levando a que o solo abaixo da cota do dreno não seja drenado e colocando a parede em contacto com a humidade do solo;
jjj) Como a parede não foi impermeabilizada, não existe nenhum elemento a impedir a água de entrar na parede de pedra;
kkk) Consequentemente, verifica-se a existência de humidade na parede, infiltrações de água no interior da habitação sob a forma de eflorescências e danos no reboco e nos rodapés;
lll) Bem como a existência de um teor elevado de humidade no ar dentro da habitação e alguns fungos nas zonas interiores da parede de pedra;
mmm) A estrutura exterior da casa (paredes) foi construída com uma parede de pedra no lado exterior, uma caixa de ar e uma parede de tijolo pelo lado interior;
nnn) Foi colocado um plástico transparente sob a base da parede de tijolo e um plástico preto sob o pavimento térreo;
ooo) O tipo e a forma como os elementos estão colocados não é eficaz para isolar as paredes de humidades porque se trata de materiais frágeis, pouco duráveis e sem estanqueidade nas juntas de sobreposição
ppp) Também não existe qualquer isolamento para impedir a passagem da humidade da parede exterior em pedra para a parede interior em tijolo, porque como o tijolo é um material poroso, transmite essa humidade para o ar interior da sala;
qqq) No prédio existem dois muros exteriores: um que delimita a propriedade da via pública; outro que delimita o prédio do Autor com a prédio do vizinho a nascente;
rrr) Estes muros estão previstos no projecto de arranjos exteriores, onde está prevista a sua reconstrução em alvenaria de granito;
sss) À data referida em a), os referidos muros não tinham sido objecto de qualquer intervenção;
ttt) A supra-referida corrosão das armaduras implica uma diminuição da capacidade de resistência dos elementos, uma menor durabilidade e a necessidade de realização de uma reparação a curto prazo de forma a repor a segurança;
uuu) No tecto do primeiro piso existem dois pontos de humidade com origem no telhado: um no tecto do quarto; outro, no tecto do corredor;
vvv) O pavimento da casa das máquinas tem pendente contrária à grelha de drenagem, acumulando água no seu interior;
www) Existe infiltração de água no tecto da casa das máquinas;
xxx) A reconstrução da estrutura da casa, realizada antes da data referida em a), foi executada por FF, contratado pela Ré Rustiâncora, tendo aquele iniciado as obras sem a orientação de qualquer projecto, e ao abrigo do processo de licenciamento de obras nº 22/08, ao abrigo do qual foi emitido o Alvará de Licença de Construção nº .16/09, em 01.09.2009, registado na Câmara Municipal de ... em nome da Ré, Rustiâncora, Lda.;
yyy) O Réu DD não teve qualquer intervenção na construção da casa existente no prédio referido em a);
zzz) O Réu DD emprestou o seu alvará de empreiteiro à Ré Rustiâncora para que esta procedesse às obras na casa existente no prédio supra-referido;
aaaa) A casa existente no prédio referido em a), esteve sem janelas e portas, cerca de um ano antes data do negócio aí referido;
bbbb) O Autor continuou as obras de construção da casa cerca de 3 meses depois da data referida em a);
cccc) O Autor tem sofrido transtornos e desgosto por ter humidades, acumulações de água e fungos em casa, não conseguindo usufruir da habitação de forma total e sem condicionamentos;
dddd) Para reparar e corrigir as situações elencadas de ll) a www), a casa deverá ser esvaziada e durante as obras não poderá ser habitada.
eeee) Nem no acabamento, nem na soleira foi aplicado o isolamento térmico previsto no projeto.
ffff) No projeto estava prevista uma piscina em betão armado, mas foi construída uma piscina em betão simples.
gggg) O muro que delimita o prédio referido em a) não possui drenos de drenagem de águas infiltradas.
hhhh) O muro que delimita o prédio referido em a) a nascente apresenta um aspecto tosco com pouca confiança quanto à sua estabilidade.
iiii) Verifica-se o escorrimento de água pelo beirado.
jjjj) No terraço da parte superior da casa que comunica com a cozinha a divisão não está bem isolada, o que provoca infiltrações de água e humidade.
kkkk) Os níveis de humidade na casa provocam danos nos móveis e roupa.
llll) No inverno, o A./Recorrente tem de ter desumidificadores na casa ligados 24h por dia.
mmmm) O A./Recorrente teve conhecimento de que o imóvel padecia de vícios, desconformidades e defeitos ocultos em 14/12/2015, através do relatório pericial realizado pela sociedade E..., S.A.
nnnn) O Autor solicitou à “E..., S.A.” que analisasse o estado da construção da moradia que adquiriu à Ré Rustiâncora, para verificar se a mesma padecia de algum vício de construção ou qualquer outro defeito e que elaborasse o relatório pericial correspondente.
oooo) A “E..., S.A.” elaborou o relatório pericial junto como Documento n.º 12 da petição inicial.
pppp) O custo do relatório referido em oooo) ascendeu a € 7.389,47.
Em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, as questões as decidir são as seguintes:
a. da nulidade da sentença e do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (conclusões 10.ª a 12.º e 33.ª);
a. da (in)aplicabilidade do regime previstos na Lei de Defesa do Consumidor e no DL 67/03 de 08-04 por se tratar de móvel inacabado (conclusões 1.ª a 35.ª) e da redução do preço condicionada à reparação dos defeitos (conclusões 36.ª a 40.ª).
V.1. da nulidade da sentença e do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC
Vem a ré, além do mais, invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, porquanto o tribunal de 1.ª instância não aflorou a questão de estarmos perante uma compra e venda de bem inacabado (conclusões 10.ª e 12.ª).
Os recursos têm como finalidade o reexame da decisão anterior, pelo, como refere ABRANTES GERALDES3, a revista, nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC, visa o teor do acórdão da Relação e não aquilo que foi decidido na 1.ª instância4.
Resulta, assim, claro que na presente revista não há lugar ao conhecimento quer das nulidades da sentença proferida na 1.ª instância, quer do mérito da sentença da 1.ª instância, tão só do acórdão recorrido proferido na Relação, pelo que improcede esta parte do recurso da ré.
As nulidades da sentença/acórdão mostram-se previstas no art. 615.º do CPC e conforme é jurisprudência neste STJ, reportam-se a danos estruturais da própria decisão não sendo confundíveis com os erros de julgamento, quer de facto ou de direito.
O art. 615.º do CPC preceitua o seguinte:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
A nulidade por omissão de pronúncia, al. d), verifica-se quando o acórdão não resolve todas as questões que lhe foram submetidas à sua apreciação pelas partes, sem prejuízo dos casos em que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas.
É esta a orientação dominante neste STJ, conforme se constata dos seguintes Acs. do STJ de 17-02-2022, Revista n.º 23/09.4TBSSB.E2.S1, de 09-03-2022, Revista n.º 1600/17.5T8PTM.E1.S1, e de 31-01-2023, Revista n.º 1593/17.9T8LRA.C1.S2 – todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Da análise do acórdão recorrido verificamos que, quer relativamente à primeira questão, quer relativamente à segunda, houve uma efectiva pronúncia. Com efeito, no acórdão recorrido considerou-se que, apesar de se tratar de um bem imóvel inacabada, tal não obstava à aplicação do regime legal dos consumidores e como tal escreveu-se que “o facto de o imóvel ter sido vendido ao A./recorrido sem os respectivos acabamentos em nada prejudica a sua qualificação como bem de consumo, porquanto a R./Recorrente/vendedora continua a assumir a veste de profissional, o A./recorrido/comprador a de consumidor, destinando-se o imóvel a uso não profissional, qual seja a residência do comprador”, pelo que era subscrever “a qualificação jurídica feita na sentença recorrida no sentido de estarmos perante uma compra e venda de bem de consumo, justificando-se a concessão da protecção devida aos consumidores conferida pelo citado Dec. Lei n.º 67/2003”.
Igualmente, no que se refere à omissão de pronúncia no que se refere ao abuso de direito, também o acórdão recorrido se pronunciou de forma efectiva sobre esta questão, no qual foram dedicadas várias páginas a discorrer sobre este instituto, concluindo pela sua não verificação, uma vez que conclui que a escolha da redução do preço é lícita, em face do regime legal aplicável, inexistindo desproporcionalidade entre a vantagem do autor e o sacrifício da ré.
Assim, sendo, o acórdão recorrido não padece de qualquer omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, pois analisou de forma efectiva as questões jurídicas que a ré identificou, assim improcedendo esta parte do recurso da recorrente.
V.2. da (in)aplicabilidade do regime previstos na Lei de Defesa do Consumidor e do DL 67/03 de 08-04 por se tratar de móvel inacabado (conclusões 1.ª a 35.ª) e da redução do preço condicionada à reparação dos defeitos
Relativamente ao mérito, a ré sustenta que à relação contratual dos presentes autos não é aplicável a Lei de Defesa do Consumidor, porquanto esta foi pensada para prédios/bens imóveis ou fracções autónomas totalmente acabados, ou dito de outra forma, para bens imóveis prontos ou aptos a consumir, no caso concreto habitar, e o prédio dos autos foi vendido inacabado e já se verificou a intervenção de terceiros, através de obras nas diferentes especialidades, pelo que a obrigação de prestação de garantia pelo vendedor cessa.
Mais alega a ré que, por força do disposto no art. 913.º do CC, os meios jurídicos facultados ao comprador não podem ser exercidos de forma aleatória, devendo, antes, ser exercidos de forma sequencial, sendo o primeiro direito a considerar o direito à eliminação dos defeitos, conforme entende Calvão da Silva, Directiva n.º 1999/44/CE, de 25/05 e art. 4.º, n.º 7, do DL n.º 67/2003, sob pena de se actuar em abuso de direito.
Em face da factualidade prova, convergiram as instâncias, e tal não é colocado em crise pelas partes, que o acordo celebrado integra um contrato de compra e venda, nos termos do art. 874.º do CC (cfr. facto provado sob a al. a)).
Igualmente, não discordamos nem nos afastamos das instâncias quando qualificam o contrato de compra e venda como de consumo, porquanto a vendedora, ora ré recorrente é uma sociedade que se dedica à compra e venda de imóveis e adquiriu o imóvel para sua habitação (um consumidor na noção ínsita no art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31-07 – Lei de Defesa do Consumidor), mostrando-se sujeito ao regime previsto no DL n.º 67/2003, de 08-04 (cfr. arts. 1.º-A, n.º 1, e 1.º-B, n.º 1, als. a), b) e c)).
A noção de consumidor, encontra-se definida no artigo 2º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, comummente designada LDC, que define consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios. Encontra-se também consagrada no artigo 1º-B, alínea a), do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que nos dá uma noção de consumidor: aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do nº 1, do artigo 2º, da Lei nº 24/96, de 31 de Julho. Ou seja, o conceito de consumidor é definido em termos semelhantes aos termos enunciados pela LDC.
O DL n.º 67/2003 transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas. Apesar de já ter sido revogado pelo DL n.º 84/2021, de 18-10, que veio regular os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, transpondo as Diretivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770, é aquele diploma de 2003 aplicável nos autos, em face da data da celebração do contrato, Novembro de 2014, uma vez que o novo diploma é apenas aplicável aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, em 01-01-2022 (ut seu artº 55º).
O referido regime é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre um profissional e um consumidor, isto é, entre uma pessoa singular ou coletiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua atividade profissional, e do outro lado com uma pessoa singular que adquira bens ou serviço para um uso não profissional ou empresarial5 (arts. 1.º-A e 1.º-B, als. a), b) e c), do referido Decreto-Lei n.º 67/2003).
In casu, considerando as qualidades de cada uma das partes, autor e ré [cfr. factos provados nas als. f) e l)], a ré dedica-se à actividade de compra, reconstrução e venda de bens imobiliários e o autor destina o imóvel a sua residência, é incontornável que aquele regime tem aqui inteira aplicação.
Vale aqui, portanto, o destino do bem6.
Face ao apontado regime legal, aquele que vende um bem de consumo tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, cfr. art. 2.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003.
Por força do n.º 2 do art. 2.º do citado Decreto-Lei n.º 67/2003, (p)resume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
Nas palavras de PAULO MOTA PINTO7, este normativo deve ser interpretado tendo como principal vector a conformidade da coisa com o contrato, acrescentando que o (…) legislador comunitário recebeu assim o conceito de conformidade com o contrato de compra e venda, já utilizado na Convenção de Viena das Nações Unidas sobre o Contrato de Compra e Venda Internacional de Mercadorias" e noutras ordens jurídicas, utilizando-o em lugar das noções de “defeito”, “vício” ou “falta de qualidade” da coisa vendida, ou, em geral, de não cumprimento ou inexecução do contrato. Trata-se, aliás, de noções que não são equivalentes, traduzindo a de “falta de conformidade” uma concepção ampla e unitária de não cumprimento, e neste sentido sendo mais abrangente do que as noções de “defeito” (empregue, sem maiores esclarecimentos, no artigo 12.º, n.º 1, da LDC), “vício” ou “falta de qualidade” (utilizadas no artigo 913.º, n.º 1, do Código Civil).”
De igual modo, MAFALDA MIRANDA BARBOSA8 salienta a posição favorecida do consumidor relativamente ao dito “normal” adquirente: “Embora o regime do Código Civil já garantisse em certa medida a posição do comprador, o consumidor passa a estar dotado de uma tutela acrescida. Por um lado, deixa de recair sobre si o ónus, muitas vezes excessivo, de verificar as qualidades da coisa no momento da entrega, passando a impender sobre o vendedor a garantia da inexistência de desconformidades do bem com o contrato. A existência de factos que sustentam a presunção de não conformidade é disso reflexo bastante. Por outro lado, a operacionalidade das referidas presunções de não conformidade, constantes do artigo 2.º, n.º 2 do decreto-lei n.º 67/2003, parece beneficiar a parte mais frágil da relação no contrato de compra e venda.”.
Caso o bem de consumo fornecido pelo vendedor apresente alguma desconformidade, é o vendedor obrigado a responder perante o consumidor, desde que as desconformidades se manifestem no prazo de dois ou cinco anos, consoante se trate de coisa móvel ou imóvel (cfr. art. 3.º do DL n.º 67/2003).
Temos, assim, que neste regime, basta ao comprador consumidor alegar e provar as faltas de conformidade que entenda que o bem padece9, beneficiando das presunções legais previstas no DL 62/2003, cabendo ao vendedor o ónus da prova, segundo as regras gerais, de ter cumprido a obrigação de garantia de conformidade.
No caso, alega a recorrente que o prédio não dispunha de licença de habitabilidade, faltando ainda executar os trabalhos indicados nas als. o) a jj) da matéria de facto provada, ao que acresce ter havido intervenção de terceiro no prédio, pelo que há perda da garantia.
Quer a sentença, quer o acórdão recorrido por adesão a esta, explicitaram de forma clara que as patologias provadas de que o imóvel padecia e que são imputáveis à ré, são apenas aquelas que resultam da obra por si executada, constituindo igualmente defeitos ocultos, como sejam aqueles que resultam da obra levada a cabo pela ré nos termos em que a vendeu ao autor, os constantes das ll) a www) e als. eeee) a llll) da factualidade provada, por se tratarem de defeitos estruturais directamente decorrentes da obra levada a cabo pela ré (cfr. arts. 2.º, n.º 2 e 3.º do DL 67/2003).
De acordo com o disposto no art. 1.º-B, al. b), do DL 67/2003, «Bem de consumo», é qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão.
Ora, a ré vendeu ao autor um imóvel que estava inacabado, sem condições de habitabilidade, com paredes, telhado, estrutura de betão construída pela ré e com o demais em falta.
Como é bom de ver, quer os bens em segunda mão, quer os bens que ainda não estejam concluídos, não se mostram excluídos da alçada deste diploma legal, desde que se mostrem preenchidos os conceitos de consumidor e de vendedor, conforme já demonstrámos, sendo certo que ficou provado que o comprador destinou o prédio à sua residência e a ré construiu o imóvel tal como o vendeu, fazendo tal actividade parte do seu objecto social.
Assim, nada prejudica a qualificação do imóvel como bem de consumo só pelo facto de ter sido vendido ao A./recorrido sem os respectivos acabamentos, pois a R./Recorrente/vendedora continua a assumir a veste de profissional, o A./recorrido/comprador a de consumidor, destinando-se o imóvel a uso não profissional, qual seja a residência do comprador, pelo que se subscreve a qualificação jurídica feita nas instâncias na sentença no sentido de estarmos perante uma compra e venda de bem de consumo, justificando-se a concessão da protecção devida aos consumidores conferida pelo citado Dec. Lei n.º 67/2003.
Nem mesmo pela circunstância de o autor ter efectuado obras no prédio é hábil a fazer cessar a garantia, o que, também, pode extrair-se do teor do disposto no n.º 4 do art. 4.º do DL 67/2003.
Para que tal ocorresse necessário seria que a ré provasse que as obras que o autor levou a cabo causaram os defeitos constantes da coisa, o que não logrou provar.
Entendemos, assim, que não é de afastar a qualificação jurídica operada nas instâncias, considerando-se a presente compra e venda como sendo uma relação de consumo, sujeita ao regime previsto no DL 67/2003.
É claro que não.
Como bem se refere na sentença, o facto de a unidade predial transmitida – e descrita como um prédio único na Conservatória do Registo Predial – estar decomposta em dois artigos matriciais (um urbano e outro rústico) para efeitos administrativos e fiscais, não obsta à aplicação do regime próprio de uma relação de consumo.
Com efeito, o Autor adquiriu a unidade predial em causa, toda ela, para nela habitar, sendo que a parte qualificada matricialmente como rústica está funcionalmente adstrita à moradia (como logradouro, espaço de lazer e terreno de pastagem) e, portanto, funcionalmente adstrita à parte qualificada como urbana. Só não seria assim, ou seja, só não seria de aplicar o regime de venda de bens de consumo se aquela parte rústica descaracterizasse a parte urbana e a finalidade habitacional da unidade predial vista como um todo. Mas tal não se retira da matéria de facto dada por provada.
Vale aqui o critério da predominância do destino do uso, ou/e da utilização efectiva do bem11.
2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.
3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
Ao nível da doutrina, a maioria tem entendido que inexiste uma hierarquia entre os vários direitos do consumidor consagrados no art. 4.º, n.º 1, do DL 67/2003, veja-se a título de exemplo João Calvão da Silva12; Luís Menezes Leitão13; José Engrácia Antunes14; e Jorge Morais de Carvalho15.
Porém, a jurisprudência junto deste Supremo Tribunal de Justiça não tem colhido de forma unânime a posição que predomina na doutrina.
Assim, no sentido de considerar que existe uma hierarquia entre os direitos à disposição do consumidor nos casos em que haja desconformidade da coisa vendida, salientamos o acórdão do STJ de 13-12-2007, Revista n.º 07A416016, cujo segmento (para aqui) relevante do sumário diz que “(…) VII - O comprador de coisa defeituosa pode, por esta ordem, exigir do fornecedor/vendedor: 1º - a reparação da coisa; 2º - a sua substituição; 3º - a redução do preço ou a resolução do contrato, conquanto exerça esse direito, respeitando o prazo de caducidade - art. 12.º da LDC.”.
Ao invés, temos como marcadamente predominante a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o consumidor tem a liberdade de escolha dos meios à sua disposição, tendo apenas como limite do abuso do direito17.
Também em termos de Direito Comunitário, com a transposição das Diretivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770, através do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18-10 (que veio revogar o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na sua redação actual – porém, como dito, não aplicável nos autos), verificou-se um reforço das garantias dos consumidores de bens imóveis de longa duração, com o alargamento do prazo de garantia para 10 anos dos elementos construtivos estruturais, bem como do prazo do exercício de acção judicial para 3 anos, após a comunicação da falta de conformidade e bem assim se reconheceu expressamente o direito de escolha do consumidor entre a reparação do bem, a substituição do bem, a redução do preço ou a resolução do contrato (cfr. artº 15º).
Conclui-se, assim, que, por força do disposto no art. 4.º do aludido DL nº 67/2003, o consumidor, no caso de desconformidade do bem, tem direito à reparação ou substituição do bem, à adequada redução do preço ou à resolução do contrato. E o consumidor pode exercer estes direitos sem qualquer ordem sequencial, desde que tal não constitua abuso de direito ou se mostre impossível (ut n.º 5 do art. 4.º), em sintonia com a posição maioritária, quer na doutrina, quer na jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Com efeito, os defeitos que o prédio apresenta e que são da responsabilidade da ré são desconformidades estruturais da obra e a sua eliminação implicam para o autor que esvazie por completo a casa e que a não habite durante as obras. E para além desta realidade factual, nada mais ficou provado ou foi alegado pela ré da qual possa indiciar qualquer abuso do direito no comportamento do autor, o que incumbia à ré alegar e provar18.
Como bem diz o acórdão recorrido relativamente a esta temática, «Quanto ao mais, concisamente, dir-se-á que, no caso em apreço, tratando-se de um imóvel que padece de variados defeitos estruturais – estando, por conseguinte, demonstrada a falta de conformidade do bem com o contrato – não se vislumbra em que termos a pretensão do consumidor em exercer o direito de redução do preço possa traduzir um exercício abusivo ou excessivo do direito.
Ínsito ao exercício desse direito está a vontade do consumidor de ficar com o imóvel, mesmo desconforme. E essa pretensão é usual, atento o seu efeito útil, nos casos em que o preço ainda não foi (total ou parcialmente) pago.
(…)
Acresce que o direito de redução do preço (bem como o de resolução do contrato) não está apenas reservado para a hipótese de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou substituição do bem ou da obra, podendo outras circunstâncias justificarem o recurso prioritário ao exercício deste(s) direito(s)19.
Por fim, o consumidor não está a exercer cumulativamente dois ou mais direitos conferidos por lei – exceptuando o pedido de indemnização, cuja cumulação é legítima20 –, pelo que a sua pretensão nada tem de ilícito ou de abusivo.
No contexto fáctico apurado é de concluir que a utilização do meio legal de redução do preço pela A./Recorrido, atentas as circunstâncias do caso concreto, não envolve a violação da boa-fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito em causa.».
Improcede, assim, a argumentação desta parte da revista (da redução do preço), devendo manter-se a condenação da ré nos termos plasmados no acórdão recorrido
A fim de uma melhor compreensão da questão em análise, quanto a esta parte, a sentença decidiu condenar a ré a ver reduzido o valor sobrante do preço devido, de € 121.000,00, pela celebração do contrato mencionado na alínea a), do ponto II.1., em quantia a liquidar em execução de sentença, ao abrigo do disposto no artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que resultar a) da possibilidade de reparação, b) do custo da respectiva reparação e c) da eventual desvalorização do imóvel em face das seguintes patologias: (….) (destaque nosso).
Por seu lado, o acórdão recorrido decidiu condenar a ré a ver reduzido o preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor, em quantia a liquidar em incidente póstumo à sentença, ao abrigo do disposto no artigo 609º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e que resultar do custo da respectiva reparação e da eventual desvalorização do imóvel em face das patologias (…).
Para tanto fundamentou o acórdão recorrido do seguinte modo: (…) Pois bem, ao condenar a R./Recorrida a ver reduzido “o valor sobrante do preço devido, de € 121.000,00”, pela celebração do contrato de compra e venda, e ao condenar o A./Recorrente a pagar esse mesmo valor à R./Recorrida, deduzido do valor que se apurar corresponder à redução do preço, o Tribunal “a quo” limitou o valor da redução do preço ao montante de € 121.000,00, sem ter atentado que o valor do pedido, na parte liquidada pelo A./recorrente, ascende a € 148.509,52.
O remédio da redução do preço sendo especialmente útil nos casos em que o preço ainda não foi (total ou parcialmente) pago, não é de excluir nas situações em que o preço já foi integralmente pago. Nestes casos, não tem oferecido dúvidas que o comprador, em função dos defeitos do bem adquirido, tem o direito a requer a redução do preço, materializado mediante a condenação do vendedor na devolução do montante correspondente.
Ora, embora no caso dos autos esteja comprovado que o A./recorrente não pagou a totalidade do preço da aquisição do imóvel, certo é que não é ainda seguro (por carecer de liquidação) o montante correspondente à redução do preço do contrato, o qual poderá ser superior, igual ou inferior ao valor ainda em dívida pelo A./Recorrente à R./Recorrida.
Serve isto para dizer que o critério acolhido na sentença recorrida para estabelecer, como limite da redução do preço, a quantia correspondente ao preço não pago pelo A./Recorrente carece de fundamento legal. (…)21.
Nas palavras de JORGE MORAIS DE CARVALHO22, o DL 63/2007 (…) não contém qualquer elemento para determinação do valor da redução, mas este deve ser apurado com recurso a critérios objetivos, não estando na dependência de uma avaliação subjetiva do valor da falta de conformidade pelo consumidor. Na falta de outros critérios, podem ser aplicadas as normas do CC que regulam a redução do preço no caso de venda que fica limitada a parte do seu objeto (art. 884.º), de venda de bens onerados (art. 911.º) e de empreitada defeituosa (art. 1222.º).
A redução do preço corresponde ao valor da desvalorização do bem (…), devendo o vendedor restituir montante correspondente na consequência do exercício do direito pelo consumidor. Reequilibram-se por esta via as prestações.
No âmbito das normas respeitantes ao cumprimento defeituoso da compra e venda preceitua o art. 911.º do CC, por força do disposto nos arts. 905.º e 913.º do CC:
1. Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso competir.
2. São aplicáveis à redução do preço os preceitos anteriores, com as necessárias adaptações.
Este normativo também não nos indica como deverá ser feita a redução, tão só nos aponta que deve ter-se em conta a desvalorização do bem, por conta do defeito ou desconformidade que apresente.
Por seu lado, o art. 884.º do CC diz-nos que 1. Se a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do artigo 292.º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global.
2. Na falta de discriminação, a redução é feita por meio de avaliação.
Esta norma distingue se o preço acordado estiver ou não discriminado por parcelas, permitindo a sua redução parcial, sendo caso não esteja discriminado, a redução deve ser feita por avaliação.
In casu, não se tendo apurado o valor dos defeitos ou desconformidades identificadas no dispositivo do acórdão e que remetem para os factos provados, foi determinado apuramento do seu valor através de liquidação de sentença, nos termos do art. 609.º do CPC.
Conforme se explica no Ac. do STJ de 16-11-2023, Revista n.º 2232/20.6T8CSC.L1.S123, (…) na doutrina têm sido adoptados quatro métodos, devendo seguir-se o método em que a redução será determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa com defeito.
A jurisprudência segue este critério de orientação, como, por exemplo, no Ac STJ de 25/1/2005 (proc nº 04A4464), em www dgsi. – “Para determinar o montante do preço a reduzir, por via de regra, é de seguir o critério objectivo consistente na diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa, com defeito. Excepcionalmente, se se provar que há uma diferença entre o preço acordado e o valor de mercado de idêntica coisa, sem defeito, parece mais justo adoptar-se o critério que atenda a três factores: preço acordado; valor objectivo da coisa, com defeito; valor ideal do bem”.
(…)
Acontece que na situação de redução do preço não se está propriamente a arbitrar uma indemnização, mas a restabelecer o equilíbrio das prestações, reclamado pelo princípio da justiça contratual. (…)
Ora, o juízo efectuado pelo acórdão recorrido não merece qualquer reparo, pois atendeu ao valor do pedido do autor para limitar o valor da quantia a apurar em liquidação de sentença, considerando que o valor da redução corresponderá à diferença entre ao valor que se vier a apurar de acordo com o valor da desvalorização correspondente aos defeitos ou desconformidades que o imóvel apresente e que são da responsabilidade da ré. Limitar tal montante ao valor correspondente à quantia remanescente do preço que não foi pago pelo autor será estar a assumir que a desvalorização do bem nunca poderá ser superior a esse montante, o que carece de fundamento legal, conforme refere o acórdão recorrido.
Entendemos, assim, que não merece reparo o acórdão recorrido, uma vez que observou o princípio do dispositivo e os limites do pedido, previstos no arts. 3.º, n.º 1, e 609.º, n.º 1, do CPC, não sendo de atender a argumentação da ré.
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista da ré RUSTIÂNCORA – CONSTRUÇÕES RÚSTICAS, LDA., e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 31.10.2024
Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)
Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 1º adjunto)
Emídio Santos (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)
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1. A manutenção do segmento condenatório atinente aos juros de mora deve-se ao facto de constar do segmento decisório da sentença recorrida e de não fazer parte do objeto dos recursos interpostos, o que inviabiliza o seu conhecimento, sob pena de nulidade do acórdão com fundamento no art. 615º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do CPC.
2. Cfr. os acórdãos do STJ de 22-02-2022, Revista n.º 5688/17.0T8GMR.G1.S1 (I - A apreciação da dupla conforme é aferida relativamente a cada segmento decisório autónomo e cindível; não em função da questão jurídica apreciada para alcançar a decisão, carecendo, pois, de qualquer relevância para tal efeito a circunstância de as decisões das instâncias terem coincidido na fundamentação quanto à ilicitude da ré empreiteira (na responsabilidade extracontratual atribuída) e relativamente à responsabilidade contratual da mesma. (…)), de 22-04-2021, Revista n.º 1484/15.8T8PDL.L1.S1 e de 15-06-2023, Revista n.º 2444/20.2T8STB.E1.S1- todos disponíveis em www.dgsi.pt.↩︎
3. In Recursos em Processo Civil, 6.ª edição atualizada, 2020, Almedina, p. 396.
4. Cfr. neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 09-03-2022, Revista n.º 11103/17.2T8PRT.P1.S1 (disponível em www.dgsi.pt): “As nulidades da sentença, bem como outras irregularidades ou erros de julgamento alegadamente cometidos pela 1.ª instância, não são cognoscíveis por este Supremo”.↩︎
5. Para mais desenvolvimento do conceito de consumidor veja-se, a título de exemplo, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Direito do Consumo, 2005, Coimbra, pág. 45 e Os Direitos dos Consumidores, 1982, págs. 203 a 217; FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, “A Noção de Consumidor - Perspectivas Nacional e Comunitária”, Edições Almedina, 2009; NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA, O Conceito de Consumidor, Estudos de Direito do Consumo, Vol. I, Almedina, págs. 473 a 514.
6. Acerca do destino do bem – neste domínio – , ver FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, in cit. A Noção de Consumidor, Perspectivas Nacional e Comunitária, pp 88-89.
Escreveu-se ali: «Já se tem questionado se o que conta é o destino que, predominantemente, se pretendeu dar ao bem no momento da sua aquisição ou aquele que efectivamente lhe veio a ser dado [sobre a questão de saber em que sentido deve o tribunal decidir no caso de ter dúvidas insuperáveis relativas ao destino que, nos termos do contrato, haja sido atribuído ao bem que é seu objecto, pode ver-se Paulo Duarte, O Conceito Jurídico de Consumidor, loc. cit., a págs. 677/678. Diz-se ali que tudo depende da “prévia resposta à questão de saber qual a natureza de que se reveste a fixação contratual do destino dos bens adquiridos pelo consumidor”: saber se se trata de um facto constitutivo dos direitos em que a lei empossa o consumidor ( caso em que tal ónus da prova de que não adquiriu o bem para exercício de uma actividade profissional pertence a este), ou, ao invés, de um facto impeditivo ( caso em que incumbe ao “fornecedor” fazer a prova de que o contrato se reporta a bens destinados a serem inseridos no processo produtivo que o consumidor, eventualmente, tenha sob a sua direcção).
Entendemos que havendo dúvidas sobre o fim que o cliente perseguiu na altura da contratação, o ónus da prova de que de que nesse momento o adquirente não destinava o objecto predominantemente a uso privado deve incidir sobre o profissional alienante – assim se seguindo a segunda das posições supra referidas, por ser este o espírito que preside às leis de defesa do consumidor, e assim se procurando “compensar” o facto de ser ele (quase sempre) a parte que se encontra em posição de inferioridade contratual)].
Cremos que não bastará a mera intenção no momento da aquisição, pois, como diz o povo, de boas intenções “está o inferno cheio”. Contará não só o fim perseguido pelo adquirente no momento da aquisição do bem – relevante se, logo na altura, ou pouco depois, advierem problemas com o mesmo bem e há que imputar responsabilidades por eventuais defeitos – , mas também o fim efectivo ou concreto que se vier a dar ao bem – se apesar de na altura da aquisição a intenção era de utilização predominante para uso não profissional mas o uso efectivo foi profissional, é claro que, após tal uso, não poderá o adquirente valer-se da protecção que a lei dá ao consumidor.
A finalidade do uso deve ser aferida pelo que resulta do conteúdo do contrato ou das circunstâncias (Basedow, § 310, MünchKommBGB, 2003).
E, como supra sustentámos, é claro que caberá ao profissional (empresa), conforme a situação (designadamente, o motivo e ocasião em que lhe é exigida responsabilidade), o respectivo ónus da prova – quer quanto ao destino que predominantemente se pretendia dar ao bem à data da sua aquisição, quer quanto ao destino que, efectivamente, lhe veio a ser dado – diferentemente, Carlos Ferreira de Almeida, in Direito do Consumo, cit., pág. 35, entende que no que tange à finalidade do uso, o ónus da prova recai sobre quem alega a qualidade de consumidor - atendendo-se à finalidade predominante quando a finalidade seja mista)».
7. In “Conformidade e garantias na venda de bens de consumo”, Estudos de Direito do Consumidor, Centro do Direito do Consumo, n.º 2, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2000, p. 222.
8. In “O futuro da compra e venda de coisas defeituosas”, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, ano 79 nºs. 3-4, Jul.-Dez, 2019, p. 729.
9. Cfr. neste sentido, o Ac. do STJ de 20-03-2014, Revista n.º 783/11.2TBMGR.C1.S1, e Ac. STJ de 26-04-2012, Revista n.º 1386/06.9TBLRA.C1.S1, ambos disponíveis em http://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT, respectivamente, 2014 e 2012.
10. O Autor comprou um “prédio misto, composto por casa de rés-do-chão, com dependência, coberto aberto, rossio, espigueiro, eira e terreno de pastagem (…).
11. Neste sentido, FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, ob cit., p. 90.
12. In Venda de Bens de Consumo, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2010, p. 110-112.
13. In Direito das Obrigações, volume III, 11.ª edição, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 153-157.
14. In Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2019, p. 162.
15. In Manual de Direito do Consumo, 8ª edição, pp. 420 e ss.
16. Texto disponível em www.dgsi.pt.
17. Neste sentido, salientamos os seguintes arestos do STJ, cujos sumários se transcrevem na parte relevante:
- ac. de 28-02-2008, Revista n.º 4677/07 (não publicado, mas disponível em Cadernos anuais de sumários do STJ.): (...) II - O DL n.º 67/03, de 08-04, procede à transposição para o direito interno, da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25-05 (cf. art. 1.º, n.º 1, do DL), enunciando os direitos do consumidor no caso de falta de conformidade da coisa: direito de reparação ou substituição da coisa, redução do preço ou resolução do contrato. III - Não coloca, porém, de uma forma indiscutível a questão da hierarquia dos direitos conferidos ao consumidor, isto é, se o consumidor pode optar, discricionariamente, por qualquer deles, ou se, antes, o exercício desses direitos tem alguma espécie de procedência, ao contrário do que acontece na Directiva (1999/44/CE), onde é estabelecida uma hierarquia de exercício dos direitos conferidos ao consumidor. IV - No contexto normativo actual, o consumidor poderá optar por qualquer dos direitos legalmente conferidos no caso de falta de conformidade, a não ser que se verifique um caso de impossibilidade ou constitua abuso de direito, nos termos gerais (art. 334.º do CC).
- ac. de 22-05-2013, Revista n.º 4457/04.2TVLSB.L1.S1 (não publicado, mas disponível em Cadernos anuais de sumários do STJ.): (...) VII - O DL n.º 67/2003 estabelece uma série de presunções de não conformidade dos bens de consumo com o contrato, bastando a verificação de algum dos factos enunciados nas alíneas do art. 2.º, n.º 2, para que tal ocorra, devendo o consumidor, após a entrega, suscitar a falta de conformidade, cabendo ao vendedor o ónus da prova de ter entregue o bem em conformidade com o contrato. VIII - O consumidor, em caso de não conformidade do bem com o contrato, tem o direito – ao abrigo do art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003 –, a que a conformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, conferindo-lhe, outrossim, os direitos à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, cabendo-lhe provar que a falta de conformidade já existia no momento da entrega, sem prejuízo da presunção constante do art. 3.º, n.º 2. IX - A par dos direitos enumerados no art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, coexiste o direito do consumidor ser indemnizado pelos danos – de carácter patrimonial e não patrimonial – que o mesmo sofra, por aplicação do art. 12.º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor.
- ac. de 05-05-2015, Revista n.º 1725/12.3TBRG.G1.S1 (disponível em www.dgsi.pt.), de acordo com o qual resulta do art. 4.º, n.º 5.º, do DL 67/2003, que (...) a escolha do meio legal para ser usado pelo consumidor em caso de desconformidade do objeto com o contrato, deixou de estar sujeita a uma hierarquização que resultava da Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, assinalando o aresto que “(...) tal divergência em relação ao teor da Directiva é legal por o conteúdo desta constituir o mínimo de protecção legal aos consumidores imposta pela Directiva, mas os Estados membros ficam com a liberdade de estabelecer regime mais favorável aos consumidores, o que o caso do regime da não hierarquização – art. 8º nº 2 da Directiva. Porém, o alcance da alteração introduzida pelo referido nº 5 do art. 4º mencionado é menor do que o que aparenta à primeira vista. Com efeito, se o consumidor, perante um objecto defeituoso, optar pelo meio mais gravoso para o vendedor e essa natureza gravosa se não justificar perante o caso concreto atendendo ao interesse do consumidor, haverá um abuso de direito e, por isso, não será legítima a utilização desse meio mais gravoso.;
- Ac. de 10-12-2019, Revista n.º 701/14.6TBMTA.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt.): I - Os meios que o comprador/consumidor tem ao seu dispor para reagir contra a venda de um objeto defeituoso não tem, no Regime da Venda de Bens de Consumo, qualquer hierarquização ou precedência na sua escolha, sem prejuízo de poder constituir abuso do direito, nos termos gerais. (…);
- Ac. de 07-03-2019, Revista n.º 2293/10.6TBVIS.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt.): (…) VIII – Em caso de não cumprimento, pelo empreiteiro, de um contrato de empreitada de consumo, a lei dá ao consumidor direito à reparação da coisa, ou à sua substituição, ou à redução do preço, ou à resolução do contrato, ou à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais.
IX – O consumidor dono da obra pode, em princípio, optar livremente pelo direito à indemnização, salvo se, em concreto, essa opção se mostrar abusiva.
X – Para proceder a exceção perentória de abuso do direito invocada pelo empreiteiro com fundamento em excesso manifesto dos valores em causa, cabe a este o ónus da respetiva prova. (…);
- Ac. de 13-12-2022, Revista n.º 497/19.5T8TVD.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt.), referindo que nas empreitadas ou compras e vendas de consumo, o direito à indemnização escapa (…) às regras de articulação dos direitos conferidos ao dono da obra pelo CC, ou seja, o direito à indemnização não deve ser encarado, nas empreitadas de consumo, com a configuração subsidiária e residual prevista no art. 1223.º do CC, podendo, ao invés, o direito de indemnização ser “livremente” exercido pelo dono da obra que seja consumidor, desde que sejam observadas as exigências da boa-fé, dos bons costumes e da sua finalidade sócio-económica (desde que sejam respeitados os limites impostos pela figura do abuso de direito - art. 334.º do CC).
18. Cfr. neste sentido o citado Ac. do STJ de 07-03-2019, Revista n.º 2293/10.6TBVIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
19. Cfr. JOÃO CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 7ª ed., p. 287.
20. Aos mencionados direitos acresce ainda a indemnização, nos termos estabelecidos no art. 12º da Lei n.º 24/96, de 31/07 - cfr. Luis Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações - contratos em especial, Vol. III, 13ª ed., p. 155, Cura Mariano, Responsabilidade Contratual (…), p. 288.
22. In obra citada, pp. 433 e ss.
23. Texto integral disponível em www.dgsi.pt.