SENTENÇA
INSOLVÊNCIA
PEDIDO
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ELISÃO DA PRESUNÇÃO
LIQUIDEZ
Sumário

I. Apenas a absoluta falta de fundamentação é susceptível de afectar a sentença de nulidade – artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
II. A sentença pela qual é declarada a insolvência não tem de se pronunciar sobre o pedido de exoneração do passivo restante que tenha sido deduzido pelos devedores, o que deverá ocorrer em momento ulterior, pelo que nunca padecerá a mesma de vício de nulidade por omissão de pronúncia com tal fundamento – artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
III. Sendo a declaração de insolvência requerida por terceiro/credor, ao mesmo incumbe o ónus de alegação e prova dos factos subsumíveis a alguma das previsões do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE (factos-índice elencados nas respectivas alíneas).
IV. Aos devedores caberá já ilidir a presunção que decorre de tais previsões, incumbindo-lhes o ónus de alegação e prova da respectiva solvência.
V. Mostra-se verificada a situação prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 20.º quando:
- o credor requerente da insolvência é titular de um crédito que ascende ao montante global de 658.718,94€ (sendo 655.450,90€ a título de capital e 3.268,04€ de despesas, ao qual acrescem juros vencidos desde 24/10/2018), crédito esse resultante da falta de pagamento das prestações devidas pelos requeridos em consequência de um contrato de mútuo com hipoteca celebrado com a CGD, SA (cujo incumprimento ocorreu em 28/02/2013 e que veio a ser resolvido),  
- não obstante a existência de execução previamente instaurada, no âmbito da qual foi penhorado um imóvel propriedade dos devedores (único bem conhecido), a mesma foi integralmente sustada por subsistirem outras penhoras anteriores, vindo depois a ser extinta,
- o requerido marido tem ainda outras dívidas no montante global de, pelo menos, 284.629,61€ (sendo 164.152,30€ à autoridade tributária e 120.477,31€ à segurança social), e
- a requerida mulher aufere apenas um salário mensal de 270,56€ e o requerido marido não tem qualquer rendimento certo,
Estando, dessa forma, evidenciada a impossibilidade de os mesmos satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações.
VI. Tratando-se de devedores/pessoas singulares, o facto de existir um património avaliado em montante superior àquele que corresponde ao passivo, não permite concluir, por si só, no sentido de aqueles se encontrarem em situação de solvência, porquanto tal juízo impõe que se possa afirmar que também possuem liquidez bastante para assegurar o cumprimento pontual das suas obrigações.
VII. Por assim ser, o facto de os requeridos serem proprietários de um imóvel que, em momento anterior ao da instauração da acção de insolvência, foi avaliado por 1.202.200€, o qual referem pretender vender para saldar as suas dívidas (sem que esteja sequer demonstrado quando, como e por que valor a putativa venda seria realizada), desacompanhado de outras circunstâncias (como seria o facto de os devedores auferirem de forma estável rendimentos capazes de viabilizar o cumprimento regular e pontual das suas obrigações ou mesmo de beneficiarem de crédito bancário que possibilitasse pagar as dívidas existentes), não constitui obstáculo à declaração da mesma, seja por daí não resultar que exista liquidez que possibilite o pagamento, seja porque sempre a situação de insolvência terá de ser aferida com relação ao momento em que é encerrada a discussão (não podendo a decisão ficar condicionada por qualquer evento futuro).

Texto Integral

Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Em 15/09/2023 veio H …, SA requerer a declaração de insolvência de P … e mulher F …, invocando o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 do CIRE e defendendo estarem os mesmos numa situação de insolvência actual e efectiva.
Para tanto alegou, em síntese, ter-lhe sido cedido o crédito que a CGD, SA detinha sobre os requeridos e que tem origem no contrato de mútuo com hipoteca, da quantia de 650.000€, para aquisição de habitação própria permanente, sendo que não foram pagas as prestações que se venceram a partir de 28/02/2013, inclusive. Apesar de instados para pagarem, os devedores não o fizeram, pelo que o Banco mutuante considerou o contrato resolvido e o crédito vencido. O imóvel que serve de garantia ao pagamento foi já penhorado em vários processos (os quais identifica) e não são conhecidos outros bens aos requeridos. Refere estar em dívida um montante global de 910.220,34€ (655.450,90€ de capital, 251.501,40€ de juros e 3.268,04€ de despesas), ao qual acrescem juros de mora até efectivo e integral pagamento. Juntou prova documental.
Por despacho de 18/10/2023 foi ordenada a citação dos requeridos.
Em 03/11/2023, pelos devedores foi apresentada oposição à insolvência, a qual concluíram nos seguintes termos: “(…) devem desde logo os presentes autos ser encerrados, sendo ordenado à Requerente que instaure a correta ação junto do Tribunal competente para primeiramente aferir ou não da sua eventual qualidade de credor dos Requeridos, qualidade e legitimidade que efetivamente não tem e, caso assim não se entenda, sempre deverá a presente ação ser julgada totalmente improcedente por não provada, mais sendo a Requerente condenada em indemnizar os Requeridos por todos os prejuízos que os presentes autos à mesma causem, nos termos e para os efeitos do artigo 22.º do CIRE.”
Simultaneamente, para a eventualidade de a oposição não proceder, requereram a exoneração do passivo restante.
Em síntese, e após terem suscitado como questão prévia, a irregularidade do mandato da requerente, alegaram ser a mesma parte ilegítima (porquanto desconhecem a invocada cessão de créditos, não estando demonstrada a existência/cessão do crédito agora invocado, o qual será apenas titulado pela CGD, SA); que a execução que havia sido instaurada contra os mesmos foi extinta em 14/10/2022 (por sustação integral – artigo 794.º, n.º 4 do CPC), na mesma não tendo a requerente realizado qualquer habilitação; que o crédito então reclamado pela CGD, SA ascendia ao montante global de apenas 798.138,24€, acrescido de juros vincendos; que, a existir algum crédito titulado pela requerente, o montante reclamado a título de juros não foi correctamente calculado já que os mesmos estão sujeitos ao regime da prescrição estabelecido na al. b) do artigo 310.º do CCivil (pelo que os aqui reclamados já se extinguiram e os que foram peticionados na anterior execução caducaram).
Mais refutam estarem em situação de insolvência. // Admitindo terem entrado em incumprimento quanto ao pagamento das prestações decorrentes do contrato de mútuo desde 2013, referem terem “posteriormente” retomado os pagamentos e estarem “até ao presente (…) em negociações para o pagamento do valor em dívida, designadamente com a venda do imóvel que foi objeto de hipoteca” (o último acordo negociado data de 28/10/2022), imóvel esse que foi avaliado em 1.202.200€, mas que tem um valor de mercado de 2.480.000€. // E, apesar de admitirem igualmente a existência de outras dívidas, referem estarem a negocia-las e/ou pagá-las de forma faseada, pagamento esse que esperam liquidar com a venda do imóvel (e que permitirá criar excedente). // O casal é sócio e gerente de uma sociedade e o requerido marido constituiu ainda uma segunda empresa (para a qual a mulher também trabalha), para além de prestar serviços a outras duas sociedades.
Indicaram quais os credores existentes - cujos créditos referiram ascender ao montante global de 1.026.046,61€ - e juntaram documentação.
Por despacho de 06/11/2023 foi ordenada a notificação da requerente para se pronunciar quanto às excepções suscitadas na oposição – “- Irregularidade do mandato (falta de junção de certidão permanente com indicação das pessoas que obrigam a sociedade); // - Ilegitimidade ativa (falta de identificação expressa dos créditos alegadamente reportados aos requeridos).” -, o que a mesma fez através de requerimento apresentado em 07/11/2023 (ao qual anexou documentação).
Por despacho 20/12/2023, o tribunal a quo, para além do mais, julgou improcedente a invocada irregularidade do mandato, relegou o conhecimento da excepção de ilegitimidade passiva, pronunciou-se sobre os meios probatórios e designou data para julgamento.
Em 01/01/2024, os requeridos vieram juntar um relatório de avaliação do imóvel do qual são proprietários.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal (cfr. acta de 04/01/2024), no âmbito da qual, foi admitida junção do relatório de avaliação apresentado, julgada improcedente a excepção de ilegitimidade activa e relegada para momento ulterior o conhecimento da excepção de prescrição.
Foi igualmente fixado o objecto do litígio e elencados os temas da prova[1] (nenhuma reclamação tendo sido apresentada) e teve lugar a produção de prova, seguida das competentes alegações orais.
Em 08/02/2024, o tribunal a quo proferiu sentença pela qual, após ter conhecido da invocada excepção da prescrição de juros – “(…) ter ocorrido a prescrição do juros calculados e anteriores à data de 24.10.2018, nos termos previstos nos arts. 301º, 303º, 306º, 310º, al. e), 323º, n.º1, e 327º, n.º1, do CC.” -, declarou a insolvência dos requeridos, com fundamento em estar “reconhecida a situação de total impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas” por parte dos mesmos (artigo 20.º, al. b), do CIRE).
Inconformados com tal sentença, da mesma vieram os devedores/insolventes interpor RECURSO, tendo para tanto formulado as seguintes CONCLUSÕES:
“1. O presente recurso é interposto da douta sentença de fls.--, que decidiu reconhecer a situação de total impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas pelos Recorrentes, e, em consequência, declarar a sua insolvência.
2. Entendem os Recorrentes que o Mmo. Juiz a quo não decidiu bem; entendendo antes que a sentença recorrida claudicou na apreciação dos factos que considerou como provados, recaindo numa situação de erro de julgamento, não promoveu uma análise e apreciação critica de toda a prova produzida nos autos, transversalmente, onde se inclui prova documental, testemunhal e as declarações de parte do recorrente marido, bem como, claudicou na apreciação da prova carreada para os autos e no Direito aplicável.
3. Entendem os Recorrentes que a decisão em crise viola diversas normas legais e os coloca perante uma situação de tal injustiça que carece de ser revogada e substituída por outra.
4. São essencialmente relevantes os pontos 12 a 20.º dos factos provados da sentença. Porém os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo não atendeu à prova documental no seu todo e ás declarações de parte, em especial quanto à situação profissional e económica dos Recorrentes, que levaria a concluir que têm forma de subsistir e de pagar o devido, o que importaria o juízo de solvabilidade destes, acrescendo que o património dos Recorrentes é superior ao valor de dividas que detêm e que, encontrando-se a encetar diligências ativas de venda desse património terão liquidez para o pagamento da totalidade das dividas, ficando ainda na posse de capital após esses pagamentos, o que gera, mais uma vez, a solvabilidade dos Recorrentes, ao contrário do decidido.
5. O Tribunal a quo olvidou a situação profissional dos Recorrentes em especial as declarações de parte do Recorrente, quando referiu que era sócio e gerente da W …Lda e que a par disso, era seu trabalhador e que auferia da empresa um salário, o qual atualmente ronda o valor do contrato mensal de auditoria e desenvolvimento do Projeto Goobuild no valor de € 4.000,00, o que aliás, se prova pelo Doc. 18 da contestação, mais tendo esclarecido que, apesar do Doc. 18 se encontrar em nome da empresa W …Lda, o Recorrente enquanto sócio utiliza esses valores para si, como salário mensal, o que é tratado devidamente pela contabilidade da empresa, a titulo de empréstimos da empresa ao sócio, até ver resolvida a situação do imóvel e o pagamento das dividas existentes. Esta situação importa o juízo de solvabilidade dos Recorrentes (vide artigos 58.º a 60.º da contestação e terem provado com os Docs. 17, 18 e 19 da contestação).
6. Reconhecer a situação económica positiva mensal do agregado familiar, e a situação profissional de ambos os Recorrentes, importa provar que para a economia comum do casal detêm um valor mensal de € 4.270,56, sem prejuízo dos valores que o Requerente marido possa auferir da prestação de serviços das empresas L … Lda e da S …Lda.
7. Não obstante a existência das dividas dos autos, os Recorrentes levam a sua vida normal, não se encontrando com a suspensão generalizada das obrigações vencidas – cfr. artigo 20.º do CIRE -, no âmbito do agregado familiar, seja a nível profissional ou pessoal, como também com a sustentação do imóvel e seus contratos. Os Docs. 17, 18 e 19 da contestação, provam-no.
8. Por esta razão e total omissão, entendem os Recorrentes que a sentença é nula, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por omissão de pronuncia, cfr. o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
9. Factualmente, encontra-se provado que os Recorrentes têm capacidade de cumprir as suas obrigações generalizadas, atendendo à sua situação pessoal e profissional, não obstante, com a exceção dos valores em divida e referidos nos autos à AT, SS e Recorrida; situação que brevemente será resolvida, com a venda do bem imóvel de pertença dos Recorrentes, que constitui o seu património e que tem um valor extremamente superior ao valo conjunto das dividas em causa nos autos.
10. No plano de matéria de Direito, os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo errou ao aplicar/interpretar incorretamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, não realizando uma fundamentação devidamente aplicável in casu, omitindo a devida interpretação de tal norma ao caso dos autos com a factualidade apurada, pelo que, em consequência desta situação, entendem os Recorrentes existir violação do disposto no n.º 3 e 4 do artigo 607.º do CPC, ou seja, existe uma devida falta de fundamentação.
11. Os Recorrentes, face à prova produzida, lograram demonstrar, como lhes competia, a sua solvência - cfr. artigo 30.º n.º 4 do CIRE.
12. Entende a sentença recorrida que se encontra preenchido o facto índice constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE no que respeita à insolvência dos Recorrentes, o que estes discordam, pois inclusivamente nos factos como provados se prova o circunstancialismo inerente à situação da divida da Recorrida, que não é por sua culpa – vide Ponto 10. dos factos provados. Também a testemunha K …, reiterou este circunstancialismo e que a venda do imóvel só não se deveu a culpa da Recorrida.
13. . O Recorrente nas declarações de parte, também referiu que até à véspera da audiência de julgamento o gestor interno do processo da Recorrida o tinha contatado para saber como estava a venda do imóvel, e que ainda se encontrava a Requerida à disposição de negociar e resolver a divida em aberto, o que o Tribunal a quo é completamente omisso.
14. De há largos meses, até ao presente é manifesta a prova de que o património dos Recorrentes se encontra prestes a ser vendido, com o acompanhamento e conivência da Recorrida, e como tal, os Recorrentes estão prestes a ter liquidez para pagar os valores em divida.
15. As circunstâncias do incumprimento nomeadamente o facto de em relação ao crédito da Recorrida se encontrar em incumprimento desde 2013, não obstante os múltiplos pagamentos feitos neste hiato temporal, não pode nem deve ser valorado como revelador de impossibilidade de satisfação da generalidade das outras obrigações, pois aquele crédito enquadra-se no âmbito de uma relação mais vasta entre Recorrentes e Recorrida. Os Recorrentes sempre procuraram dar andamento ao processo negocial e foi a Recorrida quem sistematicamente deixou protelar a
sua posição quanto a esse processo negocial, colocando entraves à venda, como se afere do testemunho de K….
16. A existência de um ativo superior ao passivo, enquanto elemento determinativo da exclusão da insolvência, releva totalmente para a viabilidade económica dos Recorrentes, pois dele advém a capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento das obrigações no momento do seu vencimento, não só do crédito da Recorrida, como dos demais em divida, AT e SS, gerando ainda um excedente de caixa para os Recorrentes.
17. Os recorrentes têm capacidade económico-financeira, atendendo a que esta gera receitas que lhes permite ter liquidez suficiente para pagar dividas e fazer a sua vida diária, com os múltiplos contratos não só da habitação, como da vida comum.
18. Os Recorrentes demonstraram e provaram a sua solvência, uma vez que não só têm duas empresas, resultando de uma delas uma faturação mensal acima dos € 4.000,00, a Recorrente mulher está empregada e acima de tudo, resultou provado que são proprietários do imóvel hipotecado, avaliado pela empresa X …, Lda., no valor de € 1.170.626,00 – vide pontos 18, 19 e 20 da matéria assente – valor que dará para liquidar não só a divida da Recorrida, como para pagar as demais existentes pelo recorrente marido à AT e SS, e ainda resultará um valor liquido para embolsarem. Os bens referidos fazem parte do seu património /activo dos Recorrentes, tendo os mesmos demonstrado que se encontram solventes.
19. Veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.05.2021 no âmbito do processo 716/11.6TBVIS.C1, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Artur Dias e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.12.2014 no âmbito do processo 877/13.0YXLSB.L1-6, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador António Martins.
20. Resulta da factualidade provada, que os Recorrentes têm dívidas à Recorrida de € 655,450.90 a titulo de capital, acrescido de despesas de € 3,268.04, acrescendo as dividas do Requerido à AT de € 164.152.30 e à SS de € 120.477,31, tudo num valor global de € 943.366,55, e que o imóvel se encontra avaliado pelo Millenium BCP para um comprador interessado na sua compra, em 23-09-2022, por € 1.202.200,00 (ponto 11 factos provados) e pela X …, Lda., que atribuiu ao mesmo um valor situado nos € 1.170.626,00 (ponto 19 factos provados), resultando um activo apo pagamento de dividas e pelo valor menor referido das avaliações de € 227.259,45.
21. Muito embora o passivo seja avultado, tendo um bem imóvel que cobre o valor desse passivo, é de concluir que a insolvência não pode operar, pois o imóvel ao ser vendido, permitirá com o produto da respetiva venda serem pagos os credores dos Recorrentes.
22. Entendem os Recorrentes que se prova a sua liquidez, para fazer face ao pagamento das suas dívidas, encontrando-se ainda a cumprir as suas obrigações diárias e a levar com regularidade a sua vida, o que não ocorrerá caso a sua insolvência seja decretada, o que irá prejudicar toda a vida dos Recorrentes.
23. Pese embora o crédito da Recorrida poder considerar-se de elevado valor e não obstante os Recorrentes serem devedores a outros credores, (cfr. nº13 dos factos provados), não menos verdade é que o património dos requeridos (considerando os nºs 11, 19 e 20 dos factos provados) é superior a todos aqueles débitos, pelo que dúvidas não existem de que os Recorrentes deram cumprimento ao referido ónus de demonstrar a sua solvência.
24. Demonstrada a solvência dos Recorrentes, mesmo que a Recorrida tivesse feito prova dos “factos índice” previstos nas al. b) do nº 1 do art.º 20º, ou o Tribunal a quo o tivesse sustentado, mesmo assim daí não decorreria necessariamente a procedência da pretensão à insolvência dos Recorrentes, pois tais factos são apenas “indício” ou presunção de insolvência e não de efectiva impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas, presunção esta que foi ilidida face à prova de solvência efectuada.
25. Os Recorrentes têm um património que a ser liquidado (voluntária ou judicialmente), que é suscetível de satisfazer o pagamento das suas obrigações vencidas perante a recorrida e a AT e SS.
26. A Recorrida não precisa do processo de insolvência para obter a satisfação do seu crédito, bastando-lhe intentar a competente ação executiva – aliás que por única e exclusiva culpa da Recorrida não procedeu, atente-se ao ponto 21 dos factos provados - pois os Recorrentes têm património de valor superior àquele crédito, permitindo assim a satisfação destes.
27. O fim do processo de insolvência é, perante um devedor que se encontre insolvente, “a satisfação pela forma mais eficiente possível dos direitos dos credores”, como se assinala no preâmbulo do DL 53/2004 de 18.03. O que encontra acolhimento expresso no art.º 1º do CIRE, ao definir a finalidade do processo de insolvência.
28. Enquanto a acção executiva, visando a satisfação do direito do credor, se caracteriza pela penhora apenas dos bens necessários à satisfação do crédito do exequente (cfr. art.º 735º nº 3 do CPC2013) já o processo de insolvência, visando a satisfação dos direitos dos credores do devedor, que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, caracteriza-se pela apreensão de todo o património desse devedor, para responder como garantia comum de todos os seus débitos (cfr. art.º 36º al. g)). Por isso é que alguma doutrina, como é o caso de Jorge Barata, designa o processo de insolvência como “execução universal” em contraponto com a “execução singular” para classificar a acção executiva.
29. O regime consagrado pelo CIRE é a última instância, sendo que a ação executiva cumpre a função e não é tão violenta como a insolvência para a situação pessoal dos Recorrentes.
30. A Requerente da insolvência tinha em curso uma ação executiva, através da qual visava a satisfação do seu direito de crédito, sendo o bem hipotecado mais que suficiente para fazer face a divida (satisfação do crédito do exequente (cfr. art.º 735º nº 3 do CPC2013), bem como dos demais credores que viessem a reclamar créditos na mesma, sendo este o meio idôneo para ver o seu crédito pago, e não a ação de insolvência. O pressuposto processual da Autora e receber o seu crédito… que, como credora hipotecária, estava e está sempre assegurado, conforme resulta
dos factos constantes destes autos - o seu interesse em agir é pois objetivo – não é o de ser declarada a insolvência.
31. A tutela jurisdicional não pode deixar de ser aferida com base no pressuposto dos interesses de ambas as partes, na utilidade da dessa tutela e no objetivo que se pretende atingir, no caso o pagamento do crédito da Autora, que no caso sub Júdice se bastava com o recurso a ação executiva, na qual todos os créditos poderiam ser satisfeitos, sem que os Rés vissem a sua situação pessoal associada a situação de pessoas insolventes.
32. Tendo os Recorrentes demonstrado a sua solvência, deveria o tribunal a quo decidir pela improcedência da ação, o que porém não sucedeu, razão pela qual se apresente este recurso.
33. Os Recorrentes requeriam a exoneração do passivo restante e quanto a ela a sentença do Tribunal a quo é omissa, gerando uma nulidade da mesma, atenta a falta de pronuncia sobre facto requerido.
34. Entendem os Recorrentes que foram violados os seguintes normativos legais:
- a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por omissão de pronuncia, cfr. o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC;
- a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, e o artigo 30.º n.º 4 do CIRE. não realizando uma fundamentação devidamente aplicável in casu, omitindo a devida interpretação de tal norma ao caso dos autos com a factualidade apurada, pelo que, em consequência desta situação, entendem os Recorrentes existir violação do disposto no n.º 3 e 4 do artigo 607.º do CPC, ou seja, existe uma devida falta de fundamentação.
Termos em que deverá ser negado provimento ao presente recurso, com todas as consequências legais.
Só assim se decidindo, será feita JUSTIÇA”
Pela requerente foram apresentadas contra-alegações nas quais pugnou no sentido de ser negado provimento ao recurso e de ser confirmada a sentença recorrida.
Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:
A. Nos termos do artigo 3.º do CIRE, é considerada em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas,
B. Nos termos dos artigos 20.ºb) e 30.º4 do CIRE, cabe ao devedor provar a sua solvência, sendo de exigir ao requerente a demonstração de que, com toda a probabilidade, os factos alegados demonstram a incapacidade de cumprimento do devedor das suas obrigações.
C. No caso em apreço, comprovou-se a existência de dívidas num montante global de €1.194.849,95, que engloba valores devidos à Segurança Social, Autoridade Tributária e Ora Recorrida.
D. O contrato celebrado com a ora Recorrida foi resolvido em 2013, sendo que as penhoras registadas a favor da Autoridade Tributária e Segurança Social, datam de 2014, 2017, 2019 e 2020.
E. Quer isto dizer os Recorrentes demonstram uma impossibilidade de cumprimento das suas obrigações desde há mais 10 anos, sendo que tal comportamento tem sido sistemático e contínuo.
F. Não se trata aqui de incumprimentos ou impossibilidades pontuais, muito pelo contrário, existe aqui claramente uma situação de insolvência que se tem vindo a arrastar no tempo.
G. Os Recorrentes tiveram mais de dez anos para resolver a situação e não o fizeram, seguem a residir no imóvel hipotecado, com as dívidas a somarem a cada dia que passa.
H. Na verdade, encontram-se numa situação confortável pois apesar de existirem diversas penhoras a favor da Autoridade Tributária, verdade é que a mesma não pode promover a venda do imóvel por se tratar de casa de morada de família.
I. E tendo tais penhoras prioridade de registo, qualquer acção executiva que der entrada para cobrança coerciva de dívidas, vai acabar por se extinguir por sustação integral nos termos do artigo art. 794º, n.º4, do CPC.
J. Daqui se conclui que além de existir incapacidade total para liquidação das dívidas existentes, também se demonstra falta de interesse no pagamento, pois os credores se encontram impossibilitados de executar as suas dívidas.
K. Mas os próprios Recorrentes admitem a sua incapacidade de liquidez no seu dia a dia, quando no artigo 13.º das alegações afirmam que recebem empréstimos mensais da empresa W …Lda, que usam como se de remuneração mensal se tratasse.
L. Assim, o que dizem de seguida sobre receberem mensalmente um valor mensal de €4.270,00 mostra-se falacioso, pois uma grande parte desse valor é conseguido através de empréstimos e não de rendimentos líquidos
M. E não se diga que o facto de a venda do imóvel poder resolver todas as dívidas pendentes, demonstra a solvabilidade dos Recorrentes, pois verdade é que durante estes anos todos nunca foi vendido, nem se sabe quanto tempo demoraria a vender e por que valores.
N. A verdade é que, tal como é admitido pelos Recorrentes, existem dívidas com valores bastantes elevados e falta de liquidez para a resolver.
O. A este propósito refere o Tribunal a quo, numa posição que se subscreve por inteiro: “Em suma, para além da questão do ativo é igualmente a falta de liquidez, que não se afigura ser meramente transitória, que origina a situação de insolvência”
P. Defendeu-se a mesma ideia no acórdão do TRC, de 28.05.2013, proc. 1275/12.8 TBACB–B.C1: “Esta impossibilidade, conceito mais exigente do que o mero incumprimento, não exige uma pluralidade de incumprimentos, nem tão pouco uma pluralidade de credores, pressupondo e traduzindo “a ideia de incapacidade económico-financeira do devedor, reportando-se portanto à falta de meios económicos, em particular numerário, ou à falta de meios financeiros da empresa para dar satisfação às obrigações vencidas”.”
Q. Pode também ler-se no acórdão do TRC, de 28.05.2013, proc. 1275/12.8 TBACB: “Sendo a situação de insolvência, concetualmente, um fenómeno de índole económica, manifesta-se sob a forma de uma insuficiência de liquidez para solver as obrigações financeiras, que, no caso de devedor pessoa singular, é resultante seja da ausência de fundos bastantes, seja da indisponibilidade de crédito, seja finalmente da incapacidade, não meramente transitória, de aquele devedor granjear os necessários rendimentos.”
O recurso foi correctamente admitido.
Aquando da sua admissão, o Mmo. Juiz a quo pronunciou-se no sentido de não padecer a sentença das invocadas nulidades.[2]
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes, nem estar obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelos recorrentes, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Nulidade da sentença – por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia;
- Preenchimento dos legais pressupostos para a declaração da insolvência.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além dos factos e ocorrências processuais que resultam do relatório supra enunciado, na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
1. Por Contrato de Cessão de Créditos, assinado em 09 de fevereiro de 2022, a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. cedeu o crédito identificados como: PT003502920002163208, PT 0035039700077570085, que detinha sobre a requerida (e todas as garantias acessórias a ele inerentes, à H …, S.A., nos termos do acordo denominado de cessão de créditos, anexo à petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.[3]
2. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito cedido, designadamente da hipoteca constituída sobre o prédio em causa, tendo o ora Requerente e Cessionário já promovido pelo respectivo registo, através da AP. 2831 de 2022/04/05.
3. Por escritura pública lavrada em 30.09.2010, no Balcão Casa Pronta - 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, a CGD, no exercício da sua atividade, mutuou aos executados P … e F …, a quantia de € 650.000,00, para aquisição de habitação própria permanente.
4. Para garantia do pagamento do capital mutuado, respetivos juros e despesas para cobrança de crédito, foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano, sito no …concelho de Sintra, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número …, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….
5. Nos termos do contrato, em caso de mora, os respetivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor no Banco mutuante para operações ativas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, a título de cláusula penal.
6. Os ora Requeridos faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao Banco mutuante, não tendo pago as prestações que se venceram a partir de 28-02-2013, inclusive.
7. Apesar de instados para os respetivos pagamentos, jamais o efetuaram, pelo que o Banco mutuante, considerou o contrato resolvido e o crédito vencido.
8. O imóvel hipotecado, que serve de garantia de bom pagamento à ora Requerente, foi, entretanto, penhorado no âmbito dos seguintes processos:
• Fazenda Nacional, registada pela AP. 1790 de 2014/01/29, com quantia exequenda de 4.601,86 Euros;
• Fazenda Nacional, registada pela AP. 85 de 2017/07/26. Com quantia exequenda 39.123,65 Euros;
• Penhora registada pela AP. 3952 de 2017/12/13, com quantia exequenda 85.966,10 Euros;
• Processo de execução fiscal nº 1562201701105299, registada com a AP. 38 de 2019/01/22, com a quantia exequenda de 3.712,45 Euros;
• PROCESSO EXECUTIVO n.º 10700/19.6T8SNT- Tribunal Judicial de Loulé- 2.º Juízo, registada com a AP. 2822 de 2019/08/14, com a quantia exequenda 798.138,24 Euros;
• Processo de execução fiscal nº 1562201201156527, registada com a AP. 453 de 2020/08/05, com a quantia exequenda de 100.594,67 Euros;
9. Tendo os Requeridos deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato acima referido, mostram-se em dívida, as seguintes quantias: Capital em dívida € 655,450.90; despesas € 3,268.04.
10. No final do ano de 2022, os requeridos encetaram negociações com a requerente para o pagamento do valor em divida, designadamente com a venda do imóvel que foi objeto de hipoteca, que não lograram alcançar sucesso até agosto de 2023.
11. O imóvel foi avaliado pelo Millenium BCP para um comprador interessado na sua compra, em 23-09-2022, por € 1.202.200,00.
12. A Requerida mulher tem a sua situação perante a AT e a SS regularizada.
13. O Requerido tem divida perante a AT de € 164.152.30 e na SS de €120.477,31.
14. Os Requeridos são sócios e gerentes da sociedade comercial M …., NIPC …, com sede na Rua …. Sintra.
15. O Requerido marido, por sua vez, constituiu outra empresa denominada W …, Lda., NIPC …, com sede na Rua … Sintra.
16. Ambos os Requeridos trabalham, sendo a Requerida, para além de sócia da M … Lda, trabalhadora da W … Lda, auferindo o seu vencimento mensal, no montante de € 270,56.
17. O requerido é colaborador na vertente de prestação de serviços das empresas L … Lda e da S … Lda representante da marca internacional xxx em Portugal, atuando no ramo imobiliário.
18. O património dos Requeridos é constituído pelo imóvel hipotecado,
19. A solicitação do requerido, foi realizada uma avaliação ao imóvel hipotecado por intermédio de uma empresa denominada X …, Lda., que atribuiu ao mesmo um valor situado nos € 1.170.626,00.
20. O imóvel hipotecado tem um valor superior ao valor em divida.
21. A primitiva credora CGD, SA instaurou o processo executivo 10700/19.6T8SNT, com a quantia exequenda de € 798.138,24, incluindo o montante de € 761.115,53 (capital de € 637.536,67 e juros calculados entre 28.02.2013 e 19.06.2019 no valor de € 120.310,82, e comissões no montante de € 3.268,04) relativamente ao incumprimento do acordo mencionado em 3. supra, tendo tal processo sido declarado extinto em face de sustação ocorrida ao abrigo do art. 794º, n.º4, do CPC, por decisão do AE proferida em 14.10.2022.
22. O presente processo de insolvência foi instaurado mediante petição inicial apresentada em 26.09.2022, tendo os mesmos sido citados em 24.10.2023 e a contestação sido apresentada em 03.11.2023
E considerou não provado:
a) A requerente não é credora da requerida.[4]
b) São devidos juros de mora no valor global de € 251,501.40.
Em sede de motivação consignou-se:
A factualidade provada resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos, designadamente, os contratos de mútuos e hipotecas realizados, as cópias prediais certificadas, o contrato de cessão de créditos, as mensagens de email, as declarações da segurança social e AT, o recibo de vencimento, a cópia da certidão comercial, e as mensagens de email trocadas, a cópia do requerimento executivo. // Consideraram-se relevantes as avaliações feitas ao património imobiliário dos requeridos, designadamente pela sociedade X …, Lda., traduzida no relatório apresentado. // Os mencionados elementos documentais foram conjugados com os depoimentos das testemunhas: // - K …, gestor imobiliário, que afirmou ter proposto a aquisição do imóvel por € 1.280.000,00, mas que não foi concretizada devido a falta de resolução de questões bancárias entre os requeridos e a CGD; // - Vitor …, que abonou o requerido como pessoa trabalhadora. // Depuseram de forma lógica e coerente, merecendo credibilidade. // A factualidade não provada resultou da manifesta insuficiência de prova quanto à alega inexistência de qualquer crédito por parte da requerente, confrontada com o teor da cessão de créditos e demais documentação junta aos autos, designadamente as trocas de emails com a Y, que os requeridos admitiram mesmo em sede de julgamento funcionar como representante da ora requerente.”
*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da putativa nulidade da sentença
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Como decorre desta norma, as causas de nulidade aqui previstas reportam-se à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando as mesmas vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão)[5].
Alegam os recorrentes que “o Tribunal a quo errou ao aplicar/interpretar incorretamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, não realizando uma fundamentação devidamente aplicável in casu, omitindo a devida interpretação de tal norma ao caso dos autos com a factualidade apurada, pelo que, em consequência desta situação, entendem os Recorrentes existir violação do disposto no n.º 3 e 4 do artigo 607.º do CPC, (…) existe uma devida falta de fundamentação, pois perscrutada a sentença no que a esta matéria respeita, dela não constam “…os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.” (…) Mais tendo omitido os factos que foram considerados provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e, acima de tudo, atendendo à prova documental e testemunhal, assim como as declarações de parte, que já existiam nos autos, máxime a situação profissional do Recorrente marido, com os valores que ganha mensalmente a titulo de salário (podendo-se juridicamente classificar como empréstimo da sociedade W… Lda ao sócio), assim como, dos valores que venha a auferir da prestação de serviços das empresas L …Lda e da S … Lda, tudo o que a sentença recorrida não levou em consideração, nem tão pouco reconheceu, apesar dos Recorrentes o terem alegado nos artigos 58.º a 60.º da contestação e terem provado com os Docs. 17, 18 e 19 da contestação.(…) O que gera, em consequência, a nulidade da sentença nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (…)” - arts. 24.º a 27.º da motivação de recurso -, bem como que requereram “a exoneração do passivo restante e quanto a ela a sentença do Tribunal a quo é omissa, gerando uma nulidade da mesma, atenta a falta de pronuncia sobre facto requerido.” – art. 61.º da mesma motivação.
O Mmo. Juiz a quo pronunciou-se no sentido de inexistir qualquer nulidade.
Apreciemos.
Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Embora sem enquadrar em qualquer das previsões do n.º 1 do artigo 615.º, os recorrentes invocam padecer a sentença de falta de fundamentação, o que nos conduz para a al. b) desse número.
Trata-se de uma previsão que tem correspondência com o n.º 3 do artigo 607.º do CPC - deve o juiz “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” -, bem como com artigo 154.º, n.º 1 do mesmo código - “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.[6]
Contudo, como tem vindo a ser decidido de forma uniforme pela nossa jurisprudência, apenas a absoluta falta de fundamentação é susceptível de integrar nulidade. Já assim não ocorrerá se a sentença, embora de forma insuficiente ou mesmo incorrecta, se mostre fundamentada (o que apenas será valorado para efeitos de uma eventual revogação ou alteração do decidido).
Como resulta da sentença recorrida, o Mmo. Juiz a quo consignou expressamente quais os factos que considerou provados e quais os que entendeu não o terem sido, expondo depois, de forma clara e perceptível, a motivação que esteve subjacente a tal fundamentação de facto.
Vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova – artigo 607.º, n.º 5 do CPC – “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.-, o Mmo. Juiz a quo sustentou a decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que fez dos meios de prova trazidos ao processo, não resultando, pois, qualquer omissão de fundamentação nos moldes invocados.
Mais indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas nas quais sustentou o decidido.
Nessa medida, resulta da sentença recorrida estarem suficientemente indicados os fundamentos de facto (não apenas a factualidade considerada provada mas também o fundamento da convicção do julgador para que a mesma fosse firmada, desde logo com indicação dos meios probatórios que a sustentaram) e de direito em que assenta, pelo que a mesma não padece do vício que lhe é imputado (falta de fundamentação).
O que sucede é que os recorrentes discordam do entendimento defendido pela 1.ª instância (designadamente quanto à interpretação da norma aplicada e valoração e qualificação jurídica da factualidade elencada), o que, a proceder, apenas constituirá erro de julgamento.
Em síntese, independentemente do acerto do decidido, carece de fundamento a alegação de não estar a sentença fundamentada, pelo que improcede a invocada nulidade.
Da nulidade por omissão de pronúncia:
A al. d) do n.º 1 do artigo 615.º reporta-se às situações nas quais o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, casos nos quais ocorre uma omissão ou um excesso de pronúncia.
Trata-se de uma nulidade que se mostra interligada com a previsão do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como esclarece João Castro Mendes[7], o vício que os apelantes imputam à sentença, de omissão de pronúncia, corresponde a vício de limite, por não conter o que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na acção.
Como se sumariou no acórdão do STJ de 03/10/2017[8], "I –As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. (…)”.
Sustentam os recorrentes que, não obstante terem requerido o procedimento da exoneração do passivo restante, a sentença recorrida não se pronuncia sobre essa questão.
Efectivamente assim sucedeu
Porém, também é verdade que não tinha de se pronunciar.
Com efeito, como resulta expressamente do n.º 4 do artigo 236.º (preceito que tem como epígrafe pedido de exoneração do passivo restante), sobre tal requerimento sempre aos credores e ao AI terá de ser facultada a possibilidade de pronúncia (a qual deverá ser concedida no decurso da assembleia de apreciação de relatório ou, sendo tal diligência dispensada, no prazo de 10 dias subsequente ao decurso do prazo de 60 dias previsto na parte final do n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, após os 60 dias subsequentes à sentença que tenha declarado a insolvência). Só depois o juiz decidirá sobre a admissão ou rejeição liminar do mesmo.
Não se tratava, assim, de questão que tivesse que ser apreciada e decidida no âmbito da sentença recorrida.
Consequentemente, carece de fundamento a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
Em síntese, conclui-se não padecer a sentença recorrida das invocadas nulidades, sendo que não se inclui na previsão do artigo 615.º do CPC o chamado erro de julgamento, designadamente quando se discorda do enquadramento jurídico adoptado (erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta última) ou quando possa ter ocorrido injustiça na decisão[9].
Improcede, assim, nesta parte, a pretensão dos apelantes.
Em face da matéria de facto dada como assente pelo tribunal recorrido (a qual não foi alvo de impugnação) cumpre apreciar do mérito do recurso.
Do preenchimento dos pressupostos para a decretação da insolvência.
Defendem os recorrentes não se encontrarem em situação de insolvência, sustentando a defesa da sua solvabilidade em dois argumentos: a) auferir o casal rendimentos mensais de 4.270€ e b) serem proprietários de um imóvel cujo valor é superior ao montante dos créditos existentes, imóvel esse que pretendem vender para liquidar todas as dívidas.
Mais acrescentam levarem “a sua vida normal”, não se encontrando “com a suspensão generalizada das obrigações vencidas”.
Tendo subjacente a finalidade do processo de insolvência - “processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (artigo 1.º, n.º 1) – diz-nos o artigo 3.º, n.º 1 que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
Refira-se, porém, que, não obstante ser o património do devedor que terá de responder pelas suas dívidas – cfr. artigos 601.º e 827.º do CC e artigo 735.º do CPC -, para efeitos de aferição do estado de insolvência não assume critério determinante o valor de tal património. [10]
Como alerta Maria do Rosário Epifânio[11], “pode até acontecer que o passivo seja superior ao ativo mas não exista situação de insolvência, porque há facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias. E, por outro lado, pode acontecer que o ativo seja superior ao passivo vencido, mas o devedor se encontre em situação de insolvência por falta de liquidez do seu ativo (é dificilmente convertido em dinheiro).
O critério a observar será antes o da solvabilidade do devedor, ou seja, o da capacidade que o mesmo tem (ou não) para cumprir pontualmente com as suas obrigações (possuir ou não liquidez para atingir tal objectivo).
Considerando que, no caso, não estamos em face de uma apresentação à insolvência pelos devedores, mas antes de um pedido apresentado por terceiro (credor cessionário), cumpre recorrer ao estatuído no artigo 20.º, o qual elenca um conjunto de factos susceptíveis de sustentar a sua declaração (factos-índice cuja verificação faz presumir a situação de insolvência[12]).
No que aqui releva, pode ler-se em tal preceito: “1- A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos: a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas; b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; (…)”.
Já segundo o artigo 25.º, n.º 1, quando o pedido não provenha do próprio devedor, deverá o requerente da declaração de insolvência justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor. Recai pois sobre esse requerente o ónus de alegação e prova de algum desses factos-índice.
Por seu turno, uma vez apresentada oposição, poderão os devedores demonstrar nos autos a “inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado” ou a “inexistência da situação de insolvência” – n.º 3 do artigo 30.º - e, dessa forma, obstar ao decretamento da insolvência. Importa, no entanto, realçar que cabe ao devedor ilidir a presunção emergente do facto-índice (isto é, ilidir a presunção da situação de insolvência resultante dos factos-índice enunciados no n.º 1 do artigo 20.º) ou provar a sua solvência[13] – n.º 4 do artigo 30.º.
Reportando ao caso, o tribunal recorrido entendeu estar verificado o facto-índice a que se reporta a al. b) do n.º 1 do artigo 20.º, tendo sido com fundamento no mesmo que declarou a insolvência.
Nessa medida, desde já se dirá que a alegação dos recorrentes segundo a qual não se encontram “com a suspensão generalizada das obrigações vencidas” se mostra desajustada ao contexto da sentença recorrida, já que só seria relevante na eventualidade de a 1.ª instância ter considerado preenchido o facto-índice previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 20.º (o que não sucedeu).
Cumpre pois indagar da verificação do facto-índice a que alude a al. b) do mesmo número e, ainda, se os devedores lograram ilidir a mesma, designadamente demonstrando estarem, como defendem, em situação de solvência.
A impossibilidade de cumprimento a que alude esta alínea não tem de abranger todas as obrigações do devedor e que já mostrem vencidas (incumprimento generalizado das obrigações vencidas), sendo suficiente que tal suceda com relação às que, pelo seu significado no conjunto do passivo, ou face às circunstâncias do incumprimento, revelem incapacidade daquele para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos (bastando-se a previsão com o incumprimento com relação a apenas uma delas desde que o mesmo revele “impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”).[14]
Na sentença recorrida pode ler-se:
“(…) à requerente competia-lhe ter demonstrado a titularidade de determinado crédito mediante a celebração dos contratos de cessão de créditos e os relativos à compra e venda com mútuo e hipoteca, o que logrou fazer quanto ao montante de € 655,450.90 acrescido das despesas calculadas em € 3.268,04, bem como nos juros vencidos e computados às taxas contratadas, devidos desde 24.10.2018. // Contudo, apesar da evidente redução do montante global do crédito, a verdade é que o mesmo se mantém em patamar extremamente elevado, encontra-se plenamente provada a circunstância factual prevista no art. 20º, al. b), do CIRE, sendo certo que o tempo decorrido, a ausência de quaisquer pagamentos por parte dos requeridos, o montante em causa, a oneração pesada que impende sobre o seu património, e os valores que auferem a titulo de retribuição, levam a de crer que os mesmos não têm condições suficientes para satisfazer os créditos vencidos e exigíveis. // É verdade que os requeridos possuem o imóvel hipotecado e cujo valor poderá atingir o montante mencionado nas avaliações realizadas (com a subjetividade inerente, uma vez que o valor real consiste naquele que um comprador interessado estiver disposto a pagar num determinado momento). // No entanto, tal património para além de estar sujeito às constantes oscilações do mercado, não permite uma realização de capital a curto prazo que permita concluir no sentido da solvência dos requeridos. // Nem os requeridos demonstraram qualquer capacidade de aceder ao crédito de terceiros para honrar os compromissos assumidas, estando incapaz de produzir qualquer excedente económico. // Em suma, para além da questão do ativo é igualmente a falta de liquidez, que não se afigura ser meramente transitória, que origina a situação de insolvência (…)”.
Não vislumbramos fundamento para censurar o entendimento defendido pela 1.ª instância, o qual se nos afigura correcto, como passaremos a demonstrar.
Com relação ao crédito da requerente, constata-se que os devedores não negam o incumprimento que se arrasta há mais de 11 anos – as prestações devidas ao banco mutuante deixaram de ser pagas a partir de 28/02/2013, tendo a CGD, SA (primitiva credora) considerado o contrato resolvido e o crédito vencido - e, não obstante invocarem ter efectuado alguns pagamentos, não o demonstraram nos autos (nada se refere nesse sentido na fundamentação de facto, sendo que a mesma não foi impugnada).
Para além do incumprimento referente ao contrato de mútuo com hipoteca, o crédito daí decorrente (o qual é agora titulado pela requerente) foi objecto de execução (então instaurada pela CGD, SA), no âmbito da qual foi penhorado o imóvel propriedade dos devedores, execução essa que, no entanto, teve que ser sustada em virtude de existirem já penhoras anteriores – cfr. artigo 794.º, n.º 4 do CPC. Acresce que, como bem refere a requerente/recorrida trata-se da casa de morada de família dos recorrentes pelo que as anteriores penhoras registadas a favor da autoridade tributária obstam a que esta última promova a venda do imóvel no âmbito da execução fiscal (artigo 244.º, n.º 2, do CPPT)[15].
Acresce que, para além do crédito da requerente, como resulta da factualidade provada, existem ainda outras dívidas de montante elevado – sendo certo que a requerida mulher tem a sua situação regularizada para com a Autoridade Tributária e a Segurança Social, já o requerido marido reconhece-se devedor a tais entidades pelos montantes de 164.152,30€ e de 120.477,31€, respectivamente (a tais dívidas se reportando a fundamentação de facto).
Os recorrentes não lograram, pois, ilidir a presunção de situação de insolvência que resulta da al. b) do n.º 1 do artigo 20.º[16].
E igualmente não provaram a respectiva solvência, porquanto não demonstraram gozarem de liquidez para fazer face às suas obrigações vencidas.
Como resulta da factualidade provada a requerida mulher aufere um vencimento de apenas 270,56€ líquidos mensais[17] e o requerido marido, não obstante prestar serviços para duas sociedades (no âmbito da angariação de clientes no sector imobiliário), não demonstrou quais os rendimentos que, por essa via, consegue alcançar. Para além de, a esse título, não lhe ser paga qualquer remuneração fixa, o mesmo sequer alegou qual o valor médio que conseguiria receber – cfr. factos provados n.º 16 e 17 e docs. 19 e 20 juntos pelos recorrentes em 03/11/2023 (Ref.ª/Citius 24373832)[18].
Alega, ainda, este último que deverá contabilizar-se como rendimento do mesmo o montante de 4.000€ mensais, os quais lhe advêm da actividade desenvolvida pela empresa que constituiu, a W …, Lda.
Trata-se de uma pretensão totalmente infundada.
Em momento algum da oposição, o requerido alegou auferir um concreto vencimento (que tenha sido traduzido em algum montante) no âmbito dessa sociedade, tendo-se limitado a juntar uma factura emitida pela mesma. Ora, como resulta de tal factura - documento n.º 18 que os devedores juntaram aos autos em 03/11/2023 (Ref.ª/Citius 24373832) -, foi a referida sociedade (e não o requerido devedor a título pessoal) quem facturou a uma terceira sociedade a prestação de serviços - referente a “Auditoria/análise e desenvolvimento do Projeto GooBuild”, nos meses de Setembro e Outubro de 2023, pelo referido montante de 4.000€ (tendo sido pago à sociedade, em cada um desses meses, o indicado valor acrescido de IVA, isto é, 4.920€). 
Não se trata, pois, de qualquer rendimento do recorrente, sendo que o património pessoal deste nunca se poderá confundir com o património social da sociedade por si constituída (nunca o valor facturado pela sociedade no âmbito da actividade desenvolvida poderá ser considerado como rendimento/vencimento do requerido marido).
Por assim ser, não lhe assiste razão quando nas suas alegações de recurso refere que “o Tribunal a quo olvidou o que foi dito pelo Recorrente marido em declarações de parte, quando referiu que era sócio da W… Lda e que a par disso, era seu trabalhador e que auferia da empresa um salário, o qual atualmente ronda o valor do contrato mensal de auditoria e desenvolvimento do Projeto Goobuild no valor de € 4.000,00”, bem como “Mais tendo esclarecido que, apesar do Doc. 18 se encontrar em nome da empresa W …Lda, o Recorrente enquanto sócio utiliza esses valores para si, como salário mensal, o que é tratado devidamente pela contabilidade da empresa, a titulo de empréstimos da empresa ao sócio, até ver resolvida a situação do imóvel e o pagamento das dividas existentes.”.
Se assim sucede (não tendo aqui que ser tomada posição quanto à correcção de tal modo de actuação), mostra-se tal circunstância irrelevante para aferir da sua situação patrimonial, tanto mais que, como o próprio reconhece, trata-se de valores pagos à sociedade e que a mesma lhe “emprestará”.
Assim, apenas poderão ter-se como juridicamente relevantes o vencimento auferido pela requerida mulher e os putativos rendimentos obtidos pelo requerido marido no âmbito dos serviços que presta a outras sociedades, os quais, no entanto, se desconhecem quais sejam (e que até poderão não existir).
Vejamos agora a alegação dos recorrentes que se prende com o valor do imóvel do qual são proprietários.
Tendo presente o que já antes se defendeu no sentido de a solvabilidade dos devedores não poder ser aferida pelo valor do património que possuem, importa ainda referir outras circunstâncias que, para o caso, relevam.
 Sendo certo que consta da factualidade provada que o imóvel em causa, em Setembro de 2022, foi avaliado pelo valor de 1.202.200€ e que, a solicitação do requerido veio a ser avaliado, em 20/11/2023, por 1.170.626€ (embora esta segunda data não conste da fundamentação de facto, a mesma decorre do relatório de avaliação que foi junto pelos requeridos em 01/01/2024) – cfr. factos provados n.º 11 e 19 e Ref.ª/Citius n.º 24729383 -, mostra-se igualmente provado que o mesmo se encontra hipotecado para garantia do pagamento do crédito invocado na petição inicial. Acresce que tal imóvel foi também penhorado no âmbito de vários processos (melhor descriminados nos factos provados n.º 8 e 21), sendo que a dívida da requerente não é a única existente – cfr. facto n.º 13.
Veja-se, aliás, que no apenso C (reclamação de créditos), o AI reconheceu[19] não apenas o crédito reclamado pela requerente, bem como os créditos reclamados pela autoridade tributária (este pelo montante de 183.240,70€) e pela segurança social (pelo montante de 100.133,47€), mas ainda o crédito reclamado pela CGD (no montante de 108.575,57€), sendo que os devedores, não obstante terem deduzido impugnação à lista, apenas o fizeram com relação ao crédito da requerente/recorrida (e com fundamento na questão atinente à prescrição dos juros de mora peticionados, sobre a qual a sentença recorrida já se pronunciou de forma definitiva).
Alegam os recorrentes que pretendem vender o imóvel apreendido para a massa e que com o produto dessa venda liquidarão todas as suas dívidas, do que resultará ainda para os mesmos um excedente de 227.259,45€.
Porém, para além de não estar minimamente demonstrado quando, como e por que valor a putativa venda seria realizada (sendo que durante o ano de 2022 foram já encetadas diligências tendentes a concretizar tal venda, sem sucesso – cfr. factos provados n.º 10 e 11), nunca será possível, com certeza, assegurar que a alienação iria concretizar-se pelo valor constante da avaliação junta pelos recorrentes (veja-se, aliás, que, no espaço de um ano, o valor das avaliações juntas aos autos já diminuiu). E, independentemente das razões que possam ter estado subjacentes à não concretização da venda em momento anterior àquele na qual a declaração de insolvência foi requerida, o certo é que a mesma não foi avante (tais razões não constam da matéria de facto e os recorrentes não a impugnaram).  
Nessa medida, o argumento de que a venda do imóvel permitiria saldar todas as dívidas mostra-se insusceptível de contrariar a conclusão a que chegou o tribunal a quo (de estarem os recorrentes em situação de insolvência), tanto mais que se trata do único bem conhecido e, para além de estar hipotecado, foi objecto de várias penhoras.
A situação de insolvência sempre terá que ser aferida com relação ao momento do encerramento da discussão[20], não podendo a declaração da mesma ficar condicionada por qualquer evento futuro, no caso, a uma eventual venda.
Como refere Marco Gonçalves, “é importante sublinhar que a situação de insolvência do devedor deve ser apreciada em função de factos concretos, objetivos e atuais, e não com base em factos meramente futuros ou incertos.[21]
Assim, não assiste razão aos recorrentes quando concluem estarem numa situação na qual “A existência de um ativo superior ao passivo, enquanto elemento determinativo da exclusão da insolvência, releva totalmente para a viabilidade económica dos Recorrentes, pois dele advém a capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento das obrigações no momento do seu vencimento, não só do crédito da Recorrida, como dos demais em divida, AT e SS, gerando ainda um excedente de caixa para os Recorrentes. (…) Os recorrentes têm capacidade económico-financeira, atendendo a que esta gera receitas que lhes permite ter liquidez suficiente para pagar dividas e fazer a sua vida diária, com os múltiplos contratos não só da habitação, como da vida comum.” (conclusões 16.º e 17.º).  Não é essa a situação dos autos.
A insolvabilidade dos devedores mostra-se, em síntese, sustentada pelo facto de os mesmos apresentarem um quadro de evidente inviabilidade económica, sendo que, para além de não auferirem rendimentos capazes de permitir o cumprimento regular e pontual das suas obrigações (não constando, sequer, dos autos que tenham feito quaisquer pagamentos, mesmo que por montantes pouco significativos), tão pouco demonstraram beneficiar de crédito bancário ao qual pudessem recorrer para pagar as dívidas existentes.[22]
Como escreve Catarina Serra, a insolvência enquanto impossibilidade de cumprirnão coincide necessariamente com – e por isso não significa – uma situação patrimonial líquida negativa (superioridade do passivo face ao activo). (…) pode muito bem verificar-se a primeira sem se verificar a segunda: não obstante ser titular de um património sólido e abundante, o devedor vê-se impossibilitado de cumprir por lhe faltar liquidez. E pode verificar-se a segunda sem se verificar a primeira: não obstante não ter património suficiente para cumprir as obrigações, o devedor mantém a capacidade de cumprir por via do crédito que lhe é disponibilizado.[23]
Já esta Secção do Comércio, em acórdão proferido em 31/10/2023[24], decidiu: “I - A verificação do facto índice de insolvência previsto pela al. b) do nº 1 do art.º 20º basta-se com uma situação de mora/atraso no cumprimento desde que, pelo montante do crédito, no conjunto do passivo do devedor ou de quaisquer outras circunstâncias, tal evidencie a impossibilidade de continuar a satisfazer os seus compromissos, sem que exija que tal situação se verifique com todas as obrigações assumidas/contraídas pelo devedor. II. O montante de cerca de €68.000,00 do crédito do requerente, em incumprimento desde há cerca de 10 anos, e o valor dos rendimentos de que os devedores dispõem mensalmente, no montante de €2.000,00 mensais, não permitem senão concluir que o não cumprimento daquela dívida revela situação de penúria e de impossibilidade, atual, de estes satisfazem pontualmente as suas obrigações por falta de liquidez para satisfazer a totalidade das dívidas vencidas. (….) V- Como tem vindo a ser sobejamente afirmado, a existência de ativo superior ao passivo não constitui pressuposto legal de solvabilidade nem sequer indício como tal legalmente previsto pois que, ainda que assim suceda, o devedor está insolvente se, por ausência de liquidez, estiver impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”[25].
Em síntese, em face da factualidade provada e do que acima se defendeu, para além de estar revelada a impossibilidade de os recorrentes/devedores satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações (factor índice previsto no artigo 20.º, n.º 1, al. b), do qual resulta a presunção de insolvência que os mesmos não ilidiram), não lograram os mesmos provar, como lhes competia, a respectiva solvabilidade, antes estando comprovada a manifesta situação de insolvência.
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IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a apelação e, nessa sequência, manter a sentença que declarou a insolvência dos recorrentes.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 29 de Outubro de 2024
Renata Linhares de Castro
Amélia Sofia Rebelo
Paula Cardoso
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[1]Objeto do litigio // Impossibilidade de cumprimento da generalidade das obrigações vencidas por parte dos requeridos – situação de insolvência. // Temas da Prova // - Valor devido pelos requeridos à requerente; - Património e liquidez dos requeridos – situação de solvência.”
[2] Nesse despacho, para além do mais, determinou-se, ainda: “Na sequência da admissão do recurso interposto da sentença que declarou a insolvência dos requeridos, fica suspensa a liquidação e a partilha do património da insolvente - art. 42º, n.º3, ex vi do art. 40º, n.º3, do CIRE. (…) // Oportunamente será proferido despacho liminar no âmbito da requerida exoneração do passivo restante. // Solicite dos insolventes a indicação atualizada dos rendimentos auferidos e despesas suportadas, devendo proceder à junção dos comprovativos correspondentes. (…)”.
[3] O facto n.º 1 contém um evidente lapso de escrita quando aí se escreve “detinha sobre a requerida”, sendo que o que se terá querido escrever é antes “detinha sobre os requeridos”, lapso esse que constava já da petição inicial, nessa medida tendo sido transposto para a sentença.
[4] Em vez de requerida, terá querido escrever-se requeridos.
[5] Cfr., nesta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018 (Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1, relator José Alberto Moreira Dias), o qual se encontra disponível para consulta em www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser citados.
[6] O dever de fundamentação tem, aliás, consagração constitucional – cfr. artigo 205.º do CRP.
[7] Direito Processual Civil, Vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ed. da Associação Académica, 1987, pág. 802.
[8] Proferido no âmbito do Proc. n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 e relatado por Alexandre Reis, cujo sumário está disponível nos sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. Secções Cíveis.
[9] ANTUNES VARELA, in Manual de Processo Civil, pág. 686.
[10] Cfr. MARCO CARVALHO GONÇALVES, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, 2023, págs. 81/82 - “nos termos do art. 3º, a verificação da situação de insolvência é aferida em função da incapacidade ou da impossibilidade do devedor para cumprir as suas obrigações vencidas, independentemente, portanto, do balanço ativo e passivo da sua situação patrimonial.”
[11] Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 7.ª edição, 2020, pág. 28, sendo que, na nota 43, a autora esclarece que activo líquido significará “por ex., dinheiro em caixa, depósitos bancários vencidos, produtos e títulos de crédito fácil e oportunamente convertíveis em dinheiro”.
[12] Cfr. CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2.ª edição, 2021, pág. 120, segundo a qual “são indícios ou sintomas da situação de insolvência (factos-índice) (…) através dos quais, “normalmente, a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza”, sendo que a “verificação de qualquer um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor e é condição necessária para a iniciativa processual dos responsáveis legais pela dívidas do devedor, dos credores e do Ministério Público. A enumeração é taxativa (…)”.
[13] Cfr. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Quid Juris, 3.ª edição, 2015, pág. 236.
[14] Nesse sentido, CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, obra citada, pág. 86., e ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. I, Almedina, 4.ª edição, 2022, pág. 135.
Essencial é que seja revelada a “inviabilidade económico-financeira do devedor”, como frisa MARCO CARVALHO GONÇALVES, obra citada, pág. 90.
[15] Não estando abrangida pelo objecto do recurso, como não poderia estar, qualquer questão atinente ao modo pelo qual a execução então intentada pela CGD, SA foi sustada e depois extinta.
[16] Tanto mais que, insiste-se, o legislador não exige que ocorra uma impossibilidade definitiva e absoluta de o devedor satisfazer a totalidade da suas obrigações, mas apenas que seja revelada a impossibilidade de as satisfazer pontualmente, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos (não tendo de assim suceder com relação a todas as obrigações).
[17] Do recibo de vencimento junto ao processo em 03/11/2023 (de Outubro/2023) resulta que o vencimento ilíquido ascende a 304€ mensais.
[18] Do contrato celebrado com a sociedade L … Lda (datado de 04/04/2023) – Doc. 19 -, resulta que o requerido “não terá direito a qualquer remuneração fixa, estável e periódica, mas antes a uma comissão correspondente a 25% (…) acrescida de IVA à taxa normal em vigor, se aplicável, do valor que a sociedade mediadora que concretize a mediação imobiliária receba, por virtude das operações imobiliárias que se concretizem e digam respeito a contactos de compradores ou arrendatários angariados pelo Prestador”, para além de tal comissão apenas ser paga “após a realização da escritura de compra e venda ou arrendamento e com o bom recebimento pela L … Lda” (Cláus. 5.ª, n.ºs 1 e 3).
Já do contrato celebrado com a sociedade S …, Lda (datado de 12/09/2023) – Doc. 20 -, resulta que o requerido “não terá direito a qualquer remuneração fixa, estável e periódica, mas antes a uma comissão correspondente a 10% (…) acrescida de IVA à taxa normal em vigor, se aplicável, do valor que a sociedade mediadora que concretize a mediação imobiliária receba, liquida de partilha a outros escritórios da Portugal xxx, por virtude das operações imobiliárias que se concretizem e que digam respeito a contactos de compradores angariados pelo Prestador”, bem como que tal comissão apenas ser paga “após a realização da escritura pública de compra e venda e com o bom recebimento pela xxx” (Cláus. 5.ª, n.ºs 1 e 2).
[19] Relação de créditos a que alude o artigo 129.º e que foi junta pelo AI em 02/04/2024.
[20] Nesse sentido, cfr. acórdãos desta Relação de Lisboa de 27/10/2015 (Proc. n.º 2150/12.1TYLSB-G.L1-1, relator Rijo Ferreira) – “A apreciação da situação de insolvência, a que se reporta o art.º 3.º, n.º 1, e 20.º do CIRE, regra geral, deverá ser efectuada tendo em conta a “situação existente no momento do encerramento da discussão” (cf. art.º 611º, n.º 1, do CPC; anteriormente art.º 663.º)” – e de 11/05/2017 (Proc. n.º 13426/16.9T8LSB-A.L1-2, relatora Teresa Albuquerque) – “não é relevante em sede de CIRE que tal devedor pudesse vir a cumprir num momento futuro – o que importa é que não o possa fazer relativamente a obrigações vencidas no momento actual.
[21] Obra citada, pág. 82. O mesmo autor, a fls. 89, escreve ainda: “para efeitos de apreciação da insolvência do devedor, é irrelevante que este alegue e/ou demonstre a possibilidade de cumprir, no futuro, as suas obrigações, já a lei presume a insolvência do devedor com fundamento na sua incapacidade, presente e atual, de cumprir as obrigações já vencidas”.
[22] Como refere MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, Almedina, 9.ª edição, 2019, pág. 83, “a insolvência correspondente à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa. Efectivamente, a situação líquida negativa não implica a insolvência do devedor se o recurso ao crédito lhe permitir cumprir pontualmente as suas obrigações, assim como uma situação líquida positiva não afastará a insolvência, se se verificar que a falta de crédito não permite ao devedor superar a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações”.
[23] Obra citada, pág. 56.
[24] Proc. n.º 2343/22.3T8VFX-B.L1 (mesmo colectivo do interveniente no presente recurso, mas sendo relatora Amélia Sofia Rebelo), no qual se pode igualmente ler: “os factos índices da insolvabilidade não resultam infirmados pela existência de bens na titularidade do devedor ainda que o seu valor seja superior ao passivo pois, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, tal fator (relação ativo/passivo), para além de aplicação exclusiva às pessoas coletivas (conforme art.ºs 3º, nº 2 e 20º, nº 1, al. h) do CIRE), só releva se ilustrar uma situação de viabilidade financeira, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento, o que já resultou afastado face ao valor dos rendimentos de que os recorrentes dispõem” (o que também sucede na presente situação).
[25] Cfr., ainda, entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra de 01/06/2020 (Proc. n.º 375/19.8T8GRD-C.C1, relator Barateiro Martins) – “(…) 3- Pode haver situação líquida positiva e o requerido estar em situação de insolvência, se se verificar que a falta de crédito não lhe permite superar a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações vencidas. 4- Como, no polo oposto, uma situação líquida negativa não implica a insolvência do devedor, se o recurso ao crédito lhe permitir cumprir pontualmente as suas obrigações. 5- Assim, a alegação/prova da “inexistência da situação de insolvência” (de que fala o art. 30.º/3/in fine do CIRE), a cargo do requerido, não se faz alegando/provando que o ativo é superior ao passivo, mas sim alegando-se/provando-se que se tem acesso a crédito ou se detém liquidez suficientes para cumprir as obrigações vencidas”.