PROCESSO EXECUTIVO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
EMBARGOS DE EXECUTADO
FUNDAMENTOS
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário

I – Ao contrário do que sucede na execução baseada em título diverso da sentença, onde é lícito ao executado contestar a obrigação exequenda sem quaisquer restrições (cfr. artigo 731.º, conjugado com o artigo 571.º, ambos do CPC), na execução baseada em sentença aquele não pode impugnar a constituição da obrigação, não pode invocar factos impeditivos da mesma, tal como não pode invocar factos extintivos ou modificativos da obrigação que não sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração (artigo 729.º, al. g), do CPC).
II – É judicialmente exigível, para os efeitos do artigo 847.º, n.º 1, al. a), o crédito que decorra de uma obrigação civil, vencida, incumprida e não extinta, não sendo necessário que esteja reconhecido por sentença ou outro título executivo.
III – Não preenche este requisito de “exigibilidade forte” o crédito cuja existência esteja dependente de uma decisão judicial que julgue verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar com fundamento na responsabilidade civil, contratual (por violação de uma cláusula negocial) ou extracontratual (por violação de um direito absoluto), e fixe o respectivo montante indemnizatório.
IV – Da conjugação do regime adjectivo da compensação, previsto no artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, que consagra um verdadeiro ónus de reconvir, com a sua autonomização enquanto fundamento de oposição à execução baseada em sentença, na al. h), do artigo 729.º, do mesmo código, decorre que a compensação apenas poderá fundamentar tal oposição se for posterior ao momento em que podia ter sido invocada por reconvenção.
V – Exceptuam-se os casos em que a própria sentença que serve de base à execução declara ou reconhece o contra crédito, bem como as situações em que, por razões processuais, o embargante tenha sido impedido de formular pedido reconvencional, situações em que aquele contra crédito pode servir de fundamento de oposição à execução da sentença, ao abrigo da al. h), do artigo 729.º, do CPC.

Texto Integral

Proc n.º 97/24.8T8VLG-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Por apenso à execução que AA move contra BB, esta veio opor-se à execução mediante embargos de executada, que cumulou com oposição à penhora.
Alegou, em síntese, o seguinte: a executada detém sobre o exequente um crédito correspondente a metade dos valores que pagou, no período compreendido entre Maio de 2011 e 16 de Fevereiro de 2022, a título de prestações devidas por força do empréstimo que ambos contraíram para aquisição do imóvel que integrou o património comum do casal, quotas do respectivo condomínio e seguros contratados em virtude daquela aquisição, aos quais acrescem metade dos vencidos posteriormente à referida data até à adjudicação do imóvel e pagos pela executada; estes créditos não foram considerados no processo de inventário para separação dos bens comuns do extinto casal, por aí se ter entendido que essa questão tinha de ser decidida na acção, já em curso, intentada para esse efeito pela ora embargante; nessa acção entendeu-se que o meio adequado para esse conhecimento era o processo de inventário; o exequente actua em abuso de direito ao interpor a ação executiva, bem sabendo que é responsável pelo pagamento de metade das referidas prestações, que não paga nenhuma dessas prestações desde Maio de 2011, que as mesmas têm sido suportadas pela embargante e que, por isso, esta deduziu o valor devido pelo embargado no valor das tornas que é devido a este, tendo depositado nos autos de inventário apenas a quantia de 18.425,36 €; ao pretender a totalidade das tornas sem descontar metade do valor pago pela executada a título de prestações mensais do empréstimo, quotas do condomínio e seguros contratados o embargado pretende enriquecer sem justa causa à custa da embargante.
Para o caso de não se terem em conta os fundamentos supra invocados, a embargante deduziu pedido reconvencional, pedindo que seja determinada a compensação de créditos, nos termos da al. h), do artigo 729.º, do CPC.
Conclui requerendo que, na procedência da presente oposição à execução, se julgue extinta a execução e totalmente procedente o pedido reconvencional.
Mais solicitou a condenação do embargado e do seu mandatário como litigantes de má-fé, em multa e indemnização, bem como a sua responsabilização pelos prejuízos que estão a gerar à embargante com a propositura da execução e com a penhora aí efectuada, em quantia a liquidar posteriormente mas nunca inferior a 1.000,00 € por mês.

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Foi proferido despacho a indeferir liminarmente os presentes embargos de executado e a oposição à penhora.
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Inconformada, a executada embargante apelou desta decisão, concluindo assim a sua alegação:
«A) O julgador da sentença recorrida incorreu numa manifesta e evidente errada apreciação do direito, se não vejamos:
B) A decisão recorrida conclui que: “Ainda que o alegado pela embargante possa ser considerado um facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda, resulta dos factos provados que a embargante tinha conhecimento dos mesmos ainda antes da interposição do processo de inventário, sendo que, como se considerou na sentença e acórdão referidos em 11 a 13 o apuramento da responsabilidade de ambos os cônjuges nas responsabilidades comuns que a autora alega ter pago individualmente” deveria ser feito no processo de inventário, ainda que em partilha adicional. Ora, não sendo tal factualidade posterior ao encerramento da discussão, não pode fundar a oposição à execução deduzida por força do disposto na referida al. g) do artº. 729º. do CPC.”, e quanto à questão da compensação dos créditos concluiu em suma que: “…Como resulta do disposto na al. a) do nº. 1 do artº. 847º. do CC, para que a compensação funcione é necessário que, no momento em que a mesma é invocada, o crédito seja “exigível judicialmente”;
C) Nos termos do art.º 729º do CPC, fundando-se a execução em sentença, como é o caso dos autos, a oposição deverá ter por base algum dos fundamentos aí elencados, de modo taxativo. No caso em apreço, é suscitado pela Recorrente como fundamento, nos termos da al. g) e h) a existência de contra crédito sobre o exequente, com vista a obter compensação de créditos;
D) Os embargos foram indeferidos liminarmente por se ter entendido que os fundamentos apresentados pela embargante/executada não se ajustam aos legalmente previstos (art.º 729º, alínea h), do CPC)”, mais se dizendo que no âmbito da execução, o crédito invocado pela executada não é um crédito judicialmente exigível, não se mostrando previamente reconhecido pelo que não pode a embargante ver declarada na instância de oposição o mesmo, por não ser legalmente admissível;
E) O Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pois não aplicou corretamente a alínea h) do artigo 729º do CPC, nem atentou na jurisprudência maioritária que se tem vindo a afirmar na vigência de tal norma;
F) Diferentemente do que ocorria anteriormente, por não existir previsão equivalente, com a redação dada pela Lei nº 41/2013 ao novo CPC, passou a constar expressamente a possibilidade de o executado poder invocar perante o exequente um crédito de que seja titular perante aquele, com vista a obter a compensação de créditos, ou seja,
G) Importará agora saber, nomeadamente, se tal introdução da citada alínea acarretou alteração do regime processual, designadamente quanto à admissibilidade ou não da oposição à execução que se baseie na invocação por parte do executado da existência de um contra crédito que detenha sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
H) Trata-se, como aliás nos dão nota variados arestos dos nossos Tribunais superiores, com base também em posições doutrinárias, de questão que tem sido ampla e frequentemente discutida, em particular após a introdução pela Lei n.º 41/2013 no novo CPC da citada alínea, com afirmação de soluções não propriamente coincidentes, assim sobre saber se é ou não admissível, em sede de embargos à execução, deduzir oposição com tal fundamento, em particular o saber-se se a exigibilidade judicial, de que o preceito não prescinde quanto ao crédito ativo, pressupõe ou não a necessidade de prévio reconhecimento judicial;
I) Ao fundamentar a sua decisão no facto de que “o crédito invocado pela executada não é um crédito judicialmente exigível, não se mostrando previamente reconhecido”, o despacho recorrido não considerou que o contra crédito judicialmente exigível é aquele que está vencido e não pago e possa ser exigível judicialmente, tal como consta da jurisprudência supra citada;
J) O contra crédito da recorrente, cuja compensação se pretende, é exigível para efeitos do artigo 847º, nº 1, do Código Civil, servindo por isso de fundamento legítimo à oposição à execução mediante embargos de executado, nos termos da alínea h), do artigo 729.º, do CPC, não sendo exigível que o mesmo conste de título executivo, pois “a compensação pode ser deduzida na oposição à execução, sem qualquer necessidade de o respetivo crédito estar previamente reconhecido judicialmente”;
K) Igualmente não é exigível que a compensação invocável seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração pois embora a compensação seja um modo de extinção das obrigações, previsto no art.874º do CC, o legislador não exigiu, de modo literal, para efeitos de oposição à execução, que o facto do qual resulta o crédito a compensar seja “posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração” como exige na alínea g), quando se refere a “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação;
L) A sentença recorrida violou entre outros os artigos 847º do Código Civil e as alíneas g) e h) do artigo 729º do Código de Processo Civil;
M) A sentença recorrida ignorou e fez tábua rasa dos mais recentes acórdãos proferidos sobre a mesma matéria e que se indicam: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2019 (Relatora Conselheira Maria Olinda Garcia, in www.dgsi.pt.; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2019 (Relator Conselheiro José Manuel Bernardo Domingos, in www.dgsi.pt e Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto datado de 18-01-2021, processo 324/14.0TTVNGD.P1, in www.dgsi.pt;
N) Termos em, requer que a sentença recorrida seja revogada e substituída por acórdão que determine o prosseguimento dos autos».
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Admitido o recurso e cumprido o disposto no artigo 647.º, n.º 1, do CPC, o embargado respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela total improcedência da apelação.
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II. Fundamentação
A. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
A única questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, consiste em saber se os embargos de executado deviam ter sido recebidos, em virtude de o seu fundamento se enquadrar no artigo 729.º, al. g) e/ou h), do CPC.
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B. Os Factos
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
1- Em 22 de junho de 2021 o exequente requereu contra a requerida processo de inventário para separação dos bens que foram do extinto casal, tendo relacionado nos referidos autos, como ativo, a fração autónoma designada pela letra E do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ... em ... e como passivo a dívida emergente do contrato de crédito celebrado com o Banco 1..., S.A. para aquisição da dita fração no valor de € 66.500,70.
2- Em 9 de dezembro de 2021 foi realizada a conferência de interessados prevista no artº. 1110º. do CPC, na qual estiveram presentes os interessados acompanhados dos respetivos mandatários, tendo a aqui executada manifestado interesse em “ficar com o imóvel continuando a assegurar o pagamento das prestações”, tendo o aqui exequente requerido a avaliação do imóvel”.
3- Em 21 de abril de 2022 foi realizada nova conferência de interessados tendo aí sido reconhecido pelos interessados o passivo no valor de € 63.390,46 e acordada a adjudicação à ex-cônjuge mulher a fração autónoma em cima identificada pelo valor da avaliação - € 145.773,00.
4- Ouvidas as partes, na conferência atrás referida, sobre o mapa da partilha, defendeu a interessada, aqui embargante, que ao valor por si a pagar a título de tornas haveria “não nesta fase mas posteriormente, que imputar metade das prestações pagas e reclamadas no âmbito da ação que corre termos no juízo cível deste Tribunal, Juiz 1, sob o nº. 770/22.5T8GDM, sendo certo que até ao dia 18/03/2022 esse valor importava em € 22.765,92 (…) e como tal dará um valor aproximado de € 18.000,00 (…) de tornas a pagar ao aqui requerente, importando “apurar o valor exacto que a mesma tem a pagar ao requerente e depois, oportunamente determinar-se-á o pagamento ou não do valor a apurar em sede de tornas ao mesmo”.
5- No despacho proferido sobre a elaboração do mapa da partilha consignou-se que quanto ao crédito que a interessada “se arroga sobre o cabeça de casal, o qual estará a ser alvo de discussão judicial em processo que se encontra pendente, não poderá ser tida em conta no presente inventário, sendo alvo de decisão em sede própria e com produção de efeitos independentes em relação a este processo”.
6- Elaborado o mapa de partilha, do qual resulta que a aqui embargante pagará tornas no valor de € 41.191,27, e notificadas as partes, não foi o mesmo objeto de reclamação.
7- Reclamado o pagamento das tornas apuradas e notificada a interessada para proceder ao seu depósito foi por a mesma requerido um prazo de 10 dias para tal efeito.
8- Em 27 de abril de 2022 a aqui embargante juntou ao processo de inventário um depósito autónomo no valor de € 18.425,40 acompanhado de um requerimento em que alega que deduziu ao valor das tornas apuradas e para cujo pagamento lhe foi concedido o prazo de 10 dias, metade do valor dos pagamentos que alega ter efetuado entre maio de 2011 e 27 de abril de 2022 ao credor hipotecário, ao condomínio e de prémios de seguros de vida e de “casa/habitação” e que se encontram “documentados na ação que corre termos neste tribunal, no Juízo Local Cível – Juiz 1, proc. 770/22.5T8GDM, para a qual o cabeça-de-casal foi citado a 22/03/2022.
9- Em 1 de junho de 2022 foi proferido despacho sobre o requerimento atrás referido no qual se consignou que a questão de novo suscitada pela interessada já havia sido decidida na audiência prévia de 21 de abril de 2022, indeferindo o requerido e determinando que a interessada procedesse ao depósito do montante em falta.
10- No mesmo dia foi proferida sentença homologatória da partilha, que transitou em julgado em 6 de julho de 2022.
11- Em 5 de março de 2022 a aqui embargante interpôs contra o aqui embargado ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum pedindo a condenação do mesmo a pagar metade dos valores relativos ao empréstimo contraído por ambos para aquisição de habitação por si pagos entre maio de 2011 e 16 de fevereiro de 2022 e das prestações que se vencerem posteriormente; metade do valor das quotas pagas ao condomínio no período de maio de 2011 a dezembro de 2021 bem como das que se vencerem a partir de janeiro de 2022, metade dos prémios de seguro de vida, habitação e recheio pagos no período de maio de 2011 até ao final de 2021 e dos que forem pagos a partir de fevereiro de 2022.
12- Em 5 de janeiro de 2023 foi proferida sentença na ação atrás referida, aí se decidindo pela verificação de erro na forma de processo por “o apuramento da responsabilidade de ambos os cônjuges nas responsabilidades comuns que a autora alega ter pago individualmente” dever ser feito no processo de inventário.
13- A aqui embargante interpôs recurso da referida decisão que foi julgado improcedente por acórdão da Relação do Porto proferido em 28 de setembro p.p.
14- Em 7 de fevereiro de 2024 foi penhorado o saldo bancário da titularidade da executada junto do Banco 2..., SA no valor de € 18.514,23, tendo ficado incólume a quantia de € 720,00 – cfr. refª. 38093449 dos autos principais.
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C. O Direito
Afirmando ser credora do exequente, a embargante pretende compensar a sua obrigação (exequenda) com a obrigação do seu credor.
O tribunal a quo indeferiu liminarmente os embargos assim fundamentados, afirmando que não ocorre nenhuma das circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artigo 729.º do CPC, únicas que podem ser servir de fundamento à oposição à execução baseada em sentença.
1. Neste sentido, começa por se escrever o seguinte na decisão recorrida: «Ainda que o alegado pela embargante possa ser considerado um facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda, resulta dos factos provados que a embargante tinha conhecimento dos mesmos ainda antes da interposição do processo de inventário (…). Ora, não sendo tal factualidade posterior ao encerramento da discussão, não pode fundar a oposição à execução deduzida por força do disposto na referida al. g) do artº. 729º. do CPC».
A superveniência a que alude esta al. g) é, antes de mais, a superveniência objectiva, não sendo pacífica ou generalizadamente aceite que abranja igualmente a superveniência subjectiva, a que a decisão recorrida parece apelar em primeiro lugar. Mas esta decisão convoca, logo de seguida, o conceito de superveniência objectiva ínsito naquela norma, para afastar a sua aplicação ao caso concreto. Sem prejuízo do que diremos infra, a conclusão a que chega afigura-se inatacável.
Nos termos do preceituado neste artigo 729.º, al. g), fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter por fundamento qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento (acrescentando, porém, que a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio). Deste modo, ao contrário do que sucede na execução baseada em título diverso da sentença, onde é lícito ao executado contestar a obrigação exequenda sem quaisquer restrições (cfr. artigo 731.º, conjugado com o artigo 571.º, ambos do CPC), na execução baseada em sentença aquele não pode impugnar a constituição da obrigação, não pode invocar factos impeditivos da mesma, tal como não pode invocar factos extintivo ou modificativo da obrigação que não sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.
Compreende-se a exigência da superveniência e a irrelevância dos factos impeditivos, atento o princípio da preclusão da defesa consagrado no artigo 573.º e o valor do caso julgado da sentença regulado no artigo 619.º, n.º 1, ambos do CPC. Nas palavras de Rui Pinto (A Ação Executiva, AAFDL, 2020, p. 392), a ponderação de factos supervenientes «configura uma excecional reabertura de contraditório quanto a uma decisão já transitada em julgado ou com aptidão para transitar em julgado (cf. artigo 704.º n.º 1)».
Compreende-se igualmente a exigência de prova documental, atento o princípio da segurança jurídica. Novamente nas palavras de Rui Pinto (loc. cit.), «o afastamento da eficácia de uma decisão nas condições do artigo 704.º n.º 1 exige prova dotada de formalidade suficiente, à semelhança do disposto no artigo 696.º al. c)».
Em suma, a norma em análise afasta a possibilidade de alegação, em sede de embargos de executado, de factos que já foram ou que podiam ter sido alegados na acção declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução, de forma a obstar a que aqueles embargos se convertam numa renovação do litígio decidido nesta sentença, ou seja, numa renovação da instância declarativa (cfr. Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, Coimbra, 1985, p. 28).
No caso concreto, como bem refere a decisão recorrida, os factos extintivos do crédito exequendo são anteriores ao próprio processo de inventário onde foi proferida a sentença que serve de base à execução, pelo que não são subsumíveis à norma do artigo 729.º, al. g), do CPC.
Mais duvidoso é saber se são subsumíveis à al. h) do mesmo artigo, ou seja, se também esta norma pressupõe a superveniência objectiva dos factos em que assenta a compensação de créditos. Voltaremos a esta assunto mais adiante.
Em suma, os presentes embargos de executado não encontram respaldo no artigo 729.º, al. g), do CPC, pois os fundamentos aí alegados não integram a respectiva previsão.
2. Afirma-se de seguida na decisão recorrida que a embargante não pode compensar a dívida exequenda com o crédito de que afirma ser titular, porque este não é judicialmente exigível, conforme exigido pelo artigo 847.º, n.º 1, al. a), do Código Civil (CC).
Nos termos dessa decisão, «para que a compensação funcione é necessário que, no momento em que a mesma é invocada, o crédito seja “exigível judicialmente” e é exigível judicialmente a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dê ao credor “o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, …” (artº. 817º. do CC), ou seja, é exigível a obrigação que seja certa, segura, que tenha “reconhecida a sua existência” (Pires de Lima e Antunes Varela, anotação ao artº. 847º- do CC). De novo nas palavras de Antunes Varela, “Para que o devedor possa livrar-se da obrigação por compensação é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra-crédito) que se arroga quanto a este” (Das Obrigações em Geral, vol. II, 2ª. ed., pág. 168. Ora o crédito invocado pela embargante não está reconhecido, é meramente hipotético e controvertido, não podendo a sua demonstração e consequente reconhecimento ser feito nestes autos, pois que o contra crédito já tem que estar definido quando se alega a compensação. Neste sentido e para maiores desenvolvimentos pode ver-se Ac. da RP de 18/3/04, relatado pelo Sr. Desembargador Fernando Baptista e Ac. da RL de 15/11/2012, relatado pelo Sr. Desembargador Vítor Amaral, ambos in www.dgsi.pt».
Não podemos concordar com esta interpretação da norma do artigo 847.º, n.º 1, al. a), do CC.
Ser exigível judicialmente não é sinónimo de estar judicialmente reconhecido, nem pressupõe a existência de um título executivo que constitua ou ateste a constituição do crédito em causa. Como decorre da conjugação do artigo 847.º com o artigo 817.º, ambos do CC, pressupõe apenas que o crédito decorra de uma obrigação civil, vencida, incumprida e não extinta. Dito de outro modo, pressupõe que seja certo, seguro e não meramente hipotético ou eventual; que não seja uma mera expectativa (cfr. ac. do STJ, de 01.07.2024, proc. n.º 11148/12.9YIPRT-A.L1.S1, rel. Paulo Sá, citado na decisão recorrida); em suma, que dê direito à ação de cumprimento e à execução do património do devedor.
Neste sentido, Menezes Cordeiro (Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, pp. 113-116), citado no ac. do STJ, de 11.07.2019 (proc. n.º 1664/16.9T8OER-A.L1.S1, rel. Bernardo Domingos), afirma que «[a] exigibilidade judicial de que trata a norma em análise significa, pois, que o crédito oposto pelo compensante ao seu credor esteja vencido. (…) No fundo, ela traduz a necessidade de que os créditos em presença possam ser cumpridos. Quanto ao crédito activo, isso implica: - que seja válido e eficaz; que não seja produto de obrigação natural; que não esteja pendente de prazo ou de condição; que não seja detido por nenhuma excepção; que possa ser judicialmente actuado; que se possa extinguir por vontade do próprio […]».
Acrescenta-se no mesmo acórdão, citando-se diversos arestos do mesmo Supremo Tribunal, que apesar de persistirem divergências na jurisprudência sobre esta questão, o STJ vem-se pronunciando maioritariamente no sentido aqui preconizado, ou seja, no sentido de que a exigibilidade judicial do crédito activo consagrada na norma em análise não significa a necessidade de prévio reconhecimento judicial desse crédito, mas apenas que o mesmo esteja em condições de ser judicialmente reconhecido, nos termos do artigo 817.º do CC.
E não cremos que a posição expressa por Pires de Lima e Antunes Varela sustente a tese contrária, defendida na decisão recorrida. Ao afirmarem que «não é obviamente exigível enquanto não estiver reconhecida a sua existência», estes autores estão a referir-se apenas ao crédito de indemnização com base em facto ilícito extracontratual.
Também o segundo destes autores, no manual citado na decisão recorrida (mas na 6.ª edição, por nós consultada, p. 202), quando afirma que, «[p]ara que o devedor possa livrar-se da obrigação por compensação é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra-crédito) que se arroga quanto a este» não está a cingir-se à possibilidade de executar essa dívida com base num título executivo de que já disponha, mas também à possibilidade de obter esse título numa acção declarativa. Na verdade, o próprio esclarece o seguinte: «Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817.º) – requisito que não se verifica nas obrigações naturais (art. 402.º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda não se tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra. (…) Tão pouco procederá para o efeito um crédito contra o qual o notificado possa e queira fundadamente invocar qualquer facto que, com base no direito substantivo, conduza à improcedência definitiva da pretensão do compensante (prescrição, nulidade ou anulabilidade, por ex.) ou impeça o tribunal de julgar desde logo a pretensão como procedente (v. gr., excepção de não cumprimento do contrato; benefício da excussão, se o notificado for um simples fiador; etc.)».
Assim, como se conclui no ac. do TRL, de 15.11.2012 (proc. n.º 3342/11.6YYLSB-D.L1-6, rel. Vítor Amaral, igualmente citado na decisão recorrida para sustentar a tese aí preconizada mas que, na verdade, a rejeita), «a obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento imediato, através de acção executiva, se já estiver munido de título executivo, ou, no caso contrário, através de acção declarativa para obtenção de sentença que condene o devedor no imediato cumprimento. A característica da exigibilidade judicial da obrigação, se não pode ser vista em termos de tal modo amplos que corresponda, ou seja equiparável, à simples possibilidade de tal obrigação ser alegada ou pedida em processo judicial – também os créditos inexigíveis podem ser peticionados em tribunal, como resulta do disposto no art.º 662.º do CPCiv. [correspondente ao actual artigo 610.º] –, também não poderá ser restringida às situações em que o credor dispõe de título executivo e está, por isso, em condições de instauração imediata de acção executiva. (…) Assim, será, em geral, no processo onde é deduzida a compensação (por via de excepção ou de reconvenção) que devem ser verificados os respectivos requisitos, designadamente o da exigibilidade (judicial) do invocado contra-crédito, de molde a poder concluir-se quanto à admissibilidade de invocação e existência desse contra-crédito para eficaz compensação».
Mas, na linha do pensamento de Antunes Varela, e abordando apenas a questão da admissibilidade da invocação da compensação, por via de excepção, em sede de embargos de executado (onde, obviamente, não é admissível a dedução de reconvenção), afirma-se neste acórdão que não será assim «quer nos casos em que o contra-crédito já foi invocado – e está a ser discutido – noutra acção judicial ainda pendente, quer naqueles em que é a própria existência desse contra-crédito que se mostra dependente de decisão judicial ainda inexistente, do que são exemplos paradigmáticos, nesta segunda vertente, os casos de créditos indemnizatórios por facto ilícito (em sede de responsabilidade civil contratual ou extracontratual), cuja existência, salvo o caso de aceitação da responsabilidade e entendimento quanto ao valor indemnizatório, sempre está dependente de decisão judicial, mediante sentença que reconheça/verifique a existência dos pressupostos da responsabilidade civil e fixe o montante indemnizatório adequado ao dano sofrido/apurado».
No mesmo sentido, escreve-se no ac. do STJ, de 01.07.2014, já antes citado, que não é judicialmente exigível o crédito que «depende de uma condenação, a proferir em processo penal, de pessoas singulares e decorrente atribuição de uma indemnização à ré, a pagar solidariamente pelos seus autores materiais, pela autora e outra pessoa colectiva, pelo deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor, nem habilitando, quem o invoca, a obter a respectiva compensação».
Cremos ser esta a razão pela qual este acórdão descreve o requisito em análise como exigibilidade forte do crédito do autor da compensação.
No caso concreto, ainda que tenham surgido – e ainda possam subsistir – dúvidas sobre o meio judicial adequado para a embargante exigir o seu crédito, não restam dúvidas de que o mesmo é judicialmente exigível.
Não estamos perante a circunstância excepcional em que a própria existência do contra crédito se mostra dependente de prévia decisão judicial que declare essa existência e o seu montante. Com efeito, não está em causa a indemnização de danos decorrentes da violação de uma estipulação contratual ou de um direto absoluto da embargante. O contra crédito invocado pela embargante refere-se às prestações cujo montante e vencimento está estipulado no contrato mútuo com hipoteca que a embargante e o embargado celebraram com o banco credor, por cujo pagamento eram ambos responsáveis e que a primeira afirma ter suportado sozinha (a este respeito vide o ac. do STJ, de 10.12.2019, proc. n.º 67/05.5TMMTS-O.P1.S1, rel. Maria Olinda Garcia). Dito de outro modo, não está em causa um dever de indemnizar, que apenas poderia ser reconhecido por via de acção ou de reconvenção, mas uma obrigação de prestar, cuja existência a decisão recorrida se limitará a reconhecer (ou não) e apenas para o efeito de fazer operar a compensação.
Em suma, atentas as razões expostas, o que o artigo 847.º, n.º 1, al. a), do CC erige como pressuposto da compensação de créditos não é que este já esteja definido judicialmente, mas que exista na esfera jurídica do compensante e seja exigível em acção de cumprimento, pelo que não pode subsistir a conclusão da decisão recorrida de que o crédito (activo) da embargante não é judicialmente exigível.
3. Afirma-se, por fim, na decisão recorrida que «estando-se perante uma execução de sentença, a compensação invocável teria também que ser posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e provar-se por documento, em conformidade com o disposto na al. g) do mesmo dispositivo legal, pois que a compensação mais não é do que um facto extintivo ou modificativo do direito do exequente, inexistindo qualquer fundamento para que a invocação da mesma não comungue das mesmas exigências. Para maiores desenvolvimentos pode ver-se Ac. do STJ de 1 de julho de 2014, relatado pelo Sr. Conselheiro Paulo Sá e da RL de 10 de setembro de 2020 relatado pelo Sr. Desembargador Arlindo Crua, ambos in www.dgsi.pt.
Termos em que se conclui pela improcedência da invocada exceção».
Refira-se, antes de mais, que apenas o segundo destes acórdãos trata desta problemática, a latere da questão principal. O primeiro acórdão aborda apenas o requisito enunciado no artigo 847.º, n.º 1, al. a), do CC, assumindo posição convergente com a aqui preconizada.
Em todo o caso, é entendimento generalizado na doutrina e da jurisprudência que, por regra, a compensação só será fundamento de oposição à execução, nos termos previstos no artigo 729.º, al. h), do CPC, se for objectivamente superveniente.
Para alguns (entre os quais Rui Pinto, cit., pp. 390 e ss., e Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. II, Almedina, 2014, pp. 248-250) é assim por aplicação dos requisitos consagrados na al. g), do mesmo artigo 729.º, visto que a compensação é um facto extintivo da obrigação, não havendo razões para a distinguir das demais. Parece ser este o entendimento adoptado na decisão recorrida. Em coerência com esta argumentação, a superveniência seria igualmente aferida pelo encerramento da discussão no processo de declaração (esclarecendo Rui Pinto que, nos casos em que os requisitos da compensação apenas se verificam depois do prazo da contestação, mas antes do encerramento da discussão, quando já não é possível deduzir pedido reconvencional, deve ser admitida a dedução, em articulado superveniente, da compensação – judicial ou extrajudicial – por via de excepção – cit., p. 396).
Não cremos que assim seja. Desde logo porque esta leitura esvazia de conteúdo útil o aditamento da alínea h) ao elenco dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença constante do artigo 729.º do CPC, operado pela revisão do CPC de 2013. Recorde-se que, antes desta revisão, entendia-se que a compensação já estava incluída neste elenco, enquanto facto extintivo das obrigações, desde que preenchidos os demais requisitos previstos na al. g) – precisamente a superveniência e a prova por documento. Ora, a autonomização deste fundamento de oposição à execução revela a intenção legislativa de o distinguir dos demais factos extintivos da obrigação, sob pena de se revelar espúria, não se afigurando que tenha apenas uma função clarificadora da norma da al. g) (como afirmam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro), ainda que cingida à compensação judicial (como defende Rui Pinto, cit., pp. 390 e ss., em especial p. 390).
Para outros (entre os quais Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, 3.ª ed., Almedina, 2022, pp. 463-465, e Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª ed., 2020, Almedina, pp. 88-89) a exigência da superveniência objectiva decorre da conjugação daquele artigo 729.º, al. h), com o regime do exercício da compensação, previsto no citado artigo 266.º, n.º 2, al. c). Em coerência com esta interpretação, a superveniência afere-se pelo prazo limite para a apresentação da contestação (pois a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente).
Cremos ser este o regime que decorre da lei vigente.
Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (cit., p. 88), «o sentido da al. h), que foi introduzido pelo CPC de 2013, é inseparável do regime que ficou consagrado no art. 266.º, n.º 2, al. c), onde foi estabelecida uma solução segundo a qual a invocação de um contracrédito em processo declarativo pendente, independentemente do seu valor, deve ser feita por via reconvencional. Perante esta solução, não é possível manter o entendimento, que já vigorou no passado, de que o crédito do executado poderia ser invocado em sede de embargos, a título de exceção perentória e como facto extintivo, ao abrigo da al. g) e sujeita aos respectivos requisitos».
No mesmo sentido, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre (cit., pp. 463-464) afirmam que «[a] nova qualificação que se pretendeu dar à compensação no art. 266-2-c levou à sua autonomização como fundamento de embargos de executado. É que, excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos, a caracterização adjectiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da acção executiva, o que seria contrário ao seu regime substantivo. Em nossa opinião (…), a compensação continua a constituir uma exceção perentória e o que a nova lei estabelece é, quando muito, um ónus de reconvir na acção declarativa». E os mesmos autores escrevem que «[a] consideração do fundamento da compensação em alínea separada da dos restantes factos extintivos da obrigação exequenda liberta o executado do ónus de provar através de documento, quer o facto constitutivo do contra crédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847 CC, quer a declaração de querer compensar (art. 848 CC), esta no caso de ter sido feita fora do processo (quando a compensação se faça no processo, a declaração fica provada na peça em que tenha lugar) e não se aplicar o art. 395 CC», acrescentando ainda que, «uma vez entendido que o titular do contracrédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua à data da contestação (a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente …)».
Nestes termos, como concluem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, estando o réu, no prazo de que dispõe para apresentar a sua contestação, em condições de invocar o seu contra crédito por via reconvencional, mas não o faz, fica impedido de o invocar em sede de embargos de executado, «o que significa que, neste contexto, a reconvenção tem carácter necessário, mas não propriamente preclusivo quanto ao direito de crédito, isto é, não fica impedida a invocação desse direito em ação declarativa que o tenha por objecto» (loc. cit.).
Diferentemente, continuam os mesmos autores, se o contra crédito apenas puder ser invocado depois do oferecimento da contestação, poderá servir de fundamento de oposição à execução da sentença, ao abrigo da al. h), do artigo 729.º, do CPC, «sem sujeição a quaisquer requisitos diferentes dos aplicáveis numa ação declarativa que vise o reconhecimento de um crédito e a fixação dos efeitos decorrentes, ainda que no caso dos embargos de executado tal efeito seja somente o compensatório» (loc. cit.).
Mas, como acrescentam os autores que vimos citando, «nos casos em que, por razões de ordem processual (v.g. na ação especial regulada nos artigos 1.º a 5.º do Anexo ao DL n.º 269/98, de 1-9, por se entender que não é admissível articulado de resposta à contestação), o réu tenha sido impedido de formular pedido reconvencional de reconhecimento do seu contracrédito sobre o autor, terá de ser admitido a deduzir embargos com esse intuito, visando obter a compensação» (cit., p. 89).
Em qualquer dos casos, estaremos perante uma compensação excepção, admissível à luz do artigo 279.º, al. h), por não ter sido possível exercê-la na fase declarativa como compensação reconvenção.
Acrescente-se, por fim, que a questão da superveniência nem sequer se coloca se a própria sentença dada à execução declarar ou reconhecer o contra crédito do devedor executado. Neste sentido, vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, cit., p. 249 (embora assumindo uma leitura distinta da aqui preconizado quer do artigo 727.º, al. h), do CPC, quer do artigo 847.º, n.º 1, al. a), do CC), e o ac. do STJ, de 10.12.2019, já antes citado.
No caso concreto, esta irrelevância da discussão da superveniência ocorre pelo menos quanto aos pagamentos efectuados pela embargante entre 21 de abril de 2022 e a data da adjudicação do imóvel à mesma, visto integrarem o passivo que foi reconhecido por ambos os interessados no processo de inventário e que estes foram condenados a pagar na sentença homologatória da partilha de 01.06.2022.
Como se escreve no já citado ac. do STJ de 10.12.2019, «[o] contra crédito invocado na oposição à execução emerge da mesma situação jurídica que origina o crédito invocado pela exequente na ação executiva. Não emerge de outra relação diferente, cuja aptidão jurisgénica para fundar o contra crédito tivesse de ser analisada e submetida a regras de contraditório na ação de natureza declarativa que antecedeu a ação executiva. (…) A sentença invocada pela exequente como título executivo é uma sentença homologatória de um acordo de partilhas entre ex-cônjuges, da qual constam tanto os créditos como os débitos de ambos em partes iguais, pelo que não se coloca aqui qualquer questão de anterioridade da invocação de um contra crédito, nem qualquer questão respeitante à necessidade de saber se o contra crédito é judicialmente exigível, pois ele encontra-se reconhecido por sentença. Questão diferente é a de saber como é que, em concreto, os dois membros do ex-casal procedem, entre si, ao acerto de contas. E para este efeito, nenhuma norma impede que, em sede de ação executiva, se contabilizem operações já realizadas antes de ser proferida a sentença de homologação da partilha».
Em todo o caso, não pode afirmar-se que a ora executada tenha incumprido o ónus de reconvir que impede o executado de invocar a compensação em sede de oposição à execução.
Na verdade, como vimos, a sentença que serve de base à execução não foi proferida numa acção de condenação, movida pelo ora exequente embargado contra a ora executada embargante, mas antes numa acção de inventário para separação de meações, em cuja tramitação não tem lugar a dedução de reconvenção, pelo que o crédito de um interessado sobre o outro nunca poderia ser objecto de uma compensação reconvenção.
E ainda que se entenda que aquele crédito podia ou devia ter sido reclamado no processo de inventário para a separação de meações, não cremos que essa possibilidade ou esse dever obstem à sua invocação, na oposição à execução baseada na sentença homologatória do mapa da partilha, para efeitos de compensação. Por um lado, já vimos que a lei apenas exige que o contra crédito seja judicialmente exigível, não exigindo que já esteja judicialmente reconhecido. Por outro lado, não cremos que se possa defender que a falta de reclamação desse crédito em processo de inventário tenha efeitos preclusivos. Isso mesmo está pressuposto no acórdão que a Relação proferiu no processo identificado no ponto 8 dos factos provados, onde se afirma que o crédito em causa apenas pode ser reclamado no processo de inventário, não podendo sê-lo em acção comum intentada por um dos ex-cônjuges contra o outro, mas admite-se que essa reclamação ocorra por via «da partilha adicional prevista no artigo 1129.º do CPC, também aplicável aos casos em que foi omitido um crédito ou dívida na relação de bens».
Em todo o caso, cremos que a situação em apreço é, em tudo, análoga à hipótese, enunciada por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em que o réu, por ter sido impedido de formular pedido reconvencional de reconhecimento do seu contra crédito sobre o autor, por razões de ordem processual, terá de ser admitido a deduzir embargos com esse intuito, visando obter a compensação.
No nosso caso, a ora embargante, ao abrigo de um entendimento defendido por alguma jurisprudência, como é aludido no acórdão antes mencionado (vide, a título de exemplo, o ac. do TRE, de 28.06.2023, proc. n.º 1049/21.5T8BNV.E1, rel. Albertina Pedroso, e demais jurisprudência aí citada), optou por intentar uma acção comum contra o seu ex-marido, para cobrança da dívida em causa, não reclamando a inclusão desse crédito na relação de bens apresentada pelo seu ex-marido no processo de inventário para separação dos bens comuns do casal.
Neste processo de inventário, já em sede de conferência de interessados, a ora embargante suscitou a questão da posterior e oportuna compensação das tornas que teria de pagar ao seu ex-marido por força da adjudicação de bens aí acordada, com o crédito que havia reclamado na acção antes mencionada, tendo a Sra. Juíza titular do processo de inventário decidido que este crédito da ora embargante não podia ser tido em conta no inventário, sendo alvo de decisão própria e com produção de efeitos independentes em relação ao objeto desse inventário.
Porém, na referida acção comum, o tribunal acabou por considerar que aquela não era o meio processual adequado para apreciar o crédito aí reclamado, mas antes o inventário para separação de meações, pelo que se absteve de conhecer do mérito da causa.
Em suma, foram exclusivamente razões de ordem processual que impediram a ora embargante de ver o seu (contra) crédito apreciado na acção comum que intentou para esse efeito e, por força da propositura dessa acção, no processo de inventário onde foi proferida a sentença dada à execução.
Por conseguinte, na senda do entendimento perfilhado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, consideramos que terão de ser admitidos os embargos deduzidos por aquela com o mesmo intuito, visando obter a compensação.
Pelo exposto, não pode subsistir a decisão que indeferiu liminarmente os embargos de executada, importando revogar aquela decisão e determinar o prosseguimento destes embargos.
Na procedência da apelação, as respectivas custas deverão ser suportadas pelo recorrido (artigo 527.º do CPC).
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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IV. Decisão
Pelo exposto, na procedência da apelação, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto revogam a decisão recorrida e determinam o prosseguimento dos embargos de executado deduzidos pela recorrente.
Custas pelo recorrido.
Registe e notifique.
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Porto, 22 de Outubro de 2024
Artur Dionísio Oliveira
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues