I – O art. 1887.º-A do Código Civil – aditado pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto – atribui relevância jurídica ao convívio das crianças com os seus irmãos e ascendentes.
II – O meio processual adequado para apreciar a eventual alteração do regime de convívio entre avós e netos, judicialmente fixado, é o incidente de alteração regulado no art. 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC).
III – A alteração do regime de convívio entre avós e netos, judicialmente fixado, pode ter como fundamento o incumprimento do estipulado nesse regime ou circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
(Sumário elaborado pelo Relator)
(Processo n.º 865/22.5T8CTB-B.C1)
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I – As Partes e o Litígio
Recorrentes:
AA e BB
Recorridos:
CC e DD
Os ora Recorrentes – avós de EE e FF – instauraram contra os ora Recorridos CC e DD – pais de EE e FF – procedimento tendo em vista a «alteração da regulação das responsabilidades parentais», «ao abrigo do art. 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível», nos termos que constam do articulado inicial apresentado em 26-03-2024 (refª citius 3549133).
O processo foi concluso à Mma. Juiz, tendo esta proferido despacho onde, em síntese, determinou a notificação dos ora Recorrentes «para, no prazo de 10 (dez) dias, complementarem a sua alegação, aduzindo factos concretos (quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar em causa) que integrem a causa de pedir na presente ação, entendida nos termos supra expostos, sem o que a sua pretensão não pode, manifestamente, proceder» (despacho de 03/04/2024, refª. citius 37054014).
Na sequência desta notificação, em 17-04-2024, os ora Recorrentes apresentaram requerimento pelo qual, segundo afirmam, complementam e explicitam o por si alegado no requerimento inicial.
Seguidamente, a Mma. Juiz proferiu o seguinte despacho: «cite nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 42.º, n.º 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível» (despacho de 22/04/2024, refª. citius 37124755).
Os ora Recorridos deduziram oposição, nos termos que constam do articulado apresentado em 07-05-2024.
Tendo o processo ido com vista ao Ministério Público, foi promovido «o agendamento de Conferência, nos termos regulados nos artigos 35.º ex vi do artigo 67.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 1887.º-A do Código Civil».
Em seguida, em 06-06-2024, foi proferida decisão com o seguinte teor:
«Com os fundamentos exarados no anterior despacho proferido, que convidou os requerentes AA e BB a aperfeiçoar a factualidade apresentada pelos mesmos no requerimento inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos por uma questão de economia processual, para todos os efeitos legais, a que acresce que, na sequência do mesmo, nada de relevo foi adiantado pelos requerentes.
Com efeito, continuam os Requerentes sem alegar verdadeira e especificadamente qualquer incumprimento por parte de ambos os progenitores (veja-se que o incumprimento apenas pode ser relativo ao acordo expressamente fixado e constante dos autos e não quanto a eventuais cláusulas que os Requerentes pretendiam que estivessem fixadas ou que consideram que lhes seriam mais oportunas; por outro lado, tal-qualmente, não pode o incumprimento deixar de ser concretizado) nem qualquer verdadeira alteração substancial das circunstâncias ou sequer qualquer verdadeiro facto a atender nesse âmbito.
Pelo exposto, indefere-se liminarmente o pedido de alteração apresentado, por manifesta falta de fundamento legal (cfr. artigo 42.º, n.ºs 2 e 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Civil).
Custas pelos requerentes AA e BB.
Valor: €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Registe e notifique.
Oportunamente aos vistos».
II – O Objeto do Recurso
Inconformados, AA e BB – avós dos menores e requerentes da «alteração da regulação das responsabilidades parentais» – interpuseram recurso quanto à transcrita decisão que indeferiu liminarmente o pedido de alteração apresentado, por manifesta falta de fundamento legal.
Contra-alegaram CC e DD – pais dos menores –, defendendo a improcedência do recurso.
O Ministério Público apresentou resposta às alegações dos Recorrentes defendendo «que a pretensão formulada pelos Recorrentes, parece de aceitar como razoável e deduzida em razão do interesse das Crianças».
As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1. O Tribunal a quo indeferiu liminarmente o pedido de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais apresentado pelos ora Recorrentes por não terem os mesmos alegado qualquer incumprimento por parte dos progenitores, nem qualquer alteração substancial das circunstâncias.
2. Decisão e fundamento com os quais não podem os Recorrentes conformar-se. Porquanto,
3. Os Recorrentes invocaram discriminadamente o incumprimento reiterado do acordado quanto a contactos telefónicos e videochamadas entre avós e netos.
4. Os Recorrentes invocaram discriminadamente a sabotagem de que as visitas são alvo por parte os progenitores, que não asseguram o descanso prévio dos menores e não permitem que os avós alimentem ou usem brinquedos na sua interacção com estes durante a visita.
5. E os Recorrentes invocaram discriminadamente que em função do crescimento e do convívio com os avós, as crianças têm, respectivamente, uma maior autonomia e um maior à-vontade com os avós.
6. O que fizeram de forma sucinta, mas concreta e fundamentada.
7. Sendo que os factos invocados são bastante para sustentar e justificam o reforço e reajuste do direito de visita de avós a netos pretendido.
8. Reforço e reajuste que servem os interessem e bem-estar dos menores.
9. Pelo exposto, ao indeferir liminarmente o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais apresentado, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível».
Os Recorridos contra-alegaram, apresentando as seguintes conclusões:
(…).
Também o Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto, verbalizando as seguintes conclusões:
(…).
O objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil).
Face às conclusões das alegações apresentadas pelos Recorrentes, importa analisar e decidir a seguinte questão:
- saber se, no caso, se justifica o indeferimento liminar do pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais, por manifesta falta de fundamento legal.
III – Fundamentos
Para a decisão do presente recurso, importa ter em consideração os seguintes factos:
1) Em 13-03-2024, AA e BB – avós de EE e FF – instauraram contra CC e DD – pais de EE e FF – ação tutelar comum requerendo «a regulação dos convívios dos Requerentes com os seus netos, em conformidade com o disposto no art. 1887.º-A, do Código Civil», dando origem ao Processo Tutelar Comum atualmente identificado com o n.º 865/22.5T8CTB-A.
2) Por decisão proferida em 11-04-2023, no âmbito do Processo Tutelar Comum n.º 865/22.5T8CTB-A, já transitada em julgado, foi homologado o acordo alcançado entre os aí Requerentes – AA e BB – e Requeridos – CC e DD –, com o seguinte teor:
«1 – Os convívios entre os requerentes (avós maternos) e as crianças manter-se-ão nos exactos moldes que se encontram a decorrer e constantes dos autos de promoção e protecção, com a única alteração quanto à sua duração e que passará a ser de 3 horas (das 14 horas às 17 horas).
2 - De quinze em quinze dias a requerida (CC) estabelecerá ligação através de videochamada com os requerentes (aos domingos entre as 09:00 e as 09:10) com vista aqueles contactarem e visualizarem as crianças».
3) Os ora Recorrentes – avós de EE e FF – instauraram contra os ora Recorridos CC e DD – pais de EE e FF – procedimento tendo em vista a «alteração da regulação das responsabilidades parentais», «ao abrigo do art. 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível», nos termos que constam do articulado inicial apresentado em 26-03-2024 (refª citius 3549133).
4) O processo foi concluso à Mma. Juiz, tendo esta proferido despacho onde, em síntese, determinou a notificação dos ora Recorrentes «para, no prazo de 10 (dez) dias, complementarem a sua alegação, aduzindo factos concretos (quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar em causa) que integrem a causa de pedir na presente ação, entendida nos termos supra expostos, sem o que a sua pretensão não pode, manifestamente, proceder» (despacho de 03/04/2024, refª. citius 37054014).
5) Na sequência desta notificação, em 17-04-2024, os ora Recorrentes apresentaram requerimento com o teor que consta da refª. citius 3569178.
6) Seguidamente, a Mma. Juiz proferiu o seguinte despacho: «cite nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 42.º, n.º 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível» (despacho de 22/04/2024, refª. citius 37124755).
7) Os ora Recorridos deduziram oposição, nos termos que constam do articulado apresentado em 07-05-2024.
8) Tendo o processo ido com vista ao Ministério Público, foi promovido «o agendamento de Conferência, nos termos regulados nos artigos 35.º ex vi do artigo 67.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 1887.º-A do Código Civil».
9) Em seguida, em 06-06-2024, foi proferida decisão com o seguinte teor:
«Com os fundamentos exarados no anterior despacho proferido, que convidou os requerentes AA e BB a aperfeiçoar a factualidade apresentada pelos mesmos no requerimento inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos por uma questão de economia processual, para todos os efeitos legais, a que acresce que, na sequência do mesmo, nada de relevo foi adiantado pelos requerentes.
Com efeito, continuam os Requerentes sem alegar verdadeira e especificadamente qualquer incumprimento por parte de ambos os progenitores (veja-se que o incumprimento apenas pode ser relativo ao acordo expressamente fixado e constante dos autos e não quanto a eventuais cláusulas que os Requerentes pretendiam que estivessem fixadas ou que consideram que lhes seriam mais oportunas; por outro lado, tal-qualmente, não pode o incumprimento deixar de ser concretizado) nem qualquer verdadeira alteração substancial das circunstâncias ou sequer qualquer verdadeiro facto a atender nesse âmbito.
Pelo exposto, indefere-se liminarmente o pedido de alteração apresentado, por manifesta falta de fundamento legal (cfr. artigo 42.º, n.ºs 2 e 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Civil).
Custas pelos requerentes AA e BB.
Valor: €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Registe e notifique.
Oportunamente aos vistos».
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Condenam-se os Recorridos a pagar as custas.