ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE DO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Sumário

I - No âmbito do processo civil continua a imperar o princípio do dispositivo e do ónus da prova, cabendo à parte diligenciar, carrear para os autos a prova que considere relevante e necessária para fundamentar os factos em que estriba a causa de pedir e necessária aos fins que se proponha obter com a acção, devendo o princípio do inquisitório ser utilizado de forma parcimoniosa, sob pena de se subverter as regras do ónus da prova a que as partes estão obrigadas, em benefício de uma e detrimento da outra.
II - Sendo o acidente simultaneamente de viação/trabalho, não existindo seguro automóvel válido é a R. Fundo de Garantia Automóvel responsável pelo pagamento do patrimonial futuro na vertente do dano biológico, o qual engloba o trabalho nocturno.
III - Será de improceder a condenação do FGA no dobro de juros quando esta alegou ter respeitado e observado as referências e critérios estabelecidos na Portaria nº 679/2009, de 25/06, e não tendo o A. alegado e provado a não verificação de tais exigências, não podendo aquela ser censurada por apresentar proposta irrazoável ou desequilibrada (em desfavor do lesado) e, em consequência, ser condenada no pagamento de taxa de juros agravada, mesmo que tenha sido condenada em valores muito superiores aos por si apresentados.
IV – Numa situação de litisconsórcio necessário entre o FGA e o demandado civil, por não possuir seguro automóvel válido e eficaz, este aproveita do recurso intentado por aquele, continuando, no entanto, a ser responsável pelos danos que o FGA não é responsável como garante.

Texto Integral

Proc. nº 2566/22.5T8PRD.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Paredes - Juiz 1



Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Luísa Gomes Loureiro
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Vieira




Sumário:
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I - Relatório:

AA, NIF ...36..., intentou Acção Declarativa de Condenação, sob a forma de Processo Comum, contra - Autoridade de Supervisão de Seguros/Fundo de Garantia Automóvel e BB.
Peticionou:
Serem as Rés condenadas a pagar ao A. a quantia global de €29.851,00; valores parcelares meramente indicativos e sempre acrescidos de juros, calculados no dobro da taxa legal, desde 18.04.2021 até efetivo pagamento e ainda condenada nas custas, procuradoria e demais encargos; e ainda a ressarcirem-lhe, no futuro, os danos que se venham a apurar serem causa direta e necessária das lesões sofridas com o evento, conforme alegado nos arts. 70º e 71º da p.i.
Para tanto, alegou, em síntese, que, no dia 21 de Setembro de 2021, conduzia o veículo com a matrícula ..-..-PU, quando esta viatura, que se encontrava parada no momento, foi embatida na traseira pelo veículo automóvel com a matrícula ..-EM-.., cuja condutora circulava distraída e a velocidade superior a 50 Km/h.
À data do acidente, o veículo EM não possuía seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel válido e eficaz.
Daquele embate resultaram os danos cujo ressarcimento o autor agora reclama:
- € 10.000,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro;
- € 13.000,00, a título de indemnização pelo dano biológico/vertente patrimonial;
- € 778,47, a título de indemnização por perdas de rendimento;
- € 220,00, a título de indemnização por outros danos patrimoniais;
- € 3.250,00, a título de indemnização pelo dano não patrimonial;
- € 1.410,00 a título de indemnização pelo dano da privação de uso do veículo.
- indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que deverão ser relegados para sede de liquidação de sentença.
O Réu, FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA) contestou.
Aceitou (implicitamente) a factualidade relativa à dinâmica do acidente, bem como a culpa exclusiva da condutora do veículo EM pela sua ocorrência, mas impugnando quer os danos invocados, quer o respetivo valor, por considerar não poder ser responsabilizado pelo pagamento de todos os danos peticionados atento o disposto no art.51º do DL. nº291/2007, de 21 de Agosto e por os considerar excessivos.
Foi designada data para a realização da Audiência Prévia, à qual se procedeu, tendo, nesta 1ª. sessão, o tribunal convidado o Autor a apresentar nova p.i. na qual alegasse factualidade da qual se possa extrair que o acidente dos autos também pode configurar um acidente de trabalho, como por si alegado de uma forma tão só meramente conclusiva – cfr. Acta que faz fls.63, 63vº e 64.
Na sequência do convite feito pelo Tribunal, o Autor veio juntar aos autos “nova” p.i. na qual alega a factualidade objecto do despacho convite.
Cumprido o contraditório, o Fundo de Garantia Automóvel veio reiterar os termos da contestação já por si apresentada.
Designada data para a continuação da Audiência Prévia, à mesma se procedeu, tendo-se proferido despacho-saneador tabelar, fixado o objecto do litígio e enumerado os temas da prova.
Admitida a prova, designou-se data para realização da Audiência de Discussão e Julgamento, à mesma tendo-se procedido, com obediência ao legal formalismo, como consta da respectiva acta.
O valor da acção foi fixado em €29.851,00.
Foi proferido despacho saneador, e procedeu-se à fixação do objecto do litígio e à indicação dos temas da prova.
Instruída a causa, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se solidariamente os RR. A pagarem ao Autor:
-a) a quantia de € 18.148,47, sendo:
-€ 13.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico;
-€ 178,47 a título de indemnização por perdas salariais;
-€ 220,00 a título de indemnização por despesas tidas com consulta e relatório médico;
-€ 3.250,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
-€ 500,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro;
-€ 1.000,00 a título de indemnização pelo dano da privação do uso de veículo automóvel.
b) A quantia a liquidar em execução de sentença referente a danos patrimoniais consequentes e decorrentes da medicação analgésica de que o Autor vai necessitar.
c) A pagar os juros de mora, sobre as quantias arbitradas a título de indemnização por danos patrimoniais, desde a data da citação, até integral pagamento, à taxa legal e sobre a quantia arbitrada a título de indemnização por danos não patrimoniais, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento, à taxa legal.
-Absolver os Réus do demais peticionado pelo Autor.

Custas a suportar pelo Autor e pelos Réus, na proporção do respectivo decaimento – cfr. art.527º, nºs.1 e 2, do C.P.C.

É desta decisão que, inconformada, a ré FGA interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A sentença proferida incorreu em manifesto erro na determinação da matéria de facto dada como provada no que se refere à necessidade de medicamentos e tratamentos para futuro do autor.
2. A necessidade de tratamentos médicos está dependente de prova técnica, isto é, de declaração médica. Os relatórios médicos constantes dos autos não referem a necessidade de tratamento médico no futuro.
2. Nesse sentido, deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e, por sua vez, ser retirado dos factos provados os pontos 16, 17 e 53.
3. O acidente em causa nos presentes autos assume dupla caracterização, tratando-se de um acidente de viação e de um acidente de trabalho.
4. Por essa razão, e de acordo com o artigo 51.º do DL n.º 291/2007, está o FGA limitado aos danos que não possam ser indemnizados por força do acidente de trabalho, implicando isso que o lesado não possa reclamar do FGA o montante indemnizatório que pode e deve reclamar da seguradora de acidentes de trabalho ou do respectivo Fundo de Garantia.
5. Tal como resulta do Acórdão do STJ, datado de 02.03.2023, no âmbito do processo judicial n.º 3621/19.4T8AVR.P1.S1.:
“I. Um dos principais propósitos do DL n.º n.º 291/2007, de 21.08, é, em convergência com a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11.05 (que aquele diploma visa transpor), o do ressarcimento completo (ou mais completo possível) do lesado.
II. O Fundo de Garantia Automóvel (FGA) apresenta-se como garante do pagamento desta indemnização, o que encontra a sua justificação naquele propósito do ressarcimento completo do lesado.
III. Entre o regime de indemnização a título de acidente de viação e o regime de indemnização a título de acidente de trabalho existe uma relação de complementaridade, significando, pela negativa, que os dois regimes não devem cumular-se e, pela positiva, que os dois regimes devem completar-se, o que, mais uma vez, é coerente com o (e é mesmo instrumental ao) propósito do ressarcimento completo do lesado.
IV. A norma do artigo 51.º do DL n.º 291/2007 não dita a exclusão da responsabilidade do FGA pela indemnização dos danos segundo as regras dos acidentes de viação mas sim, apenas, uma sua limitação – a limitação aos danos que não possam ser ressarcidos segundo as regras dos acidentes de trabalho mas que ainda devam ser ressarcidos nos termos gerais.
V. O disposto no artigo 51.º do DL n.º 291/2007 é aplicável sempre que se verifiquem os requisitos de que depende a sua aplicabilidade implicando que o lesado não pode reclamar do FGA o montante indemnizatório que pode e deve reclamar da seguradora de acidentes de trabalho ou do respectivo Fundo de Garantia.” – Negrito e sublinhado nosso.
6. O Fundo de Garantia intervém na qualidade de garante e por essa razão, a sua responsabilidade indemnizatória tem que estar limitada.
O objetivo claro da revisão face ao FGA foi o de limitar a sua intervenção aos casos em que a mesma é estritamente necessária para acautelar os direitos da vítima. Assim, quando os direitos da vítima estejam acautelados por outra via não se justifica a tutela Fundo de Garantia Automóvel.
7. A ressalva contida no artigo 9.º, n.º1 da Portaria terá a função de afirmar a subsistência do artigo 51.º do DL n.º 291/2007.
8. O FGA só responde, em regra, pelos danos materiais e, relativamente ao dano corporal, pelos danos não patrimoniais e pelos danos patrimoniais não abrangidos pela lei específica de acidentes de trabalho;
9. Face a limitação insista no artigo 51.º do DL n.º291/2007, não pode o FGA ser condenado no pagamento da indemnização de dano biológico, dano patrimonial futuro e despesas decorrentes de medicação por se tratarem de Danos ressarcíeis no âmbito da Lei n.º 98/2009 e, por essa razão, ao abrigo do acidente de trabalho.
10. Assim, e salvo o devido respeito, deve a sentença proferida, ser revogada na parte e que condena o FGA nos dano biológico, no dano patrimonial futuro e na quantia a liquidar em execução de sentença referente a danos patrimoniais consequentes e decorrentes da medicação analgésica.
Sem conceder,
11. Para a hipótese de não se entender o acima exposto, o que apenas se admite por mera hipótese académica, desde já, se refira que, o montante fixado a título de dano biológico, no valor de 13.000,0 € (treze mil euros) se mostra manifestamente excessivo e desproporcional aos parâmetros legais e à prática jurisprudencial.
12. Sendo certo que, no concerne ao alegado rebate profissional o mesmo só poderá ser indemnizado em sede de acidentes de trabalho. Em momento algum, poderá ser considerado para efeitos de cálculo nesta sede.
13. O principio que deve obedecer ao estabelecimento do quantum indemnizatório deve assentar em critérios de equidade, nos termos do disposto nos artigos 564.º e 566.º, n.º3 do CC.
14. O Tribunal a quo não levou em devida consideração determinados pontos que influem no montante a fixar, como seja, o desconto do beneficio da antecipação da indemnização, a questão da possibilidade de a autora vir a receber uma pensão, assim como, o facto dos rendimentos no ano do acidente serem bastante inferiores aos considerados.
15. Sendo que, não pode o mesmo ser autonomizável do dano patrimonial futuro, sob pena de se verificar uma duplicação de indemnização.
16. O autor padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, sendo compatível com o exercício da sua profissão ainda que acarrete esforços suplementares; O autor tinha 40 anos à data do acidente e auferia 800,00 € mensais. Ainda, considerando o benefício do pagamento por antecipação, o valor a aplicar não poderia ser superior a 6.000,00 € (seis mil euros) a título de dano biológico e dano patrimonial futuro.
17. No que se refere as despesas médicas consideradas na sentença proferida e relegadas para liquidação de sentença, as mesmas não são devidas. Desde logo, porque estão limitadas de acordo com o disposto no artigo 51.º, devendo por essa razão, ser reclamadas em sede de acidente de trabalho.
18. Ainda assim, e tal como pugnado na alteração da matéria de facto, não existe matéria que permita concluir pela necessidade dessa medicação analgésica.
19. O montante fixado a título de danos não patrimoniais no valor de 3.250,00 € mostra-se manifestamente exagerado face as circunstâncias constantes da sentença e a jurisprudência que tem vindo a ser proferida.
20. Atendendo a que, o autor teve incapaz para o exercício da actividade profissional durante 30 dias, o quantum doloris localiza-se em 3 pontos, o Déficie Funcional permanente da integridade física em 2 pontos, não há dano estético atribuível nem repercussão nas actividades desportivas e de lazer e não houve internamento hospital, o montante a fixar a título de danos não patrimoniais não deve ser mais que 2.000,00 € (dois mil euros).
21. Não existe matéria suficiente para autonomizar o dano patrimonial futuro, não havendo lugar a sua condenação, quer porque estamos diante de um dano indemnizável ao abrigo da seguradora de acidentes de trabalho, quer porque o dano biológico já compreende o dano a ser indemnizável.
22. O Tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, violou o preceituado no 51.º do Dec. Lei 291/2007, de 21/8 e nos artigos os artigos º496.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.

Conclui, assim, pela procedência do recurso, nos termos acima peticionados e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida.

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O Autor apresentou recurso subordinado e contra-alegações ao recurso apresentado pela R. Fundo Garantia Automóvel, impugnando parcialmente a matéria de facto, mais concretamente factos não provados 1 a 4, 6, 9 e 10, apresentando as seguintes conclusões:
1. O A. concorda com o enquadramento efetuado pelo Tribunal, uma vez que o mesmo vai de encontro àquela que é a jurisprudência consolidada do nosso Supremo Tribunal de Justiça, no que diz respeito à interpretação do art. 51º do DL nº 291/2007, de 21/08.
2. Todavia, entendemos que o Tribunal deu como não provados factos que podia e devia ter assente em sentido diverso, designadamente os seguintes: 1 a 4, 6, 9 e 10.
3. No que respeita ao recuso da matéria de facto - concretos pontos de facto não provados - que o A. considera incorretamente julgados, consideramos os seguintes: factos nº 1, 2, 3, 4, 6, 9 e 10.
4. Quanto aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, consideramos os depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, FF e GG.
5. Os depoimentos acima transcritos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, contêm os elementos necessários para que os factos acima identificados sob os nºs 1, 2, 3, 4, 6, 9 e 10 tivessem sido assentes como provados.
6. O facto não provado 1 é confirmado nomeadamente pela testemunha CC que refere que ele e o A. trabalham há 8 anos como assistentes de recinto desportivo e refere que auferiam valores entre os 250 e 300€. A testemunha confirma que todos os pagamentos são feitos por transferência bancária e é tudo declarado.
7. O A. estava convencido que esses documentos estavam nos autos. Na nossa opinião, perante tal situação, com o devido respeito, o Tribunal tinha duas hipóteses, a saber, ou os dava como provado com base nos depoimentos das testemunhas, ou, em caso de dúvida, ordenava a notificação da Autoridade Tributária ou da empresa para que viessem juntar documentos de suporte com vista à descoberta da verdade material.
8. Os factos não provados nº 2, 3 e 4 – O Tribunal a quo deveria ter dado os mesmos como provados, com base no depoimento da testemunha CC, uma vez que ele confirma o alegado e refere que o A., após o acidente, reduziu em cerca de 60% o número de jogos que faz e o mesmo se diga relativamente o depoimento da testemunha EE, que confirma tal redução no número de jogos (cfr. concretas passagens identificadas) comparativamente com o período anterior ao acidente dos autos.
9. Factos não provados nº 5, 6,7 e 8 – O Tribunal quo deveria ter dado os mesmos como provados, com base nos depoimentos das testemunhas CC e EE, uma vez que eles confirmam o alegado e referem as queixas do A., dizendo - a testemunha CC - que atualmente o A. só faz os jogos em que pode ir para a zona técnica porque aí não tem de realizar revistas (zona onde estão os dirigentes dos clubes).
10. Quanto ao facto não provados nº 10 – O Tribunal, com base no depoimento das testemunhas FF e GG e, bem assim, com as fotos juntas com a p.i. (doc. 16) parece-nos que tinha todos os elementos necessários para dar como provados os danos acima identificados e ordenar pagar os valores peticionados.
11. Continuando, o Tribunal a quo, relativamente aos factos dados como não provados, basicamente, referiu na motivação que não deu tal matéria como provada pelo facto de os depoimentos testemunhais serem insuficientes, sem adequado suporte documental, para esse efeito.
12. O Tribunal a quo não descredibilizou os depoimentos, apenas e tão só refere que desacompanhados de elementos documentais não pode dar os mesmos como provados. Ora, como é consabido, existem muitas situações em que os rendimentos não são declarados ou não existem documentos de suporte e, mesmo assim, não é por esse motivo que não podem ser dados como assentes.
13. Se o Tribunal tinha dúvidas sobre aquilo que foi alegado pelo A. e confirmado pelas testemunhas, tinha o poder-dever de, ao abrigo do princípio do inquisitório e tomando por base a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa de, por exemplo, notificar a AT ou a empresa para vir confirmar se esses rendimentos tinham ou não sido declarados.
14. Do recuso quanto à matéria de direito. No que diz respeito ao valor peticionado a título de dano patrimonial futuro, relacionado com o trabalho desempenhado como assistente de recinto desportivo para a A..., somos da opinião que o Tribunal a quo estava em condições de dar tais factos como provado e, bem assim, de indemnizar ao abrigo da equidade.
15. Acolhendo um certo modelo inquisitório, o nosso Código de Processo Civil, para além de confiar ao juiz a direção do processo, confere-lhe poderes instrutórios, previstos no 411.º do CPC, norma cujas consequências práticas e teóricas são de grande importância. Ali se prevê que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”. Ao juiz cabe, pois, a iniciativa da prova.
16. Com a entrada em vigor em 01/09/2013, da Lei 41/2013, assistimos a um reforço dos poderes do juiz que acompanhou os ordenamentos mais próximos do nosso, introduzindo-se restrições ao princípio dispositivo, reconhecendo uma função mais interventiva do juiz, nomeadamente com vista ao apuramento da “verdade material” e à “justa composição do litigio”. Esta tendência culminou no atual CPC em que se verificou uma forte compressão do princípio dispositivo - designação que, muito significativamente, já não figura em nenhuma epígrafe - sobretudo no que toca ao plano da alegação dos factos (cfr. art. 5º, nº 2, do CPC).
17. Assim, salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos que o Tribunal a quo, caso entendesse que seria necessário algum elemento documental para corroborar o referido pelas testemunhas, teria sempre o poder-dever de, oficiosamente, ao abrigo da descoberta da verdade material, confirmar nomeadamente junto da Autoridade Tributária se tais rendimentos tinham sido, ou não, declarados.
18. Se o Venerando Tribunal entender que os depoimentos das testemunhas não são suficientes para dar tais factos como provados, deverá então ordenar a baixa dos autos à primeira instância com o intuito de apurar tal factualidade.
19. Quanto à indemnização dos danos materiais – computador portátil, relógio, óculos e telemóvel – e tendo em consideração a prova produzida (como acima referimos), somos da opinião que os valores reclamados são perfeitamente compatíveis com o efetivo valor dos objetos estragados. Assim, parece-nos que, a esse título, deverá o Venerando Tribunal condenar no valor peticionado, que totaliza 935€.
20. No que concerne, ao dano patrimonial futuro, o A. peticionou (10.000€). O Tribunal apenas condenou no montante de 500€. Levando em consideração apenas o valor dos 75€, o valor de 500€ é excessivamente reduzido.
21. Se considerarmos as perdas relacionadas com a A... – que, como defendemos supra, deverão ser consideradas – o valor reclamado – 10.000€ – parece-nos perfeitamente adequado, uma vez que o A., à data do acidente, tinha apenas 40 anos de idade.
22. Quanto à questão relacionada com a condenação no dobro da taxa de juro, parece-nos que o Tribunal a quo andou mal.
Vejamos. Como bem referiu o Tribunal: “De acordo com o disposto no nº 3, do art. 38º da LSO, “se o montante proposto nos termos da Proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n° 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.”
23. Mais à frente o Tribunal a quo refere que: “Resulta à saciedade que a diferença entre o que irá ser fixado pelo Tribunal e o que foi proposto pelo Réu é significativa;”.
24. Salvo o devido respeito, é pouco importante aquilo que é o pedido judicial ou extrajudicial apresentado pelo A.
É óbvio que a ideia do legislador foi levar a que as propostas extrajudiciais sejam razoáveis e não miserabilistas. Visa, obviamente, a proteção da parte mais fraca. Qualquer cidadão que não se informe devidamente, pode entender que a proposta apresentada pelo FGA, no miserável montante de 1.509€, é adequada.
25. O FGA estava na posse de todos os elementos (assumiram a responsabilidade pelo sinistro e estavam na posse de relatórios de avaliação do dano corporal) para apresentar a proposta razoável, não sendo relevante aquilo que o A. pediu, mas sim aquilo que foi proposto pelo FGA.
26. Não compreendemos a interpretação que é feita pelo Tribunal a quo dos artigos supra citados. Parece-nos que, no caso concreto, o FGA deveria ter sido condenado no dobro da taxa de juro, na diferença entre o valor proposto e o valor da condenação judicial.
Conclui pela revogação da sentença, a qual deverá ser substituída por outra que condene nos termos acima expostos.
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O R., Fundo de Garantia Automóvel apresentou contra-alegações ao recurso subordinado apresentado pelo A., alegando que a sentença proferida não merece a impugnação de facto e de direito que lhe é assacada pelo Recorrente.
Conclui pedindo a improcedência do recurso subordinado.
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Os 2 recursos foram admitidos como de apelação por despacho proferido a 26.06.2024 [referência nº 95721409], a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
a) Se existem razões válidas para modificar a decisão da matéria de facto, por erro de julgamento, nos termos pretendidos pelos Recorrentes e se o juiz devia oficiosamente (artº 411º), ao abrigo da descoberta da verdade material, diligenciar pela junção de documentos, nomeadamente junto da Autoridade Tributária para fazer prova dos rendimentos declarados;
b) Se se justifica a alteração da solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância, de modo a concluir-se pela alteração dos valores fixados na sentença recorrida, designadamente:
- Alteração dos danos patrimoniais futuros;
- Alteração do valor fixado a título de danos patrimoniais, decorrentes da perda de objectos;
- Alteração da taxa de juro fixada, mais concretamente ser fixada o dobro da taxa de juro;
- Alteração do valor de danos não patrimoniais;
- Exclusão da obrigação do FGA no pagamento de indemnização que possa ser paga pela seguradora de acidentes de trabalho ou do respectivo Fundo de Garantia, ou seja, exclusão da obrigação do FGA no pagamento da indemnização de dano biológico, dano patrimonial futuro e despesas decorrentes de medicação.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. OS FACTOS
1.1. Factos provados
O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos;
Da Petição Inicial:
1-No dia 21.09.2021, cerca das 17 horas, na EN 15, ao Km ..., em ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação.
2-Em que foram intervenientes os veículos matrícula e condutores a seguir indicados: - ..-..-PU (V1), propriedade do Autor e igualmente por si tripulado – viaturas, ambas, ligeiras de passageiros; - ..-EM-.. (V2), propriedade da Ré, BB, e por si conduzido; e, - ..-..-XT (V3), propriedade de HH e conduzido por II - três veículos de seguida indicados apenas V1, V2 e V3.
3-No momento do evento o A. encontrava-se parado no local acima indicado quando o seu veículo (V1) foi violentamente embatido na sua traseira pela frente do V2 – que circulava a mais de 50km/h.
4-Devido à violência do embate o V1 foi projetado tendo ido embater com a sua frente na traseira do V3.
5-A condutora do V2 circulava distraída e a velocidade superior a 50km/h.
6-A 2ª Ré era a proprietária e condutora do V1, não possuindo este, à data do acidente, contrato de seguro válido.
7-O A. foi assistido pelos Bombeiros, tendo sido imobilizado no local do evento e transferido para o Hospital ... (CHTS).
8-Após realização de exames e avaliação lhe foi diagnosticado traumatismo frontal do crânio e dor apenas à apalpação da transição dorso-lombar.
9-Foram efetuados os seguintes Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT): Coluna cervical (2 incidências), coluna lombar (2 incidências), Coluna dorsal (2 incidências), Bacia e TC do crânio.
10-Foi medicado com Cetrolac 30 MG/1 ML AMP e teve alta no próprio dia.
11-O Autor ficou com vários hematomas na zona do cotovelo, costas e na testa (provocado pelo embate no volante).
12-Uma vez que o acidente em causa ocorreu quando o A. encontrava-se a regressar a casa depois do dia de trabalho - este passou a ser acompanhado pelos serviços clínicos da B... (seguradora do acidente de trabalho, apólice ...55).
13-Esteve com incapacidade temporária absoluta de 22.09.2021 a 20.10.2021, sendo que durante esse período foi sujeito a 10 tratamento de fisioterapia.
14-Os referidos tratamentos, com duração de 2 horas cada, tiveram lugar nos dias 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15 e 18 de outubro de 2021, na clínica ....
15-O A. sentiu fortes dores com os tratamentos/massagens e que teve que se sujeitar - o que o deixou exausto, tendo que se deitar após as mesmas.
16-O A. foi informado que deveria fazer mais tratamentos de fisioterapia, sendo que o mais adequado era fazer todos os anos algumas sessões por forma a minimizar as dores consequentes do evento.
17-O A. só não efetuou mais tratamentos, não porque não carecesse dos mesmos, mas sim porque não teve autorização para os fazer.
18-Após a alta clínica e porque continuasse a sentir fortes dores, procurou médico especialista na área da ortopedia e traumatologia (Dr. JJ) o qual, depois de o avaliar, elaborou relatório de avaliação de dano corporal – cfr. doc. 08.
19-Após reclamar junto do FGA, foi-lhe agendado exame de avaliação de dano corporal em médico contratado pelo FGA o qual elaborou relatório – cfr. doc. 09.
20-Na referida avaliação, em resumo, o perito do 1º Réu atribuiu ao A. um DFIFP de 2 pontos, um Quantum doloris de 3/7 e confirmou a existência de rebate profissional.
21-O défice funcional permanente a integridade físico-psíquica de que a A. ficou a padecer dá causa a que este leve a cabo o desempenho das tarefas inerentes à sua atividade profissional com bastante mais esforço do que era habitual, o que igualmente ocorre na realização de outras atividades em que costuma prestar serviços e nas demais tarefas do seu dia-adia.
22-O A. após a alta clínica continuou a sentir fortes dores e limitações físicas.
23-Devido às dores e às dificuldades sentidas no exercício da sua profissão, o médico, no âmbito da medicina no trabalho, considerou que o A. estaria apto a exercer a sua atividade, mas de forma condicionada, devendo evitar sobrecarga cervical e lombar, flexão e rotação do tronco, movimento repetitivos e, bem assim, ortostatismo prolongado – cfr. doc. 10.
24-Tal situação manteve-se inalterada na consulta seguinte, realizada em 28.02.2022, e, bem assim, na consulta do dia 26.09.2022 – cfr. doc. 11 e 12.
25-À data do acidente o A. trabalhava (e ainda trabalha) para a empresa C... S.A., sociedade com sede na rua ..., ... ... (NIPC: ...67), com a categoria profissional de vigilante (cfr. doc. 04), ao serviço da qual auferia um vencimento base de 800€ x 14, acrescido de cerca de 134€ x 11 de subsídio de alimentação - cfr. doc. 13
26-O A. fazia, por regra, trabalho noturno o que lhe permitia ter um acréscimo de 25% pelas horas noturnas o que, habitualmente, lhe permitia auferir mais cerca de 75€ mensais.
27-Devido às sequelas consequentes do evento, o A. sente, com regularidade, dores nas costas, que se agravam com as mudanças de tempo, carecendo, por vezes, de tomar analgésicos para as debelar.
28-Tem dificuldade em transportar objetos com peso superior a 10 kg.
29-Tem dificuldade em permanecer por mais de 1h em pé.
30-Tem dificuldade em fazer agachamentos e em curvar-se, nomeadamente para fazer revistas.
31-Sente dores quando conduz por períodos prolongados.
32-O A. passou a trabalhar de forma condicionada na sua empresa, sendo aconselhado a evitar tarefas que provoquem sobrecarga cervical e lombar.
33-O A. fazia ginásio no D... Paredes, cerca de 3 x por semana.
34-É sócio fundador do referido ginásio e, por esse motivo, o custo da mensalidade é de 19.90€ o que inclui a consulta de nutrição.
35-Desde o acidente não mais voltou a fazer ginásio por sentir dores e por ter receio de agravar as lesões.
36-O A. mantém o interesse em beneficiar das condições de sócio fundador e, por esse motivo, continua a pagar as mensalidades do ginásio apesar de não fruir do serviço.
37-O Autor embora não tenha praticado desporto - o que lhe reduz a auto estima, teve de suportar 258 € com o pagamento das 13 mensalidade do ginásio desde o acidente até à presente data.
38-À data do evento o A. tinha 40 anos.
39-O A., devido às lesões e aos tratamentos de fisioterapia a que foi sujeito sofreu muitas dores.
40-Sofreu profundo incómodo com o facto de ter tido necessidade de ter de se manter inativo durante mais de 01 mês.
41-Situação que lhe limitou bastante o seu dia-a-dia e da sua família, designadamente, de conduzir e de visitar familiares e amigos, de praticar desporto entre outras atividades.
42-Sofreu incómodo com as deslocações que teve de efetuar para efeito de comparência em exames, tratamentos e consultas.
43-Durante muito tempo sentiu muita dificuldade em dormir, tem dificuldade em encontrar posição para dormir, teve pesadelos e sentiu-se ansioso e apreensivo com a demora na sua recuperação.
44-O A. recebeu da Seguradora B... (seguradora do AT) 70% do valor que teria auferido se não tivesse sofrido o acidente, tendo esta seguradora suportado também as despesas hospitalares.
45-Não recebeu qualquer indemnização em sede de acidente de trabalho, uma vez que os serviços clínicos da Seguradora lhe atribuíram alta sem desvalorização.
46-O A. deixou de receber a quantia de 178,47€ da C....
47-O A. consultou perito médico especialista em Ortopedia e Traumatologia Dr. JJ, por forma a perceber qual o enquadramento das suas sequelas ao nível do dano corporal.
48-A consulta e a elaboração de relatório médico custaram ao A. a quantia de 220€.
49-Na sequência do acidente o seu veículo ficou bastante danificado não sendo possível circular com o mesmo.
50-O A. pediu orçamento na oficina Auto SS (cfr. doc. 19), sendo que com o orçamento apresentado era viável a realização da reparação – o que foi comunicado ao 1º Réu.
51-Desde o dia do acidente - 21.09.2021 - até ao dia 30-06-2022, dia em que lhe foi entregue a viatura, passaram cerca de 282 dias.
52-Apesar da reparação ter demorado mais tempo do que era expectável, devido à falta de peças do mercado automóvel e excesso de trabalho da oficina (cfr. doc. 20), o que é certo é que o A. ficou sem possibilidade de usar a sua viatura pelo tempo acima indicado.
53-A A., devido às dores que continua a sentir, tem vindo a carecer de ajuda médica e medicamentosa e a obter informação que aponta no sentido de que, no futuro, com vista ao atenuar das dores, poderá vir a ter que tomar medicação e, bem assim, ser sujeito a novos tratamentos de fisioterapia.
54-O Réu após ter a avaliação de dano corporal feita pelo seu médico efetuou proposta de indemnização.
55-O Réu propôs uma indemnização de 1.330,50€, para indemnizar o dano biológico do A., tendo desconsiderado todos os outros danos reclamados pelo A.
A.1.2.) Factos Provados constantes da Contestação:
67-O presente sinistro foi regularizado pela seguradora de acidentes de trabalho – B... Companhia de Seguros, S.A. - atendendo à sua dupla caracterização.
68-Foram pagas ao aqui Autor as indemnizações devidas a título de incapacidades temporárias, transportes, assistência médica, medicamentosa e hospitalar.
Factos Provados que resultaram da discussão da causa:
-Os que resultam dos relatórios médicos juntos aos autos a fls. 21vº a 23 dos autos, aceites por ambas as partes, nomeadamente quanto ao “Quantum doloris” que se enquadra num valor de 3/7 e quanto ao “DéficeFuncional Permanente da Integridade Físico-Psíquica” de 2 pontos.
-Os que resultam do documento junto pela Companha de Seguros B... e que se encontra a fls.83 dos autos relativamente às quantias pagas por si ao Autor relativamente ao sinistro em causa – a título de ITA de 23.09.2021 a 20.10.2021 a quantia de € 594,88.
***

1.2 Factos Não Provados.
Da petição inicial:
1- O A. à data do acidente também trabalhava para a empresa A... – Segurança Privada Lda., desempenhando a atividade de assistente de recinto desportivo, o que lhe permitia auferir um rendimento médio de cerca de 200€/mensais.
2-Após a reabertura dos estádios de futebol (agosto de 2021), voltou a trabalhar nos estádios embora efetuando menos jogos e, consequentemente, auferindo rendimentos inferiores por força das limitações de que ainda padece.
3-O A., após o acidente, que coincidiu com o regresso em massa das pessoas aos estádios, não conseguiu continuar a fazer, na qualidade de segurança, o mesmo número de jogos.
4-Antes do acidente o A. fazia, muitas vezes 2 e 3 jogos ao fim de semana, fazendo por vezes dois jogos no mesmo dia, atualmente, e apesar de gostar bastante do trabalho por causa do ambiente/atmosfera vivida nos estádios, as limitações físicas impedem-no de fazer certos esforços.
5-O facto de estar muito tempo de pé e a fazer determinados movimentos (a fazer revistas às pessoas) provoca-lhe dores insuportáveis na zona das costas o que tem levado o A. a reduzir em mais de 60% o serviço, sendo muito provável que tenha de deixar de o fazer por força das dores que sente.
6-No ano de 2022 o A. teve uma quebra de rendimento de cerca de 60% (tomando como referência o ano de 2019, pré pandemia) o que equivale a uma quebra mensal superior a 100€, sendo que pondera deixar de fazer este tipo de trabalho em virtude da dificuldade que sente.
7-O A. prestava este serviço há vários anos e que o poderia prestar nos próximos 30 anos e que além da questão financeira também tinha muito prazer em fazer este tipo de trabalho não só pelo ambiente dos estádios, mas também pelo grupo de amigos que também fazem o mesmo trabalho.
8-Acorda, por vezes, angustiado e com a sensação de que vai ser embatido.
9-Durante aquele período também não pode prestar serviço para a A..., tendo deixado de auferir a quantia de cerca de 600€ (não prestou qualquer serviço nos 3 meses posteriores ao acidente).
10-O A. no dia do acidente ainda teve os seguintes danos:
- o seu computador portátil que se encontrava na mala do seu carro ficou totalmente inutilizado – “PC” que lhe tinha custado cerca de 650,00€.
- Ficou com o seu telemóvel partido - telemóvel com valor de 120€.
- Ficou com o seu relógio danificado, que lhe tinha custado o valor de 90€.
- Os seus óculos que lhe custaram cerca de 75€ também ficaram partidos.
*

1.3 Os Apelantes pretendem que este Tribunal reaprecie a decisão em relação a certos pontos da factualidade julgada provada e não provada, tendo por base meios de prova que indicam.
Dispõe o art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.
A modificabilidade da decisão de facto é ainda susceptível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do CPCivil.
A prova é “a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos”, tendo “por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CCivil) – a demonstração da correspondência entre o facto alegado e o facto ocorrido, vide MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, Lex, 1995, p. 195.
Sendo desejável, em prol da realização máxima da ideia de justiça, que a verdade processual corresponda à realidade material dos acontecimentos (verdade ontológica), certo e sabido é que nem sempre é possível alcançar semelhante patamar ideal de criação da convicção do juiz no processo de formação do seu juízo probatório.
Daí que a jurisprudência que temos por mais representativa acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”, vide Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por HENRIQUES GASPAR no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt.
Movemo-nos no domínio do que a doutrina considera como standard de prova ou critério da suficiência da prova, que se traduz numa regra de decisão indicadora do nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira, vide LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf.
Para o citado autor “pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”
Os meios de prova, enquanto “modos por que se revelam os factos que servem de fonte das relações jurídicas”, encontram no Código Civil os seguintes tipos:
a confissão (arts. 352.º a 361.º); a prova documental (arts. 362.º a 387.º);
a prova pericial (arts. 388.º e 389.º);
a prova por inspeção (arts. 390.º e 391.º);
e a prova testemunhal (arts. 392.º a 396.º).
Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
O citado normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.
Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do CCivil e arts. 495.º a 526.º do CPCivil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do CPCivi, excepto na parte em que constituam confissão; a prova por inspeção (art. 391.º do CCivil e arts. 490.º a 494.º do C.PCivil); a prova pericial (art. 389.º do CCivil e arts. 467.º a 489.º do CPCivil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do CCivil.
Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do CCivil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do CPCivil).
O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante”, vide CASTRO MENDES, Do conceito de prova em processo civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413.
A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do CCivil).
Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do CCivil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do CCivil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do CCivil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do CCivil).
Por último, a prova bastante carateriza-se por bastar a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do CCivil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto, vide PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293.
*

1.4 Do invocado erro de julgamento.
Pretende o A. que os factos não provados de 1 a 4, 6, 9 e 10, sejam dados por provados, tendo por base a prova testemunhal, CC, DD, EE, FF e GG, bem como as fotos juntas aos autos.
Ouvidas todas as testemunhas e apreciada toda a prova no seu conjunto, pode-se dizer o seguinte:
Quanto aos factos não provados 1, 2, 3 e 4, 6, 9, constata-se que as testemunhas CC e EE referem nos seus depoimentos que o A. também prestava a actividade de assistente desportivo e que após o acidente deixou de realizar a mesma com tanta frequência, auferindo cerca de €50,00 por jogo e €200 mensais.
A Srª Juíza sustentou tal factualidade da seguinte forma: “quanto à alegada actividade de assistente de recinto desportivo na empresa A... – Segurança Privada Lda., que alegadamente o Autor exerceria, apenas tivemos para atestar tal facto os depoimentos das testemunhas ouvidas, nada mais, tendo sido muito fácil ao Autor ter procedido à junção aos autos de declaração a atestar tal facto e dos recibos de vencimento e/ou recibos verdes, tal como o fez relativamente à empresa C.... Mas nada juntou e assim sendo, competindo-lhe provar tais factos, de acordo com o disposto no art.342º, nº1, do C.C., entende o Tribunal não ter cumprido com o ónus que sobre ele recaía, já que os depoimentos das testemunhas desacompanhados de outros elementos de prova não são de molde a criar no julgador a certeza necessária da verificação de tal facto.”
O Tribunal concorda plenamente com a fundamentação da Srª Juíza, porquanto a prova testemunhal produzida é demasiado ténue, frágil e insuficiente, porque despida de prova documental que sustentasse e tornasse credível os aludidos depoimentos testemunhais, para dar por provados tais factos.
Serve o exposto para dizer que os depoimentos testemunhais, face ao tipo de factos em apreço, são manifestamente insuficientes para que os mesmos possam ser dados por provados, sendo de manter os mesmos como não provados.
*
Nesta parte o A. alega que caso o Tribunal a quo entendesse ser necessário algum elemento documental para corroborar o referido pelas testemunhas, teria sempre o poder-dever de, oficiosamente, ao abrigo da descoberta da verdade material, confirmar nomeadamente junto da Autoridade Tributária se tais rendimentos tinham sido, ou não, declarados.
Conclui que caso este Tribunal entenda que os depoimentos das testemunhas não são suficientes para dar tais factos como provados, deverá então ordenar a baixa dos autos à primeira instância com o intuito de apurar tal factualidade.
Conhecendo:
Em processo civil continua a vigorar o princípio do ónus da prova, bem como predomina o princípio do dispositivo e da aquisição processual, nos termos do artº 413º do CPC. Igualmente, não poderá deixar de ser ponderado que o ónus de proposição de meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos processualmente ajustados, vide Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 342.
O princípio do dispositivo significa que cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, cabendo às partes o impulso processual (artº 3º, nº 1, do CPC., a disponibilidade do objecto do processo e do termo do processo.
“Assim, a amplitude de poderes/deveres decorrentes do principio do inquisitório não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois que, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse directo em cumprir.
Por consequência, neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia, uma vez que o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste.”, vide entre outros, AC. TRG, de 19.11.2020, Relator Jorge Teixeira, in www.dgsi.pt.
Revertendo o exposto aos presentes autos, cabe dizer não assistir razão ao Autor/Apelante, porquanto, no âmbito do dispositivo e do ónus da prova (artº 342º, nº 1, do CC) cabia-lhe diligenciar, carrear para os autos a prova que considerava relevante e necessária para fundamentar os factos em que estribava a causa de pedir e que era necessária para os fins/desiderato que se propunha obter com a acção.
Estando nós no âmbito de direitos disponíveis, no âmbito do dispositivo do direito das partes, pretender que o juiz fizesse uso do princípio inquisitório, ínsito no artº 411º do CPC, mais não seria que subverter as regras do ónus da prova a que as partes estão obrigadas, em benefício de uma e detrimento da outra.
Assim sendo, improcede o pedido de envio do processo para o tribunal da 1ª instância para produção de nova prova.
*
Relativamente aos objectos danificados, facto provado 10, ouvidos os depoimentos das testemunhas FF, irmão do A. e GG, o primeiro referiu ter ido ao local do acidente e visto o relógio de pulso, óculos no chão da viatura e que a mala foi prensada e o computado ficou partido, esta parte pelo que o irmão lhe transmitiu, porque antes desconhecia o estado do computador.
A testemunha GG também se deslocou ao local do acidente e afirmou, ainda que pouco convictamente, de forma vaga, que viu um computador danificado na mão da testemunha FF.
Pese o teor destes depoimentos, bem como as fotos juntas aos autos, considera-se não ser de alterar a resposta à matéria de facto em tal parte, porquanto o FF é irmão do A., e como tal, pelos laços familiares, interessado na defesa dos interesses do irmão, sendo que o depoimento do GG é muito parco, vago e pouco preciso nas declarações efectuadas.
Acresce que as fotos podem ter sido obtidas em qualquer altura, não constituindo de per si, elemento preponderante para alterar a matéria de facto em causa.
Além disso, na apreciação da matéria de facto não se pode deixar de continuar a valorar os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”, vide Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609.
No presente caso a Srª Juíza fundamenta suficientemente as razões pelas quais considera não ser de dar por provada a matéria do ponto 10 dos factos não provados, sustentando “a ausência de prova cabal quanto aos mesmos. De facto, seria importante o depoimento/declarações de parte de alguém que pudesse concretizar, enquadrar no contexto, quer tais objectos, quer o modo como ficaram danificados, quer o seu suposto valor, o que não foi feito”, sustentação com a qual este Tribunal concorda.
Ou seja, no mínimo existe uma séria dúvida sobre a real perda/danos dos objectos em causa, o que nos termos do artº 414º, do CPC e 342º do CC, a mesma corre contra quem tinha o ónus da prova, neste caso o A.
Assim sendo, considera-se não ter sido feita prova suficiente e bastante para que possa ser dada por provada a factualidade do ponto 10 dos factos não provados, pelo que é de indeferir a pretensão do A.
*

A R. peticiona que os factos Factos 16, 17 e 53 deviam ser dados por não provados.
Compulsados os relatórios médicos os mesmos não preveem expressamente a necessidade de medicamentosa e tratamentos de fisioterapia, mas consta das queixas as dores que o A. sente e a medicação que toma.
Acresce ainda que o A. ficou a padecer de 2 pontos de incapacidade, bem como o quantum doloris de 3 pontos.
Toda esta descrição, conjugada com os depoimentos das testemunhas que referiram o estado de saúde do A., são de forma a concluir que os pontos 16, 17 e 53 são de molde considerá-los e mantê-los como provados, como foi feito na sentença.
Assim sendo, improcede a alteração da matéria de facto requerida pela R..
*
1.5 Síntese conclusiva:
Improcede a pretensão de ambos os apelantes em alterar a matéria de facto.
***

2 - OS FACTOS E O DIREITO.
Da indemnização devida.

O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, artº 564º. É o que se designa por danos emergentes e lucros cessantes.
Por sua vez, o nº 2 do mesmo preceito estabelece que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
Assim, pode-se dizer que o dano patrimonial compreende também as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens, quer privando-o do que tem, quer impedindo-o de adquirir o que estava a caminho de ter (cit. de Castro Mendes, do Conceito Jurídico de Prejuízo, pág. 29)
Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas, ou seja, na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorreram no caso e que o tornarão sempre único e diferente.
A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, artº 566º, nº 1.
Tal indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos, artº 566º, nº 2. Flui do exposto que este artigo prescreve uma avaliação concreta e não abstracta do dano - Cfr. Prof. A. Varela, apud, " Das Obrigações " 663.
*

Dos danos não patrimoniais.
A R./Apelante/FGA pugna pela redução do valor de €3.250,00 fixado a título de danos não patrimoniais.
Conhecendo:
Danos não patrimoniais são aqueles cujos prejuízos são insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (ex. a vida, a saúde, a liberdade, a beleza).
Aliás, pode-se dizer que estes danos não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.
Com efeito, em quanto, em termos de dinheiro, se pode avaliar a vida, as dores físicas, o desgosto, uma cicatriz que desfeia? O dano de cálculo não tem aqui aplicação, pelo que a lei (artº 496º, nº 1,) fez apelo a uma fórmula genérica, mandando atender só àqueles danos não patrimoniais que pela sua tutela mereçam a tutela do direito.
Segundo o prof. Antunes Varela, in - Das Obrigações em geral, 1º, pág. 628, 9ª edição - a gravidade deve ser apreciada objectivamente.
Quanto à fixação do montante indemnizatório por estes danos a lei remete para juízos de equidade, haja culpa ou dolo, cfr. artº 496º, nº 3, tendo em atenção os factores referidos no artº 494º (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias).
Entre “as quaisquer outras circunstâncias” referidas no artº 494º, costumam a doutrina e a jurisprudência apontar a idade e sexo da vítima, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, possibilidades de melhoramento, de reeducação e de reclassificação.

Reconduzindo-nos ao caso sub judice considerando que:
- O A. foi assistido pelos Bombeiros, tendo sido imobilizado no local do evento e transferido para o Hospital ....
- Após realização de exames e avaliação lhe foi diagnosticado traumatismo frontal do crânio e dor apenas à apalpação da transição dorso-lombar.
- O Autor ficou com vários hematomas na zona do cotovelo, costas e na testa (provocado pelo embate no volante).
- Esteve com incapacidade temporária absoluta de 22.09.2021 a 20.10.2021, sendo que durante esse período foi sujeito a 10 tratamento de fisioterapia.
- O A. sentiu fortes dores com os tratamentos/massagens e que
teve que se sujeitar.
- Foi atribuído ao A. um DFIFP de 2 pontos, um Quantum doloris de 3/7 e confirmou a existência de rebate profissional.

Face a tal circunstancialismo, considera-se ser adequada e proporcional o valor de €3.250,00 fixado na sentença recorrida, improcedendo o recurso/apelação nesta parte da R. FGA.
*
Dano biológico/dano futuro.
Relativamente ao dano futuro, o Autor/Apelante pugna pela fixação de €10.000,00, tendo a sentença recorrida fixado em €500,00, constatando-se que foi fixado a título de dano biológico a quantia de €13.000,00.
Por sua vez a R. Fundo Garantia Automóvel invoca que face à limitação ínsita no artigo 51.º do DL n.º291/2007, não pode o FGA ser condenado no pagamento da indemnização de dano biológico, dano patrimonial futuro e despesas decorrentes de medicação por se tratarem de Danos ressarcíveis no âmbito da Lei n.º 98/2009 e, por essa razão, ao abrigo do acidente de trabalho.
Caso assim não se entenda pugna pela redução do valor do dano biológico para €6.000,00.
Conhecendo:
As normas dos artigos 49.º e 51.º do DL n.º 291/2007 estatuem.
Artigo 49.º, sobre o âmbito material das atribuições do FGA no que respeita ao pagamento de indemnizações, o seguinte:
“1 - O Fundo de Garantia Automóvel garante, nos termos do n.º 1 do artigo anterior, e até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a satisfação das indemnizações por:
a) Danos corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz, ou for declarada a insolvência da empresa de seguros;
b) Danos materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz;
c) Danos materiais, quando, sendo o responsável desconhecido, deva o Fundo satisfazer uma indemnização por danos corporais significativos, ou tenha o veículo causador do acidente sido abandonado no local do acidente, não beneficiando de seguro válido e eficaz, e a autoridade policial haja efectuado o respectivo auto de notícia, confirmando a presença do veículo no local do acidente.
2 - Para os efeitos previstos na primeira parte da alínea c) do número anterior, consideram-se danos corporais significativos a lesão corporal que determine morte ou internamento hospitalar igual ou superior a sete dias, ou incapacidade temporária absoluta por período igual ou superior a 60 dias, ou incapacidade parcial permanente igual ou superior a 15 %.
3 - Para os efeitos previstos na segunda parte da alínea c) do n.º 1, considera-se aplicável ao veículo abandonado a exclusão prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo 14.º”

E dispõe-se no artigo 51.º, fixando limites especiais à responsabilidade do FGA:
“1 - Caso o acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º seja também de trabalho ou de serviço, o Fundo só responde por danos materiais e, relativamente ao dano corporal, pelos danos não patrimoniais e os danos patrimoniais não abrangidos pela lei da reparação daqueles acidentes, incumbindo, conforme os casos, às empresas de seguros, ao empregador ou ao Fundo de Acidentes de Trabalho as demais prestações devidas aos lesados nos termos da lei específica de acidentes de trabalho ou de serviço, salvo inexistência do seguro de acidentes de trabalho, caso em que o FGA apenas não responde pelas prestações devidas a título de invalidez permanente.
2 - Se o lesado por acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º beneficiar da cobertura de um contrato de seguro automóvel de danos próprios, a reparação dos danos do acidente que sejam subsumíveis nos respectivos contratos incumbe às empresas de seguros, ficando a responsabilidade do Fundo limitada ao pagamento do valor excedente.
3 - Quando, por virtude de acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º, o lesado tenha direito a prestações ao abrigo do sistema de protecção da segurança social, o Fundo só garante a reparação dos danos na parte em que estes ultrapassem aquelas prestações.
4 - As entidades que satisfaçam os pagamentos previstos nos números anteriores têm direito de regresso contra o responsável civil do acidente e sobre quem impenda a obrigação de segurar, que respondem solidariamente.
5 - O lesado pelo acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º não pode cumular as indemnizações a que tenha direito a título de responsabilidade civil automóvel e de beneficiário de prestações indemnizatórias ao abrigo de seguro de pessoas transportadas.
6 - O pagamento pela empresa de seguros da indemnização prevista no n.º 2 não dá, em si, lugar a alteração de prémio do respectivo seguro quando o dano reparado for da exclusiva responsabilidade do interveniente sem seguro”.

Por sua vez o Artigo 7º da Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT) estipula que é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço.

No presente caso, pese o acidente ter sido simultaneamente de trabalho e viação, nenhuma indemnização foi auferida pelo A. a título de dano biológico, o qual se encontra fora dos danos ressarcidos no âmbito do acidente de trabalho, pelo que terá o FGA de assumir tais danos.
Com efeito, tem sido entendimento uniforme da jurisprudência que «as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado».
E, por outro lado, o de que «a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respectiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objectivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado».
De esclarecer, contudo, que a indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente, vide, entre outros, AC do STJ, de 12 de Julho de 2018, processo 1842/15.8T8STR.E1.S1, Relator: Rosa Tching, in www.dgsi.pt.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais».
Assim, «nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal».
No mesmo sentido, refere o Acórdão do STJ, de 06.12.2017 (processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1) que «O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis».
Considerando o disposto nos artº 49º, nº 1, a) e 51º, nº 1, do regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil, é a R. Fundo de Garantia Automóvel responsável pelo pagamento do patrimonial futuro na vertente do dano biológico.
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Aqui chegados, estando reconhecida a obrigação do FGA em pagar o valor relativo ao dano biológico, cabe apreciar o pedido da R. Apelante FGA no sentido de redução do valor de €13.000,00 fixado a título de dano biológico.
Conhecendo.
Tem sido entendimento consensual da jurisprudência “De todo o modo, a incapacidade permanente geral com repercussão na perda de capacidade aquisitiva, constitui um dano patrimonial (sem esquecer a vertente não patrimonial que dela decorre), pois que se verifica uma vertente claramente patrimonial expressa no facto de o lesado ficar privado da sua inteira capacidade física, determinante da necessidade de esforço acrescido nas suas actividades produtivas e não produtivas (…).
O sinistrado tem, pois, direito a ser indemnizado pelo dano biológico de que foi vítima e que compromete a sua qualidade de vida, para além de suportar uma limitação funcional e ter de despender esforços acrescidos no desempenho da profissão.
Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam à redução da sua capacidade de trabalho pois implicam, desde logo, uma lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física pelo que a indemnização a arbitrar não pode atender apenas àquela redução.
Acresce que a limitação da condição física que a deficiência, dificuldades ou prejuízo de certas funções ou actividades do corpo, o handicap que a incapacidade permanente geral acarreta, colocará sempre, até pelas consequências ao nível psicológico, uma diminuição da capacidade laboral genérica e dos níveis de desempenho exigíveis.
O que releva, pois, é o dano biológico, isto é, o decorrente da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.
Importa, porém, ter também presente que a acrescer ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada em função do grau de incapacidade permanente fixado, deve ser considerada uma quantia que constitua justa compensação do dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis diminutio de que passou a sofrer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal.”, vide ac do STJ, de 11/07/2019, processo 1456/15.2T8FNC.L1.S1, Relator Henrique Araújo, in www.dgsi.pt.
É ainda entendimento na jurisprudência que tendo o lesado em consequência do acidente abandonado o trabalho noturno extra e os trabalhos ocasionais de pichelaria pelo quais auferia acréscimo remuneratório, necessário se torna repercutir a perda patrimonial no valor da indemnização, olhando ao tempo de vida activa restante, vide Ac do STJ de 28-05-2024, proc. 15899/17.3T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
Tem sido entendimento uniforme da jurisprudência que o julgador deve recorrer à equidade para fixar a indemnização devida pelo dano biológico, ainda que se sirva, num primeiro momento, do auxílio de tabelas financeiras ou de fórmulas matemáticas.
Esta operação inicial consiste na utilização de um instrumento de carácter objectivo, a ajustar ulteriormente às situações ocorrentes na vida, vide AC. do STJ, de 16.01.2024, processo 3527/18.4T8PNF.P2.S1, Relator LUIS CORREIA DE MENDONÇA,, www.dgsi.pt.
A sentença fixou a título de dano biológico a quantia de €13.000,00.
Decorre da factualidade provada que o A. auferia €800,00 de vencimento mensal, bem como auferia o valor médio mensal de €75,00 a título de trabalho nocturno.
Considerando o Défice Funcional Permanente de 2 pontos de que o A. ficou a padecer, conjugado com o vencimento anual auferido pelo mesmo (€12.100,00=€800,00 x 14 meses + €75,00 x 12 meses), bem como o período provável de vida (78 anos de idade para os homens (vide INE -www.ine), isto é, 38 anos de vida, tal significa que o A. auferiria o montante total de €459.800,00 (€12.100,00 x 38 anos).
Tendo o A. ficado a padecer de uma incapacidade permanente parcial de 2 pontos, tal significa que fará um esforço acrescido para obter os mesmos rendimentos que obteria caso não ficasse a padecer da incapacidade de 2 pontos.
Assim sendo, será de fixar, equitativamente, o valor de €10.000,00, dando-se parcial provimento ao recurso da R. FGA.
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Relativamente ao Dano Futuro
No âmbito dos danos futuros, em primeiro lugar, ainda que não resulte provado a perda de rendimentos por força da incapacidade, tal não significa que tal perda não terá lugar no futuro, vide Ac. Do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Outubro de 2003, disponível em www.dgsi.jstj.pt/];
Em segundo, estando em causa, num primeiro momento, a afirmação da perda de capacidade de trabalho, se o lesado mantém o mesmo nível de rendimento, ou o aumenta, tal dever-se-á necessariamente a um esforço acrescido que desenvolve, de tal forma que razoavelmente será de supor que sem a incapacidade para o trabalho de que padece estaria apto a angariar rendimentos de nível superior, vide Ac. do Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 18 de Novembro de 1999 e de 18 de Junho de 2009, ambos disponíveis em www.dgsi.jstj.pt/.
O aludido dano futuro já foi atendido na fixação do dano biológico, não se justificando a sua fixação autónoma como foi feito na sentença, sob pena de dupla valoração e indemnização.
Assim sendo, procede o recurso do Apelante FGA., revogando-se a sentença na parte em que condenou o pagamento solidário das RR. como valor autónomo e distinto do dano biológico.
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Relativamente às despesas medicamentosas, tendo em conta tudo o já acima expresso, ter-se-á de concluir, atento o disposto no artº 7º da LAT e 51.º, º nº 1, do DL n.º 291/2007, que o FGA não responde pelas despesas medicamentosas, porquanto tal responsabilidade cabe às entidades aludidas no artº 7º da LAT, a que acresce o facto de continuar a haver um responsável civil, mais concretamente a R. BB.
Assim, revoga-se a sentença na parte em que condenou o FGA nas despesas medicamentosas.
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Relativamente aos danos materiais, recurso subordinado do apelante A., considerando não ter sido alterada a matéria de facto, – computador portátil, relógio, óculos e telemóvel –, nada há a fixar e, consequentemente, a alterar na sentença recorrida.
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O A. pugna ainda pela condenação da R. no dobro da taxa de juro.
A sustentar o seu pedido invoca o artº 38º, nº 3, da Lei do Seguro Obrigatório.
Na sentença fixaram-se juros à taxa legal.
Conhecendo:
De acordo com o disposto no nº 3, do art. 38º da Lei Seguro Obrigatório da Responsabilidade civil Automóvel, “se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n° 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.”.
Já no nº4, se dispõe que “para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”.
O Regime Jurídico do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, previsto instituído pelo DL nº 291/2007 de 21 de Agosto (entretanto alterado pela Retificação nº 96/2007 de 19/10, e pelo DL nº 153/2008 de 06 de Agosto), introduziu regras muito específicas nesta matéria, nos arts. 35º a 40º, relacionadas com as participações dos sinistros, e com a obrigatoriedade das seguradoras de dar resposta pronta às participações e respetivas indemnizações, tudo em vista a agilizar os sinistros e a sua rápida ressarcibilidade.
A remissão que é feita na Lei (no citado art.º 39º nº3 e 5) para a Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanente em Direito Civil, tem sido feita, de forma pacífica, para “os critérios e valores orientadores constantes de portaria aprovada pelos Ministros das Finanças e da Justiça, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal” - a Portaria 377/2008, de 26 de maio, entretanto alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de junho, e a tabela anexa à mesma.
A Portaria 377/2008, de 26.5 “Fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal”, resultando do seu Preâmbulo que “A defesa dos interesses das vítimas dos acidentes de viação tem sido uma das prioridades do Governo.
A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, viria entretanto a ser alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de junho, de cujo preâmbulo consta o seguinte: “Decorridos cerca de 10 meses desde a sua publicação, pode afirmar-se que a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, foi acolhida de forma muito positiva pelos vários agentes envolvidos na regularização de sinistros automóvel, registando-se um significativo aumento do número de casos resolvidos por acordo, com referência aos critérios e valores nela estabelecidos.
Como se decidiu no Ac. da RP de19/11/2020, “O legislador não pode ter querido que se considerasse irrazoável uma proposta que seguisse os critérios por ele próprio indicados para fixação da proposta razoável. Seria um contrassenso, um absurdo jurídico mesmo, admitir o sancionamento do segurador quando cumpre os parâmetros de determinação e avaliação dos danos que o próprio legislador lhe forneceu com obrigação de cumprimento…”.
Refere-se ainda no aludido Acórdão, o legislador nem sequer define o que seja a manifesta insuficiência da proposta, não resultando da lei que ela consista numa qualquer divergência entre o valor da proposta e o valor que o tribunal acabe por fixar na decisão final. Apesar de parecer apontar nesse sentido, ao estabelecer que a duplicação da taxa de juro recai “sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial”, no nº 4 do art.º 39º apenas esclarece que “para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.”
Assim, ter-se-á de apreciar se a proposta apresentada ao lesado pela seguradora desrespeitou os “termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”, como lhe impõe o nº 3 do art.º 39º do DL 291/2007, mormente o desrespeito na mesma dos critérios e valores orientadores estabelecidos na Portaria nº 679/2009, de 25/06, a qual fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados (por acidente automóvel) de proposta razoável para indemnização do dano corporal.
Tem sido entendimento uniforme da jurisprudência que os valores da Portaria são vocacionados fundamentalmente para base de discussão de acordos extrajudiciais, estabelecendo os critérios e valores referenciais para efeitos de apresentação de proposta razoável aos lesados por acidente automóvel, vide Ac. do STJ de 24/03/2021, em www.dgsi.pt.
Na proposta apresentada A. proposta feita pelo Réu ao Autor foi de €1.509, 02 (englobando a indemnização pelo dano biológico e pelas perdas salariais).
Tal como é sustentado na sentença recorrida “o Autor não alegou, nem provou como fez a proposta, o que alegou, o que demonstrou, qual a prova carreada para que lhe fosse feita a proposta de modo a que a mesma pudesse ser considerada como não razoável à data em que foi feita e de acordo com os elementos que tidos por disponíveis para se apurar a mesma.”
Ou seja, alegando o FGA que respeitou e observou as referências e critérios estabelecidos na Portaria nº 679/2009, de 25/06, e não tendo o A. alegado e provado a não verificação de tais exigências, não pode aquela ser censurada por apresentar proposta irrazoável ou desequilibrada (em desfavor do lesado) e, em consequência, ser condenada no pagamento de taxa de juros agravada, mesmo que tenha sido condenada em valores muito superiores aos por si apresentados.
Assim sendo, ter-se-á de concluir pela improcedência do recurso do A./apelante, sendo os juros de mora apenas os devidos à taxa legal em vigor.
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Situação que se suscita nos autos é a de saber se a R. BB aproveita do recurso do FGA. em que medida.
Dispõe o artº 634.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil que o recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes no caso de litisconsórcio necessário.
O presente caso constitui uma situação de litisconsórcio necessário passivo, porquanto a acção tem de ser intentada contra o responsável civil que não detém seguro válido e eficaz e contra o FGA (art. 62.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto e art. 33.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).
A questão coloca-se pelo facto de ter merecido provimento o recurso do FGA na parte em que reconheceu não estar obrigado ao pagamento das despesas medicamentosas, sendo que relativamente ao dano futuro pelo trabalho nocturno o mesmo foi considerado integrado no dano biológico e a questão não se coloca, por o mesmo ter deixado de ser valorado autonomamente.
A resposta é: a R. aproveita do provimento do recurso na parte que o FGA é responsável solidário com a mesma, no restante, isto é, naquilo que o FGA não está obrigado a responder, designadamente nas despesas medicamentosas, continua a R. BB a responder, porquanto é a responsável civil, já que o FGA apenas é um garante da obrigação devida por aquele.
Como resulta do artº 49º, nº 1, da Lei do Seguro Automóvel, o FGA não é um devedor, mas apenas um garante da satisfação das indemnizações previstas no nº 1 do mesmo preceito, no caso de não existência de seguro válido e eficaz, o que significa que naqueles danos em que o FGA não é garante solidário com o responsável civil, terão as mesmas de ser assumidas por este, dado que o FGA, em sede de ressarcimento de dano laboral ou cível, decorrente de acidente de viação, apenas responde de forma subsidiária e não na qualidade de responsável directo.
“Quer dizer, a responsabilidade do FGA é meramente subsidiária da do lesante, não sendo aquele (FGA) mais que um garante, um responsável subsidiário, pois que o principal obrigado é sempre o responsável civil pelo acidente de viação, só actuando o FGA, satisfazendo a indemnização arbitrada, se o responsável civil deixar de o fazer”.
Não passa, pois, o FGA de um “mero garante do pagamento das indemnizações devidas a terceiros lesados em consequência de um acidente de viação, ficando sempre com a faculdade de reaver dos responsáveis principais as quantias que houver despendido e nessa medida fica legalmente sub-rogado nos direitos do lesado”, vide Ac. do TRP de 07-06-2011, proc. 1031/07.5TBESP.P1, in www.dgsi.pt.
Assim, conclui-se que, pese estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário em que a R. BB aproveita do recurso intentado pelo FGA, artº 631º, nº 1, do CPC, ela continua a ser responsável pela parte em que o FGA não é garante da obrigação de indemnizar, neste caso das despesas médicas e medicamentosas.



IV – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto:
a) Na parcial procedência do recurso independente interposto pelo apelante FGA, em alterar a decisão apelada, fixando em €10.000,00 (dez mil euros) a indemnização devida pelo dano biológico, absolvendo-se o réu FGA do pedido de condenação no pagamento da quantia de 500,00 (quinhentos euros) a título de dano futuro e no pagamento da quantia a liquidar referente a despesas médicas e medicamentosas de que o Autor vai necessitar, no mais se mantendo a decisão apelada;
b) Em negar provimento ao recurso subordinado interposto pelo recorrente AA.
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Custas do recurso independente do apelante FGA a cargo deste e do autor apelado, na medida do respectivo decaimento – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Custas do recurso subordinado do apelante AA a cargo deste.
Notifique.







Porto, 24/10/2024

Álvaro Monteiro
Ana Luísa Gomes Loureiro
Ana Vieira